De Povos Indígenas no Brasil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Quem são?

Foto: diversos autores, veja aqui

Em pleno século XXI a grande maioria dos brasileiros ignora a imensa diversidade de povos indígenas que vivem no país. Estima-se que, na época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000 povos, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Atualmente encontramos no território brasileiro 279 povos, falantes de mais de 150 línguas diferentes.

Os povos indígenas somam, segundo o Censo IBGE 2010, 896.917 pessoas. Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país.

A maior parte dessa população distribui-se por milhares de aldeias, situadas no interior de 799 Terras Indígenas, de norte a sul do território nacional.

Povos indígenas?

Falar, hoje, em povos indígenas no Brasil significa reconhecer, basicamente, seis coisas:

  • Nestas terras colonizadas por portugueses, onde viria a se formar um país chamado Brasil, já havia populações humanas que ocupavam territórios específicos;
  • Não sabemos exatamente de onde vieram; dizemos que são "originárias" ou "nativas" porque estavam por aqui antes da ocupação europeia;
  • Certos grupos de pessoas que vivem atualmente no território brasileiro estão historicamente vinculados a esses primeiros povos;
  • Os indígenas que estão hoje no Brasil têm uma longa história, que começou a se diferenciar daquela da civilização ocidental ainda na chamada "pré-história" (com fluxos migratórios do "Velho Mundo" para a América ocorridos há dezenas de milhares de anos); a história "deles" voltou a se aproximar da "nossa" há cerca de, apenas, 500 anos (com a chegada dos portugueses);
  • Como todo grupo humano, os povos indígenas têm culturas que resultam da história de relações que se dão entre os próprios homens e entre estes e o meio ambiente; uma história que, no seu caso, foi (e continua sendo) drasticamente alterada pela realidade da colonização;
  • A divisão territorial em países (Brasil, Venezuela, Bolívia etc.) não coincide, necessariamente, com a ocupação indígena do espaço; em muitos casos, os povos que hoje vivem em uma região de fronteiras internacionais já ocupavam essa área antes da criação das divisões entre os países; é por isso que faz mais sentido dizer povos indígenas no Brasil do que do Brasil.

A expressão genérica povos indígenas refere-se a grupos humanos espalhados por todo o mundo, e que são bastante diferentes entre si. É apenas o uso corrente da linguagem que faz com que, em nosso país e em outros, fale-se em povos indígenas, ao passo que, na Austrália, por exemplo, a forma genérica para designá-los seja aborígines. 

Indígena ou aborígine, como ensina o dicionário, quer dizer "originário de determinado país, região ou localidade; nativo". Aliás, nativos e autóctones são outras expressões usadas, ao redor do mundo, para denominar esses povos.

O que todos os povos indígenas têm em comum? Antes de tudo, o fato de cada qual se identificar como uma coletividade específica, distinta de outras com as quais convive e, principalmente, do conjunto da sociedade nacional na qual está inserida.

Indígenas, Ameríndios

Genericamente, os povos indígenas que vivem não apenas em nosso país, mas em todo o continente americano, são chamados de "índios". Essa palavra é fruto do equívoco histórico dos primeiros colonizadores que, tendo chegado às Américas, julgaram estar na Índia.

Mesmo com o erro, essa palavra continuou sendo utilizada como um sinônimo de indivíduo indígena, mas passou a ser rechaçada pelos povos indígenas – que, no Brasil atual, preferem o uso do termo indígena.

Como há certas semelhanças que unem os indígenas nas Américas do Norte, Central e do Sul, há quem prefira chamá-los, todos, de ameríndios. Ameríndios são, então, os povos indígenas das Américas.

Em décadas passadas, uma outra palavra era bastante usada no Brasil para designar genericamente os indígenas: "silvícolas" ("quem nasce ou vive nas selvas"). O termo é totalmente inadequado, porque o que faz de alguém indígena não é o fato de viver ou ter nascido na "selva".

Quem é indígena?

por Eduardo Viveiros de Castro, pesquisador e professor de antropologia do Museu Nacional (UFRJ) e sócio-fundador do ISA

  • "Indígena" é qualquer membro de uma comunidade indígena, reconhecido por ela como tal.
  • "Comunidade indígena" é toda comunidade fundada em relações de parentesco ou vizinhança entre seus membros, que mantém laços histórico-culturais com as organizações sociais indígenas pré-colombianas.

As relações de parentesco ou vizinhança constitutivas da comunidade incluem as relações de afinidade, de filiação adotiva, de parentesco ritual ou religioso, e, mais geralmente, definem-se nos termos da concepção dos vínculos interpessoais fundamentais própria da comunidade em questão.

Os laços histórico-culturais com as organizações sociais pré-colombianas compreendem dimensões históricas, culturais e sociopolíticas, a saber:

  • A continuidade da presente implantação territorial da comunidade em relação à situação existente no período pré-colombiano. Tal continuidade inclui, em particular, a derivação da situação presente a partir de determinações ou contingências impostas pelos poderes coloniais ou nacionais no passado, tais como migrações forçadas, descimentos, reduções, aldeamentos e demais medidas de assimilação e oclusão étnicas;
  • A orientação positiva e ativa do grupo face a discursos e práticas comunitários derivados do fundo cultural ameríndio, e concebidos como patrimônio relevante do grupo. Em vista dos processos de destruição, redução e oclusão cultural associados à situação evocada no item anterior, tais discursos e práticas não são necessariamente aqueles específicos da área cultural (no sentido histórico-etnológico) onde se acha hoje a comunidade;
  • A decisão, seja ela manifesta ou simplesmente presumida, da comunidade de se constituir como entidade socialmente diferenciada dentro da comunhão nacional, com autonomia para estatuir e deliberar sobre sua composição (modos de recrutamento e critérios de inclusão de seus membros) e negócios internos (governança comunitária, formas de ocupação do território, regime de intercâmbio com a sociedade envolvente), bem como de definir suas modalidades próprias de reprodução simbólica e material.

[Maio, 2005]

Sobre o nome dos povos

Por não possuírem escrita alfabética nos tempos da "atração e pacificação", os povos indígenas foram (e continuam sendo) "batizados" por escrito pelos não indígenas, em um processo que deu (e ainda dá) margem a muitas confusões em termos de grafias e significados.

É importante destacar que, nas últimas décadas, com o desenvolvimento de projetos na área de educação escolar indígena, alguns povos estão aprendendo a escrever na sua própria língua, e assim começam a criar, junto com os assessores linguistas, uma grafia própria.

Grafias

Há uma grande variabilidade na maneira de grafar os nomes dos povos indígenas. Convivem padrões diferentes, às vezes criados por funcionários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), outras por antropólogos e, mais recentemente, até mesmo por Manuais de Redação de grandes órgãos da imprensa brasileira. Por exemplo, os Huni Kuin, que hoje habitam áreas no estado do Acre, historicamente foram chamados de "Kaxinawá" (que não é sua auto-denominação) e esse termo é escrito de pelo menos quatro maneiras diferentes: caxinauá, cashinauá, kaxinawá e kaxináua.

"Atrair e pacificar" os indígenas, impondo-lhes arbitrariamente denominações, tem a ver historicamente com práticas coloniais de controle social: concentração espacial da população (com a consequente contaminação por doenças e a depopulação pós-contato), implantação de sistemas paternalistas e precários de assistência social, confinamento territorial e exploração dos recursos naturais disponíveis. Tudo em nome da "integração dos indígenas à comunhão nacional".

Ao contrário, reconhecer e valorizar suas identidades específicas, compreender suas línguas e suas formas tradicionais de organização social, de ocupação da terra e uso dos recursos naturais, tem a ver com gestos diplomáticos de intercâmbio cultural e respeito a direitos coletivos especiais.

A razão básica pela qual os antropólogos grafam o nome de uma determinada maneira tem a ver com a adoção de um alfabeto com o qual vão escrever as palavras da língua deste povo. Como as línguas indígenas têm sons que não encontram representação direta nas letras do alfabeto brasileiro, os antropólogos são obrigados a recorrer a outras letras e combinações de letras. Buscam, então, usar letras cuja interpretação sonora se aproxime do alfabeto fonético internacional, usado pelos linguistas de todo o mundo, e não do alfabeto brasileiro.

Aliás, o que justificaria a redução fonética de nomes indígenas à forma brasileira, se há diversos povos que não vivem exclusivamente no Brasil? Lembremos que as fronteiras entre os Estados nacionais na América do Sul se sobrepuseram às áreas ocupadas pelos povos indígenas, de tal forma que alguns deles vivem hoje sob a jurisdição político-administrativa de dois, três e até quatro países diferentes.

As discordâncias ortográficas sobre os nomes de povos indígenas costumam opor antropólogos a Manuais de Redação de grandes jornais. Mas, nesse assunto, não há consenso nem mesmo entre os próprios antropólogos. As maiores polêmicas dizem respeito ao uso (ou não) de maiúsculas iniciais e da forma plural para os nomes das etnias.

Para muitos, quando a denominação de um povo aparece com função de adjetivo, não haveria porque não escrevê-la com minúscula (língua guarani, por exemplo). Já quando aparece como substantivo gentílico, seria mais adequado mantê-la com maiúscula, porque, se é verdade que essas etnias não têm países (como os franceses, a França), também é certo que seus nomes são designativos de uma coletividade única, de uma sociedade, de um povo, e não apenas de uma somatória de pessoas. Assim, temos, por exemplo, os Kaingang.

Aqueles que defendem a não-flexão do plural ancoram-se na justificativa de que, na maioria dos casos, sendo os nomes palavras em língua indígena, acrescentar um s resultaria em hibridismo. Além do mais, há a possibilidade de as palavras já estarem no plural, ou, ainda, de que a própria forma plural não exista nas línguas indígenas correspondentes.

Os Manuais de Redação, por outro lado, têm imposto um aportuguesamento da grafia dos nomes dos grupos indígenas, proibindo o uso de letras como w, y, k (!) e certos grupos de letras não existentes em português, como sh. Esse critério não tem consistência, assim como grafar os nomes sempre em minúsculas ou flexionar o número (singular/ plural), mas não o gênero (masculino/ feminino). Por exemplo, se krahô se deve escrever craô, então Kubitscheck deveria ser escrito Cubicheque, Geisel, Gáisel. Por que o mesmo manual que recomenda grafar ianomâmi e os ianomâmis, veta a flexão por gênero, quando a palavra tem função de adjetivo ("mulheres ianomâmis" e não "mulheres ianomamas"), resultando num aportuguesamento pela metade?

Significados

A confusão fica ainda maior quando entram em cena as autodenominações, isto é, as formas verbais através das quais um determinado povo refere-se a si mesmo. Em muitos casos, pesquisas de antropólogos e linguistas ensinam que as autodenominações não têm nada a ver com os nomes aplicados aos grupos indígenas pelos não indígenas. Boa parte dos nomes utilizados, tanto hoje como no passado, para designar os povos indígenas no Brasil não são autodenominações. Muitos deles foram atribuídos por outros povos, frequentemente inimigos e, por isso mesmo, carregam conotações pejorativas.

É o caso, por exemplo, dos Araweté, assim nomeados pela primeira vez por um sertanista da Funai que julgava compreender a sua língua, logo após os "primeiros contatos"estabelecidos em meados da década de 1970. Tal designação, grafada pela primeira vez por um funcionário do governo federal num relatório, acabou permanecendo como identidade pública oficial desse povo. Mas um antropólogo que estudou os Araweté alguns anos depois e aprendeu a sua língua descobriu que esses indígenas não se denominam originalmente por um substantivo,"os Araweté", mas fazem uso da palavra bïdé (um pronome que quer dizer “nós, os seres humanos”) para se referir ao coletivo do qual fazem parte.

A palavra não remete a uma substância (como brasileiros, por exemplo, remete ao Brasil), mas a uma perspectiva (humana, que se opõe à animal, à divina, à inimiga...). Dependendo do contexto em que é enunciada, a palavra bïdé pode se referir a coletividades humanas mais ou menos abrangentes: aos próprios Araweté (em oposição a outros grupos, inimigos); a todos os indígenas (em oposição aos não indígenas); a todos os seres humanos (em oposição aos animais e deuses)...

Os membros de Estados-Nações, como nós não indígenas, têm o preconceito de que toda sociedade tem que ter nome próprio. E, como ilustra o caso araweté, trata-se de uma ideia equivocada. Pois, se é certo que os Araweté utilizam a palavra bïdé para referir-se a si mesmos, não é verdade que ela seja um "nome próprio" e nem que o "nós" a que se refere seja sempre o mesmo.

Em outros casos, as conotações dos nomes atribuídos às etnias indígenas chegam a ser depreciativas. Kayapó, por exemplo, é uma designação genérica que foi dada a esses indígenas por povos, de língua Tupi, com os quais guerrearam até recentemente e quer dizer "semelhante a macaco". Outros nomes foram dados por sertanistas do antigo SPI (Serviço de Proteção aos Índios) ou da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), muitas vezes logo após os primeiros contatos promovidos pelas chamadas "expedições de atração". Nesse contexto, sem entender a língua nativa, os equívocos são frequentes, e determinados povos acabam sendo conhecidos por nomes que lhes são atribuídos por razões absolutamente aleatórias.

Na época dos primeiros contatos, na qual a comunicação com "etnias desconhecidas" era precária, alguns povos passaram a ser denominados pelo nome de algum dos seus indivíduos ou frações. Há ainda casos de nomes impostos em português, como, por exemplo, os Beiço-de-Pau (para se referir aos Tapayuna, do Mato Grosso) ou os Cinta-Larga, assim chamados por sertanistas da Funai simplesmente porque usavam largas cintas de entrecasca de árvore quando foram contatados no final da década de 1960, em Rondônia.

Contato com não indígenas

Muitos povos reúnem, em seu cotidiano, modos de viver herdados de seus antepassados, além de produtos, instituições e relações sociais adquiridas após a intensificação do contato com os não indígenas. Nesse ponto, não diferem muito de brasileiros não-indígenas, afinal vivemos em uma sociedade continuamente influenciada por outras tradições culturais. Por exemplo, este site da Internet, onde agora nos encontramos, ou as cadeias de fast-food espalhadas pelas cidades de nosso país são pequenas provas de que nossa língua e nossa cultura também sofrem influências de outras.

Mudanças no modo de viver

O contato com a nossa sociedade certamente trouxe muitas mudanças no modo de viver dos povos indígenas. Em relação a esse assunto, é preciso ter em mente pelo menos dois pontos.

  • As culturas indígenas não são estáticas. Ao contrário, elas são, como qualquer outra cultura, dinâmicas. Assim transformam-se ao longo do tempo, mesmo sem uma influência estrangeira. Por outro lado, é inegável que as mudanças decorrentes do contato com a nossa sociedade podem, muitas vezes, alcançar escalas preocupantes. Esse é o caso, por exemplo, de povos que perderam suas línguas maternas e, hoje, só falam o português.
  • É preciso dizer que por trás das mudanças, cujo ritmo e natureza são diferentes em cada caso, há um aspecto fundamental: mesmo travando relações com os não indígenas, os povos indígenas mantêm suas identidades e se afirmam como grupos étnicos diferenciados, portadores de tradições próprias. E isso vale também para os povos que vivem em situações de contato mais intenso.

A identidade étnica, isto é, a consciência de pertencer a uma determinada etnia, resulta de um complexo jogo entre o "tradicional" e o "novo", entre o "próprio" e o "estrangeiro", que surge sempre quando diferentes populações estão em contato. É importante levar em conta todas essas considerações antes de dizer que alguém "já não é mais índio" porque usa roupas, vai à missa, assiste televisão, opera computadores, joga futebol ou dirige um carro.

Diferentes experiências de contato

Além da diversidade que existe entre os indígenas por causa de suas línguas, culturas, modos de viver e pensar tão distintos, há uma outra que se refere às diferentes formas de contato que eles mantiveram e/ou mantêm com os não-indígenas: se razoavelmente pacífico ou violento, se antigo ou recente, se direto com a população regional (fazendeiros, posseiros, madeireiros, garimpeiros, pescadores etc.) ou mediado por alguma instituição, governamental ou não-governamental, laica ou religiosa.

Muitos povos foram vítimas de violência na época de seus primeiros contatos com a população não-indígena.

É o caso dos Rikbaktsa, que vivem no estado do Mato Grosso. Da década de 1950 até o início de 1960, eles sofreram oposição armada de seringalistas da região, além de madeireiros, mineradores e fazendeiros, o que resultou na dizimação de 75% da sua população. Em contraste, outros povos guardam na memória uma imagem até mesmo amistosa dos primeiros contatos. Os Kadiwéu, por exemplo, recordam-se com insistência e orgulho da sua participação ao lado dos brasileiros na Guerra do Paraguai, marco importante na sua história de contato com a sociedade nacional.

Muitas vezes, uma relação inicial entre indígenas e não indígenas, marcada pelo enfrentamento hostil, pode dar lugar a relações razoavelmente pacíficas e até mesmo desejáveis. Atualmente, diversos povos indígenas têm desenvolvido parcerias com organizações de apoio da sociedade civil brasileira. Os vários povos que vivem no Parque Indígena do Xingu, por exemplo, contam com projetos na área de saúde, hoje encabeçados pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) (e antes pela Unifesp, antiga Escola Paulista de Medicina), de educação, de alternativas econômicas, de fiscalização e vigilância, promovidos pelo ISA.

São comuns os casos de convivência com missões católicas ou protestantes, como pode ser observado, respectivamente, entre os Makuxi e os Taurepang, ambos localizados na região do lavrado, no estado de Roraima. É importante notar também que a relação entre indígenas e missionários possui formas diversas em todo o Brasil, sobretudo no que diz respeito às propostas de transmissão dos valores cristãos.

A maneira como cada povo se insere na sociedade brasileira é bastante variada. Há povos cujos membros trabalham no mercado regional e são assalariados, como os Guarani Kaiowá, envolvidos em atividades de corte de cana-de-açúcar para as destilarias de álcool do estado do Mato Grosso do Sul. Há aqueles que vivem em centros urbanos, como as famílias de Sateré-Mawé na periferia de Manaus e os Pankararu, migrantes do estado de Pernambuco e que hoje habitam a comunidade Real Parque, na cidade de São Paulo.

Um fato notável é o crescimento do número de indígenas no cenário político brasileiro. Somente em 2000, foram eleitos, entre vereadores, vice-prefeitos e um prefeito, 80 indígenas.

No polo oposto daqueles que participam intensamente de várias esferas da sociedade brasileira, estão aqueles grupos ou indivíduos que recusam o contato com a população não-indígena. Dentre eles, destacam-se grupos que habitam a Terra Indígena Vale do Javari.

Povos isolados

Sabe-se muito pouco sobre os chamados indígenas isolados - também conhecidos como povos em situação de isolamento voluntário, povos ocultos, povos não-contatados, entre outros. São assim chamados aqueles grupos com os quais a Funai não estabeleceu contato. As informações sobre eles são heterogêneas, transmitidas por outros indígenas ou por regionais, além de indigenistas e pesquisadores.

A Funai, instituição responsável pela política indigenista do Estado brasileiro, tem um órgão responsável para proteger a região onde são indicadas as referências a esses grupos sem contato: é a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC), que confirmou a existência de 28 desses grupos. Em toda a América Latina, o Brasil é o único país a ter um órgão específico para desenvolver políticas de proteção aos isolados. A CGIIRC está organizada em doze Frentes de Proteção Etnoambiental (Juruena, Awa-Guajá, Cuminapanema, Vale do Javari, Envira, Guaporé, Madeira, Madeirinha, Purus, Médio Xingu, Uru-Eu-Wau-Wau e Yanomami), que atuam na Amazônia brasileira, em regiões onde houve confirmação da presença de isolados e também onde vivem povos de recente contato.

De acordo com os dados do ISA e de seus colaboradores, há na Amazônia brasileira 115 evidências de povos isolados, mas não se sabe ao certo quem são, onde estão, quantos são e que línguas falam. Entre esses grupos dos quais se tem evidências, apenas um, os Avá-Canoeiro, encontra-se fora da Amazônia Legal. Dos Avá-Canoeiro fala-se que são quatro pessoas, em fuga permanente, evitando o contato, pelo norte de Minas Gerais, Bahia e Goiás. Além desse pequeno grupo, outros indivíduos Avá-Canoeiro vivem na TI homônima e mais algumas pessoas desse grupo e seus descendentes vivem no Parque Indígena do Araguaia.

O que se sabe é que a maior parte dessas referências encontram-se em Terras Indígenas já demarcadas ou com algum grau de reconhecimento pelos órgãos federais. Também há evidências de grupos isolados dentro de dois Parques Nacionais e de duas Florestas Nacionais (Flonas). No caso dos parques, os grupos estão protegidos da ocupação desordenada de seu habitat, já no caso das Flonas, que apesar de serem federais e protegidas, são áreas destinadas à exploração florestal por empresas, de forma que não há garantia de que os indígenas serão protegidos e terão seu futuro assegurado.

As informações sobre esses povos são escassas. Por vezes, vestígios como tapiris, flechas e outros objetos encontrados nas áreas por onde passaram são fotografados. Os relatos verbais de existência desses grupos são geralmente fornecidos por outros indígenas e regionais mais próximos, que narram encontros fortuitos, ou que simplesmente reproduzem informações de terceiros.

Um caso que exemplifica bem a definição de grupos isolados, onde as informações dos vizinhos confirmam sua existência e a relação de contato que tiveram com eles, mostra que o isolamento é relativo: os Hi-Merimã, que hoje vivem isolados, já foram estimados em 1000 pessoas em 1943. Eram considerados um dos maiores grupos da região do rio Purus, no estado do Amazonas, mas voltaram ao isolamento. Eram conhecidos também como Marimã ou Merimã, segundo informação da antropóloga Luciene Pohl, em seu trabalho de identificação da TI Hi-Merimã. Pohl coletou as informações sobre eles com seus vizinhos Jamamadi, cujas terras demarcadas são contínuas à terra dos isolados e cuja língua é da família Arawá.

Os Jamamadi dizem que tiveram contato com eles no passado, mas houve problemas de entendimento entre as partes, o que resultou em conflito com mortes. Os Banawa, também da família lingüística Arawá, dizem entender parcialmente a língua falada pelos Hi-Merimã e afirmam que mantiveram relações com eles, podendo descrever características do modo de ser desses indígenas que voltaram ao isolamento. Os Zuruahã, da mesma família lingüística e seus vizinhos a oeste, relatam histórias de hostilidades com eles.

Isolados ou contatados?

A partir desses relatos, pode-se perceber que a ideia de que há povos isolados desde a chegada dos portugueses ou sociedades mantidas à margem de todas as transformações ocorridas desde então, é enganadora. Os grupos considerados isolados travaram, muitas vezes, relações de longa data com segmentos da sociedade nacional, tendo posteriormente optado pelo isolamento. Os Apiaká do Matrinxã, por exemplo, tiveram contatos com a sociedade regional, sofreram muito e resolveram fugir e isolar-se de novos contatos. A mesma história é atribuída aos Katawixi. Assim, o isolamento representa, em muitos casos, uma opção do grupo, que pode estar pautada pelas suas relações com outros grupos, pela história das frentes de ocupação na região onde vivem e também pelos condicionantes geográficos que propiciam essa situação. A noção de isolados, portanto, diz respeito ao contato regular, principalmente com a Funai.

O que tem ocorrido com alguma freqüência é a tentativa da Funai de realizar o contato com grupos que se encontram em situações de risco, porém muitos recusam essa aproximação.

Um caso de opção pelo isolamento também pode ser observado na região do Tanaru, sul do estado de Rondônia. Trata-se não de uma sociedade, mas de um único homem sobrevivente. Tudo leva a crer que o seu povo desapareceu devido à violência e à ganância dos pecuaristas que ocuparam a região. Desde 1996, a Funai vem tentando lhe oferecer assistência, mas todas as vezes que seu acampamento foi identificado, ele o abandonava. Mostrou-se absolutamente avesso ao contato, apesar de aceitar alguns presentes dos sertanistas, como panelas e facões.

Veja também

Isolados: histórico

Onde estão os isolados?

Contatados e protegidos

Depois de serem contatados, os povos indígenas ficavam sob a proteção da Funai, que não dispunha, no entanto, de uma política especial voltada para eles. Assim, com frequência, esses povos acabavam sofrendo com epidemias e invasões em suas terras, além dos inúmeros problemas decorrentes da intensificação do contato e da sedentarização.

A partir da avaliação da situação de extrema fragilidade a que os grupos recém contatados estavam sujeitos, a então Coordenadoria Geral de Índios isolados (CGII) da Funai passou a dispensar assistência diferenciada aos Zo’é, no Pará; aos Kanoê e aos Akuntsu de Rondônia, contatados há mais de 10 anos; e a um pequeno grupo Korubo, localizado no Vale do Javari (AM).

Os Zo’é, grupo tupi-guarani localizado na bacia do Cuminapanema (PA), foram contatados pela Funai em 1989, mas já estabeleciam relações com missionários protestantes norte-americanos desde 1982. Os Zo'é entraram para a história como um dos últimos povos "intactos" na Amazônia. Os contatos com os não indígenas foram largamente noticiados pela mídia, que, em 1989, divulgou as primeiras imagens deste povo tupi, que até então vivia em situação de isolamento.

Os primeiros contatos da Funai com os Kanoê também possibilitaram o encontro com outro povo, os Akuntsu. Em 1985 foi instituída oficialmente a frente de atração responsável pelo contato com povos desconhecidos que circulavam pela região de Corumbiara, no sudeste de Rondônia. Embora essas informações já fossem de conhecimento da Funai desde a década de 1970, relatos de 1984 reiteraram a presença de grupos isolados nas matas das reservas legais de fazendas na região, que vinham sendo desmatadas para a comercialização de madeira e a implantação de pecuária. Em 1986 foi desinterditada à área destinada aos contatos com estes grupos.

Em 1995, a partir da análise de imagens de satélite, os indigenistas Marcelo dos Santos e Altair Algayer conseguiram identificar a área de ocupação dos Kanoê e entrar em contato com eles. Durante as primeiras conversas, os Kanoê informaram aos indigenistas que próximo dali havia um outro grupo indígena que chamavam de Akuntsu. Em seguida, uma outra expedição alcançou as pequenas malocas dos Akuntsu, que somavam então sete pessoas.

Os Korubo se tornaram famosos na mídia nacional e internacional quando uma parcela de sua população foi contatada, em 1996, por uma expedição promovida pela Funai, e coordenada pelo sertanista Sydney Possuelo. A expedição foi acompanhada por repórteres da revista National Geographic que transmitiu o evento ao vivo e online para todo o mundo. Conhecidos como "índios caceteiros", por não usarem arcos, os Korubo travam, há décadas, uma guerra contida com a população regional, apesar de tentativas mútuas de aproximação. Este pequeno grupo contatado contava em 2007 com 26 pessoas e separou-se do grupo original, que permanece isolado.

Em julho de 2006, foi criada a Coordenadoria Geral de Índios Recém Contatados, subordinada à Diretoria de Assistência da Funai e coordenada pelo antropólogo Artur Nobre Mendes. Seu objetivo era a “proteção dos grupos e povos indígenas contatados no passado recente e que vivem em relativo estado de autonomia político-cultural e, ao mesmo tempo, sem o completo domínio das forças sociais dominantes que os circundam”. Compreendia-se, nesse contexto, como recém-contatados, os grupos que estabeleceram contatos permanentes com a sociedade nacional após a criação da Funai, em 1967. Entre outros motivos que levaram à criação dessa coordenação, estava o fato de que os inúmeros contatos realizados na década de 1970 e meados de 1980 ocorreram em situações de extrema vulnerabilidade desses grupos, particularmente por causa da pressão das frentes de expansão econômica. Como não havia políticas específicas para essas populações, cujas realidades sociais eram bastantes distintas, a vulnerabilidade continuou. Além disso a participação de grupos recém contatados nos programas do governo e nas ações da Funai ficava comprometida frente a melhor articulação de outros povos.

Esta Coordenadoria, entretanto, não foi implementada na época. Foi somente a partir de dezembro de 2009, com a reestruturação da Funai, que o órgão indigenista incluiu no campo de ação da CGII as populações de recente contato. Dessa forma, este órgão passou a ser chamado de Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC).

Povos emergentes

Nos últimos anos, aumenta o número de populações que passam a reivindicar pública e oficialmente a condição de indígenas no Brasil. Trata-se de famílias que, miscigenadas e territorialmente espoliadas ao longo do tempo, reencontram, no presente, contextos políticos e históricos favoráveis à retomada de suas identidades coletivas indígenas.

Etnogêneses indígenas

por Jose Maurício Arruti

O processo não é exclusividade do Brasil; casos semelhantes são conhecidos em outros Estados nacionais contemporâneos como, por exemplo, na Bolívia e na Índia.

Em nosso país, esse fenômeno surge de modo mais evidente nas últimas décadas, quando as histórias regionais passam a ser reestudadas; os direitos indígenas, mais reconhecidos e respeitados; e as organizações de apoio aos índios se consolidam de forma mais efetiva e passam a ser agentes importantes da causa indígena.

Veja também

Outras leituras

Para saber mais sobre grafias de nomes de povos indígenas, consultar:

  • ABA (Associação Brasileira de Antropologia). Convenção para a grafia dos nomes tribais. Revista de antropologia, São Paulo: USP, ano 2, número 2, 1954.
  • Julio Cezar Melatti. Como escrever palavras indígenas. Revista de atualidade indígena, Brasília: Funai, ano 3, número 16, 1979.
  • Nomes de tribos. Ciência hoje, Rio de Janeiro: SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), volume 10, número 56, 1989.
  • Folha de S. Paulo. Novo manual de redação, São Paulo, verbete "indígena/ índio", página 81.
  • Eduardo Lopes Martins Filho. Manual de redação e estilo de O Estado de S. Paulo. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1997, 3ª. edição, revista e ampliada, verbete "Índios", página 145.

Referências externas