Línguas
Atualmente, mais de 160 línguas e dialetos são falados pelos povos indígenas no Brasil. Elas integram o acervo de quase sete mil línguas faladas no mundo contemporâneo (SIL International, 2009). Antes da chegada dos portugueses, contudo, só no Brasil esse número devia ser próximo de mil.
No processo de colonização, a língua Tupinambá, por ser a mais falada ao longo da costa atlântica, foi incorporada por grande parte dos colonos e missionários, sendo ensinada aos índios nas missões e reconhecida como Língua Geral ou Nheengatu. Até hoje, muitas palavras de origem Tupi fazem parte do vocabulário dos brasileiros.
Da mesma forma que o Tupi influenciou o português falado no Brasil, o contato entre povos faz com que suas línguas estejam em constante modificação. Além de influências mútuas, as línguas guardam entre si origens comuns, integrando famílias linguísticas, que, por sua vez, podem fazer parte de divisões mais englobantes - os troncos linguísticos. Se as línguas não são isoladas, seus falantes tampouco. Há muitos povos e indivíduos indígenas que falam e/ou entendem mais de uma língua; e, não raro, dentro de uma mesma aldeia fala-se várias línguas - fenômeno conhecido como multilinguismo.
Em meio a essa diversidade, apenas 25 povos têm mais de cinco mil falantes de línguas indígenas: Apurinã, Ashaninka, Baniwa, Baré , Chiquitano, Guajajara, Guarani ( Ñandeva, Kaiowá, Mbya), Galibi do Oiapoque, Ingarikó, Huni Kuin, Kubeo, Kulina, Kaingang, Mebêngôkre, Macuxi, Munduruku, Sateré Mawé, Taurepang, Terena, Ticuna, Timbira, Tukano, Wapichana, Xavante, Yanomami, e Ye'kwana.
Conhecer esse extenso repertório tem sido um desafio para os linguistas, assim como mantê-lo vivo e atuante tem sido o objetivo de muitos projetos de educação escolar indígena.
Troncos e famílias
Dentre as cerca de 160 línguas indígenas que existem hoje no Brasil, umas são mais semelhantes entre si do que outras, revelando origens comuns e processos de diversificação ocorridos ao longo do tempo.
Os especialistas no conhecimento das línguas (lingüistas) expressam as semelhanças e as diferenças entre elas através da idéia de troncos e famílias lingüísticas. Quando se fala em tronco, têm-se em mente línguas cuja origem comum está situada há milhares de anos, as semelhanças entre elas sendo muito sutis. Entre línguas de uma mesma família, as semelhanças são maiores, resultado de separações ocorridas há menos tempo.
Veja o exemplo do português:
No que diz respeito às línguas indígenas no Brasil, por sua vez, há dois grandes troncos - Tupi e Macro-Jê - e 19 famílias lingüísticas que não apresentam graus de semelhanças suficientes para que possam ser agrupadas em troncos. Há, também, famílias de apenas uma língua, às vezes denominadas “línguas isoladas”, por não se revelarem parecidas com nenhuma outra língua conhecida.
É importante lembrar que poucas línguas indígenas no Brasil foram estudadas em profundidade. Portanto, o conhecimento sobre elas está permanentemente em revisão.
Conheça as línguas indígenas brasileiras, agrupadas em famílias e troncos, de acordo com a classificação do professor Ayron Dall’Igna Rodrigues. Trata-se de uma revisão especial para o ISA (setembro/1997) das informações que constam de seu livro Línguas brasileiras – para o conhecimento das línguas indígenas (São Paulo, Edições Loyola, 1986, 134 p.).
Tronco Tupi
Tronco Macro-jê
Outras famílias
Comparando palavras diferentes
Veja exemplos de como os lingüistas descobrem línguas "aparentadas":
Palavras | Awetí (família Awetí) | Munduruku (família Munduruku) | Karitiana (família Arikém) | Tupari (família Tupari) | Gavião (família Mondé) |
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mão | po | by | py | po | pabe |
pé | py | i | pi | tsito | pi |
caminho | me | e | pa | ape | be |
eu | atit, ito | on | yn | on | õot |
você | en | en | na | en | eet |
mãe | ty | xi | ti | tsi | ti |
pesado | potyi | poxi | pyti | potsi | patii |
marido | men | itop | mana | men | met |
onça | ta'wat | wida | omaky | ameko | neko |
árvore | 'yp | 'ip | 'ep | kyp | 'iip |
cair | 'at | 'at | 'ot | kat | 'al- |
Palavras | Guarani Mbyá | Tapirapé | Parintintin | Waiampí | Língua Geral do Alto Rio Negro |
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pedra | itá | itã | itá | takúru | itá |
fogo | tatá | tãtã | tatá | táta | tatá |
jacaré | djakaré | txãkãré | djakaré | iakáre | iakaré |
pássaro | gwyrá | wyrã | gwyrá | wýra | wirá |
onça | djagwareté | txãwãrã | dja´gwára | iáwa | iawareté |
ele morreu | omanõ | amãnõ | omanõ | ománo | umanú |
"mão dele" | ipó | ipá | ipó | ípo | ipú |
Palavras | Canela | Apinayé | Kayapó | Xavante | Xerente | Kaingang |
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pé | par | par | par | paara | pra | pen |
perna | tè | tè | te | te | zda | fa |
olho | tò | nò | nò | tò | tò | kane |
chuva | taa | na | na | tã | tã | ta |
sol | pyt | myt | myt | bââdâ | bdâ | rã |
cabeça | khrã | krã | krã | 'rã | krã | kri |
pedra | khèn | kèn | kèèn | 'eene | kne | pò |
asa, pena | haaraa | 'ara | 'ara | djèèrè | sdarbi | fer |
semente | hyy | 'y | 'y | djâ | zâ | fy |
esposa | prõ | prõ | prõ | mrõ | mrõ | prõ |
Palavras | Galibí | Apalaí | Wayâna | Hixkaryâna | Taulipáng |
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lua | nuno | nuno | nunuy | nuno | kapyi |
sol | wéiu | xixi | xixi | kamymy | wéi |
água | tuna | tuna | tuna | tuna | tuna, paru |
chuva | konopo | konopo | kopo | tuna | kono' |
céu | kapu | kapu | kapu | kahe | ka' |
pedra | topu | topu | tepu | tohu | ty' |
flecha | pyrywa | pyróu | pyréu | waiwy | pyrýu |
cobra | okóiu | âkóia | ykýia | okóie | ykýi |
peixe | wuoto | kana | kaa | kana | moro' |
onça | kaituxi | kaikuxi | kaikui | kamara | kaikuse |
Palavras | Karutana | Warekena | Tariana | Baré | Palikur | Wapixana | Apurinã | Waurá | Yawalapití |
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língua | inene | inene | enene | nene | nene | nenuba | nene | nei | niati |
água | uni | one | uni | uni | une | wene | weni | une | u |
sol | kamui | kamoi | kamoi | kamuhu | kamoi | kamoo | atukatxi | kamy | kame |
mão | kapi | kapi | kapi | kabi | iwakti | kae | piu | kapi | kapi |
pedra | hipa | ipa | hipada | tiba | tipa | keba | kai | typa | teba |
anta | hema | ema | hema | tema | aludpikli | kudoi | kema | teme | tsema |
Multilinguismo
Texto adaptado de Aryon Dall´Igna Rodrigues – Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. Edições Loyola, São Paulo, 1986
Os povos indígenas sempre conviveram com situações de multilingüismo. Isso quer dizer que o número de línguas usadas por um indivíduo pode ser bastante variado. Há aqueles que falam e entendem mais de uma língua ou que entendem muitas línguas, mas só falam uma ou algumas delas.
Assim, não é raro encontrar sociedades ou indivíduos indígenas em situação de bilingüismo, trilingüismo ou mesmo multilingüismo.
É possível nos depararmos, numa mesma aldeia, com indivíduos que só falam a língua indígena, com outros que só falam a língua portuguesa e outros ainda que são bilíngües ou multilíngües. A diferença lingüística não é, geralmente, impedimento para que os povos indígenas se relacionem e casem entre si, troquem coisas, façam festas ou tenham aulas juntos. Um bom exemplo disso se encontra entre os índios da família lingüística Tukano, localizados em grande parte ao longo do rio Uaupés, um dos grandes formadores do rio Negro, numa extensão que vai da Colômbia ao Brasil.
Entre esses povos habitantes do rio Negro, os homens costumam falar de três a cinco línguas, ou mesmo mais, havendo poliglotas que dominam de oito a dez idiomas. Além disso, as línguas representam, para eles, elementos para a constituição da identidade pessoal. Um homem, por exemplo, deve falar a mesma língua que seu pai, ou seja, partilhar com ele o mesmo “grupo lingüístico”. No entanto, deve se casar com uma mulher que fale uma língua diferente, ou seja, que pertença a um outro “grupo lingüístico”.
Os povos Tukano são, assim, tipicamente multilíngües. Eles demonstram como o ser humano tem capacidade para aprender em diferentes idades e dominar com perfeição numerosas línguas, independente do grau de diferença entre elas, e mantê-las conscientemente bem distintas, apenas com uma boa motivação social para fazê-lo.
O multilingüismo dos índios do Uaupés não inclui somente línguas da família Tukano. Envolve também, em muitos casos, idiomas das famílias Aruak e Maku, assim como a Língua Geral Amazônica ou Nheengatu, o Português e o Espanhol.
Às vezes, nesses contextos, uma das línguas torna-se o meio de comunicação mais usado (o que os especialistas chamam de língua-franca), passando a ser utilizada por todos, quando estão juntos, para superar as barreiras da compreensão. Por exemplo, a língua Tukano, que pertence à família Tukano, tem uma posição social privilegiada entre as demais línguas orientais dessa família, visto que se converteu em língua geral ou língua franca da área do Uaupés, servindo de veículo de comunicação entre falantes de línguas diferentes. Ela suplantou algumas outras línguas (completamente, no caso Arapaço, ou quase completamente, no caso Tariana).
Há casos em que é o Português que funciona como língua franca. Em algumas regiões da Amazônia, por exemplo, há situações em que diferentes povos indígenas e a população ribeirinha falam o Nheengatu, língua geral amazônica, quando conversam entre si.
Línguas gerais
Nos primeiros tempos da colonização portuguesa no Brasil, a língua dos índios Tupinambá (tronco Tupi) era falada em uma enorme extensão ao longo da costa atlântica. Já no século XVI, ela passou a ser aprendida pelos portugueses, que de início eram minoria diante da população indígena. Aos poucos, o uso dessa língua, chamada de Brasílica, intensificou-se e generalizou-se de tal forma que passou a ser falada por quase toda a população que integrava o sistema colonial brasileiro.
Grande parte dos colonos vinha da Europa sem mulheres e acabavam tendo filhos com índias, de modo que a Língua Brasílica era a língua materna dos seus filhos. Além disso, as missões jesuítas incorporaram essa língua como instrumento de catequização indígena. O padre José de Anchieta publicou uma gramática, em 1595, intitulada Arte de Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil. Em 1618, publicou-se o primeiro Catecismo na Língua Brasílica. Um manuscrito de 1621 contém o dicionário dos jesuítas, Vocabulário na Língua Brasílica.
A partir da segunda metade do século XVII, essa língua, já bastante modificada pelo uso corrente de índios missionados e não-índios, passou a ser conhecida pelo nome Língua Geral. Mas é preciso distinguir duas Línguas Gerais no Brasil-Colônia: a paulista e a amazônica. Foi a primeira delas que deixou fortes marcas no vocabulário popular brasileiro ainda hoje usado (nomes de coisas, lugares, animais, alimentos etc.) e que leva muita gente a imaginar que "a língua dos índios é (apenas) o Tupi".
Língua geral paulista
A Língua Geral paulista teve sua origem na língua dos índios Tupi de São Vicente e do alto rio Tietê, a qual diferia um pouco da dos Tupinambá. No século XVII, era falada pelos exploradores dos sertões conhecidos como bandeirantes. Por intermédio deles, a Língua Geral paulista penetrou em áreas jamais alcançadas pelos índios tupi-guarani, influenciando a linguagem corriqueira de brasileiros.
Língua geral amazônica
Essa segunda Língua Geral desenvolveu-se inicialmente no Maranhão e no Pará, a partir do Tupinambá, nos séculos XVII e XVIII. Até o século XIX, ela foi veículo da catequese e da ação social e política portuguesa e luso-brasileira. Desde o final do século XIX, a Língua Geral amazônica passou a ser conhecida, também, pelo nome Nheengatu (ie’engatú = “língua boa”).
Apesar de suas muitas transformações, o Nheengatu continua sendo falado nos dias de hoje, especialmente na bacia do rio Negro (rios Uaupés e Içana). Além de ser a língua materna da população cabocla, mantém o caráter de língua de comunicação entre índios e não-índios, ou entre índios de diferentes línguas. Constitui, ainda, um instrumento de afirmação étnica dos povos que perderam suas línguas, como os Baré, os Arapaço e outros.
Ver também
Escola, escrita e valorização das línguas
Línguas silenciadas, novas línguas
Referências externas
- http://www.unb.br/il/lablind/lingerais.htm
- A LÍNGUA QUE SOMOS, por José Ribamar Bessa Freire, 25/08/2013 - Diário do Amazonas
- Projeto de Documentação de Línguas Indígenas - Museu do Índio
- Línguas Indígenas | Portal da Linguística - Museu Paraense Emílio Goeldi