De Povos Indígenas no Brasil

Igrejas e missões religiosas

Nem só de pregação vive a missão

O antropólogo Marcos Pereira Rufino escreve sobre a atuação das missões junto aos índios, apontando como missionários cristãos estão envolvidos em projetos de educação, saúde e auto-sustentação no Brasil

A presença de missões religiosas cristãs entre os povos indígenas do país é, sabemos, uma realidade antiga, que se iniciou no momento mesmo da colonização do Brasil pelos portugueses. O quadro atual em que ocorre esta presença é complexo e envolve um conjunto muito heterogêneo de missionários. A evangelização dos povos indígenas não é uma preocupação exclusiva da Igreja Católica, mas também de uma miríade de agências religiosas protestantes. Estas, por sua vez, reproduzem no contexto da missão entre os índios as suas características de agentes religiosos relativamente independentes, multiplicando-se em diversas igrejas e denominações, com as respectivas diferenças em sua teologia, modo de atuar, converter.

A atuação da missão católica também não esconde a sua diversidade. Além do trabalho realizado pelas diversas ordens e congregações, cada qual com o seu carisma e projeto missionário próprio, há hoje a forte presença de missionários seculares, comprometidos diretamente com o plano pastoral da hierarquia eclesiástica do país. Estes últimos estão, em sua grande maioria, ligados ao Cimi - Conselho Indigenista Missionário, órgão anexo à CNBB, criado por ela com a finalidade de coordenar a ação missionária nacionalmente e sintonizá-la com as preocupações contemporâneas da Igreja Católica. Contrariamente aos missionários católicos das ordens e congregações, os cerca de 400 missionários do Cimi, distribuídos em 112 equipes, estão cada vez mais distantes do proselitismo religioso e concentram a sua atuação na política indigenista, desenvolvendo algum trabalho na área da saúde, educação, movimento indígena, assessoria jurídica etc.

Nos últimos anos vêm sendo desenvolvidos também alguns projetos de geração de alternativas econômicas, como por exemplo, o projeto de sustentatibilidade e ocupação territorial entre os Mura, cuja meta é a produção, beneficiamento e comercialização de frutas regionais, ou o projeto de desenvolvimento e disseminação entre comunidades indígenas e não-indígenas de técnicas apícolas e de industrialização de frutas regionais desenvolvido também no Amazonas. Ambos os projetos são apoiados pelo PDA, que são subprogramas do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7). A importância dessa temática levou o órgão a constituir, na década de 90, a Articulação Nacional de Auto-Sustentação (Anas), que reúne missionários e assessores em um fórum comum para o aprofundamento do tema e o suporte às equipes missionárias e organizações indígenas no desenvolvimento destas atividades.

A inserção do Cimi no campo de ações visando a auto-sustentação de grupos indígenas se dá de modo peculiar: a elaboração de seus projetos é orientada por um nítido espírito anticapitalista e antiliberal, de maneira que se evita formular propostas que carreguem vestígios de empreendimento empresarial, obtenção de lucro ou acúmulo de riquezas. Grosso modo, o perfil das propostas de auto-sustentação elaboradas pelo Cimi procura situá-las como atividades de baixo impacto sobre as condições sociais e econômicas internas aos grupos indígenas que são beneficiados por elas. Estas propostas salientam também o sentido comunitário que estas atividades podem desempenhar no interior destas realidades.

Ainda no campo católico, não podemos ignorar que em algumas regiões o Cimi participa diretamente, através da pastoral indigenista diocesana local, da gestão dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, junto com as organizações indígenas e ONGs parceiras. É o caso da diocese de Boa Vista, em Roraima, cujos missionários atuam em parceria com o CIR, e da diocese de São Gabriel da Cachoeira, no noroeste amazônico, em que estes atuam conjuntamente com a Foirn e o município.

A ação de missionários protestantes é ainda mais complexa. Além das centenas de grupos que freqüentemente são denunciados por suas práticas de claro desrespeito à diversidade cultural, com a imposição de valores, cultos e cosmologias estranhos aos índios, há também um conjunto de agentes missionários protestantes diretamente envolvidos na política indigenista. A maior parte das atividades desenvolvidas por estas denominações evangélicas, e que não são propriamente religiosas, estão na área da educação e da saúde. Nos é bastante conhecido o trabalho de sistematização lingüística e gramatical realizado em diversos povos, cujos resultados são aproveitados não apenas para a tradução da Bíblia no idioma nativo mas também para a estruturação de escolas indígenas e grupos de alfabetização. O desenvolvimento de ações dirigidas à saúde é freqüente em muitas missões protestantes, ocupando, muitas vezes, o espaço deixado pelo Estado. Em alguns contextos, a atuação destas missões em programas de saúde é a principal forma que elas tem de legitimar a sua presença entre os índios e, às vezes, de justificar a sua entrada em áreas de índios isolados.

Os grupos protestantes de maior destaque no cenário da política indigenista são o GTME (Grupo de Trabalho Missionário Evangélico) e o Comin (Conselho de Missão entre os Índios). Estas duas agências missionárias são muito próximas uma da outra. Apesar de estarem explicitamente comprometidas com a evangelização dos povos com quem atuam, ambas enfatizam o envolvimento missionário na educação, saúde e movimento indígena, atuando conjuntamente na realização de diversas atividades neste âmbito. Algumas vezes, elas agem em parceria com os missionários católicos do Cimi e ONGs na condução de atividades comuns. Podemos citar a sua participação conjunta no Comitê de Resistência Indígena, Negra e Popular, e na marcha indígena dos 500 anos, evento que propunha fazer uma contracelebração dos festejos oficiais realizados pelo governo e Igreja Católica.

 

Referências externas

Para saber mais sobre a atuação de missionários envolvidos com a política indigenista na defesa dos direitos indígenas, acesso os sites abaixo: 

CIMI – Conselho Indigenista Missionário www.cimi.org.br

COMIN – Conselho de Missão entre Índios http://www.comin.org.br

Outubro de 2000