Kwazá
- Autodenominação
- Onde estão Quantos são
- RO 54 (Siasi/Sesai, 2014)
- Família linguística
- Koazá
Expulsos de suas terras por fazendeiros após a abertura da BR-364, na década de 60, o povo Kwazá perdeu muitos dos seus integrantes e de suas cultura. Hoje são apenas umas 40 pessoas, que vivem juntas com os Aikanã e Latundê, no sul de Rondônia, região onde moravam desde tempo imemorial.
Eram conhecidos na literatura como 'Koaiá'. Seus vizinhos tradicionais eram os Aikanã, Kanoê, Tuparí, Mekens/Sakurabiat, Salamãi e, possivelmente, alguns outros. Esses povos mantinham relações entre si, através de troca de mulheres, festas, guerras. Suas línguas não são mutuamente inteligíveis. Mesmo assim, suas culturas são muito parecidas, provavelmente por causa dos contatos intertribais e dos recursos de subsistência comuns na região. Hoje a maioria desses povos ou foram dizimados ou vivem espalhados, com as suas culturas destruídas pelo contato com a sociedade nacional, desde o início do século. Dos falantes da língua Kwazá sobraram mais ou menos 25 pessoas. A maioria dos Kwazá já está mestiçada com os Aikanã e mora na Terra Indígena Tubarão-Latundê, em Rondônia, junto com os remanescentes dos povos Aikanã e Latundê. Existe também uma família mista de Kwazá e Aikanã, em uma outra Terra Indígena, situada em uma pequena área na região do igarapé São Pedro, a Terra Indígena Kwazá do Rio São Pedro..
(Verbete atualizado em 2008 pelo autor)
Nome
A autodenominação do grupo é Kwazá (em que o z corresponde ao ð, que se pronuncia como as letras th na palavra inglesa the, e em que o acento cai na última sílaba). Nas poucas referências existentes na literatura sobre os Kwazá até 1942, eles são referidos como 'Koaiá, Koaya, Coaiá ou Quaia'. Os Kwazá não reconhecem estes nomes e consideram-nos errados. Explicam que o nome certo é Kwazá, mas não atribuem nenhum sentido a ele. É provável que as denominações 'Kwazá' ou 'Koaiá' advenham de denominações que lhes foram dadas por povos vizinhos. Por exemplo, os Salamãi os chamavam antigamente de Koaiá. Além disso, o nome 'Kwazá' não deve ser a autodenominação original porque o inventário de sons da língua Kwazá não possui o [ð]. Por outro lado, este som é muito freqüente na língua do povo vizinho, os Aikanã. Esse povo os chama de Kwazá (com o [ð]), embora também não atribua um sentido particular ao nome.
O nome 'Arara' foi usado no passado por alguns funcionários da FUNAI, e hoje ele também se pode encontrar na literatura científica. Esta denominação não é apreciada pelos índios e não foi amplamente difundida. Além disso, ela poderia causar confusão com outros povos de Rondônia chamados 'Arara'. Existem algumas outras autodenominações que são de valor descritivo, mas que não são muito usadas. Os nomes Tsãrã txinuténaheré "aqueles da terra grande", Tsãrã txuhuinaheré "aqueles da terra pequena" referiam-se a dois grupos de Kwazá que moravam em dois lugares distintos no sul de Rondônia até o final do século passado.
Por fim, os Kanoê chamavam os Kwazá de Tainakãw.
Língua, localização e população
Podemos classificar a língua Kwazá, dentre várias outras do estado de Rondônia, como 'isolada'. Isto quer dizer que o Kwazá não se relaciona com outras línguas ou famílias lingüísticas conhecidas. Estudos histórico-comparativos indicam que com relação ao sistema de sons, à formação de palavras e frases e ao léxico, Kwazá é muito diferente de outras línguas. As esparsas semelhanças que existem entre Kwazá e as línguas isoladas Aikanã e Kanoê e as línguas dos troncos Tupí, Nambikwára, Txapakúra e Macro-Jê, se devem provavelmente a uma história milenar de contatos ou à coincidência.
A maioria dos Kwazá moram na Terra Indígena Tubarão-Latundê, município de Chupinguaia em Rondônia, junto com os Aikanã. Uma parte dos Kwazá se reconhece como Aikanã. Em 1998, a população total dessa TI era de aproximadamente 150 pessoas.No fim da década de 1990, havia 25 falantes de Kwazá, sendo mais da metade crianças. Metade dos Kwazá é trilíngüe, pois também falam Aikanã e Português. Uma parte é bilíngüe em Kwazá e Português. Só algumas pessoas falam apenas o Kwazá. Existem alguns falantes de Kwazá como segunda ou terceira língua, e alguns "falantes" passivos, que entendem o Kwazá. A maioria dos falantes de Aikanã é bilíngüe, falando também o Português. Nessa Terra Indígena também mora o povo Latundê, que fala uma língua que se pode classificar como Nambikwára.
Dentre as famílias kwazá/aikanã que moram na Terra Indígena Kwazá do Rio São Pedro, há poucas pessoas que conhecem o Kwazá, além do Português.
Alguns Kwazá moram em cidades (Porto Velho, Pimenta Bueno, entre outros), sem contato com os índios que vivem nas aldeias. Assim como muitos Aikanã urbanos, é provável que eles tenham perdido a língua. Não há dados que confirmem a existência de Kwazá fora do Brasil. A língua Kwazá é uma "língua ameaçada de extinção", isto é, exposta ao risco de desaparecer em muito pouco tempo, porque é falada por poucas pessoas ou/e porque não está sendo transferido para as novas gerações. Na mesma situação também se encontram as línguas vizinhas Kanoê e Latundê.
Contexto e situação tradicional
O habitat tradicional dos Kwazá era de floresta alta. Moravam ao longo dos rios, preferencialmente nas cabeceiras. Entre os seus vizinhos tradicionais estavam os Aikanã e os Kanoê, de línguas não classificadas; os Mekens/Sakurabiat, da família Tuparí; os Salamãi, da família Mondé; e vários outros, alguns deles já extintos. Mesmo falando línguas mutuamente não inteligíveis, esses povos mantinham contato entre si, seja devido a guerras territoriais, seja decorrente de alianças, festas e casamentos intertribais. Esse intercâmbio intertribal resultou em fortes semelhanças entre as culturas materiais, espirituais e intelectuais desses povos, constituindo o que foi chamado de "Complexo Cultural do Marico" pela antropóloga Denise Maldi (1991), caraterizado, entre outras coisas, pelos seguintes aspectos: cesto feito de fibras de tucum (marico); malocas comunitárias na forma de colméia, para mais ou menos 10 famílias nucleares; chicha peneirada e fermentada de milho, mandioca, banana, açaí, etc.; xamanismo com o uso de rapé feito de paricá; divisão em clãs com nomes de animais e traços específicos da mitologia. Os Kwazá correspondem a essa tipologia. Quanto à divisão em clãs, embora os Kwazá remanescentes não mais lembrem disso, há indícios na memória oral do grupo vizinho que sugerem a antiga existência de clãs entre os Kwazá.
Vários costumes desapareceram logo depois do início do contato com a sociedade nacional. Antes do contato, os Kwazá realizavam ritos antropofágicos (comiam inimigos); praticavam ritos de iniciação de adultos, envolvendo o isolamento de moças durante algumas meses; jogavam bola de cabeça (hoje jogam futebol); pintavam o corpo com urucum e jenipapo; enfeitavam o corpo com colares, pulseiras, brincos e capacetes de coco, dentes, conchas, tucum e penas (hoje preferivelmente usam miçangas de acrílico, colares de prata, bonés e relógios); perfuravam os lábios inferiores e superiores para o uso de batoques; dormiam em redes feitas de fibras de tucum (hoje preferem camas); os homens tocavam vários tipos de música com vários tipos de flautas de taboca (hoje é raríssimo); tinham flautas sagradas as quais as mulheres eram proibidas de escutar (hoje não mais); caçavam e pescavam com arco e flecha e timbó (hoje caçam com espingarda). A organização social e política da sociedade tradicional era bastante igualitária. O povo era dividido em subgrupos territoriais, provavelmente clãs, como acontecia com os vizinhos. Possivelmente não existia um nível de liderança acima desses subgrupos, geralmente exercida por jovens. O pajé tinha uma posição importante como médico e intermediário espiritual, o que não lhe dava nenhum status especial fora dessas esferas. Embora mulheres e homens exercessem atividades diferentes, a mulher podia ser líder ou pajé também. É quase impossível conseguir mais informação sobre a vida tradicional dos Kwazá, uma vez que os velhos de hoje já cresceram em tempos bastante perturbados por causa do contato com os brancos. Ao lado do arroz e do feijão introduzidos pelos brancos, os Kwazá de hoje ainda (como antigamente) plantam banana, mandioca, amendoim, cará, tabaco, em roças que são queimadas periodicamente e que são transferidas para mato virgem depois de uns poucos anos. Ainda coletam frutas, criam coró de patauá e mantêm jacus, araras, além de outras aves, porcos, quatis e vários tipos de macacos como xerimbabos (animais de estimação).
Contexto e situação atual
Desde os anos 30 os Kwazá combinam a caça e a plantação de roça com a exploração de seringa, com a qual os povos do sul de Rondônia entraram na economia global. Trabalhavam nisso como mão-de-obra para os brancos em troca de produtos exógenos, como café, açúcar, armas de fogo. Desde os anos 70 os Kwazá e os Aikanã começaram trabalhar para si mesmos, vendendo borracha na cidade. Também foram envolvidos na exploração de madeira nobre, e trocaram mogno por carros e artigos de supermercado (como arroz, açúcar etc.), acostumando-se ao modo de vida do branco. Os missionários destruíram outras importantes partes da cultura indígena, por exemplo a Missão Uniedas (de cunho protestante fundamentalista) ensinou que o exercício do pajé é uma "maldade contra Deus". Neste processo de aculturação ao mundo do branco, os índios ficaram dependentes de produtos para alimentação básica e remédios que custam dinheiro, e com isso perderam a sua autonomia. Suas terras pouco férteis não contêm minerais de valor, a madeira nobre praticamente acabou e o palmito quase não é mais encontrado na área. O mercado local de borracha entrou numa queda a partir de 1997. Hoje, aposentadorias dos velhos e salários de assessores de saude e professores indígenas formam uma fonte de renda familiar.
Os Kwazá e outros povos de Rondônia, como os Aikanã, foram expulsos das terras férteis onde moravam originalmente por fazendeiros, depois da abertura do BR-364 na década de 60. Assim, hoje, a grande maioria dos Kwazá mora junto com os Aikanã e os Latundê na Terra Indígena Tubarão-Latundê, demarcada em 1983. O solo desta área indígena é pobre, quase totalmente arenoso. Uma grande parte da área indígena tem a vegetação de cerrado. A cada ano, a região tem menos mato virgem, razão pela qual a caça está diminuindo rapidamente.
A Terra Indígena Tubarão-Latundê como um todo tem um só líder ou cacique, que representa os três grupos nela existentes. Esse líder, hoje, é um jovem Aikanã, assistido pelas pessoas mais velhas da comunidade e pela administração da sede da Funai, em Vilhena. Juntos, os índios criaram em 1996 a "Associação Massaká dos Povos Indígenas Aikanã, Latundê e Kwazá" ("Massaka"‚ originalmente, era o nome próprio de um índio Aikanã). Até recentemente a ONG "Proteção Ambiental Cacoalense" (PACA), de Rondônia, tem dado apoio, sob a forma de cursos, à Associação Massaká.
Quanto aos Kwazá do igarapé São Pedro, por não tiveram a terra demarcada, encontravam-se seriamente ameaçados pelos fazendeiros e politicos locais até 2000. Felizmente a FUNAI e o CIMI fizeram um esforço para reconhecê-la, uma vez que a cabeceira do igarapé São Pedro, tributário do rio Pimenta Bueno, corresponde a uma das regiões de origem do povo Kwazá. A evidência comprovando os direitos dos Kwazá inclui documentos manuscritos por exploradores da região no início do século XX como Rondon e Lévi-Strauss. A Terra Indígena Kwazá do Rio São Pedro foi demarcada em junho 2000 e homologada em fevereiro 2003. Não obstante, um fazendeiro esta continuando dentro desta pequena Terra Indígena.
Nota sobre as fontes
Os Kwazá estão quase totalmente ausentes nas fontes. A primeira menção aos 'Coaiás' (Kwazá) se deu num mapa manuscrito por General Rondon de 1913 (publicado em 1948), que os localizou nas margens do igarapé São Pedro, chamado Djaru-jupirará, ‘rio vermelho’, pelos 'Kepkiriuat' (língua Tupí) que forneceram esta informação. Também segundo o antropólogo francês Lévi-Strauss, a língua Kwazá seria falada no igarapé São Pedro, tributário do rio Pimenta Bueno, cerca de 20 quilômetros ao norte do rio Tanarú. Quando o antropólogo, no final da década de 30, visitou o sul de Rondônia, encontrou um jovem Kwazá entre os Kepkiriwát. Esse jovem vinha do igarapé São Pedro. Poucos anos depois, a expedição mineralógica 'Urucumacuan', sob o comando do Dr. Victor Dequech, percorreu Rondônia e encontrou os 'Coaiá' na beira do Pimenta Bueno e do São Pedro. O primeiro reconhecimento dos 'Koaiá' pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) se deu em 1942, quando o tenente Estanislau Zack os mencionou no seu relatório. Existe um silêncio desde essa data até 1984, quando o lingüista americano Harvey Carlson visitou a Área Indígena Tubarão-Latundê e encontrou alguns 'Koaiá', sobreviventes de várias epidemias que sofreram durante mais de 40 anos. Ele tentou chamar a atenção da comunidade lingüística para a existência da língua. Lévi-Strauss, Zack e Carlson coletaram breves listas de palavras que comprovam tratar-se de uma língua idêntica à dos atuais Kwazá. A língua 'Koaza' foi também mencionada por Ione Vasconcelos, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da língua vizinha Aikanã, em correspondência pessoal comigo em 1993.
Morei em aldeias Kwazá e Aikanã durante 14 meses no período de 1995-1998. Uma descrição da língua dos Kwazá, inclusive um dicionário e uma coleção de textos tradicionais, foi publicado em 2004. A Organização Neerlandesa de Pesquisa Científica (NWO) financiou o projeto.
Fontes de informação
- CREVELS, Mily & Hein van der VOORT. The Guaporé-Mamoré region as a linguistic area. Em: Pieter Muysken (org.) From linguistic areas to areal linguistics, Studies in Language Companion Series 90, Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, p. 151-179, 2008.
- MALDI, Denise. O complexo cultural do Marico : sociedades indígenas dos rios Branco, Colorado e Mequens, afluentes do Médio Guaporé. Boletim do MPEG, Série Antropologia, Belém : MPEG, v. 7, n. 2, p. 209-69, dez. 1991.
- RODRIGUES, Aryon dall’Igna. Línguas brasileiras : para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo : Loyola, 1986.
- RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferencias realizadas nos dias 5, 7 e 9 de outubro de 1915 pelo Coronel Rondon no teatro Phenix de Rio de Janeiro. Comissão de Linhas Telegraphicas Estratégicas de Matto Grosso ao Amazonas, Rio de Janeiro : Typ. Leuzinger, n. 42, p. 217-9, 1916.
- RONDON, Cândido Mariano da Silva e João Barbosa de FARIA. Glossário Geral das tribos silvícolas de Mato Grosso e outras da Amazônia e do Norte do Brasil. Tomo I, Publicação no. 76 da Comissão Rondon, Anexo no 5 - Etnografia. Rio de Janeiro : Ministério da Agricultura, Conselho Nacional de Proteção aos Índios, 1948.