De Povos Indígenas no Brasil

Revisão de 16h48min de 20 de julho de 2018 por Bruno (discussão | contribs)

Índios isolados

Sabe-se muito pouco sobre os chamados índios isolados - também conhecidos como povos em situação de isolamento voluntário, povos ocultos, povos não-contatados, entre outros. São assim chamados aqueles grupos com os quais a Funai não estabeleceu contato. As informações sobre eles são heterogêneas, transmitidas por outros índios ou por regionais, além de indigenistas e pesquisadores.

A Funai, instituição responsável pela política indigenista do Estado brasileiro, tem um órgão responsável para proteger a região onde são indicadas as referências a esses grupos sem contato: é a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC), que confirmou a existência de 28 desses grupos. Em toda a América Latina, o Brasil é o único país a ter um órgão específico para desenvolver políticas de proteção aos isolados. A CGIIRC está organizada em doze Frentes de Proteção Etnoambiental (Juruena, Awa-Guajá, Cuminapanema, Vale do Javari, Envira, Guaporé, Madeira, Madeirinha, Purus, Médio Xingu, Uru-Eu-Wau-Wau e Yanomami), que atuam na Amazônia brasileira, em regiões onde houve confirmação da presença de índios isolados e também onde vivem povos de recente contato.

De acordo com os dados do ISA e de seus colaboradores, há na Amazônia brasileira mais de 70 evidências de índios isolados, mas não se sabe ao certo quem são, onde estão, quantos são e que línguas falam. Entre esses grupos dos quais se tem evidências, apenas um, os Avá-Canoeiro, encontra-se fora da Amazônia Legal. Dos Avá-Canoeiro fala-se que são quatro pessoas, em fuga permanente, evitando o contato, pelo norte de Minas Gerais, Bahia e Goiás. Além desse pequeno grupo, outros indivíduos Avá-Canoeiro vivem na TI homônima e mais algumas pessoas desse grupo e seus descendentes vivem no Parque Indígena do Araguaia.

O que se sabe é que a maior parte dessas referências encontram-se em Terras Indígenas já demarcadas ou com algum grau de reconhecimento pelos órgãos federais. Também há evidências de grupos isolados dentro de dois Parques Nacionais e de duas Florestas Nacionais (Flonas). No caso dos parques, os grupos estão protegidos da ocupação desordenada de seu habitat, já no caso das Flonas, que apesar de serem federais e protegidas, são áreas destinadas à exploração florestal por empresas, de forma que não há garantia de que os índios serão protegidos e terão seu futuro assegurado.

As informações sobre esses povos são escassas. Por vezes, vestígios como tapiris, flechas e outros objetos encontrados nas áreas por onde passaram são fotografados. Os relatos verbais de existência desses grupos são geralmente fornecidos por outros índios e regionais mais próximos, que narram encontros fortuitos, ou que simplesmente reproduzem informações de terceiros.

Um caso que exemplifica bem a definição de grupos isolados, onde as informações dos vizinhos confirmam sua existência e a relação de contato que tiveram com eles, mostra que o isolamento é relativo: os Hi-Merimã, que hoje vivem isolados, já foram estimados em 1000 pessoas em 1943. Eram considerados um dos maiores grupos da região do rio Purus, no estado do Amazonas, mas voltaram ao isolamento. Eram conhecidos também como Marimã ou Merimã, segundo informação da antropóloga Luciene Pohl, em seu trabalho de identificação da TI Hi-Merimã. Pohl coletou as informações sobre eles com seus vizinhos Jamamadi, cujas terras demarcadas são contínuas à terra dos isolados e cuja língua é da família Arawá.

Os Jamamadi dizem que tiveram contato com eles no passado, mas houve problemas de entendimento entre as partes, o que resultou em conflito com mortes. Os Banawa, também da família lingüística Arawá, dizem entender parcialmente a língua falada pelos Hi-Merimã e afirmam que mantiveram relações com eles, podendo descrever características do modo de ser desses índios que voltaram ao isolamento. Os índios Zuruahã, da mesma família lingüística e seus vizinhos a oeste, relatam histórias de hostilidades com eles.

Isolados ou contatados?

A partir desses relatos, pode-se perceber que a idéia de que há índios isolados desde a chegada dos portugueses ou sociedades mantidas à margem de todas as transformações ocorridas desde então, é enganadora. Os grupos considerados isolados travaram, muitas vezes, relações de longa data com segmentos da sociedade nacional, tendo posteriormente optado pelo isolamento. Os Apiaká do Matrinxã, por exemplo, tiveram contatos com a sociedade regional, sofreram muito e resolveram fugir e isolar-se de novos contatos. A mesma história é atribuída aos Katawixi. Assim, o isolamento representa, em muitos casos, uma opção do grupo, que pode estar pautada pelas suas relações com outros grupos, pela história das frentes de ocupação na região onde vivem e também pelos condicionantes geográficos que propiciam essa situação. A noção de isolados, portanto, diz respeito ao contato regular, principalmente com a Funai.

O que tem ocorrido com alguma freqüência é a tentativa da Funai de realizar o contato com grupos que se encontram em situações de risco, porém muitos recusam essa aproximação.

Um caso de opção pelo isolamento também pode ser observado na região do Tanaru, sul do estado de Rondônia. Trata-se não de uma sociedade, mas de um único homem sobrevivente. Tudo leva a crer que o seu povo desapareceu devido à violência e à ganância dos pecuaristas que ocuparam a região. Desde 1996, a Funai vem tentando lhe oferecer assistência, mas todas as vezes que seu acampamento foi identificado, ele o abandonava. Mostrou-se absolutamente avesso ao contato, apesar de aceitar alguns presentes dos sertanistas, como panelas e facões.

Contatados e protegidos

Depois de serem contatados, os povos indígenas ficavam sob a proteção da Funai, que não dispunha, no entanto, de uma política especial voltada para eles. Assim, com frequência, esses povos acabavam sofrendo com epidemias e invasões em suas terras, além dos inúmeros problemas decorrentes da intensificação do contato e da sedentarização.

A partir da avaliação da situação de extrema fragilidade a que os grupos recém contatados estavam sujeitos, a então Coordenadoria Geral de Índios isolados (CGII) da Funai passou a dispensar assistência diferenciada aos Zo’é, no Pará; aos Kanoê e aos Akuntsu de Rondônia, contatados há mais de 10 anos; e a um pequeno grupo Korubo, localizado no Vale do Javari (AM).

Os Zo’é, grupo tupi-guarani localizado na bacia do Cuminapanema (PA), foram contatados pela Funai em 1989, mas já estabeleciam relações com missionários protestantes norte-americanos desde 1982. Os Zo'é entraram para a história como um dos últimos povos "intactos" na Amazônia. Os contatos com os não indígenas foram largamente noticiados pela mídia, que, em 1989, divulgou as primeiras imagens deste povo tupi, que até então vivia em situação de isolamento.

Os primeiros contatos da Funai com os Kanoê também possibilitaram o encontro com outro povo, os Akuntsu. Em 1985 foi instituída oficialmente a frente de atração responsável pelo contato com povos desconhecidos que circulavam pela região de Corumbiara, no sudeste de Rondônia. Embora essas informações já fossem de conhecimento da Funai desde a década de 1970, relatos de 1984 reiteraram a presença de grupos isolados nas matas das reservas legais de fazendas na região, que vinham sendo desmatadas para a comercialização de madeira e a implantação de pecuária. Em 1986 foi desinterditada à área destinada aos contatos com estes grupos.

Em 1995, a partir da análise de imagens de satélite, os indigenistas Marcelo dos Santos e Altair Algayer conseguiram identificar a área de ocupação dos Kanoê e entrar em contato com eles. Durante as primeiras conversas, os Kanoê informaram aos indigenistas que próximo dali havia um outro grupo indígena que chamavam de Akuntsu. Em seguida, uma outra expedição alcançou as pequenas malocas dos Akuntsu, que somavam então sete pessoas.

Os Korubo se tornaram famosos na mídia nacional e internacional quando uma parcela de sua população foi contatada, em 1996, por uma expedição promovida pela Funai, e coordenada pelo sertanista Sydney Possuelo. A expedição foi acompanhada por repórteres da revista National Geographic, que transmitiu o evento ao vivo e online para todo o mundo. Conhecidos como "índios caceteiros", por não usarem arcos, os Korubo travam, há décadas, uma guerra contida com a população regional, apesar de tentativas mútuas de aproximação. Este pequeno grupo contatado contava em 2007 com 26 pessoas e separou-se do grupo original, que permanece isolado.

Em julho de 2006, foi criada a Coordenadoria Geral de Índios Recém Contatados, subordinada à Diretoria de Assistência da Funai e coordenada pelo antropólogo Artur Nobre Mendes. Seu objetivo era a “proteção dos grupos e povos indígenas contatados no passado recente e que vivem em relativo estado de autonomia político-cultural e, ao mesmo tempo, sem o completo domínio das forças sociais dominantes que os circundam”. Compreendia-se, nesse contexto, como recém-contatados, os grupos que estabeleceram contatos permanentes com a sociedade nacional após a criação da Funai, em 1967. Entre outros motivos que levaram à criação dessa coordenação, estava o fato de que os inúmeros contatos realizados na década de 1970 e meados de 1980 ocorreram em situações de extrema vulnerabilidade desses grupos, particularmente por causa da pressão das frentes de expansão econômica. Como não havia políticas específicas para essas populações, cujas realidades sociais eram bastantes distintas, a vulnerabilidade continuou. Além disso a participação de grupos recém contatados nos programas do governo e nas ações da Funai ficava comprometida frente a melhor articulação de outros povos.

Esta Coordenadoria, entretanto, não foi implementada na época. Foi somente a partir de dezembro de 2009, com a reestruturação da Funai, que o órgão indigenista incluiu no campo de ação da CGII as populações de recente contato. Dessa forma, este órgão passou a ser chamado de Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC).

Veja também

Isolados: histórico

Onde estão os isolados?