De Povos Indígenas no Brasil

Revisão de 15h10min de 20 de janeiro de 2021 por Bruno (discussão | contribs) (Inserção de links para outros povos)
(dif) ← Edição anterior | Revisão atual (dif) | Versão posterior → (dif)

Foto: Cimi-RO, 2002

Kujubim

Autodenominação
Towa Panka
Onde estão Quantos são
RO 140 (Siasi/Sesai, 2014)
Família linguística
Txapakura

Os Kujubim vivem no sudoeste amazônico, no estado de Rondônia, fronteira com a Bolívia. São um dos muitos povos indígenas que se encontram na área denominada “Grande Rondônia”, ainda pouquíssimo estudados ou mesmo conhecidos. Sua língua, kuyubi ou kaw tawo, pertence à família linguística txapakura. Apesar de terem sido considerados extintos pelo Estado brasileiro nos anos 1980, na perspectiva kujubim e de outros povos na região, eles nunca deixaram de existir e resistir. Desde a década de 2000, os Kujubim vêm retomando seu protagonismo no cenário regional e nacional, principalmente a respeito da demarcação de seu território tradicional e da reivindicação dos direitos constitucionais indígenas.

Nome e população

Crianças Kujubim na pescaria no Rio Guaporé. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Crianças Kujubim na pescaria no Rio Guaporé. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

“Kujubim” é o nome pelo qual todos os indivíduos do grupo — e mesmo os que não fazem parte dele — identificam a etnia. Segundo as matriarcas, já falecidas, que viveram diretamente no território tradicional deste povo, o nome “Kujubim” foi dado por integrantes da comitiva de Marechal Rondon que passaram pelo território indígena por volta de 1920, e atribuíram esse nome aos índios por morarem em um igarapé em que o pássaro cujubim (Pipile cujubi) era abundante. A autodenominação do grupo no “tempo da maloca” (o período antes do contato), era Towa Panka que, segundo a matriarca Suzana, significa, na língua nativa, “cabeça branca”. O termo sugere uma relação simbólica já existente entre esse povo indígena e o pássaro cujubim, que tem o corpo todo preto e possui, apenas em sua cabeça, penas brancas. A explicação nativa para essa relação aparece em uma narrativa mítica, segundo a qual é o pássaro cujubim que traz as almas dos humanos para seus corpos quando nascem e as leva embora quando morrem.

Os atuais Kujubim antes se separavam em três grupos distintos: Kumaná, Matawá e Kujona. Embora apresentassem diferenças entre si, os não índios da época os chamavam, indistintamente, de “Cautários”. A denominação deriva, muito provavelmente, da interpretação de um termo que ouviram dos Moré, grupo de relações históricas com o Kujubim, que atribuíam a esses últimos o nome “kaw tayo” — “comedores de peixe-cachorro”, na língua nativa.

Meninas coletando batatas. Foto: Gabriel Sanchez, 2018
Meninas coletando batatas. Foto: Gabriel Sanchez, 2018

O censo da Sesai registrou, em 2014, 140 indivíduos kujubim, o que representa um crescimento de cerca de 2% ao ano desde o levantamento realizado pela Funasa em 2010, que contabilizou 129 pessoas. Para efeito de comparação, a taxa de crescimento anual média do período no Brasil foi aproximadamente 0,9%, segundo o Banco Mundial. A população kujubim vem aumentando ano a ano, principalmente por conta de casamentos interétnicos com outros povos indígenas que vivem na Terra Indígena Rio Guaporé, com quilombolas da região de Santo Antônio, em Costa Marques (RO), e com não índios. Os descendentes desses casamentos não deixam de ser identificados como Kujubim. Esse cenário de aumento populacional é muito importante e significativo para o povo, principalmente pelo fato de que, nos anos 80, os Kujubim haviam sido considerados extintos pelas fontes oficiais.

Língua

Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

A língua kujubim pertence à família linguística txapakura e foi classificada por Duran (2000) como “kuyubi” ou “kaw tayo”. As únicas falantes da língua kuyubi das quais se teve notícias — e com quem foi possível realizar estudos linguísticos — foram as três matriarcas, Suzana, Rosa e Francisca, já falecidas. Nos dias atuais, a comunicação oral na língua se reduz a palavras de uso cotidiano, como “tok ta” (chicha, uma bebida fermentada de mandioca), e aos nomes de animais presentes em seu dia a dia, como imin (anta), myak (queixada) e kinam (onça), sendo o português a língua predominantemente falada no território.

Em 2017, projeto “Documentação e Salvaguarda da Língua Moré-Kujubim” teve início, almejando a retomada do uso escrito e oral da língua nativa nas aldeias. Coordenada por Joshua Birchall (do Museu Paraense Emílio Goeldi), que produz atividades e oficinas com os Kujubim e demais etnias na região, a ação recupera o repertório de palavras kujubim falado atualmente. Por meio de estudos linguísticos, realizados a partir de gravações, trabalhos científicos e anotações de viajantes, foi possível registrar cerca de 800 palavras da língua kuyubi em uso hoje.

Tal língua era compartilhada pelos grupos matawá, kumaná e kujona, que se fundiram nos atuais Kujubim durante o século XX. Dados de um dialeto chamado kumaná, coletados pelo etnólogo alemão Emil Snethlage nos anos 1930, mostram uma semelhança notável com a língua kujubim, o que reafirma a possibilidade de se tratarem do mesmo grupo no passado.

Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

Em um estudo sobre o proto-txapakura, Angenot-de Lima (1997) havia considerado que o “kuyubi”, dialeto falado pelas três matriarcas, seria uma “nova” língua, muito próxima daquela falada pelos Moré, o povo indígena de relações históricas com os Kujubim que mora na margem esquerda do rio Guaporé, no lado boliviano.

O trabalho de Duran (2000), que melhor investiga a língua, indica que o kuyubi e o moré possuem apenas algumas variações dialetais no uso de consoantes, mas em geral são quase idêntico entre si, considerando que foram raríssimos os lexemas não reconhecidos como existentes em ambas as línguas. Além disso, em relação ao sistema gramatical kuyubi, não foi identificada nenhuma construção sintática nem morfológica que não exista também no moré.

Em um estudo recente, Birchall et al (2016) propõem uma divisão em subgrupos da família txapakura, a partir de uma releitura de classificações anteriores, colocando a língua kujubim num ramo designado “moreico”, juntamente com outras línguas, como o moré e o torá, que se diferenciam, por exemplo, do ramo “warico”, constituído pelas línguas wari’, oro win, wanyam, jarú e urupá.

Localização

Homem Kujubim regressando do trabalho. Em suas costas, o paneiro, cesta comumente utilizada para carregar cultivos da roça. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Homem Kujubim regressando do trabalho. Em suas costas, o paneiro, cesta comumente utilizada para carregar cultivos da roça. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

Os Kujubim estão distribuídos por toda a extensão de Rondônia, com maior concentração de indivíduos no sudoeste e sul do estado, na divisa com a Bolívia. Eles residem, especialmente, em duas aldeias: Baía das Onças e Posto Indígena Ricardo Franco, na Terra Indígena Rio Guaporé, no município de Guajará-Mirim. O território, habitado por dez etnias, foi demarcado em 1976 e homologado vinte anos depois. Muitas famílias kujubim também se encontram dispersas em áreas urbanas das cidades de Guajará-Mirim, Costa Marques, Porto Velho, Seringueiras e São Francisco do Guaporé.

Desde 2002, os Kujubim reivindicam, em assembleias e manifestações, a demarcação de suas terras tradicionais no alto e médio rio Cautário, entre os municípios de Guajará-Mirim e Costa Marques. O processo de demarcação de seu território, a Terra Indígena Rio Cautário, se iniciou em 2013 e, em 2019, ainda se encontra em seu primeiro estágio: a fase de identificação.

Histórico do contato

Kujubim em canoa na Baía das Onças. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Kujubim em canoa na Baía das Onças. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

Há indícios documentais — em mapas, relatórios e diários — de que os atuais Kujubim antes se separavam em três grupos distintos, chamados Kumaná, Matawá e Kujona. Todos falavam a mesma língua, apresentando apenas algumas variações dialetais, e trocavam cônjuges, alimentos e artefatos entre si. Esse dado também é amparado por informações de uma matriarca kujubim capturada por seringueiros na década de 1940. Embora os três grupos apresentassem algumas diferenças, os não índios da época não faziam distinções e os chamavam simplesmente de “Cautários”.

O contato desses grupos com os não índios se deu por volta do século XVIII. Segundo Denise Maldi, nesse período o rio Guaporé e seus tributários foram uma barreira “natural” na fronteira entre duas coroas ibéricas na América colonial. Isso conferiu à região um tipo de ocupação fortemente comprometida com a defesa e a posse de territórios de dois reinos tradicionalmente rivais, considerando, por exemplo, a construção do monumental Forte Príncipe da Beira, vizinho das terras tradicionalmente ocupadas pelos Kujubim (Métraux, 1948). A política indigenista do período colonial, que insistia na ocupação fronteiriça, expressava o interesse de manter os índios em suas terras para, dessa forma, garantir a segurança do território.

Ao final do século XVIII, quando os movimentos de libertação nas Américas começaram a tomar corpo e os limites territoriais das colônias já não funcionavam muito bem, a região passou a ser esvaziada rapidamente. Contudo, o contato entre os Kujubim e os não índios nesse período foi o suficiente para ocasionar o quase desaparecimento desse povo, que se reduziu a algumas dezenas de indivíduos, principalmente por conta das doenças infecciosas trazidas pelos não indígenas.

Ainda no século XIX, o engenheiro Ricardo Franco registrou que o contato com os índios “Cautários” estava sendo retomado aos poucos. A partir do início do século XX, a região voltou a ser invadida em razão da demanda global por borracha, intensificando a chegada de figuras como madeireiros e seringueiros, e fazendo com que os povos indígenas remanescentes do primeiro contato fossem rapidamente incorporados à mão de obra local.

Por volta dos anos 1930, a área passou a ser ocupada com a instalação de inúmeros estabelecimentos para exploração de borracha e caucho, fazendo com que os povos que viviam tanto na margem esquerda quanto na direita (caso dos Kujubim) do rio Guaporé tivessem suas aldeias invadidas, sofressem com as epidemias e fossem obrigados a abandonar seus territórios tradicionais, instalando-se em barracões no entorno.

Suzana, uma das matriarcas kujubim, afirmou que, antes mesmo do aparecimento dos seringueiros, uma comitiva do Marechal Rondon passara por sua terra, por volta dos anos 1920. Nessa mesma época, alguns anos depois, outros brancos foram chegando e espalhando doenças, principalmente gripe e sarampo, que quase acabaram com o povo. Suzana recordou que seus parentes se jogavam na água porque queimavam de febre. Contou, também, que seu povo era extremamente “bravo”, mas aos poucos foi se “amansando”, e começou a fazer trocas de objetos manufaturados com os não índios.

Alguns Kujubim que sobreviveram a esses contatos iniciais conseguiram fugir para outras regiões, mas outros, que não morreram por conta das doenças, foram capturados por seringueiros e levados para os barracões de seringa de diferentes lugares, principalmente em Canindé, Esperança, Marçal, Ouro Fino e Santa Lurdes. Dessa forma teve início a dispersão dos Kujubim por Rondônia, assim como aconteceu com vários grupos nativos do vale do Guaporé.

Cacique Valdino Kujubim (ao centro) e Sérgio Wajuru confeccionando uma flecha para pescaria. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Cacique Valdino Kujubim (ao centro) e Sérgio Wajuru confeccionando uma flecha para pescaria. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

Juntamente com a invasão de seringalistas, missionários também começaram a contatar os Kujubim. Em algumas páginas de seu diário, o primeiro bispo de Guajará-Mirim e missionário, Dom Francisco Rey, dedicou alguns devaneios sobre a “visita à maloca dos índios do rio Cautário”:

O primeiro rapaz que amansou os ‘Kumaná’ penetrando e ficando uma vez na maloca deles, chamou-se Francisco Bento (ajudante do Rivoredo em Paaca Nova). Acertou tão bem que o fizeram Tucháu na Maloca, festejando ele e querendo guardá-lo até o ponto que teve que fugir para escapar deles. (Diário de Dom Rey, “Visita à maloca dos índios do rio Cautário”, 07/08/1932, página 7)

Emil-Heinrich Snethlage, importante etnólogo alemão que dedicou anos à pesquisa com os povos que viviam (e vivem) ao longo de todo o rio Guaporé, também contatou os ancestrais dos Kujubim. No início de 1934, Snethlage subiu o rio Cautário para visitar os Kumaná e registrou, nesse ano, que “restaram somente uns vinte e tantos desta tribo, inclusive dos que tinham ido para Canindé, centro dos seringueiros no Cautário”. Ao voltar, no final do ano, constatou: “[os Kunamá foram] reduzidos a 13 e a famada baia das Onças a onde não achei índios nenhuns”. Por esses motivos, Snethlage registrou que não foi possível recolher muitas informações sobre esse povo — uma vez que estavam beirando a morte, por conta das doenças —, mas que conseguiu coletar alguns artefatos.

Com o passar dos anos, pouco se ouviu falar dos Kumaná, Matawa ou Kujona, os ancestrais dos atuais Kujubim. Aqueles que conseguiram sobreviver foram aos poucos se casando com indivíduos de outras etnias ou com não índios, e se espalhando ao longo de todo o território do rio Guaporé e seus afluentes, estabelecendo-se também em cidades banhadas pelo rio. Este cenário de esquecimento forçado da etnia resultou na falsa constatação, lançada pelos órgãos estatais de tutela aos índios, de que os Kujubim haviam sido extintos no território nacional.

A história recente desse povo, da qual se tem registro, começou quando as três matriarcas proporcionaram, com a ajuda do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em Rondônia, um encontro fundamental na “I Assembleia do povo Kujubim”, em 2002. Reuniram-se nessa data para começar a luta pela identificação e demarcação de seu território tradicional e contar, para netos, filhos e bisnetos, um pouco da esquecida história kujubim e dar início, então, à retomada dos aspectos históricos e territoriais da sua existência. A maioria dos indivíduos deste grupo possui histórias muito diferentes e não teve a oportunidade de dividir um espaço compartilhado. Embora essa configuração de dispersão espacial tenha afetado a estrutura social do grupo, os Kujubim seguiram resistindo e se organizando política e socialmente em torno de um resgate de seus modos de vida tradicionais. Os Kujubim que moram nos municípios próximos aos rios Guaporé e Cautário reclamam constantemente da falta de agilidade para a demarcação da terra. Eles se recusam a ir para outras terras indígenas, como fizeram outros Kujubim, pois reconhecem somente o Cautário como sua terra tradicional. Nas cidades, os grupos indígenas não podem caçar e raras são as vezes em que a pesca é permitida, principalmente a de quelônios muito apreciados pelo grupo, como o tracajá. Reclamam e denunciam que, enquanto não é demarcada sua terra, da qual poderiam estar cuidando e fazendo um uso responsável, como todos seus “parentes” fazem de seus territórios, invasores não indígenas — como pescadores e madeireiros – a ocupam para extrair recursos de modo ilegal.

Para encaminhar assuntos dessa natureza, os índios criaram duas associações que têm por objetivo facilitar a garantia de seus direitos constitucionais: a AKIKÕ (Associação dos Povos Indígenas Kanoé e Kujubim), formada em fevereiro de 2001 em Ricardo Franco, e a AIPOK (Associação Indígena do Povo Kujubim), de 2013. A partir de então, os Kujubim começaram a fazer constantes assembleias e reuniões, juntamente com outros povos indígenas na região, em busca de seus direitos. Nessas assembleias, se discutem, junto ao Ministério Público Federal, possíveis melhorias nas áreas da educação, saúde e, principalmente, o andamento da demarcação da Terra Indigena. Em 2016, os Kujubim chegaram a construir roçados dentro do território do Cautário, para começar uma ocupação em ritmo lento. Iniciaram a estruturação de uma moradia estilo chapéu de palha (construção regional típica, feita de palha de aricuri), mas não se sentiram seguros para a continuação do empreendimento, já que os seringueiros do entorno ameaçavam matá-los. Alguns dias depois, a casa foi, de fato, queimada.

Etno-história e território

As três matriarcas. Da esquerda para direita: Suzana, Rosa e Francisca. Foto: Cimi-RO, 2002.
As três matriarcas. Da esquerda para direita: Suzana, Rosa e Francisca. Foto: Cimi-RO, 2002.

Para os Kujubim, existem pelo menos três histórias de seu povo, no plural. A primeira versão diz respeito ao período antes do contato (o “tempo da maloca”) e foi passada de geração em geração pelas matriarcas, permanecendo viva na memória coletiva do grupo até os dias atuais; outra coincide com o período do contato direto com seringalistas e definiu os rumos dos Kujubim antigos e atuais; e, por fim, a história recente, que se define pela retomada do território tradicional, iniciada pelas três matriarcas remanescentes do último período.

Essas três mulheres, Suzana (Moao), Francisca (Sa’at ou Rite) e Rosa, são fundamentais para a história e a organização social e política dos Kujubim até hoje. Os relatos dessas mulheres são muito importantes para compreender quem são os Kujubim, uma vez que foram elas as únicas pessoas conhecidas que, até onde se sabe, viveram diretamente no tempo da maloca. Suzana era a mais velha e seu nome na língua nativa era Moao, que significa “cuia”, muito provavelmente pelo formato de sua cabeça. Suzana era filha de mãe kumaná e seu pai, Huaat, era matawá. Ela contava para seus familiares que, após a chegada dos brancos no rio Cautário, restaram apenas cerca de dez indivíduos de seu grupo e que todos eles, inclusive ela, foram levados para o barracão Canindé, de extração de seringa. O barracão era gerenciado por um capanga de João Rivoredo, seringalista de enorme protagonismo regional, responsável pela extração da borracha no rio Guaporé e também por escravizar e maltratar os indígenas no local.

A matriarca Suzana Kujubim. Foto: CIMI- RO, 2002.
A matriarca Suzana Kujubim. Foto: CIMI- RO, 2002.

Foi no Canindé que Suzana teve que cuidar de Francisca (outra matriarca que apresentaremos mais adiante), que era muito pequena na época e perdera sua mãe e seu pai, Timikó, pajé e cacique dos Matawá. Alguns anos depois, elas conseguiram fugir de volta para a aldeia em que viveram alguns meses, até serem capturadas novamente por um seringalista chamado Alexandre Laia. Foi Alexandre que batizou Moao como Suzana e Sa’at como Francisca.

Tempos depois, Suzana se casou com Antônio Laia, que também foi um índio batizado e capturado por Alexandre Laia perto do rio Cautário. Depois de seu casamento, Suzana teve que abandonar Francisca e passou a viver junto das comitivas de seringalistas, deslocando-se de barracão em barracão e passando por diversas colocações de corte de seringa, como, por exemplo, Porto Acre, município no nordeste acreano. Por volta dos anos 1970, Suzana passou a viver no município de Costa Marques (RO), em uma terra que beira a Serra Grande, e cerca de trinta anos depois faleceu em Guajará-Mirim. Atualmente, duas das filhas de Susana vivem em Costa Marques e uma delas em Guajará Mirim.

Francisca, a segunda matriarca citada, possuía dois nomes na língua originária: Sa’at (“Gaivota”) e Rite (“Banana”). Viveu simultaneamente com Suzana em algumas colocações até se casar com Sebastião, nome de batismo de um índio da etnia Chiquitano. Francisca e Sebastião desceram o rio Guaporé e se instalaram em um igarapé que faz divisa com a Baía das Onças, onde viveram por anos trabalhando para uma família de seringueiros chamada Canuto. Depois que a Terra Indígena Rio Guaporé foi demarcada, por volta de 1976, Francisca e Sebastião, juntamente com seus cinco filhos, atravessaram o igarapé e foram viver junto de uma família Makurap, no território que hoje é a Baía das Onças, ocupado predominantemente pelos Djeoromitxí. Deste modo, a matriarca e seu marido passaram a viver na TI Rio Guaporé juntamente com outras etnias e por lá se estabeleceram. Os filhos de Francisca vivem todos na Terra Indígena, exceto um, que vive em Costa Marques. A matriarca faleceu em 2012, na Aldeia Ricardo Franco, e foi enterrada no próprio cemitério da aldeia.

A história de Rosa, a terceira matriarca, ainda carece de investigação. O que se sabe é que ela sempre viveu na Terra Indígena Sagarana, também em Rondônia, vizinha da TI Guaporé, onde se casou com um índio Kanoê e teve seis filhos.

Organização política

A assembleia kujubim promovida em 2002 impulsionou a luta deste povo pelo seu reconhecimento perante o Estado e o resgate de seu território tradicional. O encontro repercutiu nos mais de 140 indivíduos que vivem suas histórias separadamente, mas com o desejo comum de pôr em prática seus costumes e modos de vida tradicionais.

Contudo, há uma dificuldade maior para os Kujubim que vivem na cidade nesse processo: sem a terra, sem o espaço tradicional, eles não podem reproduzir seus modos de vida e suas práticas materiais e simbólicas. Os Kujubim que vivem na Terra Indígena Rio Guaporé conseguem fazê-lo, devido à convivência e às trocas culturais com outras etnias.

Hoje, a principal dificuldade de continuidade no processo de demarcação se deve ao fato de que o território é muito cobiçado por diversos grupos não indígenas da região, que envolvem serrarias clandestinas, fazendeiros e também a Reserva Extrativista (Resex) do Rio Cautário (de responsabilidade do ICMBio). Os Kujubim acreditam que, com a conclusão da demarcação, terão condições melhores de vida e conseguirão os direitos necessários para poder criar seus filhos dentro da aldeia, com a instalação de uma escola e de um posto de saúde. Além do mais, eles dizem que não iriam só os Kujubim para aquela terra, também iriam outras etnias que se apoiam, como os Kanoê, Djeoromitxí e Wajuru.

A organização política dos Kujubim se faz por meio das lideranças, tanto nas cidades como nas aldeias. Aquele que é cacique ou liderança sempre deve exercer protagonismo político em prol do grupo, mas há uma diferença qualitativa substancial entre ambos os papéis. Lideranças são responsáveis por questões que concernem a totalidade do grupo, como alavancar o movimento de retomada do território ou mobilizar os Kujubim de todo o estado para tratar assuntos diretamente com os brancos e suas instituições, como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM) e a Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino (SEDUC). Os caciques, por sua vez, são líderes de âmbito local, mais ligados à solução de pequenos conflitos, realização de oficinas, liderança nos trabalhos coletivos, entre outras práticas.

Neste sentido, há uma diferença de alcance político de quem exerce a função de cacique ou de liderança. Pode acontecer, também, de as relações políticas serem complexificadas. Na aldeia Ricardo Franco, por exemplo, existe uma liderança geral e dez caciques representando as dez etnias diferentes que ocupam o território.

Cultura material e atividades produtivas

Fabricação da esteira iwi em uma oficina realizada na Aldeia Ricardo Franco. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Fabricação da esteira iwi em uma oficina realizada na Aldeia Ricardo Franco. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

A Terra Indígena Rio Guaporé possui seis aldeias, não muito distantes umas das outras, e é conhecida por sua complexa diversidade multiétnica e multilinguística, definida por Denise Maldi como “Complexo Cultural do Marico”. Atualmente, dez etnias vivem no território, divididas em seis famílias linguísticas.

Esse complexo cenário é explicado etnograficamente pelo trabalho do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que, dos anos 1930 até 1970, retirava os povos de suas malocas tradicionais e os redirecionava para dentro do local que é hoje conhecido como Posto Indígena Ricardo Franco. Mais do que tentar reduzir culturas, histórias e cosmologias diversas a algo único, o SPI encurtava seu dever de garantir um território contínuo, obrigando pessoas de etnias diferentes a se casarem umas com as outras e a viverem juntas.

Foi a partir dessa nova organização e das novas relações sociais que se estabeleceu uma intensa rede de trocas de cônjuges, substâncias, elementos da cultura material, histórias e mitos entre os povos indígenas na região, até os dias de hoje.

Todas as etnias que vivem nas proximidades compartilham da mesma forma de construir casas, feitas de esteio de intaúba e cobertas com as palhas do aricuri. São nessas construções que se realizam festas coletivas, e que se guardam arcos e flechas, artesanato e uma série de artefatos da vida material, como o “marico” — bolsa feita de linha de tucum para carregar objetos e produtos da roça (Maldi, 1991). É interessante notar que também existem peculiaridades de cada etnia: os Kujubim, por exemplo, trançam a esteira de palha do aricuri ligando apenas um ponto da trança, enquanto os Wajuru e Djeoromitxí, por sua vez, fazem dois pontos de costura. As flechas e arcos são um padrão que se mantém hoje em dia na TI Guaporé, sendo as primeiras feitas com chichiu, com a ponta de pupunha ou prego, e os arcos seguem um padrão regional de pupunha lapidada do tamanho do homem que irá utilizar a arma.

Há uma série de práticas e saberes que foram se tornando, também, um certo padrão regional, e o principal se refere à chicha, bebida fermentada produzida a partir da macaxeira (mandioca “mansa”) e cujo consumo configura os grandes momentos de sociabilidade dentro do sistema regional. Os Kujubim bebiam, no tempo da maloca, chicha de milho e de pupunha. A partir do convívio com outras etnias e da edificação desse sistema regional, todos os grupos passaram a fazer a chicha de macaxeira mansa e a consideram como a bebida de todos os povos dali, muito ligada à identidade e à sociabilidade locais.

Atividades produtivas

Casal coletando gongo do aricuri em sua roça na Baía das Onças, TI Guaporé. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Casal coletando gongo do aricuri em sua roça na Baía das Onças, TI Guaporé. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

Tanto no tempo da maloca como no presente, os Kujubim produziam e produzem sua subsistência por meio da caça, da coleta de frutos e sementes silvestres, da pesca e da agricultura de coivara. Isso também se estende para os indígenas deste povo que vivem na cidade, onde fazem a coleta de açaí e castanha e plantam milho e macaxeira, sendo que a farinha que fazem para consumo desta última também é dedicada à venda em pontos comerciais.

Embora não se tenha uma divisão de gênero seguida à risca em relação aos trabalhos, há um consenso de que a pesca e a caça são práticas predominantemente masculinas, assim como os cuidados com a roça e com o âmbito doméstico sejam preferencialmente femininos. Há, também, trabalhos que podem ser realizados igualmente por ambos os gêneros, como mutirões para a abertura de roçados. Nas roças, eles plantam macaxeira, mamão caiana, milho, cará, batata, banana, melancia, jerimum, abacaxi, feijão, arroz, entre outros alimentos.

Homem Kujubim confeccionando farinha d’água na Aldeia Ricardo Franco. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Homem Kujubim confeccionando farinha d’água na Aldeia Ricardo Franco. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

As caçadas, assim como as pescarias, são realizadas por pequenos grupos de homens, entre dois e quatro indivíduos. Eles costumam sair logo cedo da aldeia e retornar no fim da tarde, quando os resultados são aguardados por grupos familiares nucleares, mas que, a depender da quantidade de carne obtida, podem ser distribuídos para toda a aldeia. Eles caçam mamíferos como macacos, antas, queixadas, caititus, pacas e cotias; aves como o mutum, jacu, jacamim e pato do mato; e répteis, tais como os quelônios, são muito apreciados e pescados, assim como uma grande quantidade de espécies de peixes.

Parentesco e nominação

Casa na Baía das Onças. Foto: Gabriel Sanchez, 2018
Casa na Baía das Onças. Foto: Gabriel Sanchez, 2018

Os Kujubim, contaram as três matriarcas, possuíam lógicas matriarcais de nomeação e moradia e, neste sentido, a transmissão de nomes era feita por via materna. Quando havia casamentos, os homens tinham que abandonar suas casas e morar juntamente com a família da moça. Isto é, a residência pós-marital era uxorilocal.

Depois que o SPI começou a juntar as etnias e forçar o casamento entre elas, passou-se a uma lógica de transmissão de nomes por via paterna, principalmente pelo sobrenome. Deste modo, há mais ou menos vinte anos atrás, se uma mulher kujubim se casasse com um kanoé, o filho receberia apenas o sobrenome kanoé. Nos dias de hoje, entretanto, todas as crianças e alguns adolescentes já recebem a dupla filiação, e todos têm dois sobrenomes.

Assim como nesse caso da uxorilocalidade, alguns aspectos do tempo da maloca estão sendo retomados atualmente. Antigamente, um indivíduo kujubim poderia ter até cinco nomes, sendo eles tecnônimos ou necrônimos, e também nomes que se referem a seres não humanos. Contudo, o que é fortemente marcado no caso kujubim diz respeito à nomeação de acordo com as características humanas que se refletem em objetos, animais e vegetais.

Nos dias de hoje, é muito difícil ouvir, na rotina da aldeia, os nomes das pessoas, porque estas são conhecidas e chamadas por seus apelidos. Como no caso do tempo da maloca, os apelidos também se referem a características humanas correlacionadas com aquelas de seres não humanos: Lebrão (pernas longas), Uru (pássaro conhecido por ser sovino no mito, cujo nome apelida um homem com essas características) e Lontra (dorme na sujeira, já que as casas das lontras só têm espinha de peixe e as dos humanos, quando sujas, também) são exemplos disso.

Cosmologia e mitologia

O cosmos, para os Kujubim e os demais povos da Terra Indígena Rio Guaporé, é dividido em estratos concebidos como planos ou domínios. A terra é um domínio, assim como o vento, o céu, o ar, o rio e a água, as aldeias celestes, as aldeias nas copas das árvores, os sonhos e muitos lugares que servem, sobretudo, para operar uma divisão no universo.

São nessas divisões de um amplo cosmos que os Kujubim se relacionam com diferentes seres — animais, plantas, espíritos, fenômenos meteorológicos e também seres monstruosos, como o Mapinguari e o Pai da Mata. Trabalhar nas roças, caçar, pescar, e mesmo viver na aldeia, faz com que eles estejam sujeitos, a todo momento, a encontros com esses seres.

A socialidade, para os índios, extrapola as relações humanas, porque todos os seres são dotados de espírito — ou alma. Comer carne de tartaruga quando se tem um filho pequeno faz com que o corpo da criança fique vulnerável para que o espírito da tartaruga o ataque, lançando doenças. Se caçarem animais demais, os donos desses animais ficarão furiosos, criando um motivo para que o caçador fique panema, lançando também flechas em formato de doença. Além disso, os donos retiram seus animais de determinada região, tornando mais difícil encontrá-los pelas redondezas.

A autodenominação “Towa Panka”, como já mencionado, remete à relação simbólica entre os Kujubim humanos e o pássaro cujubim. Uma das histórias narradas por um velho kujubim revela: “o sol baixava três vezes do dia e nesse tempo o Deus aparecia para entregar o espírito de quem nasceu e levar embora o de quem morreu”. Cujubins são deuses para os Kujubim, pois eles possuem um papel fundamental: levar os espíritos para seus corpos quando nascem, e também em levá-los de volta para o paraíso celeste, quando morrem. Neste sentido, os cujubins são seres especiais que extrapolam os planos cósmicos, indo da vida até a morte, passando pelas aldeias celestes e também vivendo juntamente com os humanos nas aldeias terrestres. Ele, claramente, jamais poderia ser comido.

Ritual e xamanismo

Pintura com jenipapo na aldeia Ricardo Franco. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Pintura com jenipapo na aldeia Ricardo Franco. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

Assim como se configura no padrão regional, os pajés Kujubim do tempo da maloca utilizavam as sementes do angico como substância psicoativa para permitir o acesso a outros planos cósmicos. As sementes do angico são maceradas e misturadas com cascas de árvores e fumo, sendo, então, aspiradas através de um graveto denominado taboquinha.

Os pajés aspiravam a substância a fim de subir às aldeias celestes, lançando flechas umas sobre as outras para formar correntes, até chegarem ao céu. Também batalhavam com seres celestes como a grande cobra arco-íris e o ser que atacava as mulheres nas roças engravidando-as, chamado Tupiran. Hoje, a pajelança ainda é utilizada nas aldeias da TI Rio Guaporé, mas não é praticada por nenhum Kujubim.

Rituais de iniciação

Criança Kujubim aprendendo a trançar a esteira (iwi) com palha. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Criança Kujubim aprendendo a trançar a esteira (iwi) com palha. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

Sobre os rituais de iniciação, esses são os mesmos dos tempos da maloca para os Kujubim. As mulheres iniciam a vida adulta marcadamente após a primeira menstruação. Elas devem ficar de resguardo dentro de casa por uma semana até que seu ciclo acabe. Se isso não acontece, ficam sujeitas aos espíritos malignos e correm o risco de se tornarem preguiçosas e irritadiças. Também não podem ser vistas pelo arco-íris, já que a jiboia que vive nele (ou, ao mesmo tempo, que é o próprio arco-íris) pode jogar uma flecha na mulher, fazendo com que ela fique doente e o seu futuro ciclo reprodutivo fique ameaçado e sob controle do espírito.

Já os homens, aos seis anos, idade em que começam a frequentar a escola, também iniciam o aprendizado de fabricar flechas e flechar. Aos doze anos, eles são iniciados pelo pajé com sumo de jenipapo para que sua voz não engrosse muito e, ao mesmo tempo, não fique fina. Enquanto tomam o jenipapo, devem imitar diversos animais, entre eles a anta, queixada, caititu, e nambu para, depois, praticarem sua primeira caçada. A primeira presa deve ser compartilhada com todas as pessoas e o caçador não deve comer nem um pedaço sequer; se o fizer, ficará panema para o resto da vida.

O casamento é também visto como um ritual de passagem. No tempo da maloca, os casamentos kujubim eram marcados pela furação das bochechas e nariz. Usava-se espinhos de coco do mato como adorno, um de baixo da boca e dois nas bochechas. Isso basicamente fazia parte da construção do corpo, principalmente no que se refere a certos avanços da vida marcados pelos rituais de passagem. Quando ia se casar, o homem tinha que lutar com o pai da moça com uma espada feita de pupunha; se vencesse, tinha que estar pronto para passar duas semanas caçando e trabalhando na roça, sem que voltasse à aldeia, para acumular produtos para a realização de uma grande festa. Sobre pinturas corporais, uma das matriarcas dizia que, para se proteger dos espíritos que lançavam doenças, devia se pintar com jenipapo e passar óleo de tucumã no cabelo. Nos dias de hoje, as pinturas são realizadas apenas em dias festivos e são reservadas especialmente às mulheres e crianças.

As pinturas “originais” dos Kujubim ainda são recordadas. Eles contam que, nos dias de festas, pintavam os braços, as pernas e o rosto com jenipapo e urucum. A pintura do braço se baseava em um padrão intercalando linhas retas, sendo uma linha maior na vertical e cruzada por várias linhas na horizontal, bem menores. A pintura da perna se tratava de duas linhas retas paralelas na vertical, sendo que, em suas extremidades do lado de fora, vinham traços que formavam triângulos seguidos uns dos outros. Apintura facial, por sua vez, consistia em quatro linhas paralelas. No meio delas, traçadas na horizontal, haviam pontos em sequência. Os indígenas também destacam as cores das pinturas: quando estavam em paz e festa, faziam pinturas em vermelho (urucum) e preto (jenipapo); mas quando iam caçar ou guerrear, pintavam somente de vermelho. Os Kujubim se pintavam, também, fazendo riscos em torno do nariz, que incorporavam o espírito do maracajá, um gato selvagem e pintado como as onças (kinam).

Ritos fúnebres

No tempo da maloca, quando morria um parente, o corpo era colocado em uma urna funerária de barro vermelho, em posição fetal. Enterravam a urna dentro da maloca e em seguida queimavam a casa. O cujubim vinha resgatar o espírito para levá-lo até a aldeia celeste. Em seguida, uma nova casa era construída para a família que acabara de perder um parente.

Há, ainda, outro aspecto fúnebre que chama atenção, e que muito tem a ver com os costumes ligados à morte nas culturas de língua txapacura: os mortos eram comidos. No caso dos Kujubim, e também dos Moré (Metraux 1948), eram comidas as cinzas dos parentes misturadas junto ao alimento, mas atualmente eles não sabem explicar o motivo para isso.

Notas sobre as fontes

Jovens pescando com arco e flecha na Baía das Onças. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.
Jovens pescando com arco e flecha na Baía das Onças. Foto: Gabriel Sanchez, 2018.

Cabe dizer que, até o momento, não se encontram estudos e pesquisas, do ponto de vista antropológico, sobre a história e a cultura do povo kujubim. Aliás, essa é uma situação muito comum a diversos povos que vivem hoje, ou já viveram, na área que o antropólogo Felipe Vander Velden classificou como “Grande Rondônia”.

Há, sim, alguns relatos históricos sobre os Kujubim, mas a partir de outros nomes, como explicado na seção “Nome” deste verbete, cujos dados aparecem de maneira muito sucinta. É o caso, por exemplo, de um relato disponível em um diário do Bispo Dom Rey, que pode ser consultado na diocese de Guajará-Mirim/RO, e nos escritos do engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serra, que datam de 1857.

Em relação à língua kujubim, podemos encontrar uma primeira aparição de dados a partir de estudos comparativos feitos por Cestmir Loukotka, publicados em 1963. Depois, a dissertação produzida por Angenot-De Lima sobre o tronco linguístico proto-txapakura em 1997. Mas é apenas Irís Rodrigues Duran (2000), em sua dissertação de mestrado, que apresenta dados mais desenvolvidos sobre a língua kuyubi, além de algumas poucas informações etnográficas.

Em 2017, Joshua Birchall (do Museu Paraense Emílio Goeldi) começou a coordenar um projeto com os Kujubim intitulado “Documentação e Salvaguarda da Língua Moré-Kujubim”, em que realiza oficinas para que o grupo possa resgatar e aprender sua língua. Juntamente a Michael Dunn e Simon Greenhill (2016), Birchall desenvolveu um artigo sobre a família linguística txapakura, designando à língua kujubim uma nova posição no interior do tronco linguístico. Ruth Monserrat trabalha a língua ao menos desde 2005 e, há pouco tempo, publicou um artigo (2018) a respeito da situação atual dos Kujubim em termos linguísticos, trazendo boas notícias sobre o acervo de palavras que eles possuem para começar a prática de sua língua, coletados não só por ela, mas também por outros linguistas, como Iris Duran e Hein van der Voort.

Embora não cite diretamente os Kujubim, mas sim os Kumaná e os Kujona, a etno-historiadora Denise Maldi Meireles (1991) fez um precioso trabalho sobre os povos que habitaram e habitam o vale do Guaporé. No material, é possível ter ideia de como se deu a ocupação colonial no território e como os povos indígenas da região sofreram diretamente o impacto do contato, fazendo com que alguns desaparecessem, fossem extintos e mesmo provocando grandes deslocamentos de seus territórios tradicionais. Neste texto, a autora descreve a história do ponto de vista de diversas etnias indígenas e como elas fazem parte do que veio a ser chamado de “Complexo Cultural do Marico”. É possível dizer que, nos dias atuais, os Kujubim fazem parte desse complexo, mas é necessário que sejam atualizadas algumas informações a seu respeito, tendo em vista que muitas mudanças já ocorreram desde que foi pensado pela historiadora, como, por exemplo, a ausência de plantações de mandioca brava. Rápidas menções sobre os Kujubim como parte da TI do Rio Guaporé foram feitas por Nicole Soares Pinto (2014).

Embora na introdução do artigo Tribes of Eastern Bolivia and the Madeira headwaters, publicado em 1948 por Alfred Métraux, o autor prometa trazer dados etnográficos sobre os Kumaná, ao longo do texto só aparecem apenas alguns dados de forma espaçada e que se perdem em meio à diversas informações e dados sobre os Moré e os Huanyam, povos também txapakura. Em um trabalho de Luis Leigue Castedo (1957), é possível ler um mito de origem moré que faz alusões históricas aos povos que viviam no rio Cautário e que podemos dizer se tratarem dos Kujubim. O autor, por meio do mito, comenta algumas relações que havia entre esses povos, que, ora eram de festejos regados à chicha e com abundância de comida, ora eram de inimizade, provocadas, principalmente, pela prática do canibalismo.

O diário de Emil-Heinrich Snethlage, à época da escrita deste verbete, ainda não foi traduzido para o português, mas é possível encontrar alguns trechos no artigo Emil-Heinrich Snethlage (1897-1939): nota biográfica, expedições e legado de uma carreira interrompida de Gleice Mere (2013), em que há informações sobre os Kumaná. O etnólogo alemão também escreveu alguns diários que foram recém-publicados em alemão (2016) sobre sua viagem ao rio Guaporé, na qual é possível coletar algumas informações etnográficas sobre os Kumaná, Matawa e Kujona, relativas à onomástica, à língua e a certos aspectos cosmológicos. Com certeza essa obra apresenta um conjunto de dados riquíssimos para os povos do rio Guaporé, que, assim como os Kujubim, carecem de informações.

Além dessas fontes, é possível buscar, também, algumas informações contidas na coletânea de dados dos povos indígenas de Rondônia, organizada e publicada pelo Conselho Indigenista Missionário de Rondônia.

Por fim, cabe dizer que um primeiro esforço antropológico, histórico e cultural, vem sendo feito e os resultados dele aparecem com a maioria dos dados contidos neste verbete. São informações primárias, de um recente trabalho de campo feito por Gabriel Sanchez, que investiga as relações entre os Kujubim e os seres que nossa biologia ocidental classifica como aves, e que estão sendo mais trabalhados e desenvolvidos para uma dissertação de mestrado em andamento, a ser apresentada na Universidade Federal de São Carlos, e provavelmente divulgada em novembro de 2019. Esses dados foram coletados a partir de um trabalho de observação participante, conversas informais e convivência diária junto aos Kujubim de Guajará-Mirim, Costa Marques, Aldeia Ricardo Franco e Aldeia Baía das Onças, que lutam pela demarcação de seu território tradicional, além de serem recolhidos preciosas informações das ainda vivas memórias das matriarcas Kujubim que permanecem sob as práticas e discursos de seus descendentes.

Fontes de informação

  • ALMEIDA SERRA, Ricardo Franco de. Diario do Rio Madeira: Viagem que a expedição destinada a demarcação de limites fez do Rio Negro até Villa Bella, capital do Governo do Matto-Grosso. Revista do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro 20: 397-432. 1857.
  • ANGENOT-DE LIMA, Geralda. Fonotática e fonologia do lexema protochapakura. Dissertação de mestrado apresentada ao curso de pós-graduação em linguística da Universidade Federal de Rondônia. 1997.
  • BIRCHALL, Joshua; DUNN, Michael & GREENHILL, Simon. A combined comparative and phylogenetic analysis of the chapacuran language family. IJAL, vol. 82, nº 3. 2016.
  • CIMI – RO. Panewa Especial. Porto Velho: CIMI – RO, 2015.
  • DOM REY. “Visita à maloca dos índios do rio Cautário”. Diário pessoal. Diocese de Guajará-Mirim. 1932.
  • DURAN, Iris Rodrigues. Descrição fonológica e lexal do dialeto kaw tayo (Kujubi) da língua Moré. Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de pós-graduação em linguística da Universidade Federal de Rondônia. 2000.
  • LEIGUE CASTEDO, Luis. El Itenez Salvaje. La Paz: Ministério de la Educación. 1957.
  • LOUKOTKA, Cestmir. Documents et vocabulaires inédits de langues et de dialectes sud-américains. Jounal de la Société des Américanistes 52:7-60. 1963.
  • MALDI MEIRELES, Denise. O complexo cultural do marico: Sociedades indígenas dos rios Branco, Colorado e Mequens, afluentes do médio Guaporé. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Série Antropologia, 7: 209-69. 1991.
  • MERE, Gleice. Emil-Heinrich Snethlage (1897-1939): nota biográfica, expedições e legado de uma carreira interrompida. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciências humanas, vol. 8, nº3, pp 773-804. 2013.
  • MÉTRAUX, Alfred. Tribes of Eastern Bolivia and the Madeira headwaters. Handbook of South América Indians, vol. 3, ed. Julian H. Steward, pp 381-454. Washington, D.C: Smithsonian Institution. 1948.
  • MONSERRAT, Ruh Maria Fonini. Memória das atividades realizadas junto aos povos Puruborá e Kujubim, Rondônia, constantes em dois relatórios de viagem do regional do CIMI/RO, de 2015 e 2017. Revista Brasileira de Linguística Antropológica. Vol, 10. Nº 1. 2018.
  • SNETHLAGE, Emil-Heinrich. Die Guaporé – Expedition (1933 – 1935) Ein Forschungstagebuch. Rotger Snethlage, Alhard-Mauritz Snethlage & Gleice Mere (org.). Vienna: Bohlau Verlag. 2016.
  • SOARES-PINTO, Nicole. Entre as teias do marico: parentes e pajés djeorometxi. Tese de doutorado defendida no programa de pós-graduação em Antropologia Social da UnB. 2014.
  • VANDER VELDEN, Felipe Ferreira. Os Tupí em Rondônia: diversidade, estado do conhecimento e proposta de investigação. Revista Brasileira de Linguistica Antropologica. Vol.2, nº 1. 2010.