De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Museu do Índio

Atikum

Autodenominação
Onde estão Quantos são
PE, BA 7929 (Siasi/Sesai, 2012)
Família linguística

Os "caboclos da Serra do Umã", do sertão de Pernambuco, aprenderam a dançar o toré com seus vizinhos Tuxá. No início dos anos 40, procuraram o Serviço de Proteção aos Índios, dando início ao processo de seu reconhecimento oficial como grupo indígena.

Nome

Foto: Museu do Índio
Foto: Museu do Índio

Os membros da "Comunidade Indígena de Atikum-Umã" autodenominam-se índios de Atikum-Umã, em referência a uma ancestralidade. Umã teria sido o "índio mais velho" e pai de Atikum, cuja descendência se criou na aldeia Olho d'Água do Padre (antiga Olho d'Água da Gameleira). Há, entretanto, uma outra versão que afirma ter o nome Atikum surgido durante ritual de toré.

No que se refere aos registros documentados, a primeira referência ao nome Atikum data da época do reconhecimento oficial desses índios pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) na segunda metade da década de 40, quando, em comunicação interna do órgão, o chefe da 4ª Inspetoria Regional comenta, referindo-se ao posto indígena da Serra do Umã, que o primeiro nome do posto foi Aticum, devido provavelmente a um grupo com o qual os "Umans" teriam se mesclado e o qual devia se chamar "Aticum" ou "Araticum". Mas, no final do século passado, no Diccionario Chorographico, Historico e Estatistico de Pernambuco, de Sebastião Galvão, "Araticum" constava como um lugarejo do município de Floresta e, em 1968, Cestmir Loukotka, na sua Classification of South American Indian Languages, indicava "Aticum" ou "Araticum" como a língua extinta de uma tribo que então falava apenas português, em Pernambuco, perto de Carnaubeira.

Certo é que a grafia correta para o grupo ficou sendo Atikum e que os índios não estabelecem uma auto-referência como índios Atikum-Umã, mas sempre como índios de Atikum-Umã, indicando uma subordinação à descendência de Umã para Atikum, que formou a aldeia (comunidade indígena).

Língua

Os Atikum são falantes apenas do português, não lembrando sequer o léxico de uma língua anterior - a não ser pouquíssimas palavras que dão nome a certos elementos da natureza (por exemplo: sarapó = cobra grande e comestível; toê = fogo). Se há uma única referência com relação a Aticum (ou Araticum), como língua extinta, quanto a Umã, pelo espaço territorial pelo qual se deslocavam no século passado, pode-se insinuar, com apoio na Introdução à Arqueologia Brasileira de Angyone Costa e em Os Cariris do Nordeste de Baptista Siqueira, tratar-se de um grupo pertencente à família Cariri, embora outros autores destaquem uma língua Umã como isolada ou desconhecida.

Localização, demografia

Na Terra Indígena Atikum há vinte aldeias (ou sítios, como preferem chamar os índios), entre as quais Alto do Umã (sede do posto), Olho d'Água do Padre, Casa de Telha, Jatobá, Samambaia, Sabonete, Lagoa Cer-cada, Oiticica, Areia dos Pedros, Serra da Lagoinha, Jacaré, Bom Jesus, Baixão, Estreito, Mulungu, Boa Vista e Angico [dados de 1998]. Conforme o "Memorial descritivo de delimitação (AI Atikum)" da FUNAI, de 1989, contava naquele ano com uma população de 3.582 indivíduos. Segundo cartografia oficial, a área localiza-se na região da serra das Crioulas e Umã, nos limites do atual município de Carnaubeira da Penha, sertão de Pernambuco. Os índios, no entanto, apontam a Serra do Umã como seu território indígena.

Com a emancipação de Carnaubeira, em outubro de 1991, do município de Floresta (onde se localizava a área indígena Atikun, distante 54 km da sede desta cidade), foram discriminados dois distritos para o novo município de Carnaubeira da Penha (sede há 13 km do posto indígena): Barra do Silva e Olho d'Água do Padre, este uma importante aldeia Atikum no interior da área indígena, onde, desde a fundação da reserva, funciona uma feira dominical freqüentada também por não índios que lá estabelecem trocas comerciais e outros negócios, bem como promovem atividade política em período eleitoral. Além disso tudo, cabe apontar a presença constante de posseiros e fazendeiros na área Atikum.

Aspectos ambientais e econômicos

Na serra do Umã prevalece um solo de tipo argiloso, em contraposição ao arenoso característico do sertão que a rodeia. A vegetação na serra é predominantemente arbustiva, sendo que em alguns trechos despontam árvores de maior porte. As capoeiras são uma constante na paisagem local.

Quanto à fauna, destacam-se gaviões, corujas, tiús, pebas, tatus, cangambás, cobras, preás, tamanduás, caititus e jacus. Tais animais, com exceção dos dois primeiros, são freqüentemente caçados - com cachorros e espingardas - pelos habitantes da área. O criatório doméstico é de galinhas, bodes, vacas, carneiros e porcos. O uso de cachorros para guarda das casas é generalizado.

Dos frutos silvestres, destacam-se o umbu e o maracujá. As frutas cultivadas são as seguintes, por ordem de quantidade: banana, manga, caju, mamão, pinha, goiaba, jaca, coco, laranja, limão. Há uma boa produção de mel também.

A agricultura, base da economia Atikum, faz com que as roças de mandioca, fava, milho, feijão, arroz, mamona e algodão sejam também uma constante na paisagem da Serra do Umã. Acrescenta-se a isso o plantio de maconha (Cannabis sativa) que, apesar de não fazer parte de uma agricultura Atikum, soma-se ao panorama geral, uma vez que a serra, bem como os municípios de Carnaubeira da Penha e Floresta se inserem no chamado "polígono da maconha", que engloba vários municípios do sertão pernambucano.

No mais, vale mencionar que prevalecem as habitações de taipa e alvenaria, ocorrendo também as de palha.

Os Umãs e o Povoamento da Serra

A partir da passagem do século XVII para o XVIII, essa região geográfica foi palco de muitos conflitos entre índios e brancos que penetravam cada vez mais nas terras dos primeiros, levando adiante a frente de expansão pastoril.

Se não há notícias da existência de um grupo indígena com o nome Atikum antes dos anos 1940, existem diversas referências quanto a um grupo denominado Umã, que foi aldeado, juntamente com os grupos Xocó, Vouve e Pipipan, em 1802 por Frei Vital de Frescarolo, em lugar onde hoje é uma das aldeias da área indígena. Tal aldeamento não durou muito e os citados grupos voltaram a migrar pelos sertões, do Ceará a Sergipe, sempre fugindo dos caminhos do gado. Além dos acima citados, vários foram os grupos que se entrecruzaram - inclusive negros quilombolas - nesses deslocamentos.

Sabe-se dos seguintes registros dos Umãs: por volta de 1696 andavam pelo vale do rio São Francisco; em 1713 estavam na ribeira do Pajeú; em 1746 em Alagoas, entre os rios Ipanema e São Francisco; em 1759 em Sergipe; em 1801 foram aldeados em Olho d'Água da Gameleira (onde hoje é a aldeia Olho d'Água do Padre na Serra do Umã) e de onde se dispersaram em 1819; em 1838 são encontrados nas proximidades de Jardim, no Ceará; em 1844 se encontram novamente próximos ao antigo aldeamento, mais especificamente em Baixa Verde. Ainda é bom lembrar que, quando aldeado, o grupo Umã - que recebia diversas denominações, tais como Huanoi, Huamoi, Huamães, Huamué, Humons, Umã, Umães, Uman, Umãos, Urumã, Woyana - foi obrigado a dividir o aldeamento com os grupos Xocó e os Vouvê, que todos estes três grupos sempre se mantiveram próximos aos Pipipãs e que em 1852 ainda existiam "índios bravios" na Serra do Umã ou nas suas vizinhanças. Em meados do século XIX cessam as informações quanto a esses índios, que em 1943 se apresentam no SPI buscando reconhecimento de suas terras.

Num trabalho sobre o cinqüentenário da cidade de Floresta, Alvaro Ferraz (1957) aponta algumas serras que vinham sendo ocupadas por negros desde o período escravocrata: "Tal fenômeno pode se observar na Serra do Umã e na dos Crioulos. Na do Umã, eles se mesclam com facilidade com o grupo indígena ali existente, o que se poderá verificar à simples análise dos tipos humanos do aldeamento Atikum-Umã do alto da serra". Tal mesti-çagem fez com que essa "tribo" ficasse conhecida como "os negros da Serra do Uman". Conclui-se daí que a população que veio habitar definitivamente a Serra do Umã se constitui a partir de grupos (de índios, negros e brancos) de tradições e culturas diversas.

Formação da Comunidade Indígena de Atikum-Umã

Foto: Museu do Índio
Foto: Museu do Índio

No início dos anos 1940, os membros da comunidade camponesa que habitavam a Serra se auto identificavam como os caboclos da Serra do Umã. Nessa época andavam insatisfeitos com a cobrança pela prefeitura de Floresta de impostos sobre o uso do solo ali cultivado e com o fato de os fazendeiros vizinhos virem colocando o gado para pastar sobre suas roças.

Informados por índios Tuxá (do município de Rodelas, na Bahia) de que havia um órgão do governo que estava reconhecendo territórios indígenas no Nordeste, alguns caboclos procu-ram, em Recife, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), afirmando-se caboclos descendentes de índios e reivindicando a criação de uma reserva indígena. Como condição para tal reconhecimento, o SPI impôs a demonstração de um ritual de Toré, tradição que, aos olhos do inspetor do citado órgão no Nordeste, atestaria a "consciência étnica" dos caboclos.

Despreparados para uma exibição dessa tradição ritual, os caboclos procuram os Tuxá, que enviam oito índios à Serra para "ensinar"-lhes o toré. Entre 1943 e 1945, deixam tudo pronto quanto ao serviço do índio e é nesta ocasião que se desloca para a Serra um fiscal do SPI, que assiste a um ritual de toré, atestando, conseqüentemente, a presença indígena ali. Em 1949 é fundado o posto indígena e os caboclos se elevam à categoria de índios oficialmente reconhecidos pelo Estado-Nacional - e até os dias atuais o toré vem sendo usado como sinal diacrítico na manutenção da etnicidade Atikum, o que pragmaticamente lhes dá direito de acesso seguro à terra.

O Regime de Índio Atikum

Ao "aprenderem" o toré, os Atikum foram se especializando cada vez mais em tal prática ritual. Constituíram um corpo de saber denominado por eles de "ciência do índio", revestida por uma áurea de mistério, e que marcaria sua especificidade como grupo étnico. Esse corpo de saber é dinâmico e seus ingredientes, mutáveis, pois novos elementos surgem durante os rituais e são incorporados pelos seus praticantes. Mas se esse corpo de saber é fluido, deve existir algo para garantir o desempenho ritual que marca a sua indianidade, ou seja, que confirme periodicamente a sua condição de índios face às expectativas do Estado. É preciso, portanto, ter um "regime de índio". É preciso que os membros do grupo sejam "regimados no toré", independentemente de serem detentores de saberes mais profundos, para que o grupo se mostre, de forma essencialmente política, como a "comunidade indígena de Atikum-Umã". (cf: Grünewald, 1993).

Isso leva à questão de quem realmente são considerados índios de Atikum-Umã pelos próprios Atikum. Consideram-se índios aqueles que participam da tradição do toré, sendo, preferencialmente "regimados" na mesma, detendo a "ciência do índio", aqui entendida como um corpo de saberes dinâmicos sobre o qual se fundamenta o "segredo da tribo" (cf: Grünewald, 1993). Em toda essa tradição ritual, destaca-se também como elemento fundamental a jurema (Mimosa hostilis Benth) - planta sagrada que, de domínio exclusivamente indígena, promove também uma separação entre índios e brancos, embora seu uso seja comum também a outros complexos rituais do sertão nordestino, como o catimbó, por exemplo. Os Atikum utilizam a casca da raiz da jurema macerada e misturada com água como bebida sagrada ("anjucá") que representa o sangue de Jesus e é consumida principalmente durante seus rituais (torés públicos ou privados, estes divididos em trabalhos d``e gentio, terreiro e ouricuri), quando os índios entram em contato - em larga medida pela via da possessão - com os "encantos de luz".

Organização social e política

O sistema de compadrio que opera na Serra do Umã, sobrepondo-se ao parentesco, parece prover, mais que os elos étnicos, o principal elemento de união entre os habitantes da Serra, embora muitas vezes ele ultrapasse os limites da fronteira étnica.

A organização política Atikum divide-se, por imposição do órgão tutor (primeiro SPI e depois Funai), em cacique (papel de representante da comunidade frente à sociedade nacional, além de aconselhamento interno), pajé (para cuidar da saúde dos índios) e representantes das aldeias que formam a liderança tribal. Todas essas funções deveriam ser preenchidas através de eleições, mas faccionalismos têm promovido a permanência nas lideranças dos que detêm poder coercitivo, em especial os produtores de maconha.

Nota sobre as fontes

Os textos que tratam especificamente desta etnia são a dissertação de mestrado de Rodrigo de Azeredo Grünewald, "Regime de Índio" e faccionalismo, defendida no Museu Nacional em 1993 e, ainda, do mesmo autor, o artigo "A tradição como pedra de toque da etnicidade" publicado no Anuário Antropológico/96, os dois capítulos, "Apresentando: Índios e Negros na Serra do Umã" e "Etnogênese e 'Regime de Índio' na Serra do Umã" em livros a sairem em breve, o artigo "A Jurema no 'Regime de Índio': O caso Atikum" que aguarda publicação na Fundação Joaquim Nabuco e a comunicação "A Jurema e o 'Regime de Índio' Atikum", apresentada no I Encontro de Estudos sobre Rituais Religiosos e Sociais e o Uso de Plantas Psicoativas, no âmbito do Seminário internacional "O Uso e o Abuso de Drogas", realizado na Universidade Federal da Bahia. Informações preliminares de quarenta anos atrás podem ser encontradas no levantamento de Hohenthal Jr. "As tribos indígenas do médio e baixo São Francisco".

Fontes de informação

  • COSTA, Angyone. Introdução à arqueologia brasileira. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1980.
  • FERRAZ, Alvaro. Floresta : memória de uma cidade sertaneja no seu cinqüentenário. Cadernos de Pernambuco, Recife : Secretaria de Educação e Cultura, n. 8, 1957.
  • GALVÃO, Sebastião de V. Diccionario Chorographico, histórico e estatístico de Pernambuco. Recife : s.ed., 1897.
  • GRÜNEWALD, Rodrigo de Azeredo. Etnogênese e ‘regime de índio’ na Serra do Umã. In: OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de (Org.). A viagem de volta : etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro : Contra Capa, 1999. p.137-72. (Territórios Sociais, 2)
  • --------. A jurema no “regime de índio” : o caso Atikum. In: MOTA, Clarice Novaes da; ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de (Orgs.). As muitas faces da Jurema : de espécie botânica a divindade afro-indígena. Recife : Bagaço, 2002. p.97-124.
  • --------. "Regime de índio" e faccionalismo : os Atikum da serra do Umã. Rio de Janeiro : UFRJ, 1993. 238 p. (Dissertação de Mestrado)
  • --------. A tradição como pedra de toque da etnicidade. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, n. 96, p. 113-25, 1997.
  • HOHENTHAL JÚNIOR, W. D. As tribos indígenas do Médio e Baixo São Francisco. Rev. do Museu Paulista, São Paulo : Museu Paulista, n. 12, 1960.
  • LOUKOTKA, Cestmir. Classification of South American indian languages. Los Angeles : University of California, 1968.
  • PINTO, Clélia Moreira. A jurema sagrada. In: MOTA, Clarice Novaes da; ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de (Orgs.). As muitas faces da Jurema : de espécie botânica a divindade afro-indígena. Recife : Bagaço, 2002. p.125-50
  • SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro : Cátedra, 1978.