De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Joshua Birchall, 2010

Oro Win

Autodenominação
Oro Win, Oro Towati'
Onde estão Quantos são
RO 88 (Siasi/Sesai, 2014)
Família linguística
Txapakura

Autodenominam-se Oro Win ou Oro Towati’. Oro, nessa língua da família Txapakura, significa "coletivo" ou "grupo".

Os Oro Win vivem na Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, em Rondônia, nas cabeceiras do rio Pacaás Novos.

A ocupação de sua terra por outros grupos começou no início do século 20 com os Uru-eu-wau-wau que atravessaram a Serra dos Pacaás Novos, vindos do alto Jamarí. Os seringueiros estabeleceram um seringal em seu território, primeiro no alto rio Cautário na década de 1940, depois, em 1963, surgiu o seringal São Luís. Os Oro Win foram forçados a trabalhar lá por quase vinte anos, antes de ir morar com os Wari'.

Foi somente em 1991, com a expulsão do proprietário do Seringal São Luís, que puderam retornar a sua área tradicional.

Atualmente esse antigo seringal abriga a maior parte da população oro win que, em 2010, somava mais de setenta pessoas. Essa tímida retomada demográfica foi acompanhada de outras iniciativas de fortalecimento político e cultural, como a criação de uma associação própria e a inclusão de aulas da língua Oro Win nas escolas.

Nome

Os Oro Win autodenominam-se Oro Win ou Oro Towati’. A origem da palavra Oro Win não é clara.

Pintura de jenipapo, São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.
Pintura de jenipapo, São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.

Algumas pessoas falam que oro win significa “povo que se pinta”, pois era comum em dias festivos pintarem todo o corpo com jenipapo e urucum. Várias pessoas da aldeia São Luís também dizem que o nome Oro Win foi inventado por uma jovem mulher quando foi capturada por seringueiros em 1963. Foi relatado que a jovem, temendo por sua vida, criou esse nome na esperança de que os invasores não a considerassem do povo Oro Towati’, um grupo considerado pelos seringueiros responsável por várias incursões aos seringais das cabeceiras dos rios Pacaás Novos e Cautário. Segundo ela, a mulher mais velha do seu povo, o nome Oro Win não tem significado nenhum.

Não há na língua Oro Win uma palavra win que signifique “pintar”. Talvez essa etimologia esteja relacionada a uma confusão entre a palavra win e a palavra mawin, que significa “urucum” em Wari’, uma outra língua da família Txapakura da mesma região.

Em Wari’, porém, existe a palavra win “ser igual, semelhante”, que confere o significado “os mesmos” à denominação Oro Win. Vilaça (2006) menciona que além do sentido de “os mesmos” em Wari’, a palavra win também significa um tambor de argila feito com pele de caucho, um instrumento tipicamente usado pelos Oro Win durante as festas tradicionais. Como alguns homens Oro Nao’ (Wari’) estavam envolvidos na captura e na escravidão dos Oro Win, é provável que a palavra tenha entrado na língua por meio de empréstimo.

O povo chamado Oro Win é composto por membros de seis clãs: Oro Towati’, Oro Kitam, Oro Wan Am, Oro Japraji, Oro Karapakan e Oro Naro. Os últimos três subgrupos mencionados também são denominados coletivamente como os Oro Masam, “o povo da cachoeira”, pois esses grupos moravam próximos ao pé da serra dos Pacaás Novos, onde há três cachoeiras. Todos os nomes dos subgrupos têm o significado de uma espécie de árvore, por exemplo towati’ significa “aricurí” (syagrus coronata), japraji, “gameleira” (fícus doliaria) e karapakan, “apuizeiro” (ficus fagifolia). A palavra oro significa um coletivo ou um grupo.

Antigamente, os Oro Win se referiam ao próprio grupo com o nome do seu clã (e não como “Oro Win”). Mesmo com tais divisões, eles reconheceram uma afinidade cultural e linguística entre os seis subgrupos. Quando se referiam a todos os clãs como uma entidade em contraste com outros grupos da área (como os Uru-eu-wau-wau ou Oro Nao’), eles usavam o pronome wari’, “nós” em oposição ao termo wajam, “estrangeiro”. Atualmente, o uso do termo wari’ foi estendido a todos os grupos indígenas da região e o termo wajam está sendo usado somente para os não-indígenas.

Como a maioria das pessoas que sobreviveram aos ataques e à subsequente escravidão são do clã Oro Towati’, algumas pessoas adotaram este nome para referir ao grupo como um todo. O uso deste nome entre os jovens é pouco frequente, mas algumas das pessoas mais velhas preferem usar Oro Towati’ como autodenominação.

Língua

A língua do povo Oro Win pertence à família linguística Txapakura, juntamente com a língua falada pelos Wari’, seus vizinhos mais próximos, contudo ambos os povos falam línguas diferentes.

O último falante monolingue do Oro Win, Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.
O último falante monolingue do Oro Win, Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.

Também há uma outra língua Txapakura falada pelo povo Moré (Itene) que mora na margem esquerda do rio Guaporé, no lado boliviano. Um dialeto da língua Moré chamado Cojubim (Kuyubí) é falado no Brasil por apenas uma idosa que mora na TI Guaporé.

Historicamente, foram registradas várias outras línguas desta família linguística, como a dos Miguelenho Wanham, Torá, Urupá, Jarú, povos encontrados no Brasil; e também as línguas dos Kitemoka, Napeka, Rokorona e Tapakura, localizados na Bolívia. Todas estas línguas são provavelmente já extintas.

Em 2010 a língua Oro Win era falada por somente seis pessoas, todas com mais de cinquenta anos de idade. A língua cotidiana nas aldeias é principalmente o Português, que quase todos os habitantes dominam. Alguns adultos, além dos seis falantes principais, têm uma proficiência limitada na língua Oro Win, com capacidades variáveis de compreensão e produção. Com exceção das pessoas que nasceram nas malocas um pouco antes do contato permanente com os seringueiros, a maioria dos semi-falantes nasceu nos seringais. Há pouca transmissão da língua às gerações mais jovens. Considerando a pequena população de falantes e o fato de que nenhuma criança está aprendendo a língua, podemos considerar a língua Oro Win em risco de desaparecimento.

Algumas pessoas pertencentes ao grupo dos Oro Win se casaram com indígenas de outras etnias, como Makuráp, Wajuru, Kanoê e Wari’. Destas pessoas que moram nas aldeias Oro Win, somente os Wari’ (principalmente dos subgrupos Oro Nao’ e Oro At) mantiveram o uso da sua língua tradicional. Por isso, algumas crianças destes casais vêm aprendendo a língua Wari’ em casa. Muitos adultos Oro Win também falam a língua Wari’ devido ao fato de terem morado no Posto Indígena Rio Negro-Ocaia durante a década de 80, e de terem contato frequente com os habitantes wari’ do rio abaixo.

Já que a maioria dos falantes da língua Oro Win também fala Wari’, alguns efeitos dessa situação sociolinguística estão evidentes na sua língua tradicional: empréstimos de palavras, marcadores de posse (-xi’ em vez de -si) e expressões idiomáticas já foram copiados de Wari’ para Oro Win. Mesmo com tal processo de convergência linguística ocorrendo entre estas línguas em contato, se se comparar os vocabulários básicos das línguas da família Txapakura, olhando as porcentagens de cognatos [palavras de mesma raiz] e a inovação e retenção de traços fonológicos, a língua Oro Win mostra mais afinidade com a língua dos Migueleno Wanham do que com a língua Wari’.

Localização

Casas contemporâneas, Posto Indígena São Luís. Foto: Joshua Birchall, 2009.
Casas contemporâneas, Posto Indígena São Luís. Foto: Joshua Birchall, 2009.

Os Oro Win vivem nas cabeceiras do rio Pacaás Novos, perto do igarapé Água Branca e da serra dos Pacaás Novos. O seu território tradicional inclui o rio Pacaás Novos e seus afluentes, na confluência com o igarapé São João até as cabeceiras, e termina na serra dos Pacaás Novos.

Cada subgrupo vivia em uma aldeia separada, mas os grupos mantinham entre si forte contato. Perto da segunda cachoeira, existiam as malocas dos Oro Masam. No médio igarapé Água Branca havia a maloca dos Oro Wan Am, que utilizavam a região do rio acima, até o rio Cautário, para coleta e pesca. As malocas dos Oro Towati’ e dos Oro Kitam estavam situadas próximas à confluência do Pacaás Novos com o Água Branca, adjacente ao sítio atual do Posto Indígena São Luís. Foram nestes locais que os grupos foram encontrados em meados do século 20.

Os Oro Win moram na aldeia São Luís, local onde se encontrava o barracão e a sede do seringal de Manoel Lucindo, também chamado de seringal São Luís. Está situada na Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, em Rondônia, e a cidade mais próxima é Guajará-Mirim, localizada às margens do rio Mamoré.

Cinquenta por cento da área da TI Uru-eu-wau-wau é rochosa e montanhosa, estando entre nascentes e encostas. Caracteriza-se também por duas macrorregiões de planícies e elevações montanhosas, em uma transição entre florestas (com rica cobertura vegetal) e o cerrado. Esta TI engloba partes das três principais bacias hidrográficas de Rondônia: Guaporé, Madeira e Mamoré, considerando que os rios Jaci-Paraná, Cautário, Candeias, Urupá, Jarú, Muqui, São Miguel, Pacaás Novos, Ouro Preto, ao total 17 rios, nascem nas escarpas das serras localizadas na terra. Nas nascentes do rio Pacaás Novos, no pé da serra, há abundantes grutas com inscrições pré-colombianas, tratando-se de um sítio arqueológico importante.

Há também uma aldeia chamada de Pedreira, situada rio abaixo de São Luís, perto da confluência do igarapé São João com o rio Pacaás Novos. Nesta aldeia mora a família de um homem indígena do rio Guaporé que se casou com a segunda mulher mais velha dos Oro Win. Esse grupo autodenomina-se Cabixí ou Oro Win-Cabixí. No início do ano 2010 uma família oro win reocupou o sítio antigo do seringal Cristo Reis, entre as duas aldeias principais, e montou uma nova moradia.

População

Refeição em família, Posto Indígena São Luís. Joshua Birchall, 2009
Refeição em família, Posto Indígena São Luís. Joshua Birchall, 2009

As estatísticas oficiais da Funasa (Siasi), referentes a julho de 2010, apontam para uma população de 73 pessoas da etnia Oro Win. Também foram registradas 26 pessoas que se autodenominam Cabixí. Como os dados da Funasa dizem respeito às pessoas cabixí que vivem no município de Guajará-Mirim, podemos supor que se referem à população oro win-cabixí da aldeia Pedreira, e não a outro grupo também chamado de Cabixí, como é o caso de alguns subgrupos nambikwara ou paresí [sobre a confusão entre os vários usos deste termo, ver Price (1983)]. Um levantamento da população, conduzido por Joshua Birchall em novembro de 2009, registrou a presença de 103 habitantes nas três aldeias oro win. Tal levantamento incluiu somente pessoas com residência fixa nas aldeias e não distinguiu as etnias dos habitantes. Esta totalização também não incluiu famílias ou indivíduos oro win morando em outras Terras Indígenas ou na cidade.

Histórico do contato

Segundo a proposta das migrações txapakura apresentada em Meirelles (1989), presume-se que os Oro Win tenham vindo da região do alto Mamoré (Bolívia), atravessando a fronteira nos tempos pós-colombianos para fugir da presença dos jesuítas espanhóis. Acredita-se que até o final do século 19 muitos grupos indígenas que viviam próximos ou às margens do Guaporé e do Mamoré se deslocaram para as cabeceiras dos grandes afluentes, protegidos pelas encostas das serras escarpadas como as de Pacaás Novos e Uopianes. Até este momento eles estavam protegidos temporariamente do primeiro ciclo da borracha, que iria realmente iniciar o processo de ocupação do vale do Guaporé.

O povo Oro Win sofreu inúmeros massacres, restando poucos sobreviventes. O genocídio contra os Oro Win foi realizado com verdadeiros requintes de crueldade, como por exemplo, o massacre no igarapé Teteripe, quando crianças indígenas foram atiradas para o alto e espetadas na ponta dos facões; e mulheres grávidas, amarradas em troncos, foram mortas lentamente com a barriga rasgada por terçados. Esse massacre foi promovido a mando do seringalista Miranda da Cunha.

Coleta de caucho, igarapé Água Branca. Foto: Andy Richter, 2010.
Coleta de caucho, igarapé Água Branca. Foto: Andy Richter, 2010.

O último massacre contra os Oro Win foi em agosto de 1963, organizado pelo então seringalista Manoel Lucindo da Silva, que fora denunciado em 1978 e condenado em 1994 pelo Tribunal do Júri Popular a 15 anos de prisão pelo crime de genocídio. Entretanto, o Lucindo, por razão de sua idade avançada, cumpriu prisão domiciliar em sua residência. Nos autos do Processo Crime de no 6.362/78, destaca-se dois depoimentos sobre o genocídio:

1) Maria Pi’ Nowa (Mixem Toc) Oro Win “relata que se encontrava no mato recolhendo milho quando escutou os tiros. Assustada retornou para a aldeia e quando lá chegou encontrou vários índios feridos e que, nessa ocasião, o Sr. Manoel apontou para ela uma arma. Logo o Sr. Manoel mandou que os índios feridos sentassem no chão. Quando ouviu vários tiros e soube então que haviam matado 04 crianças e 02 velhas. Após os tiros foi levada para o seringal do Sr. Manoel Lucindo, onde ficou alguns dias e porque apanhava muito fugiu. Que na maloca da sua tribo havia apenas uma casa grande e que foi queimada pelo Sr. Manoel. Relata que a sua mãe havia morrido em um tiroteio de seringalistas no rio Cautário há algum tempo. Disse também que teve conhecimento que o Sr. Manoel tomou a mulher de seu pai e manteve relação com ela até que ficou grávida e depois veio a falecer, não sabendo o motivo de sua morte. Que depois disso o Sr. Manoel chamou ela, Mixem Toc Oro Win, para morar com ele e que a depoente negou, dizendo que já tinha marido”.

2) Maria Piwan (Piunã) Oro Win “conta Piunã que se encontrava na tribo juntamente com seu pai, quando ouviram vários tiros. Correram para a mata e que tais fatos ocorreram cedo do dia. Quando ela e seu pai retornaram no final da tarde para a aldeia, encontraram crianças mortas, uma moça e mais três adultas. Que seu pai cavou um buraco e enterrou os 07 corpos. Após, ela e o pai fugiram”.

Calcula-se, a partir dos relatos dos sobreviventes, que, de um grupo de 52 indivíduos, foram mortos 31 Oro Win. A mãe de Pi’ Nowa e Piwan, chamada de Saji, era esposa de Ti’omi. Saji fora morta grávida, amarrada em uma árvore com o ventre aberto com facão, no massacre do rio Cautário. A segunda esposa de Ti’omi foi roubada pelo seringalista Manoel Lucindo, e posteriormente envenenada. Após o massacre de 1963, Ti’omi, único homem adulto sobrevivente, conduziu seu grupo pela mata, contudo, sem tempo para as roças e para construir as malocas, viviam perambulando, ora fugindo dos seringueiros, ora dos Uru-eu-wau-wau.

Conforme relato de Ti’omi, após o massacre terminaram presos pelo seringalista Manoel Lucindo e obrigados trabalhar em regime de escravidão no seringal São Luís. Além de trabalharem por comida, as mulheres eram constantemente violentadas pelo seringalista e por seus filhos. Nesse período, sofreram um intenso surto de gripe e sarampo, ocasionando mortes e deficientes. Por volta do início da década de 1980, a Funai levou os Oro Win que estavam no seringal São Luís para o Posto Indígena Rio Negro-Ocaia. Lá permaneceram até 1991, quando enfim o seringalista Manoel Lucindo foi expulso e os Oro Win puderam retornar para suas terras. Nessa ocasião foi criado o Posto Indígena São Luís.

Organização social e política

O mais velho casal oro win com seu filho, o cacique. Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.
O mais velho casal oro win com seu filho, o cacique. Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.

Casamentos exogâmicos entre os subgrupos eram comuns, muitas vezes arranjados em dias de festa. Em casamentos endogâmicos costumava-se dar preferência aos primos cruzados. Esta última prática está presente na mitologia tradicional, como na história do dilúvio e a lontra Myrym Men. Os protagonistas desta história, dois primos cruzados, ficam encalhados em cima da Serra durante um grande dilúvio. À noite um inhambu visitou-os e falou para eles se casarem, pois eram os únicos sobreviventes do seu povo. A partir daí, os primos se casaram e o dilúvio retrocedeu, deixando o novo casal retomar sua terra e a repovoar. Relatos contam que os Oro Win são descendentes deste casal. Nos dias de hoje existem vários casais de primos cruzados, tanto entre os casais formados no período antes do contato, quanto entre os do pós-contato.

Cosmologia e mitologia

Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.
Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.

Duas narrativas são fundamentais na cosmologia oro win. A primeira diz respeito à origem da vida e à relação dos Oro Win com os Wari’. Relatos contam que no início havia apenas uma grande e frondosa árvore. Essa gigantesca árvore possuía um orifício no centro. Então, certa vez, um homem introduziu seu pênis no orifício da árvore, e, a partir daí, a árvore ficou grávida e começou a engordar. Um dia, o homem escutou vozes saindo de dentro da árvore. Com o seu machado de pedra, o homem rachou o tronco da árvore, deixando seus “filhos” saírem. Destes descendentes havia aqueles que comiam carne humana, enquanto outros se recusavam. Os que comiam foram expulsos, dando origem aos Wari’. Os que ficaram, e não tinham o costume da antropofagia, formaram os subgrupos dos Oro Win.

Outro mito diz respeito ao menino maravilha, Oko’ Jimi, e a origem do fogo. Para os Oro Win, quem detinha o fogo era o sapo. O bicho mostrava o fogo, mas sempre o engolia. Certa vez, um menino oro win, muito esperto, aproveitou que o sapo dormia e roubou o fogo. Isso é contado como um grande feito, motivo de risadas e orgulho. Este menino herói também foi responsável pela origem dos peixes, o primeiro arco de flecha, a formação das serras, e a coleta do primeiro ouriço de castanha.

Muitas outras histórias tradicionais envolvem a transformação dos seres humanos ancestrais em animais da floresta. As histórias mais conhecidas desta tradição contam sobre as origens da anta, do macaco preto, da arara, da queixada, do tamanduá e do gavião real. Outras histórias comuns envolvem as origens dos alimentos importantes do povo, como milho, taioba e castanha.

Rituais

Festa. Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.
Festa. Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.

A informação que temos sobre a vida espiritual e os rituais dos Oro Win é escassa. Porém, podemos extrair das narrativas tradicionais e entrevistas coletadas em 2009 e 2010 algumas observações gerais:

- Diferente de alguns outros grupos txapakura da região, como os Wari’ ou Cojubim, os Oro Win não praticavam antropofagia funerária. Quando alguém morria, o costume era deixar o corpo apodrecer por alguns dias e depois cremar os restos mortais. As cinzas eram armazenadas em urnas de cerâmica com tampas tecidas de palha de tucumã. Tipicamente, as urnas eram enterradas, mas, em alguns casos, elas poderiam ser depositadas no fundo do rio.

- Muitos outros rituais entre os Oro Win se concentraram aparentemente no combate de doenças e no fomento à fecundidade. Até o presente, temos somente um relato sobre os rituais antes do contato. Segundo a mulher oro win mais idosa, enquanto ela tentava engravidar pela primeira vez, o pajé da aldeia elaborou um ritual que incluiu chamados, danças e cantos coletivos, acompanhados de ingestão de remédios derivados de fontes vegetais e animais para ajudá-la a conceber filhos. Dois animais centrais para esse ritual de fecundidade foram o macaco prego e a anta. Segundo a idosa, os pajés normalmente se relacionavam com o espírito de um animal de poder, como a onça, o gavião real e o macaco preto.

Casas e atividades produtivas

Menina com queixada, Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.
Menina com queixada, Posto Indígena São Luís. Foto: Andy Richter, 2010.

Os Oro Win faziam grandes malocas de duas águas. O grupo familiar era formado por toda a rede de parentesco, que vivia no mesmo ambiente residencial. Teciam-se redes, cestos e fabricavam-se arcos e flechas cujas pontas eram triangulares e lisas.

A fonte de alimentação era basicamente a pesca e a caça, principalmente de porcos do mato, macacos, antas e aves da floresta. Às vezes, filhotes de aves achados na mata eram criados ou, ainda, galos dos barracos dos seringueiros eram furtados.

Os Oro Win ainda mantêm o roçado, embora os cultivos tenham mudado desde os tempos do antes do contato. Tradicionalmente, eles plantavam principalmente milho, além de vários tipos de raízes alimentares como macaxeira, taioba, cará e batata doce. O milho para fazer pamonha e chicha era pisado com uma pedra redonda, pois não havia o costume do uso do pilão. O cultivo predominante hoje é o da mandioca para produzir farinha, uma prática introduzida pós-contato. Os Oro Win ainda coletam produtos da floresta para sua alimentação, como açaí, castanha, tucumã, ingá e mel. Além disso, plantam hortas caseiras que incluem temperos, pés de frutas e amendoim.

Uma característica peculiar aos Oro Win era o tipo do corte de cabelo, pois não cortavam franja, homens e mulheres deixavam o cabelo crescer. Tradicionalmente, eles não tinham o costume de se vestir com roupas, preferindo andar pintados. Durante a época de friagem, que chega à região no meio do ano, utilizavam couro de animais para se proteger.

Nota sobre as fontes

A principal fonte de informação desse verbete são entrevistas e gravações feitas pelo linguista Joshua Birchall durante seu projeto “Documentação das Línguas Txapakura em Rondônia”. Este projeto trabalhou principalmente com a língua, a cultura e a etnohistória dos Oro Win. O pesquisador registrou tudo o que encontrou durante duas visitas ao PI São Luís em 2009 e 2010.

Uma segunda fonte de informação vem dos trabalhos do Antonio Brito, quem conduziu entrevistas com os sobreviventes dos massacres, além de realizar uma extensa revisão da literatura jurídica sobre o genocídio e o consequente processo contra Manuel Lucindo.

O trabalho de Mauro Leonel se concentra na formação da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, incluindo muitas informações sobre a história de extrativismo na região e os massacres que resultaram dessa incursão, inclusive aqueles contra os Oro Win.

A antropóloga Aparecida Vilaça trabalhou no Posto Indígena Rio Negro-Ocaia durante a década de 1980, quando os Oro Win foram assentados nessa aldeia. Sua dissertação e subsequentes publicações incluem algumas informações sobre a história do povo.

Fontes de informação

  • ANGENOT, Geralda de Lima V. “Documentação da língua Oro Win: Arquivos acústicos”. Working Papers in Amerindian Linguistics. Série 'Documentos de Trabalho'.Guajará-Mirim, UNIR, 1997.
  • BIRCHALL, Joshua (ed.) “Arquivo de documentação do povo indígena Oro Win”. Arquivo multimídia http://arqling.museu-goeldi.br/ [16 horas de áudio e 10 horas de vídeo]. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2010.
  • BIRCHALL, Joshua; ORO WIN, Salomão. Woraw Fet Ti’: Uma cartilha básica da língua Oro Win. 2010, 1ª edição, manuscrito.
  • BRITO, Antonio José Guimarães. “Genocídio do povo oro-win”. In: Lemos, Maria Teresa Toríbio Brittes & Bahia, Luiz Henrique Nunes (eds.). Percursos da Memória: construções do imaginário nacional. Rio de Janeiro: UERJ, 2000, pp. 61-66.
  • CIMI. Panewa Especial. N. 02, Porto Velho, Março, 1998.
  • FRANÇA, Maria Cristina V. de. Aspectos da fonologia lexical da língua Oro Towati’ (Oro Win). Tese de doutorado. Guajará-Mirim: Universidade Federal de Rondônia, 2002.
  • ______________. Descrição de Aspectos Morfossintáticos da Língua Oro Win. Anexo III. Léxico Alfanumérico. Campus de Guajará-Mirim, UNIR, 2001.
  • LEONEL, Mauro. Etnodicéia Uru-eu-wau-wau. São Paulo: USP, 1995.
  • MEIRELLES, Denise Maldi. Guardiães da Fronteira: Rio Guaporé, século XVIII. Petrópolis: Vozes, 1989.
  • POPKY, Donna. Oro Win: A Descriptive and Comparative Look at an Endangered Language. Pittsburgh: University of Pittsburgh, 1999. Dissertação de mestrado.
  • PRADO, Rafael; BRITO, Antônio José Guimarães; AMARAL, José Januário de Oliveira. “Além do Genocídio: o etnocídio do povo oro-win e a fricção interétnica nas cabeceiras do rio Pacaás-novas: em caso de violação de direitos humanos”. Revista Jurídica da Universidade de Cuiabá. Cuiabá: Edunic, 2007.
  • PRICE, David. “Pareci, Cabixi, Nambiquara: a case study in western classification of native peoples”. In: Journal de la Société des Américanistes. Paris: Musée de L’Homme, 1983, 69, pp. 129-148.
  • RONDÔNIA. Tribunal de Justiça. Processo 015.97.00467-7, Comarca de Guajará-Mirim. Porto Velho, 1978.
  • VILAÇA, Aparecida. Quem Somos Nós: Os Wari’ encontram os Brancos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.