De Povos Indígenas no Brasil

Artes

O conceito de arte e os índios

Cestaria de arumã baniwa. Foto: Beto Ricardo, 2000
Cestaria de arumã baniwa. Foto: Beto Ricardo, 2000

Arte é uma categoria criada pelo homem ocidental. E, mesmo no Ocidente, o que deve ou não deve ser considerado arte está longe de ser um consenso. O que não dizer da aplicação desse termo em manifestações plásticas de povos que nem ao menos possuem palavra correspondente em suas respectivas línguas?

O assunto é complexo e, a despeito da inadequação do termo, muitas obras indígenas têm impactado a sensibilidade e/ou a curiosidade do “homem branco” desde o século XVI, época em que os europeus aportaram nas terras habitadas pelos ameríndios. Nesse período, objetos confeccionados por esses povos eram colecionados por reis e nobres como espécimes “raros” de culturas “exóticas” e “longínquas”.

Até hoje, uma certa concepção museológica dos artefatos indígenas continua a vigorar no senso comum. Para muitos, essas obras constituem “artesanato”, considerado uma arte menor, cujo artesão apenas repete o mesmo padrão tradicional sem criar nada novo. Tal perspectiva desconsidera que a produção não paira acima do tempo e da dinâmica cultural. Ademais, a plasticidade das obras resulta da confluência de concepções e inquietações coletivas e individuais, apesar de não privilegiar este último aspecto, como ocorre na arte ocidental. Confeccionados para uso cotidiano ou ritual, a produção de elementos decorativos não é indiscriminada, podendo haver restrições de acordo com categorias de sexo, idade e posição social. Exige ainda conhecimentos específicos acerca dos materiais empregados, das ocasiões adequadas para a produção etc.

A Arte Baniwa, marca criada por índios Baniwa do alto rio Negro (AM), é um exemplo bem sucedido dessa empreitada.


As formas de manipular pigmentos, plumas, fibras vegetais, argila, madeira, pedra e outros materiais conferem singularidade à produção ameríndia, diferenciando-a da arte ocidental, assim como da produção africana ou asiática. Entretanto, não se trata de uma “arte indígena”, e sim de “artes indígenas”, já que cada povo possui particularidades na sua maneira de se expressar e de conferir sentido às suas produções.

Os suportes de tais expressões transcendem as peças exibidas nos museus e feiras (cuias, cestos, cabaças, redes, remos, flechas, bancos, máscaras, esculturas, mantos, cocares...), uma vez que o corpo humano é pintado, escarificado e perfurado; assim como o são construções rochosas, árvores e outras formações naturais; sem contar a presença crucial da dança e da música. Em todos esses casos, a ordem estética está vinculada a outros domínios do pensamento, constituindo meios de comunicação – entre homens e mulheres, entre povos e entre mundos – e modos de conceber, compreender e refletir a ordem social e cosmológica.

Nas relações entre os povos, os artefatos também são objeto de troca, inclusive com o “homem branco”. Ultimamente, o comércio com a sociedade envolvente tem apontado uma alternativa de geração de renda por meio da valorização e divulgação de sua produção cultural.

Outras leituras

Para saber mais sobre o assunto, ver o artigo de Lúcia Hussak van Velthen, “Em outros tempos e nos tempos atuais: arte indígena”, no catálogo Artes Indígenas - Mostra do Redescobrimento, Fundação Bienal de SP (2000), e o livro Grafismo Indígena: Estudos de Antropologia Estética, organizado por Lux Vidal, Edusp/Nobel (2001)

Panorama da diversidade

Mairawê Kaiabi. Foto: Rosely Alvim Sanches/ISA, 2002
Motivo gráfico que os Bakairi (MT) utilizam na fabricação de uma máscara do ritual yakuygâde. Retangular e entalhada em madeira, a máscara representa espíritos tutores relativos ao mundo aquático.
Foto: Vladimir Kozak, s/d.
Esta tatuagem facial faz parte do segundo ritual de iniciação dos Karajá (MT/ TO), que se dá quando a menina está por volta dos 11 anos.
Foto: Jusssara Gruber/1999.
Hilda Tomás do Carmo, índia tikuna (AM), mostra o desenho que representa a “festa da moça nova”.
Motivo gráfico que os Bakairi (MT) utilizam na fabricação de uma máscara do ritual yakuygâde. Retangular e entalhada em madeira, a máscara representa espíritos tutores relativos ao mundo aquático.
Esta tatuagem facial faz parte do segundo ritual de iniciação dos Karajá (MT/ TO), que se dá quando a menina está por volta dos 11 anos.
Hilda Tomás do Carmo, índia tikuna (AM), mostra o desenho que representa a “festa da moça nova”.
A cerâmica Karajá é arte exclusiva das mulheres.
Desenhos minuciosos e simétricos, traçados com tinta obtida da mistura do suco do jenipapo com pó de carvão, marcam, até hoje, a pintura corporal dos Kadiwéu.
Entre os Kadiwéu (MS), também são as mulheres que decoram a cerâmica. Elas utilizam padrões que seguem um repertório rico, mas fixo, de formas preenchidas com variadas cores.
As máscaras Tikuna, que guardam características essenciais do sobrenatural, "dançam" no pátio da aldeia.
As máscaras Matis (AM) representam os espíritos mariwin, cujo papel consiste em bater nas crianças com o objetivo de endurecer, disciplinar e torná-las mais ativas e vigorosas.
Entre os Xikrin, a qualidade de pintura é considerada atributo inerente à natureza feminina.
No ritual de nominação dos Xikrin do Cateté, as meninas são, por meio da pintura corporal e da elaborada arte plumária, literalmente transformadas em pássaros.
Índio Baniwa do alto Içana (Amazonas) coloca etiqueta com a logomarca “arte baniwa” num urutu de arumã, cestaria que é comercializada em São Paulo.
A maruana, roda-de-teto com pinturas que representam lagartas sobrenaturais, está presente em todas casas Wayana. Desenho de Yeyé.
Esta peça de cestaria dos Wayana (PA) guarda o motivo kaikui, a onça pintada que representa simbolicamente os guerreiros.
O towa, instrumento de percussão dos Wari´ (RO), é feito de argila revestida de caucho de seringueira.

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