De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Cloude de Souza Correia, 2003

Nawa

Autodenominação
Onde estão Quantos são
AC 535 (Siasi/Sesai, 2020)
Família linguística

Nawa corresponde à autodesignação ou à um indicador de alteridade (“outra gente”) de muitas sociedades de língua Pano, sendo recentemente reivindicada como identidade oficial a ser reconhecida pelo Estado brasileiro por esse grupo indígena que habita o interior do Parque Nacional da Serra do Divisor. A emergência de tal reivindicação se deu pela iminência de seu reassentamento fora do perímetro da Unidade de Conservação, a qual, por ser de proteção integral, proíbe a habitação em seu interior. Agora lutam pelo reconhecimento oficial de sua terra, cujo processo foi iniciado pela Funai. Devido ao contato antigo e violento com as frentes de expansão, principalmente a empresa seringalista, os Nawa já não falam sua língua, mas têm em sua visão de mundo e modo de vida uma série de aspectos identificáveis com o complexo cultural Pano.

Localização, população e ambiente

Os Nawa residem atualmente, em sua maioria, no Município de Mâncio Lima, sendo possível localizar alguns integrantes desse povo em outros municípios do Estado do Acre, como Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e Rio Branco. Também existem famílias Nawa residindo em outros estados, nas cidades de Porto Velho/RO e Manaus/AM, e em outro país, no Peru.

No Município de Mâncio Lima, os Nawa residem em sua maioria na margem direita do rio Moa e nos igarapés dessa mesma margem denominados Jordão, Pijuca, Novo Recreio, Jarina, Venâncio e Jesumira, onde reivindicam a identificação e delimitação de suas terras, cujo processo de reconhecimento pela Funai já foi iniciado.

A população nawa residente na Terra Indígena reivindicada era formada em 2005 por cerca de 306 indivíduos. Nessa época também foi realizado um levantamento parcial da população nawa residente na cidade de Mâncio Lima, sendo recenseados 117 pessoas. Como o levantamento na cidade não foi completo, o número de moradores nawa pode ser muito superior. Segue abaixo um quadro da distribuição populacional dos Nawa em 2005.

Igarapé/Rio População
Novo Recreio
141
Jesumira 24
Moa
72
Jarina
13
Venâncio
07
Jordão
04
Pijuca
45
Total
306

Meio ambiente

A Terra Indígena Nawa está localizada no Estado do Acre, o qual situa-se no extremo sudoeste da Amazônia brasileira. O estado possui fronteiras internacionais com o Peru e a Bolívia, e nacionais com os Estados do Amazonas e de Rondônia. No extremo ocidental, situa-se o ponto mais alto do estado, onde a estrutura do relevo é modificada pela presença da Serra do Divisor, uma ramificação da Serra Peruana de Contamana, apresentando uma máxima altitude de 600 m.

Os solos acreanos abrigam uma vegetação natural composta principalmente por florestas, classificadas em floresta Tropical Densa e floresta Tropical Aberta, caracterizada pela sua heterogeneidade florística de alto valor econômico. O clima, por sua vez, é do tipo equatorial quente e úmido.

A hidrografia acreana é bastante complexa e sua drenagem bem distribuída, sendo formada pelas bacias hidrográficas do Juruá e do Purus, afluentes da margem direita do rio Solimões.

A Terra Indígena Nawa está localizada na bacia do rio Juruá, a qual ocupa uma ampla área de 25.000 km². A extensão total do rio Juruá é de 3.280 km, com um desnível de 410m. Ele nasce no Peru a 453 m de altitude com o nome de Paxiúba, unindo-se depois com o Salambô e passando daí para baixo a ser denominado de Juruá. Atravessa a parte noroeste do estado do Acre no sentido Norte-Sul, entrando posteriormente no Estado do Amazonas e desaguando no rio Solimões.

Como a bacia do Alto Juruá drena uma vasta área no estado do Acre, ela engloba terras de vários municípios: Marechal Thaumaturgo, Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves, Mâncio Lima e Porto Valter. Desses cinco municípios existentes na sua bacia o rio Juruá corta apenas três, sendo eles Marechal Thaumaturgo, Cruzeiro do Sul e Porto Valter.

O rio Juruá possui pela margem direita nove principais afluentes: Breu, Caipora, São João, Acuriá, Tejo, Grajaú, Natal, Humaitá e Valparaíso. E outros nove afluentes importantes pela margem esquerda: Amônea, Aparição, São Luiz, Paratati, Rio das Minas, Ouro Preto, Juruá-Mirim, Paraná dos Mouras e Moa. No alto rio Moa encontra-se na margem direita a Terra Indígena Nawa, no Município de Mâncio Lima.

A Terra Indígena Nawa faz parte de um “mosaico” de 25 terras federais existentes no Alto Juruá: um Parque Nacional, três Reservas Extrativistas e 21 Terras Indígenas [dados de 2005].

Língua

O termo Nawa (também grafado em diversas fontes escritas como Naua, Náua ou Nahua), como consta na bibliografia sobre a história da região, provém da língua Pano e pode ser traduzido como “gente”, “povo” e “outro”. Em geral, Nawa é utilizado pelos povos Pano para se referirem à alteridade. Na maioria dos casos este termo é usado para distinguir as fronteiras étnicas entre os povos indígenas, sendo muito utilizado como sufixo de denominações atribuídas a grupos étnicos como os Kaxinawa (“gente do morcego”), Yaminawa (“gente do machado”), Shawãnawa (“gente Arara”) e vários outros.

Com base nos textos historiográficos, é possível conceber que o termo Nawa foi utilizado em alguns momentos para se referir a diversos povos da família lingüística Pano. Independente da dificuldade de resgatar nas informações históricas qual era exatamente o povo cujos exploradores e povoadores do alto Juruá denominavam Nawa, o certo é que o termo é utilizado para se referir a indígenas localizados na margem esquerda do rio Juruá, mais precisamente em um dos seus afluentes, o rio Moa.

Nessa região, onde hoje se encontra a Terra Indígena reivindicada, muitas pessoas se autodenominam Nawa, englobando indivíduos Nawa, Poyanawa, Shawãnawa (Arara), Nukini e Amoaca.

Entre os atualmente autodenominados Nawa, vários indivíduos dominam um considerável vocabulário Pano, mas ninguém fala a língua materna com fluência. Possivelmente, devido a terem sido historicamente ridicularizados e discriminados ao falarem na língua indígena, eles passaram a não mais transmiti-la a seus descendentes, gerando uma população infantil educada apenas em português, e não falante de línguas da família Pano. Mais recentemente, crianças, adultos e idosos estão retomando sua língua indígena ao transmitirem entre eles o vocabulário conhecido e ao incorporarem outros termos Pano por meio do contato interétnico.

O contato entre os diversos povos Pano tem ocorrido secularmente em uma vasta região que inclui partes do Peru, Bolívia e Brasil. Neste último país as sociedades indígenas Pano estão situadas no sul e no oeste do Estado do Acre, de onde se estendem para leste até a parte ocidental de Rondônia e, em direção ao norte, penetra o Estado do Amazonas, entre os rios Juruá e Javari (Rodrigues, 1994).

História

O Alto Juruá era território dos grupos Pano e Aruak desde o período pré-cabralino, mas a partir do começo do século XIX passou a ser ocupado também por exploradores e comerciantes vindos de Belém, Manaus e de centros urbanos localizados ao longo do rio Solimões (AM), os quais subiam o curso do rio Juruá para comercializar com a população nativa. Trocavam bens industrializados por “produtos florestais” que tinham grande demanda no mercado regional, como a salsaparrilha, a copaíba, o pirarucu, a carne de caça, a pele de animais silvestres, os ovos e a gordura de tartaruga, a castanha e a baunilha. Durante as expedições em busca desses produtos muitos índios eram escravizados e utilizados nos trabalhos na floresta. Outros eram vendidos às famílias abastadas dos centros urbanos (Aquino & Iglesias, 1994: 6).

Nos termos de Castello Branco, foram três “espécies” de exploradores que ocuparam o atual Acre, e, por conseguinte, o Alto Juruá. Aqueles que percorreram os rios com o fim de encontrar uma comunicação com a Bolívia; os que navegavam o rio com o intuito de se apossarem das terras, demarcando algumas praias para si ou para vendê-las, e os que vinham em seguida e se alojavam temporariamente em “tapiri”, para dar início a abertura das “estradas” que comporiam o futuro “seringal” (Castello Branco, 1961: 174). As duas primeiras formas de ocupação da região citadas por este autor não contaram com um grande contingente populacional, e sim a última.

Desde meados do século XVIII, os “agarradores” de índios e os “coletores de drogas” penetravam os rios Purus e Juruá, em maior escala no primeiro (Castello Branco, 1958: 18). Entretanto, os exploradores do rio Juruá somente vieram a alcançar regiões do atual Estado do Acre durante o século XIX, antes explorando locais pertencentes aos limites que compreendem hoje o Estado do Amazonas. De acordo com Castello Branco, mesmo de forma “vacilante”, o início do povoamento do Juruá ocorreu durante as décadas de 1850 a 1870 (1947: 176), sendo o primeiro explorador do Juruá a atingir regiões localizadas no atual Estado do Acre o Diretor dos Índios João da Cunha Correia, nomeado para esse cargo em 1854. Provavelmente João da Cunha Corrêa atingiu o Alto Juruá no ano de 1858, quando subiu até a foz do rio Juruá Mirim, tendo encontrado apenas índios pacíficos (Castello Branco, 1958: 60-65 e 73).

Mesmo João Correia tendo sido o primeiro a atingir regiões acreanas, as primeiras referências historiográficas a índios Nawa localizados no Alto Juruá provêm de Castelnau, quem em 1847 registrou, com base em informações de “coletores de drogas”, a presença de tabas de “Nawas”, “Catuquinas” e “Tuchinauas” na altura do rio Tarauacá (Castelo Branco, 1950: 07).

O contato com os Nawa e sua postura hostil frente às tentativas de contatá-los perdurou ao longo do século XIX, tendo a viagem do explorador William Chandless ao Alto Juruá sido interrompida, em 1867, devido a um ataque dos índios Nawa acima da boca do Tarauacá 346 milhas, no local posteriormente denominado seringal Ouro Preto, pouco acima da foz do Riozinho da Liberdade.

Segundo o historiador Castelo Branco, no início de 1884 o pernambucano Antônio Marques de Meneses, mais conhecido pelo apelido de “Pernambuco”, juntamente com alguns companheiros, aportou no “estirão dos nauas”, próximo à foz do rio Moa, denominado “Centro Brasileiro” por Pernambuco alguns anos depois, em 1894 (1930: 593). Como fica evidente, sua recepção não foi pacifica, sendo o explorador expulso pelos índios localizados no “Estirão dos Nauas”. Ainda em 1884, os italianos Henrique Cani, Antônio Brozzo, Domingos Stulzer e os brasileiros Ismael Galdino da Paixão e Domingos Pereira de Souza exploraram o Juruá com o propósito de o povoarem. O encontro desses povoadores do Juruá com os Nawa foi menos belicoso que aquele de Pernambuco, ambos em 1884. Foi possível a essa expedição composta por italianos e brasileiros visitar duas aldeias dos Nawa, situadas no estirão de mesmo nome, e distribuir brindes entre eles.

A partir de 1888, vários expedicionários começaram a penetrar o rio Moa e, em 1893, alcançam os últimos pontos do rio onde havia seringa, inclusive o rio Azul ou Breguesso (Castelo Branco, 1961: 209). Neste último ano, Castelo Branco afirma que os Nawa já não se encontravam em regiões por eles antes ocupadas. Antes de 1893, doze brasileiros navegaram do Breu até a foz do rio Vacapistéa, indo além do território posteriormente considerado brasileiro pelo Tratado de Petrópolis. Muitos desses exploradores estabeleceram seringais ao longo do rio Juruá e de seus afluentes, o que forçou a migração de diversos povos indígenas da região.

Segundo informações do ex-juiz de direito de Cruzeiro do Sul e historiador regional, José Brandão Castelo Branco Sobrinho, os seringais do Alto Juruá foram constituídos da seguinte forma: os descobridores à medida que subiam o rio reservavam algumas praias para cada um, sinalizando as extremidades dos seringais com um pequeno roçado e deixando uma “taboleta” com os nomes dos proprietários (Castello Branco, 1930: 595). Essa forma de ocupação do Alto Juruá levou à conformação de diversos seringais.

Caucheiros peruanos e seringalistas brasileiros

Como apontado, a exploração e ocupação efetiva da região do Alto Juruá ocorreram nas duas últimas décadas do século XIX, após vários embates com os povos indígenas. Neste período, a região foi povoada principalmente por diversos migrantes oriundos do Nordeste brasileiro, os quais, fugindo da seca de 1877, estabeleceram várias colocações e estradas de seringa. Em fins da última década do século XIX, o Alto Juruá já estava povoado por brasileiros, quando peruanos “caucheiros” explorando o caucho (Castilloa ellastica) e outros produtos florestais, como peles de animais silvestres e madeiras-de-lei, ocuparam a região. Estes peruanos fundaram alguns estabelecimentos na foz do rio Moa, no rio Breu e em frente à foz do Amahuacas (Riozinho Cruzeiro do Vale). A ocupação dos caucheiros peruanos foi itinerante e de curta duração, encerrando-se no início do século XX, enquanto a dos nordestinos foi maciça e duradoura (Castello Branco, 1930: 640).

Essas duas “frentes extrativistas”, a dos caucheiros peruanos e a dos seringalistas brasileiros, entraram em contato com os grupos indígenas da região de forma violenta, promovendo as “correrias” que levaram à dizimação, à escravização ou à aceitação das relações produtivas impostas, além da dispersão dos grupos indígenas (Castello Branco, 1961:178). Nessas correrias, os agentes da ocupação do Alto Juruá utilizavam muitas vezes índios considerados “pacificados” para escravizar ou dizimar aqueles grupos mais isolados.

No caso dos Nawa, recordações sobre o massacre sofrido devido à expansão das frentes extrativistas no Alto Juruá permanecem na memória coletiva do grupo. Seu Nilton, com 66 anos, relata:

Os antigos? Foram matados porque quando vieram levantar Cruzeiro do Sul ali, a maloca deles era por ali. Os antigos me contaram, era ali. A tribo deles morava por ali. Tinha o estirão dos Nawa, que eles moravam justamente no estirão dos Nawa, mais acima ali no Juruá. Eles moravam por ali também, habitavam por ali. Aí fizeram fogo neles e acabaram. Escapou essa semente. Como quando você joga assim, ficou aquela semente, daquela semente foi aumentado os Nawa de novo. Que são as nossas tribos agora (Nilton, 2003, Pé da Serra).

A redução da população indígena no alto Juruá foi constatada na época da criação do Território do Acre, o qual somente veio a ser estabelecido nos primeiros anos do século XX, quando o governo federal brasileiro passou a atuar com maior constância na região do alto Juruá. Frente à revolução acreana, de 1902 a 1903, as negociações entre Brasil e Bolívia levaram ao estabelecimento do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903, definindo os limites das possessões brasileiras em relação ao governo boliviano.

Em virtude desse Tratado, no ano seguinte, pela Lei nº 1.181, de 25 de fevereiro de 1904, o Congresso Nacional autorizou o Presidente da República, Francisco de Paula Rodrigues Alves, a administrar provisoriamente o recém reconhecido Território Federal do Acre. Neste mesmo ano, o Território do Acre foi dividido pelo Decreto nº 5.188, de 07 de abril de 1904, em três departamentos administrativos, denominados Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá. O Departamento do Alto Juruá compreendia as terras banhadas pelo rio Tarauacá e seus afluentes, além das terras do alto Juruá e seus tributários do Moa ao Breu (Castello Branco, 1930: 666).

A região ocupada pelos Nawa veio, então, a fazer parte do Departamento do Alto Juruá, cujo primeiro prefeito, de um total de 29, foi o coronel do Exército Gregório Thaumaturgo de Azevedo. Logo em seu primeiro ano como prefeito, em 1904, o coronel procurou regulamentar as atividades de extração da seringa. Pelo Decreto n° 15, de 15 de dezembro de 1904, criou a Lei do Trabalho e pelo Decreto n° 16, de 24 de dezembro de 1904, procurou regular o livre trânsito e o comércio dos “regatões” (Azevedo, 1905: 06-09). Esses decretos procuravam, em um período crescente da produção da borracha, estabelecer limites ao autoritarismo dos patrões.

A preocupação do primeiro prefeito do Departamento do Alto Juruá para com os povos indígenas da região levou-o a adotar algumas medidas com o intuito de evitar os massacres. Com interesse de integrar os índios à sociedade nacional, o referido prefeito solicitou ao Arcebispo do Rio de Janeiro o envio de padres europeus para catequizar os índios, o que só veio a ocorrer anos depois.

Ainda em conformidade com Castello Branco, a atuação do governo federal na região teve início com a fixação da sede provisória da prefeitura no local denominado Invencível, no dia 12 de setembro 1904, a qual pelo Decreto nº 28, de setembro de 1904, do então prefeito do Departamento do Alto Juruá, veio a ser definitivamente instalada em terras do ex-seringal Centro Brasileiro, com o nome de Cruzeiro do Sul. Em 31 de maio de 1906, Cruzeiro do Sul foi elevada à categoria de cidade (Castello Branco, 1930: 668).

Para os agentes da frente de extração da borracha a fundação de Cruzeiro do Sul representava o início da consolidação da ocupação da região. Todavia, para os Nawa, a fundação dessa cidade deixou registrado na memória um período de grande violência contra eles.

No dia 01 de junho de 1910, ocorreu a proclamação da autonomia do Acre, na cidade de Cruzeiro do Sul. Em 1912, foram criados os município do Território do Acre, pelo Decreto nº 9.831, de 23 de outubro de 1912, sendo denominado Município de Cruzeiro do Sul a área correspondente ao Departamento do Alto Juruá (Castello Branco, 1930: 684).

Nos primeiros anos do século XX os Nawa retiraram-se do local denominado “Estirão dos Naua”, migrando para diversas outras localidades. Essa migração foi decorrente de uma doença (“catarrão”) que causou a dizimação de grande parte dos Nawa dali. Como mencionado anteriormente, o crescente povoamento do Alto Juruá gerou uma diminuição populacional em função das perseguições e das transmissões de doenças.

Outro engenheiro, Máximo Linhares, em 1911, como ajudante do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), percorreu o vale do Juruá. Para ele, os Poyanawa poderiam ser remanescentes dos Nawa e habitavam a faixa de terras comprehendida pelo Paraná dos Mouras e rio Môa, que com bastante fundamento se presume sejam elles um resto dos antigos índios Nauas, que há cerca de vinte annos foram da margem esquerda do Juruá, onde moravam, acosados pela varíola, que lá grassou com profunda intensidade, e pela ganância dos aventureiros que os guerreavam. Subiram o Valle do Paraná dos Mouras e hoje acham-se alojados na faixa de terra referida. São muito valentes e bravios (Máximo Linhares, 1912:04).

O médico da Comissão de Limites do Brasil com o Peru, que percorreu o Juruá durante os anos de 1920 a 1927, afirmou que o vale do Embira desde o Riosinho até o divisor de águas entre aquele e o Purus é habitado pela numerosa família dos “Nahuas”, tendo ele se deparado com os Poianauas no alto rio Moa, localizados na fazenda “Barão do Rio Branco”, com 125 pessoas (Castelo Branco, 1950: 27). Posteriormente à década de 1920, Castello Branco afirma que em 1939 o coronel Lima Figueiredo, em uma publicação daquele mesmo ano, referia-se aos Poyanauas das terras firmes do Moa e a Nauas no Juruá, nos seus afluentes e sub-afluentes (Castello Branco, 1950: 27-28).

É bastante recorrente na memória dos Nawa um “fogo”, um ataque, que foi realizado contra eles quando habitavam regiões próximas da atual cidade de Cruzeiro do Sul. Esse “fogo” foi empreendido por agentes da frente de extração da borracha, tendo se tornado um marco na história oral dos Nawa. Na fala de Maria do Carmo, é possível observar ainda que os avós dela escaparam do “fogo” e fugiram para a região do rio Moa, estabelecendo-se nas margens do Novo Recreio. Com base nos relatos historiográficos, pode-se inferir que esse confronto ocorreu em fins do século XIX ou início do seguinte, quando os primeiros seringais foram formados nas margens do alto Juruá, sob a administração dos “patrões”.

Os poucos Nawa que sobreviveram ao “fogo” foram incorporados posteriormente ao sistema produtivo de extração da seringa. A região onde eles se encontravam em fins do século XIX e início do século XX, veio a ser totalmente parcelada em seringais. De acordo com Castello Branco, na década de 1920, as margens do rio Moa, onde atualmente localiza-se a Terra Indígena, estavam divididas nos seringais: Gibraltar, Monte Alegre, São João, República, Novo Recreio e Aquidabam (Castello Branco, 1930). Conforme o Nawa Eufrázio, que reside atualmente no Jesumira e trabalhou nos seringais do rio Moa, quando do fim da extração de borracha na região, existiam três outros seringais além dos mencionados por Castelo Branco: Sete de Setembro, Unidade e Rio Azul.

Diversos Nawa trabalharam nesses seringais, sendo toda a produção de borracha destinada ao “patrão”, que a comprava dos índios e dos demais seringueiros com produtos alimentícios e gêneros de primeira necessidade, como sal, sabão, tecido, querosene, pólvora, chumbo e espoleta, entre outros. Entretanto, o valor das mercadorias era muito elevado e os patrões adulteravam as dívidas aproveitando do analfabetismo dos seringueiros e índios, fazendo desses constantes devedores. A produção da borracha era escoada para o “barracão”, onde estavam as mercadorias a serem trocadas e a residência do patrão. O seringal era divido em colocações delimitadas pelas “estradas de seringa”, compostas por um número de seringueiras da qual geralmente uma ou duas famílias se ocupavam com a extração do látex.

Os seringais passaram por um período de intensa produção de borracha, que durou até 1912. Desde então, iniciou-se um longo período de crise no sistema produtivo devido à baixa do preço da borracha, que duraria até a Segunda Guerra Mundial. A partir da década de 1940, novo impulso foi dado à produção de borracha, em conseqüência da Segunda Guerra Mundial. O governo federal procurou monopolizar a extração do látex e chegou a direcionar uma nova leva migratória do Nordeste para a região Amazônica, criando nesse período o Banco de Crédito da Amazônia, com o objetivo de garantir financiamentos para o aumento da produção (Gonçalves, 1991: 29-30).

O seringal Novo Recreio

De acordo com Castelo Branco, o seringal Novo Recreio foi explorado inicialmente por um indivíduo apelidado de “papa”, sendo transferido depois para José Vieira de Alencar e, subseqüentemente, a Francisco de Mello, Cassiano de Tal, Hidalgo Roiz, Zeferino da Silva Ramos, Lima & Loureiro, Velhote Silva & Comp., José Vicente da Costa, Mamede Serejo e Manuel Florêncio de Lima. Na década de 1920, existiam nele 13 estradas de seringa, que produziam cerca de 1.500 kg de borracha (Castelo Branco, 1930: 625).

Posteriormente ao período pesquisado por Castelo Branco, o seringal Novo Recreio veio a ser adquirido pela família Oliveira, sendo depois transmitido ao Nawa Nilton Costa de Oliveira. A parte do seringal localizada na margem direita do rio Moa foi herdada pelos Nawa porque o pai do Seu Nilton, de nome Francisco de Assis Costa (Chico Peba), filho da Nawa Mariana, casou com uma das integrantes da família Oliveira, Adélia de Oliveira. O casal teve apenas o Seu Nilton de filho, tendo a mãe dele falecido quando ele ainda era criança. Seu pai casou novamente, com a índia Nukini Maria Peba, tendo mais sete filhos, que atualmente residem na Terra Indígena Nukini.

Seu Nilton teve pouco contato com o pai, que faleceu com cerca de quarenta anos. A irmã da mãe de Seu Nilton, conhecida como Dondon de Oliveira, foi quem o criou, sendo ela na época a dona de uma parcela do seringal Novo Recreio. Após a morte dos pais do seu Nilton, e de sua tia Dondon, ele recebeu de herança parte do seringal Novo Recreio, onde residem diversos Nawa. Com o declínio das atividades de extração da borracha, os Nawa passaram a se dedicar mais à caça, pesca, extrativismo, agricultura e criação de animais domésticos.

O Seu Nilton, que acabou herdando o seringal da Dondon, e os outros Nawa residentes na Terra Indígena reivindicada, descendem da “última índia Nawa”, denominada Mariana, conforme consta na historiografia do Alto Juruá e na memória oral do grupo. O pai do seu Nilton, Chico Peba, é considerado um índio Nawa por ser filho de Mariana com o não-índio José Costa (Peba). Após a morte de Mariana, seus descendentes migraram para diversos seringais localizados na região do rio Moa.

Apesar de ter ocorrido uma relativa dispersão dos Nawa após a morte de Mariana, os seus atuais descendentes mantiveram na memória algumas informações sobre o passado, em especial aquelas relacionadas com o parentesco. Como pode ser notado na fala do Seu Nilton:

Essa minha tia contou essa história dos Nawa para mim. Disse, meu filho, você é Nawa porque eu conheci sua avó. Ela era pintada, foi pega na mata. Ela era pintada. Justamente, porque esses índios antigos tudo era pintado (...) Um pente assim no rosto. Os Nukini também tinham uns ali, mas os Nukini já era diferente, a pinta (...) Ela foi e me disse que a pintura dela era assim, como um pente fino (...) E ela era mãe do meu pai (Nilton, 2003, Pé da Serra).

Em conformidade com a memória oral dos Nawa, Mariana foi “pega a dente de cachorro” na maloca quando ainda era criança. Ou seja, ela foi retirada por não-índios de seus parentes Nawa, que viviam nas malocas, e levada para outra localidade. Os Nawa afirmam que ela residiu em Cruzeiro do Sul, deslocando-se posteriormente para o seringal Novo Recreio. Consta, ainda, na memória do grupo, que durante o tempo da seringa os filhos e netos da Mariana, que nasceram no Novo Recreio, foram migrando por não terem onde morar e trabalhar. Alguns foram para o Bom Jardim, local próximo da Terra Indígena Poyanawa, e outros para o bairro Iracema, na cidade de Mâncio Lima.

Na Terra Indígena reivindicada pelos Nawa, permaneceram apenas dois netos de Mariana: Nilton Costa de Oliveira (Seu Nilton, 67 anos) e Francisca Nazaré da Costa (Chica do Celso, 67 anos). Esta neta de Mariana é filha da índia Nawa Maria Nazaré da Costa com o não-índio Francisco Marques da Silva, que tiveram ao todo seis filhos. Desses, apenas Chica do Celso, Zé Grosso e Dal estão vivos, residindo os dois últimos na Terra Indígena Nukini.

Desde que nasceram, há quase 70 anos, seu Nilton e Chica do Celso, juntamente com seus descendentes, residem na margem direita do rio Moa, em áreas de antigos seringais, e não apenas no seringal Novo Recreio, herdado por seu Nilton. Após terem herdado o seringal, as migrações dos Nawa limitaram-se à região do Moa.

Enquanto Seu Nilton podia permanecer migrando por áreas do seringal por ele herdado, outros Nawa acabaram vinculando-se aos demais seringais da região. Com o crescimento demográfico do grupo, a parte do seringal Novo Recreio herdada pelos Nawa foi tornando-se cada vez mais insuficiente para garantir o modo de vida dos descendentes da índia Mariana. Durante o tempo em que viveram nos seringais, os Nawa deixaram de ser mencionados nas fontes historiográficas. Contudo, se mantiveram unidos no período em que estiveram vinculados aos seringais, propiciando-lhes, posteriormente, a reivindicação do seu território.

O processo de reconhecimento oficial

Com uma maior atuação da Funai na região do Juruá, durante as décadas de 1970 e 1980 surgem os primeiros registros sobre a presença de índios no Igarapé Novo Recreio. No ano de 1977, após uma lacuna na historiografia, foram feitas menções a uma população indígena habitando a região do rio Moa. Naquele ano, a antropóloga Delvair Montagner Mellati, a serviço da Funai, elaborou um relatório após ter se deslocado até a região para proceder a um levantamento dos povos indígenas no Alto Juruá. No relatório ela informa a existência de uma população indígena localizada no igarapé Novo Recreio, afluente do rio Moa. Em 1984, outro antropólogo a serviço da Funai, José Carlos Levinho, também mencionou em seu relatório a presença de uma população indígena na região do rio Moa (Processo/Funai/BSB n° 2058/2000 fl. 01).

Entretanto, esses antropólogos não fizeram referência a uma etnia Nawa residindo naquela localidade. No relatório de 1977 aquela população era considerada como composta por “Nukini”, “Nukini casado com branco”, “mestiço de Poyanawa” e “mestiço de Poyanawa com Nukini”. No relatório de 1984, foram considerados como “Nukini”, “Nukini casado com branco” e “Poyanawa casado com Nukini” (Montagner, 2002: 75-76). Nas décadas de 1970 e 1980, os Nawa ainda permaneciam no anonimato, não havia grande interesse deles pelo reconhecimento de sua identidade indígena. Possivelmente, não se interessaram por serem reconhecidos como indígenas devido à grande discriminação sobre esses povos e à ausência de conflitos em torno da terra que ocupavam.

Apenas quando foram ameaçados de perderem suas terras, de serem transferidos para um assentamento do Incra, em função da criação do Parque Nacional da Serra do Divisor, em 1989, é que surge uma conjuntura política favorável para despertar seu sentimento de indianidade. Como mencionado pela liderança Nawa:

Nós vivíamos assim numa região tranqüila, trabalhando, tinha nossa sobrevivência. E aí foi quando começou a aparecer as visitas, as autoridades passando. E começaram a mexer com a gente. Falaram olha, isso aqui não é mais o que vocês pensam que era. Isso aqui é outra atividade diferente. Isso aqui é o Parque Nacional da Serra do Divisor. Aí a gente já foi ficando mais... Assim, eu pensando, agora a gente já vai começar a andar com as próprias pernas da gente, porque já que nós não estamos mais sendo dirigido pela nossa própria pessoa a gente vai procurar um rumo. Aí a gente conversa, nossos parentes Nukini aqui também sempre faz parte de reuniões em Mâncio Lima, Cruzeiro do Sul, e conversa vai eles soltaram que aqui dentro do Parque Nacional da Serra do Divisor tinha um povo diferenciado do deles. Então, a dona Rose veio aqui, mais o seu Lindomar, veio só mesmo nos ver, ver o que nós éramos. Ela veio diretamente na casa da dona Francisca do Celso, porque nem lá em casa ela passou. Chegou: - dona Francisca nós temos notícias que vocês são povos indígenas, que nós somos missionários do Cimi que trabalham com povos indígenas, então é obrigação nossa saber se vocês são índios ou não. Falou: - nós somos índios e nós somos índios Nawa. Aí ela ficou toda surpresa disso. Ela andou no cemitério, bateu foto da dona Francisca e voltou novamente. Nesse intervalo ela já passou e a gente já mandou uma carta diretamente pedindo o apoio do Cimi, para que ele mandasse essa carta até a Funai, ou entregasse para o próprio Ibama mesmo para ter o reconhecimento (Railson, 2003, Novo Recreio).

Em 1999, depois de uma viagem de representantes do Cimi ao rio Moa, a Funai foi informada da existência de um povo autodenominado Nawa morando na região dos igarapés Jordão, Pijuca, Novo Recreio, Jarina, Venâncio e Jesumira, e também na margem direita do rio Moa. De acordo com o documento intitulado “Naua: mais um povo indígena no Acre”, datado de 2000, e de autoria dos então administrador da Funai-AC, coordenador da UNI-AC e coordenador regional do Cimi, a última informação sobre os Nawa teria aparecido no álbum de 1994, intitulado “A Cidade de Cruzeiro do Sul – Revisitando o Juruá”, editado e publicado pela Prefeitura Municipal de Cruzeiro do Sul. Como consta no documento de 2000:

a última sobrevivente do povo Naua seria uma senhora de nome Francisca Borges de Paiva. Segundo o mesmo álbum, onde aparece inclusive uma foto da Dona Francisca, o casal deixou alguns filhos, netos e bisnetos. O casamento teria ocorrido em 1906, logo após a inauguração da cidade de Cruzeiro do Sul (Processo/Funai/BSB n° 2058/2000 fl. 08 - ênfase minha).

Contudo, os Nawa que habitam o rio Moa não descendem de Francisca Borges de Paiva, e sim de Mariana. O historiador Castelo Branco já havia mencionado a índia Mariana como sendo a “última sobrevivente” Nawa, mas não fez nenhuma referência a Francisca Borges de Paiva. No “álbum”, de 1994, aparecem duas fotos, uma da Nawa Francisca Borges de Paiva e outra da Nawa Mariana (Mariruni). O texto abaixo da foto de Mariana afirma ser ela “a última sobrevivente” e aquele abaixo da foto de Francisca Borges de Paiva diz ser ela a “última descendente dos Náuas”. Assim sendo, constata-se que duas índias Nawa foram consideradas como a “última índia Nawa”.

Durante os estudos do grupo técnico de identificação e delimitação da Terra Indígena Nawa os descendentes de Mariana e de Francisca Borges de Paiva foram entrevistados. Constatou-se que os descendentes de Mariana residem principalmente na Terra Indígena reivindicada, enquanto os de Francisca Borges de Paiva residem em sua maioria na cidade de Cruzeiro do Sul. Estes últimos não reivindicam um reconhecimento étnico ou território, mas carregam na memória muitas informações sobre Francisca Borges de Paiva e os Nawa. Como não havia nenhum tipo de reivindicação por parte dos descentes de Francisca Borges de Paiva, os estudos antropológicos foram direcionados para os descendentes de Mariana.

Como se trata de duas índias Nawa, capturadas “a dente de cachorro” quando eram crianças e viviam nas malocas, pode-se supor que elas poderiam ter algum parentesco. Entretanto, os descendentes de ambas as índias não vislumbram nenhum grau de parentesco entre eles.

Outras leituras

Em 15 de dezembro de 2003, um acordo foi firmado entre a comunidade Nawa, o Ibama, a Funai e o Ministério Público Federal, entre outras instituições, em que se reconhece a identidade étnica dos Nawa e a necessidade de um Plano de Manejo para a área sobreposta. Leia o documento.

Modo de vida

Depois de muitos anos de contato entre os Nawa e a sociedade envolvente, o antigo padrão de residência do grupo foi alterado. Quando dos primeiros encontros dos Nawa com os exploradores do Juruá eles residiam em grandes malocas, as quais comportavam famílias extensas. Como mencionado pela Nawa Chica do Celso:

eles faziam aquelas malocas assim, quando acabava era bem cercadinha. Tinha a portinha. Ali, se era muito índio tinha a maloca assim, separada. E se era pouco era só uma grande (Chica do Celso, 2003, Moa).

Muitas malocas dos antigos Nawa encontram-se nas cabeceiras dos igarapés Boca Tapada, Novo Recreio e Jesumira. Nessas malocas é possível encontrar cacos de cerâmica, capoeiras e antigos plantios. Referências à existência de malocas antigas é constante entre os Nawa, entretanto, devido ao contato eles modificaram seu padrão de residência. Deixaram de residir em grandes malocas, ocupadas por uma família extensa, e passaram a residir em pequenas casas ocupadas por uma família nuclear. Ao serem incorporados à empresa seringalista como mão-de-obra para a extração do látex, passaram a trabalhar e residir nas colocações. Os serviços para a produção de borracha eram realizados em geral por uma família responsável pelas estradas de seringa da colocação. Portanto, não foi a família extensa que passou a prestar serviço para os patrões, e sim as famílias nucleares.

Atualmente não existem grandes malocas, mas várias casas dispersas ao longo dos cursos fluviais, muitas delas situadas em antigas colocações de “beira”, e não mais em áreas de “centro”. Durante o auge da produção da borracha, quando os Nawa estavam submetidos às atividades dos seringais, as residências não necessariamente ficavam próximas aos cursos fluviais, podendo estar localizadas nas áreas de “centro”. Atualmente, por estar sendo pouco praticada a extração do látex pelos Nawa, as áreas de centro foram desabitadas, passando a haver uma concentração populacional nas áreas de “beira”. O padrão de residência, portanto, aproxima-se daquele existente nos antigos seringais, com poucas famílias residindo em uma colocação. Com esse padrão de residência, os Nawa fixaram-se na margem direita do rio Moa e nos afluentes dessa margem: Jordão, Pijuca, Novo Recreio, Venâncio, Jarina e Jesumira.

Com o processo de reivindicação da Terra Indígena, os Nawa começaram a organizar as residências por aldeias. Isto significa dizer que a permanência das aldeias nas atuais localizações é muito recente, data de fins da década de 1990. Por outro lado, as residências que atualmente compõem as aldeias encontram-se distribuídas ao longo da margem direita do rio Moa e dos igarapés Jordão, Pijuca, Novo Recreio, Venâncio, Jarina e Jesumira há várias décadas, desde o período da produção de borracha nos seringais. Uma data precisa da permanência dessas residências nas atuais localizações não é possível de ser vislumbrada, mas foram instaladas nessas localidades ainda na primeira metade do século XX.

Frente à incipiente organização das aldeias, torna-se mais viável falar sobre a habitação permanente dos Nawa com base nas residências. Estas estão localizadas e são construídas relativamente distantes umas das outras, nas margens dos cursos fluviais, visto terem os Nawa nesse local uma maior facilidade para o transporte de gêneros de primeira necessidade, e mesmo por ser mais fácil a locomoção até às cidades.

Com recursos da floresta os Nawa também constroem suas residências. Aquele que pretende construir uma casa pode contar com a colaboração dos parentes para buscar a madeira e a palha na mata, em regime de mutirão. Algumas casas são construídas com parede e piso de Paxiubão e telhado coberto com folhas de palmeiras, especialmente de Caranaí, mas também de Chila, Jarina e Uricuri. Existem também casas com telhados de alumínio, os quais são utilizados principalmente nas escolas e nos postos de saúde. Outras habitações são construídas com paredes e piso de tábua serrada, em geral com madeiras de boa qualidade, como amarelinho, bacuri, copaíba, cedro-vermelho, louro, bacuri e angelim. Já os esteios e vigamentos são construídos com maçaranduba, muirapiranga, louro-abacate e pau d’arco.

Ao longo da permanência dos Nawa na região do rio Moa, diversas residências foram construídas. Em fins de 2003, a Terra Indígena reivindicada contava com 52 casas, mais facilmente identificadas geograficamente se for considerado como referencial as colocações e igarapés.

Como as residências, e caminhos entre elas, encontram-se no baixo e médio curso dos igarapés, as regiões das cabeceiras são menos utilizadas pelos Nawa. Entretanto, no alto curso dos igarapés os Nawa afirmam ser uma região de trânsito de índios isolados.

Atividades produtivas

Em período anterior à ocupação da região do alto Juruá pela empresa seringalista, a exemplo de outras sociedades indígenas da língua Pano, os ancestrais dos atuais Nawa praticavam a caça, a pesca, o extrativismo e a agricultura.

Caça

Desde a idade em que uma criança consegue suportar o disparo da espingarda, ela é introduzida no vasto universo de informações que envolvem a atividade de caça. Conhecer o relevo, a hidrografia, a vegetação e os hábitos dos animais (locais onde comem, bebem água, dormem, reproduzem etc.) é fundamental para o sucesso do caçador. É importante, também, identificar muitas informações sobre a caça por meio dos rastros, como as últimas ações realizadas pela caça, seu tamanho, a espécie e a distância em que se encontra do caçador.

Sendo o período de inverno o mais propício para a atividade de caça, durante vários dias da semana um dos homens da família sai para caçar. As áreas de caça situam-se no interior da mata, à qual têm acesso pelos caminhos de caça que saem dos fundos das residências e levam a várias horas de caminhada em direção ao interior da mata. A dimensão das áreas de caça é bastante ampla, ocupando toda a região da margem direita do rio Moa e as microbacias dos igarapés Jordão, da Velha, Pijuca, Novo Recreio, Venâncio, Jarina, Jesumira, do Velho, Paxiubal e Buraco-Fundo.

Os acampamentos de caça são realizados com certa freqüência, podendo ser estabelecidos, também, nas regiões das cabeceiras dos igarapés Novo Recreio e Jesumira. Nos acampamentos os Nawa permanecem cerca de dois ou três dias caçando. Em geral, deslocam-se para essas áreas quando necessitam abater uma quantidade de caça capaz de prover as famílias por vários dias.

Quando saem para caçar no período de inverno, nas proximidades das residências, gastam poucas horas para adquirirem carne com fartura. A abundância de caça no inverno está associada a uma floresta bastante preservada na Terra Indígena, a qual oferece nesse período muitas opções de alimentos para os animais. No verão, as atividades de caça são mais difíceis por não terem tantas opções de alimentos para os animais e por não ficarem seus rastros muito visíveis, como ocorre na estação chuvosa com o solo bastante molhado.

Durante o inverno e o verão costumam praticar também a caça com armadilhas. Uma outra técnica de caça utilizada pelos Nawa durante o inverno e o verão, mas com bem menos freqüência que as demais, é a caça com cachorro. Entretanto, como os cachorros afugentam as caças para áreas mais distantes, os Nawa estão abandonando e proibindo a caça com esses animais domésticos dentro dos limites da Terra Indígena reivindicada.

Pesca

A pesca, enquanto atividade econômica, encontra-se completamente voltada para o consumo doméstico, não havendo comércio de peixe entre os Nawa. Em geral, a atividade de pesca é praticada durante todo o ano, mas ao longo do verão amazônico torna-se mais fácil obter peixes devido à piracema e às águas ficarem mais límpidas. Este período do ano coincide com uma maior redução das atividades de caça. No período das chuvas, inverno, os rios e igarapés ficam barrentos e profundos, dificultando a atividade de pesca. Independente da época do ano, os peixes mais consumidos são: aruanã, bagre, bode-amarela, bode-sapateiro, bodó, braço-de-moça, branquinha, cachimbo, cachorra, cará, cará-açú, caruaçú, casa-velha, casca-grossa (cascudo), curimatã, jacaré, jaú, mandim, mapará, matrinchã, mocinha, pacu, piau, piramutaba, piranha, piranha-roxa-pequena, pirarara, pirarucu, sardinha, surubim, tambaqui, traíra e tucunaré.

As pescarias podem ser realizadas individual ou coletivamente, contando com a participação dos homens, mulheres e crianças. No período do inverno, quando os homens dedicam-se às atividades de caça, as mulheres e crianças costumam pescar com anzol na margem dos igarapés e rios.

Criação

Os Nawa costumam domesticar diversos animais silvestres desde filhotes. Esses animais podem se tornar de estimação, havendo entre eles diversas espécies de mamíferos e aves, como por exemplo: arara, papagaio, periquito, maracanã macaco soim, macaco-prego, macaco zogue-zogue, mutum, jacamin, jacu, paca, cotia, anta, porquinho, queixada e veado.

Outros animais domésticos não se tornam de estimação, sendo mantidos basicamente para o consumo ou comércio. Entre estes estão galinha, pato, porco, ovelha, cabra e o gado. Todos esses animais são criados soltos, permanecendo próximos às residências em determinados horários e na floresta e nos pastos em outros. Os suínos são em maior quantidade, seguidos dos galináceos e anatídeos. Existe uma pequena quantidade de bovinos e ovinos.

O gado criado pelos Nawa é pouco utilizado na alimentação. Somente em ocasiões festivas uma cabeça de gado pode vir a ser consumida pelos Nawa. Apesar da criação desses animais ter aumentado nos últimos anos, ela ainda é muito incipiente. Em média, um indivíduo Nawa possui duas ou três cabeças de gado, mas em alguns pastos é possível contabilizar cerca de trinta animais, que são propriedade de uma família. Mesmo sendo o gado tido como a maior reserva de dinheiro, o animal mais comercializado é o porco, que é vendido principalmente em Mâncio Lima. Os galináceos e caprinos quase não são comercializados, estando mais voltados para o consumo familiar. Em ocasiões festivas, um animal de criação pode ser servido para os amigos e parentes no lugar da carne de caça.

Mesmo sendo, hoje, importante a criação destes animais para os Nawa, é preciso destacar alguns transtornos que eles geram. O gado tem contribuído com a formação de pequenos pastos em áreas de capoeira ou na margem dos igarapés. Potencialmente, com o aumento do criatório eles podem gerar um maior desmatamento da floresta. Quanto aos porcos, os maiores danos causados são à saúde dos Nawa, devido ao fato de permanecerem próximos das residências e consumirem água nos igarapés. Dependendo da residência, o gado e os porcos passam a noite em volta ou em baixo das casas, gerando um acúmulo de excrementos que podem gerar danos à saúde.

Extrativismo

As atividades de extrativismo são desenvolvidas entre os Nawa sem nenhuma finalidade comercial, sendo uma fonte importante para adquirem complementos alimentares, materiais para a construção das residências, produtos medicinais, temperos para os alimentos, óleos vegetais etc. Portanto, há uma grande importância dessa atividade na vida dos Nawa.

Muito do conhecimento tradicional do grupo para a extração de produtos da floresta permanecem sendo transmitido de geração em geração, tendo o contato com os ocupantes da região do alto Juruá introduzido outras atividades extrativas, entre elas a retirada do látex da seringueira (hevea brasilienses). Tendo herdado o seringal Novo Recreio foi possível a diversos Nawa desvincularem-se do jugo dos patrões e passarem a produzir e comercializar a borracha de uma forma independente. Entretanto, após a década de 1980, a crise no preço da borracha levou os Nawa a abandonarem a extração da seringa por não ser seu comércio rentável. Atualmente, as principais atividades extrativas estão voltadas para o uso e consumo familiar, não mais para a produção da borracha. Dentre os vegetais extraídos da floresta encontram-se frutos comestíveis, madeiras, palhas e plantas medicinais.

Alguns recursos naturais são usados para os adornos corporais e artesanato em geral. As sementes do urucum costumam ser machucadas junto com água até virar uma massa, sendo a tinta resultante utilizada para a pintura corporal e como corante de alimentos. O jenipapo é cortado ao meio e colocado na água aquecida, até adquirir a coloração azul. O cipó-titica é usado para confeccionar cestaria e diversos adornos, os quais são pintados com urucum e jenipapo. A cinza da casca do caripé é utilizada na fabricação de cerâmicas para dar liga ao barro, com o qual fazem diversos objetos.

Dos produtos retirados da floresta, podem ser destacados aqueles utilizados no consumo alimentar: abiu, bacaba, caju-do-mato, embaúba, ingá, jarina, kutinake, muratinga, pãmã, pãma (pequena), pé-de-jabuti, piquiá, pupunha, ramuchucú, uchí, açaí, apuruí, bacuri, buriti, buritirana, patoá (grande), cumarú, jatobá e maçaranduba. Entre aqueles que são usados para diversas outras finalidades, construção de casas, canoas, remos, pilões, conserto de barcos, etc., encontram-se: jatobá, maçaranduba, paxiúba, cumaru, itaúba, itaúba-abacate, guariúba, andiroba, angelim, cajuí, cedrinho, cedroarana, cupiúba, jacareúba, lacre, louro-preto, marupa, ucuúba e violeta.

Esses produtos florestais são extraídos e usados de formas variadas, possuindo épocas do ano específicas para serem retirados. Eles estão localizados em praticamente toda a extensão da Terra Indígena.

As atividades extrativas podem ser exercidas por homens, mulheres e crianças, sendo que alguns produtos, como o açaí, são coletados pelos homens e preparados conjuntamente entre eles e as mulheres. A extração de produtos florestais pode ser realizada coletiva ou individualmente, estando geralmente direcionada para o consumo em uma família nuclear.

Agricultura

Os Nawa praticam a agricultura de coivara e cultivam uma grande diversidade de produtos, entre eles: abacate, abacaxi, acerola, arroz, banana, batata-doce, caju, cajuí, cana-de-açucar, cará, coco da bahia, cupuaçu, feijão, goiaba, graviola, ingá, inhame, jaca, laranja, limão, macaxeira, mamão, manga, melancia, milho, pimenta, pupunha e tabaco.

Os produtos agrícolas são retirados do terreiro, da “roça” ou do “roçado”. O primeiro refere-se à área ao redor das residências, o segundo, é basicamente uma plantação de mandioca e, o último, é uma plantação dos demais produtos agrícolas. Os roçados podem conter plantações de roça em seu centro, ou estas podem ser plantadas separadamente. A abertura de um roçado ou de uma roça é uma atividade que demanda diversas técnicas.

Primeiramente é escolhido um local apropriado para, em seguida, “brocar” a área. A atividade de brocar requer o corte das árvores mais finas, dos cipós e da vegetação mais baixa. A próxima etapa para “colocar” um roçado é a derrubada das árvores de porte maior e a queima do que foi brocado e derrubado. Assim, é importante ter brocado e derrubado as árvores antes do período da seca, quando em seu auge será a vegetação queimada. É feito um aceiro para evitar que o fogo se alastre, apesar da possibilidade do fogo adentrar a mata ser pequena, devido a ela estar sempre bastante úmida. O restante da vegetação que não virou cinza é reunido e queimado novamente.

Dessa maneira, o terreno fica limpo de troncos que dificultam a plantação e aumenta-se a quantidade de cinza que adubará o solo. Mas nem sempre todos os troncos são completamente queimados, passando esses a serem uma fonte de extração de lenha. Após a coivara, inicia-se a fase do plantio, coincidindo com o começo das chuvas. Quando os cultivos novos começam a brotar é preciso realizar outra atividade, a limpeza do mato.

Os Nawa, praticando uma agricultura de coivara, procuram realizar também o descanso da terra, um plantio rotativo. Após um roçado ser utilizado por alguns anos, sua terra perde grande parte dos nutrientes e a produção começa a diminuir. Nesse momento o roçado é deixado sem cultivos para se regenerar, voltando a nascer uma vegetação conhecida pela denominação de “capoeira”. Depois da vegetação de capoeira adquirir um desenvolvimento considerável a área pode ser utilizada com roçados novamente. Colocar um roçado em área de capoeira é uma atividade que exige menos esforço que colocá-lo em uma área de “mata bruta”, isto devido ao porte da vegetação nessa última área ser consideravelmente maior.

Dos produtos do roçado o principal é a mandioca (ou macaxeira), a qual constitui-se juntamente com a carne da caça ou da pesca a base da alimentação dos Nawa. A mandioca pode ser comida cozida, frita ou na forma de farinha. Da mandioca os Nawa fazem a caiçuma, podendo esta ser feita também do milho. A caiçuma é uma bebida que pode ser consumida fermentada, com um baixo teor alcoólico, ou não fermentada, sem teor alcoólico.

Dos vários alimentos produzidos com a mandioca o de maior produção entre os Nawa é a farinha, a qual está voltada para o consumo familiar e para o comércio na cidade de Mâncio Lima. Após o declínio da borracha, a partir da década de 1980, a farinha passou a ser um dos principais produtos comercializados pelos Nawa, juntamente com o arroz, o feijão e o milho. Contudo, a produção dos Nawa para comercialização, ou mesmo para o consumo, não é muito grande. Seus roçados possuem entre um e três hectares.

Uma família Nawa pode ter mais de um roçado, alguns próximos às residências, localizados no fundo dessas, e outros mais no interior da mata. Algumas áreas de roçado possuem em seu interior a casa de farinha, onde a mandioca é processada.

Entre os produtos do terreiro (frutas, plantas medicinais, temperos e outros) encontram-se plantas medicinais: andiroba, capim santo, copaíba, erva cidreira, marcela e mastruz. Essas plantas podem ser usadas para o tratamento de feridas, tosse, dor de barriga, hemorróida, cólicas, febre e dor no estômago. Os cultivos do terreiro são realizados individualmente e estão sob os cuidados femininos, quem prepara a terra, planta, limpa e colhe.

Artesanato

Antes do impacto sofrido pelos Nawa com a ocupação do alto Juruá pela frente de extração da seringa, a exemplo de outros povos da família lingüística Pano, eram muitos os artefatos produzidos pelo grupo, incluindo utensílios domésticos, armas de caça e pesca, adornos etc. Produziam cocares e brincos com as penas de diversas aves, colares de sementes e roupas de algodão (“tangas” para os homens e “saias” para as mulheres). Essas vestimentas eram tingidas com tintas extraídas de árvores da floresta, cujos nomes são atualmente desconhecidos.

Após o contato com a sociedade envolvente essa atividade foi reduzida consideravelmente. Todavia, a produção de artefatos, mesmo em pequena escala, ocorre atualmente. São produzidos, principalmente, instrumentos domésticos, como raladores, vassouras, cestos e potes de barro. Os raladores são feitos de madeira com uma chapa retirada de latas e furada com pregos. As vassouras são feitas com diversas palhas encontradas na região. Os potes são produzidos com o barro retirado das margens dos igarapés e, os cestos, são feitos com cipó-titica. Esses objetos, no entanto, não são destinados para o comércio, ao contrário de outros.

Os objetos comercializados, em pequena quantidade, são em geral objetos de adorno, como colares e pulseiras. Estes artesanatos são confeccionados com sementes ou com taboca. Esta última é utilizada para fazer o bico das flechas e um instrumento de sopro, denominado “buzina”. As sementes podem ser encontradas em diversos lugares da floresta, mas a taboca existe apenas na região das cabeceiras do igarapé Novo Recreio. A produção de arcos e flechas, estas últimas com a ponta de taboca, é uma atividade masculina. Entretanto, a maior parte do artesanato é produzida pelas mulheres.

Relações interétnicas

As relações dos Nawa com outros povos indígenas são principalmente de ordem política, com exceção dos Nukini, com os quais possuem um vínculo mais intenso. No Município de Mâncio Lima os Nawa realizam atividades comerciais, freqüentam os hospitais, estudam, retiram suas aposentadorias e salários e visitam seus parentes. Apenas deslocam-se para as cidades de Cruzeiro do Sul e Rio Branco quando necessitam de um tratamento mais especializado de suas enfermidades. Assim, o maior contato dos Nawa com a sociedade envolvente ocorre na cidade de Mâncio Lima.

Nesta cidade, com freqüência, os Nawa levam o excedente de sua produção agrícola, como arroz, feijão, milho e farinha para comercializarem. Com o dinheiro obtido na venda desses produtos eles compram diversos outros, industrializados: sal, açúcar, café, óleo de cozinha, roupa, calçado, pólvora, chumbo, anzol, tarrafa, óleo para motor, gasolina, machado, terçado, foice, motor para barco, material escolar, remédios etc. Esses produtos são essenciais para o modo de vida dos Nawa. Contudo, esses bens são adquiridos aos poucos, conforme a necessidade, devido à baixa renda que possuem. Sua fonte de renda provém apenas dos produtos comercializados, da aposentadoria rural e dos salários dos professores e dos agentes de saúde. Como o recurso obtido com aposentadorias e salários é bastante exíguo, e utilizado por vários integrantes de uma família, a maior fonte de renda vem do comércio.

O comércio dos Nawa com a sociedade envolvente ocorre também com os “regatões”, que são comerciantes que sobem o rio comprando principalmente animais domésticos e vendendo produtos industrializados. Os suínos, galináceos, bovinos e outros são freqüentemente vendidos para esses comerciantes. Como não levam esses animais para venderem na cidade, muitas vezes o comércio é desenvolvido entre os próprios Nawa ou com os Nukini.

Ainda na cidade de Mâncio Lima, os Nawa buscam atendimento médico e compram remédios para doenças que não são curadas com as plantas medicinais. Parte do atendimento é realizado pelo pólo base de saúde indígena, que possui uma sede na cidade. Entretanto, eles apenas deslocam-se da Terra Indígena se a enfermidade não puder ser tratada pelo pajé ou pelos agentes de saúde.

Entre eles há um pajé e dois agentes de saúde, um contratado pelo Município e, o outro, pelo antigo convênio UNI/Funasa. Existe, ainda, um posto de saúde que foi construído por meio de uma parceria entre a UNI, Funasa e prefeitura municipal. O posto foi mobiliado, mas sempre carece de remédios e materiais cirúrgicos. Além do mais, não foram fornecidos a eles barcos e motores para transportarem os pacientes em estado mais grave até a cidade.

Os Nawa também freqüentam a cidade de Mâncio Lima para visitarem seus parentes. Vários Nawa não residem na Terra Indígena e, sim, na cidade. A casa dos parentes é fundamental para os Nawa da Terra Indígena por ser um local seguro para se hospedarem. Quando vão desenvolver suas atividades comerciais, realizar tratamento de saúde, retirar seus salários e aposentadorias, ou para qualquer outra necessidade, hospedam-se na casa dos parentes. Assim, os laços sociais e afetivos entre os que moram na cidade e aqueles da Terra Indígena são constantemente reforçados.

Os parentes da cidade, em alguns casos, fornecem moradia para aqueles Nawa que resolvem cursar o ensino fundamental e médio. Na Terra Indígena, a educação escolar propicia a formação do estudante apenas até uma parte do ensino fundamental. Atualmente existem cinco escolas na Terra Indígena, três no Novo Recreio, uma no Pijuca, uma no Jesumira e uma no Sete de Setembro. Todas essas escolas oferecem uma formação educacional de ensino fundamental, mas somente até a 4ª série. Se os alunos quiserem continuar estudando, precisam residir na cidade ou freqüentar as escolas existentes na Terra Indígena Nukini.

As relações dos Nawa com os Nukini não se resumem à educação escolar. Devido à grande proximidade das aldeias Nukini, separadas apenas pelo rio Moa, os Nawa mantêm intenso contato com eles. Algumas das atividades comerciais dos Nawa são realizadas com os Nukini. Quando precisam de algum produto industrializado e não pretendem fazer a longa viagem até a cidade, os Nawa procuram os Nukini para tentarem suprir suas necessidades.

Com outros povos indígenas as relações dos Nawa são menos intensas. Muitos nem conhecem outros povos além dos Nukini. Mesmo estando a Terra Indígena Poyanawa no Município de Mâncio Lima, pouco é o contato dos Nawa com esse povo. Os Nawa que mais mantêm contato com outros povos indígenas são as lideranças, que viajam até as cidades de Cruzeiro do Sul e Rio Branco para participarem de encontros com os representantes de outros povos do Estado do Acre, principalmente do Alto Juruá.

Além de um maior contato com as lideranças de outros povos indígenas, os Nawa passaram também a se relacionar com o Cimi (Conselho Indigenista Missionário, órgão da Igreja Católica) e a Funai (Fundação Nacional do Índio, órgão indigenista oficial do Estado brasileiro). Nestas, eles conseguem apoio e orientações para suas reivindicações e necessidades.

Aspectos cosmológicos

Vários aspectos culturais podem ser destacados, entre eles os tabus, as crenças, os artesanatos, as danças, as músicas, as relações de parentesco, a organização social, econômica e política, bem como diversos conhecimentos tradicionais associados ao uso dos recursos naturais. Quanto aos tabus, em geral, eles estão associados aos hábitos alimentares de crianças, mulheres gestantes e caçadores. As crenças dizem respeito à forma de conduta dos Nawa com a floresta, com os animais e com as plantas. Já o artesanato inclui diversos objetos como potes de barro, colares, pulseiras, vassouras, cestos e outros.

Atualmente os Nawa dançam o Mariri - assim como diversos povos Pano - e cantam várias músicas indígenas, algumas compostas por eles e outras aprendidas com os mais idosos. Os Nawa têm cerca de dez músicas que são cantadas nos seus rituais denominados por eles de Shãnãdãiã, em que cantam suas músicas, dançam em roda ou em fila, usam seus trajes e adornos indígenas, pintam o corpo e consomem caiçuma, uma bebida feita de milho ou de mandioca. Este ritual é de extrema importância por reforçar os laços sociais, culturais e a identidade dos Nawa. Esses eventos não contam com datas preestabelecidas para sua realização, pois ocorrem sempre que eles sentem a necessidade de se reunir. O ritual do shãnãdãiã, transmitido dos mais velhos para os mais novos, agora é também ensinado na escola indígena, onde as crianças aprendem as danças e os cantos.

Reforçando a cosmologia adquirida após o contato, os Nawa freqüentemente realizam o ritual da missa católica. As missas são feitas nas residências por não ter sido construída nenhuma igreja na Terra Indígena. Quando, esporadicamente, um padre desloca-se até a região, as missas são celebradas em uma igreja situada na Terra Indígena Nukini, contanto com a participação dos Nawa.

Outros rituais desenvolvidos pelos Nawa, e associados com a cultura dos povos Pano, dizem respeito às práticas xamanísticas. Entre os Nawa há um pajé, conhecido pelo nome de Langa. Em seus rituais de cura, realizados em sua residência ou na do paciente, ele utiliza diversos medicamentos obtidos na floresta e faz uma espécie de defumação do enfermo com charuto, em meio a várias rezas proferidas na língua indígena. Segundo ele:

Eu curo com cachimbo, a pessoa está com febre, está doente, aí eu curo, a cabeça. Eu fumo aquele tabaco, quando não é com tabaco é com folha da mata, esfrego na cabeça. Ali dizendo as palavras da mata, do meu pai. Ele curava. Do jeito que ele curava eu curo também. Aprendi isso aí com ele (Pajé Langa, 2003, Novo Recreio).

Dentro da cosmologia Nawa, pode-se destacar ainda práticas e crenças relacionadas com as atividades de caça. Para evitar que um caçador fique com panema (indisposição e incapacidade de caçar), as mulheres não podem pegar nas armas de caça nem varrer a casa quando o caçador vai sair para caçar. Se estiver com panema, colocam o sumo de uma folha chamada churrô no olho para enxergar e acertar a caça. O cipó do Churrô também pode ser usado para fazer defumação. Para defumar, usam o tipi (uma planta) e pêlos de porco, veado, anta e outras caças. Misturam tudo, colocam pimenta e fazem uma fogueira. O caçador, seus instrumentos e o cão de caça permanecem por longo tempo na fumaça. Além da defumação, para tirar panema, usam o pião roxo. Com ele a mulher bate no homem, proporcionando-lhe mais sorte na caçada. Para terem mais sorte na pesca, bebem um “remédio da mata”.

Há tabus alimentares que recaem principalmente sobre as mulheres. Para os Nawa, se uma gestante comer o peixe denominado Mandim, ela pode ter hemorragia. Outros animais, como o jabuti, o peixe de couro e a paca também são interditados às gestantes.

A observação de alguns animais são indicadores de chuva, segundo os Nawa. Assim, há um sabiá que “adivinha chuva”. Caso o urubu amanheça cantando, é sinal que irá chover. O pássaro denominado uru, quando canta, é porque vai chover. Mas se o tempo já estiver chuvoso, e ele cantar, é porque vai fazer sol no outro dia. O sapo quando canta como galinha choca é porque vem chuva. O sapo canoeiro quando canta é porque vem sol. Quando a ingazeira flora fora da época é porque em três, quatro dias ocorrerá uma chuva forte.

Há a crença de que alguns barreiros, localizados na região das cabeceiras dos igarapés Novo Recreio e Jesumira, são sagrados. Outros lugares sagrados na Terra Indígena são os cemitérios e antigas malocas. Os maiores cemitérios estão localizados nos igarapés Novo Recreio, Pijuca e Jersumira. Entretanto, existem sepulturas em várias localidades da Terra Indígena, pois os Nawa tinham o hábito de enterrar seus mortos nas proximidades das residências, principalmente quando se tratava de crianças. Contudo, não há entre os Nawa a identificação de sepulturas dos antigos, provavelmente porque entre os povos Pano os corpos eram cremados. De acordo com a Nawa Chica do Celso:

os caboclos que morriam, índios, eles não enterravam. Diz que eles pegavam ele, colocavam assim em um canto, deixava lá, fazia assim uma coivara assim por cima e iam chorar. Choravam muito, aquela zoada. Quando acabavam, tocavam fogo. Quando queimava aquela coivara, ficavam só aqueles ossos, do finado. Eles juntavam aqueles ossos, aquela cinza. Quando acabava colocava dentro de um vaso e eles iam fazer a bebida. Depois que estava feita aquela bebida, eles se embriagavam, com aquilo eles se embriagavam. Assim como os brancos bebem cachaça, essas coisas, do mesmo jeito era a bebida deles. Eles não enterravam (Chica do Celso, 2003, Moa)

Outros lugares tidos pelos Nawa como sagrados são as antigas malocas, as quais formam verdadeiros sítios arqueológicos que carecem de um estudo especializado. A sacralidade, associada aos antepassados, torna as áreas onde eles habitaram lugares extremamente respeitados, povoados pelos espíritos dos “antigos”. Diversos relatos de caçadores Nawa mencionam o encontro deles com seres sobrenaturais nessa região. A existência de antigas malocas na região da Terra Indígena, em especial naquela compreendida pelas cabeceiras dos igarapés Novo Recreio, Boca Tapada e Jesumira é de conhecimento de todos os Nawa e essencial para a manutenção da memória do grupo sobre o modo de vida de seus antepassados.

Fontes de informação

  • AQUINO, Terri Valle de & IGLESIAS, Marcelo Piedrafita. Kaxinawá do Rio Jordão. História, território, economia e desenvolvimento sustentado. Rio Branco : CPI-Acre, 1994.
  • AZEVEDO, Gregório Thaumaturgo de. Primeiro Relatório Semestral. Apresentado ao Exm. Sr. Dr. José Joaquim Seabra, Ministro da Justiça e Negócios Exteriores, pelo Coronel do Corpo de Engenheiros Gregório Thaumaturgo de Azevedo, Prefeito do Departamento do Alto Juruá. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1905.
  • -------. Relatório do Primeiro Semestre. Apresentado ao Exm. Sr. Dr. Gaspar de Barros e Almeida, Ministro da Justiça e Negócios Exteriores, pelo Coronel do Corpo de Engenheiros Gregório Thaumaturgo de Azevedo, Prefeito do Departamento do Alto Juruá. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1906.
  • CASTELLO BRANCO, José Moreira Brandão. “O Juruá Federal: Território do Acre”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo Especial. Congresso Internacional de História da América. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, Vol IX, 1930 [1922]. pp. 591-722.
  • -------. “Caminhos do Acre”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, Vol 196, Julho/Setembro, 1947. pp. 74-225.
  • -------. “O Gentio Acreano”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Vol. 207, Abril-Junho. 1950. pp. 3-77.
  • -------. “Acreânea”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, Vol 240, Julho/Setembro, 1958. pp. 03-83.
  • -------. “Povoamento da Acreânia”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, Vol. 250, Janeiro- Março, 1961. pp. 118-256.
  • CORREIA, Cloude de Souza. Relatório de levantamento prévio: Terras Indígenas Nawa e Nukini. Mimeo, 2004
  • COUTINHO JR., Walter. Relatório de viagem: áreas de ocupação indígena ainda não regularizadas no Acre e Sul do Amazonas. Brasília : Funai, mimeo, 2001.
  • ERIKSON, Philippe. “Uma singular pluralidade: a etno-história Pano”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo : Companhia das Letras, FAPESP, SMC, 1992. pp. 239-266.
  • GONÇALVES, Marco Antônio (org.). Acre: história e etnologia. Rio de Janeiro : Núcleo de Etnologia Indígena, LPS/IFCS/UFRJ, 1991.
  • KLEFASZ, Alberto. Relatório da viagem de acompanhamento do trabalho de levantamento da utilização de recursos naturais pelos moradores dos Igarapés: Ipijuca, Novo Recreio, Timbaúba e Jesumira – Vale do Rio Moa. Brasília : ESREG/CSC-Ibama, mimeo, 2003.
  • LIMA, Edilene Coffaci de Lima. Relatório antropológico sobre o Parque Nacional da Serra do Divisor (rios Moa e Azul) - Acre. São Paulo, mimeo, 1993.
  • LINHARES, Máximo. “Os Índios do Território do Acre. Impressões de um auxiliar da Inspetoria do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionaes”. In: Jornal do Commércio, 12 de janeiro de 1913.
  • MELATTI, Júlio Cezar. “Juruá-Ucayali”. In: Índios da América do Sul – Áreas Etnográficas. Brasília : Instituto de Ciências Sociais, Departamento de Antropologia. Vol. II, 1997. pgs. 147-160.
  • MELO, Vicente Simões de Paula. Relatório ambiental de identificação e delimitação da Terra Indígena Nawa. Brasília : mimeo, 2005.
  • MONTAGNER, Delvair. Construção da etnia Nawa. Brasília : mimeo, 2002.
  • PEREIRA NETO, Antônio. Relatório preliminar a respeito de população que se afirma pertencer a etnia Naua do Parque Nacional da Serra do Divisor, Município de Mâncio Lima-AC. Rio Branco : mimeo, 2000.
  • PLANO DE MANEJO. Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra do Divisor. Acre. Rio Branco : mimeo, 1998.
  • RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Línguas Brasileiras, para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo : Edições Loyola, 1994.
  • TASTEVIN, Constant. “Em Amazonie. Sur lê Moa, aux limites extremes du Brésil et du Perón”. In: Missions catholiques, Tomo XLVI, 1914. pp. 502-504; 514-516; 526-528; 537-539; 550-552 e 559-561.
  • -------. “Quelques considérations sur les indiens du Jurua”. In: Bulletin et Memoires de la Société d’Anthropologia de Paris. Vol. 8, 6ª série. Paris, 1919. pp. 144-154
  • -------. “Le fleuve Juruá”. In: La Géographie, Tomo XXXIII, 1920. pp. 131-148.
  • -------. “Les tribus indiennes des bassins du Purús, du Juruá et des régions limitrophes”. In: La Géographie, Tomo XXXV, 1921. pp. 449-482.
  • -------. “Le fleuve Muro”. In: La Géographie, Tomo XLIII & XLIV, 1925. pp. 14-35 e 403-422.
  • -------. “Chez les indiens du Haut-Jurua”. In: Missions catholiques, Tomo LVI, 1924. pp. 65-67; 78-80; 90-93 e 101-104
  • -------. “Le Haut Tarauacá”. In: La Géographie, Tomo XLV, 1926. pp. 34-54 e 158-175.
  • -------. “Le Riozinho da Liberdade”. In: La Géographie, Tomo XLIX, 1928. pp. 205-215.