De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Cimi-RO, 2002

Mudanças entre as edições de "Povo:Kujubim"

Autodenominação
Towa Panka
Onde estão Quantos são
RO 140 (Siasi/Sesai, 2014)
Família linguística
Txapakura
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Edição das 23h14min de 29 de agosto de 2019

Os Kujubim vivem no sudoeste amazônico, no estado de Rondônia, fronteira com a Bolívia. São um dos muitos povos indígenas que se encontram na área denominada “Grande Rondônia”, ainda pouquíssimo estudados ou mesmo conhecidos. Sua língua – Kuyubi ou Kaw tawo – pertence à família linguística Txapakura. Apesar de terem sido considerados extintos pelo Estado brasileiro nos anos 1980, os Kujubim vêm retomando seu protagonismo no cenário regional e nacional desde a década de 2000, principalmente no que tange à demarcação de seu território tradicional e à reivindicação de direitos constitucionais. Do ponto de vista deles próprios e de outros povos da região, eles nunca deixaram de existir e resistir.

Nome

“Kujubim” é o nome pelo qual todos os indivíduos do grupo — e mesmo os que não fazem parte dele — identificam a etnia. Segundo as matriarcas que viveram diretamente no território tradicional dos Kujubim, já falecidas, o nome “Kujubim” foi dado pelos integrantes da comitiva de Marechal Rondon que passou por seu território por volta dos anos de 1920, e atribuiu-lhes esse nome por morarem em um igarapé onde havia abundância do pássaro cujubim (Pipile cujubi).

A autodenominação do grupo no “tempo da maloca” (o período antes do contato), segundo a matriarca Suzana, era Towa Panka que, na língua nativa, significa, literalmente, “cabeça branca”. O termo sugere uma relação simbólica já existente entre esse povo indígena e o pássaro cujubim, pássaro que tem o corpo todo preto e possui, em sua cabeça, penas brancas. A explicação nativa para essa relação aparece em um mito, no qual é o pássaro cujubim que traz a alma dos humanos para seus corpos quando nascem, ou as leva embora quando morrem.

Os atuais Kujubim antes se separavam em três grupos distintos, chamados Kumaná, Matawá e Kujona. Embora os três grupos apresentassem algumas diferenças, os não-índios da época os chamavam de “Cautários” indistintamente. Isso se deve, muito provavelmente, à interpretação que fizeram de um termo que ouviram dos Moré, grupo de relações históricas com o Kujubim, que atribuíam a esses últimos o nome “kaw tayo”, que significa “comedores de peixe-cachorro”.

Língua

As únicas falantes da língua kuyubi de que se teve notícias, e com as quais se puderam realizar estudos linguísticos, foram as três matriarcas, Suzana, Rosa e Francisca, que, infelizmente, já faleceram. Nos dias atuais, a comunicação oral na língua se reduz a algumas palavras do uso cotidiano, como tok ta (chicha– bebida fermentada de mandioca), e aos nomes de alguns animais presentes em seu dia a dia, como imin (anta), myak (queixada) e kinam (onça), sendo o português a língua predominantemente falada.

Entre 2017 e 2018 foi iniciado um projeto nas aldeias kujubim intitulado “Documentação e Salvaguarda da Língua Moré-Kujubim”, coordenado por Joshua Birchall (do Museu Paraense Emílio Goeldi), que produz atividades e oficinas com os Kujubim e demais etnias das aldeias, almejando a retomada do uso da língua, seja de maneira escrita ou oral. Para tanto, os Kujubim dispõem de um relevante repertório de palavras - por meio dos estudos linguísticos foi possível registrar cerca de 800 palavras da língua kuyubi, a partir de gravações, trabalhos científicos e anotações de viajantes.

A língua kujubim pertence à família linguística Txapakura e foi primeiramente classificada por Duran (2000) como “kuyubi” ou “kaw tayo”. Essa língua era compartilhada pelos grupos Matawá, Kumaná e Kujona, que se fundiram nos atuais Kujubim durante o séc XX. Dados de um dialeto chamado kumaná, coletados pelo etnólogo alemão Emil Snethlage nos anos 1930, mostram uma semelhança notável com a língua Kujubim. Em um estudo sobre o proto-txapakura, Angenot-de Lima (1997) havia considerado que o “Kuyubi”, dialeto falado pelas três matriarcas, seria “nova” em relação às línguas Txapakuras, muito próxima daquela falada pelos Moré, um povo indígena que mora na margem esquerda do rio Guaporé, no lado boliviano.

Embora seja a mesma língua dos Matawá, Kumaná e Kujona, somente em 2000, com o trabalho de Duran, a língua é melhor detalhada e investigada, indicando que o Kuyubi e o Moré são línguas quase idênticas que possuem apenas algumas variações dialetais no uso de algumas consoantes, considerando que foram raríssimos os lexemas não reconhecidos como existentes em ambas as línguas. Além disso, em relação ao sistema gramatical Kuyubi, não foi identificada nenhuma construção sintática nem morfológica que não exista também no Moré.

Em um estudo recente, Birchall et al (2016) propõem uma divisão em subgrupos da família Txapakura a partir de uma releitura de classificações anteriores, colocando a língua kujubim num ramo designado “Moreico”, juntamente com outras línguas, como o Moré e o Torá, que se diferenciam, por exemplo, do ramo “Warico”, constituído pelas línguas Wari’, Oro Win, Wanyam, Jarú e Urupá.


Localização e população

Os Kujubim estão distribuídos por todo o estado de Rondônia, com maior concentração de indivíduos no sudoeste e sul do estado, na divisa com a Bolívia. Eles residem, especialmente, em duas aldeias: Baía das Onças e Posto Indígena Ricardo Franco, na Terra Indígena Rio Guaporé , situada no município de Guajará-Mirim, uma terra indígena demarcada em 1976 e homologada em 1996, habitada por 10 etnias. Muitas famílias kujubim também se encontram dispersas em áreas urbanas das cidades de Guajará-Mirim, Costa Marques, Porto Velho, Seringueiras e São Francisco do Guaporé.

Desde 2002, os Kujubim reivindicam, em assembleias e manifestações, a demarcação de seu território tradicional, localizado no alto e médio rio Cautário (entre os municípios de Guajará-Mirim e Costa Marques). Em 2013, iniciou-se o processo de identificação de suas terras tradicionais, com o nome de Terra Indígena Rio Cautário. Em 2019, a TI ainda se encontra em fase de identificação.

O censo da Sesai registrou 140 indivíduos kujubim, em 2014, um crescimento de cerca de 2% ao ano desde o levantamento realizado pela Funasa em 2010, que contabilizou 129 pessoas. Para efeito de comparação, a taxa de crescimento anual média do período no Brasil foi aproximadamente 0,9% (Banco Mundial). A população kujubim vem aumentando ano a ano, principalmente por conta de casamentos interétnicos com outros povos indígenas que vivem na TI Guaporé, com quilombolas da região de Santo Antônio, em Costa Marques e com não-índios. Os descendentes desses casamentos não deixam de ser identificados como Kujubim. Esse cenário de aumento populacional é muito importante e significativo para o povo, principalmente pelo fato de que, nos anos 80, os Kujubim haviam sido considerados extintos pelas fontes oficiais.

Histórico do contato

Há indícios documentais, em mapas, relatórios e diários, de que os atuais Kujubim antes se separavam em três grupos distintos, chamados Kumaná, Matawá e Kujona. Todos falavam a mesma língua, apresentando apenas algumas variações dialetais, e trocavam cônjuges, alimentos e artefatos entre si. Esse dado também é amparado por informações de uma matriarca kujubim capturada por seringueiros na década de 1930. Embora os três grupos apresentassem algumas diferenças, os não-índios da época os chamavam de “Cautários” indistintamente.

O contato desses grupos com os não índios se deu por volta do século XVIII. Segundo Denise Maldi, nesse período o rio Guaporé e seus tributários foram uma baliza “natural” na fronteira entre duas coroas ibéricas na América colonial, o que conferiu à região um tipo de ocupação fortemente comprometida com a defesa e a posse de territórios de dois reinos tradicionalmente rivais, haja visto a construção do monumental Forte Príncipe da Beira, vizinho das terras tradicionalmente ocupadas pelos Kujubim (Métraux, 1948). A política indigenista do período colonial, que insistia na ocupação fronteiriça, expressava o interesse de manter os índios em suas terras para, dessa forma, garantir a segurança do território.

Ao final do século XVIII, quando os movimentos de libertação nas Américas começaram a tomar corpo e os limites territoriais das colônias já não funcionavam muito bem, a região passou a ser esvaziada rapidamente. Contudo, o contato entre os Kujubim e os não índios nesse período foi o suficiente para ocasionar o quase desaparecimento desse povo, que se reduziu a apenas algumas dezenas de indivíduos, segundo apontou Suzana, principalmente por conta das doenças infecciosas trazidas pelos não indígenas.

Ainda no século XIX, o engenheiro Ricardo Franco registrou que o contato com os índios “Cautários” estava sendo retomado aos poucos. A partir do início do século XX, a região voltou a ser invadida em razão da demanda global por borracha, intensificando a chegada de figuras como madeireiros e seringueiros e fazendo com que os povos indígenas remanescentes do primeiro contato fossem rapidamente incorporados à mão de obra local. Por volta dos anos 1930, a região passou a ser ocupada com a instalação de inúmeros estabelecimentos para exploração de borracha e caucho, fazendo com que os povos que ocupavam tanto a margem esquerda quanto a direita (caso dos Kujubim) do rio Guaporé tivessem suas aldeias invadidas, sofressem com as epidemias e fossem obrigados a abandonar seus territórios tradicionais, instalando-se em barracões.

Suzana, uma das matriarcas kujubim, afirmou que, antes mesmo do aparecimento dos seringueiros, uma comitiva do Marechal Rondon passara por sua terra, por volta dos anos 1920. Nessa mesma época, alguns anos depois, outros brancos também foram chegando e espalhando doenças, principalmente gripe e sarampo, que quase acabaram com o povo. Suzana recordou que seus parentes se jogavam na água porque queimavam de febre. Contou também que seu povo era extremamente “bravo”, mas aos poucos foi se “amansando”, de modo a iniciar as trocas de objetos manufaturados com os não -índios. Alguns Kujubim que sobreviveram a esses contatos iniciais conseguiram fugir para outras regiões, mas outros, que não morreram por conta das doenças, foram capturados por seringueiros e levados para os barracões de seringa de diferentes lugares, principalmente para Canindé, Esperança, Marçal, Ouro Fino e Santa Lurdes. Foi aí que teve início a dispersão dos Kujubim por Rondônia, assim como aconteceu com vários grupos nativos do vale do Guaporé.

Juntamente com a invasão de seringalistas, missionários também começaram a contatar os Kujubim. Em algumas páginas de seu diário, o primeiro bispo de Guajará-Mirim e missionário, Dom Francisco Rey, dedicou alguns devaneios sobre a “visita à maloca dos índios do rio Cautário”:

“O primeiro rapaz que amansou os “Kumaná” penetrando e ficando uma vez na maloca deles, chamou-se Francisco Bento (ajudante do Rivoredo em Paaca Nova). Acertou tão bem que o fizeram Tucháu na Maloca, festejando ele e querendo guardá-lo até o ponto que teve que fugir para escapar deles” (Diário de Dom Rey, “Visita à maloca dos índios do rio Cautário”, 07/08/1932, página 7).

Emil-Heinrich Snethlage, importante etnólogo alemão que dedicou anos à pesquisa com os povos que viviam (e vivem) ao longo de todo o rio Guaporé, também contatou os ancestrais dos Kujubim. No início do ano de 1934, Snethlage subiu o rio Cautário a fim de visitar os Kumaná e registrou que, nesse ano, “restaram somente uns vinte e tantos desta tribo, inclusive dos que tinham ido para Canindé, centro dos seringueiros no Cautário”. Ao voltar, no final do ano, encontrou os Kumaná “reduzidos a 13 e a famada baia das Onças a onde não achei índios nenhuns”. Por esses motivos, Snethlage registrou que não foi possível recolher muitas informações sobre esse povo, uma vez que estavam beirando a morte por conta das doenças, mas que conseguiu coletar alguns artefatos.

Com o passar dos anos, pouco se ouviu falar dos Kumaná, Matawa ou Kujona, os ancestrais dos atuais Kujubim. Aqueles que conseguiram sobreviver foram aos poucos casando com indivíduos de outras etnias ou com não índios, e se espalhando ao longo de todo o território do rio Guaporé e seus afluentes, estabelecendo-se também em cidades banhadas pelo rio. Este cenário de esquecimento forçado da etnia resultou na falsa constatação, lançada pelos órgãos estatais de tutela aos índios, de que os Kujubim haviam sido extintos do território nacional. A história recente desse povo começou quando, com a ajuda do CIMI/RO, as três matriarcas proporcionaram um encontro fundamental na “I Assembleia do povo Kujubim”, no ano de 2002, ao se reunirem para começar a luta pela identificação e demarcação do território tradicional e contar, para netos, filhos e bisnetos, um pouco da esquecida história Kujubim e dar início, então, à retomada desses aspectos históricos e territoriais. Importante destacar que após o período dos barracões, os Kujubim começaram a se relacionar diretamente com outras etnias na T.I do Guaporé.

A maioria dos indivíduos deste grupo possui histórias muito diferentes e não teve a oportunidade de dividir um espaço compartilhado. Embora essa configuração de dispersão espacial e histórica tenha afetado a estrutura social do grupo, os Kujubim seguiram resistindo e se organizando política e socialmente em torno de um resgate de seus modos de vida tradicionais, o que já ocorre com os Kujubim das aldeias, mas não ainda com os que vivem nas cidades. Os Kujubim que moram nos municípios próximos aos rios Guaporé e Cautário reclamam constantemente da falta de agilidade para a demarcação da terra - eles se recusam a ir para outras terras indígenas, como fizeram outros Kujubim, pois dizem que somente o Cautário é sua terra tradicional. Enquanto isso, nas cidades, eles não podem caçar e raras são as vezes em que a pesca é permitida, principalmente a de quelônios muito apreciados, tais como o tracajá. Reclamam e denunciam que, enquanto não demarcam sua terra, da qual poderiam estar cuidando e fazendo um uso responsável como todos seus “parentes” fazem de suas terras, invasores – como pescadores e madeireiros – a ocupam para retirar recursos de modo ilegal.

Para ajudar no tratamento desses assuntos eles criaram duas associações que têm por objetivo facilitar a garantia de direitos: a AKIKÕ (Associação dos Povos Indígenas Kanoé e Kujubim), criada em fevereiro de 2001 em Ricardo Franco e a AIPOK (Associação Indígena do Povo Kujubim), em 2013. Os Kujubim começaram a política de fazer constantes assembleias e reuniões, juntamente com outros povos indígenas, em busca de seus direitos. Nessas assembleias se discutem possíveis melhorias junto ao MPF nas áreas da educação, saúde e, principalmente, a demarcação. Em 2016, os Kujubim chegaram a construir roçados dentro do território do Cautário, para começar uma ocupação em ritmo lento, fizeram um chapéu de palha (construção regional típica feita de palha de aricuri), mas não se sentiram nem um pouco seguros para a continuação do empreendimento, já que não-indíos ameaçavam matá-los. Dias depois, queimaram a casa que construíram.

Etno-história e território

Do ponto de vista dos Kujubim, podemos afirmar que existem histórias no plural: uma história que diz respeito ao período antes do contato (o “tempo da maloca”), passada de geração em geração pelas matriarcas e que permanece viva na memória coletiva do povo; outra que coincide com o período do contato direto com seringalistas e que definiu os rumos dos Kujubim antigos e atuais, por exemplo, onde se encontram atualmente na convivência com outras etnias; e, por fim, uma história recente que se define pela retomada do território tradicional, iniciada pelas três matriarcas remanescentes do último período.

As três matriarcas, Suzana (Moao), Francisca (Sa’at ou Rite) e Rosa, são fundamentais para a história e a organização social e política dos Kujubim. Os relatos dessas mulheres são muito importantes para compreender quem são os Kujubim - inclusive nos dias de hoje - pois elas foram as únicas pessoas conhecidas que, até onde se sabe, viveram diretamente no tempo da maloca.

Suzana era a mais velha delas e seu nome na língua era Moao, que significa “cuia”, muito provavelmente pelo formato de sua cabeça. Suzana era filha de mãe Kumaná e seu pai, Huaat, era Matawá. Ela contava para seus familiares que, após a chegada dos brancos no Rio Cautário, restaram apenas uns 10 indivíduos de seu grupo e que todos eles, inclusive ela, foram levados para o barracão Canindé, de extração de seringa. O barracão era gerenciado por um capanga de João Rivoredo, um seringalista de enorme protagonismo na região, responsável pela extração da borracha no Rio Guaporé e também por escravizar e maltratar os indígenas na região.

Foi no Canindé que Suzana teve de cuidar de Francisca (outra matriarca que apresentaremos mais adiante), que era muito pequena e perdera sua mãe e seu pai, Timikó, pajé e cacique dos Matawá. Alguns anos depois, elas conseguiram fugir de volta para a aldeia onde ficaram alguns meses até serem capturadas novamente por um seringalista chamado Alexandre Laia. Foi Alexandre que batizou Moao como Suzana e Sa’at como Francisca.

Tempos depois, Suzana se casou com Antônio Laia, que também foi um índio batizado e capturado por Alexandre Laia perto do rio Cautário. Depois de seu casamento, Suzana teve que abandonar Francisca e passou a viver junto das comitivas de seringalistas, deslocando-se de barracão em barracão, passando por diversas colocações de corte de seringa, como, por exemplo, Porto Acre. Por volta dos anos 70, Suzana passou a viver no município de Costa Marques, em uma terra que beira a Serra Grande e faleceu em Guajará-Mirim nos anos 2000. Duas das filhas de Susana vivem em Costa Marques e uma delas em Guajará Mirim.

Francisca, possuía dois nomes na língua, Sa’at (“Gaivota”) e Rite (“Banana”). Viveu simultaneamente com Suzana em algumas colocações até se casar com Sebastião, nome de batismo de um índio da etnia Chiquitano. Francisca e Sebastião desceram o rio Guaporé e se instalaram em um igarapé que faz divisa com a Baía das Onças, onde viveram por anos trabalhando para uma família de seringueiros chamada Canuto. Depois que a T.I do rio Guaporé foi demarcada, por volta de 1976, Francisca e Sebastião, juntamente com seus cinco filhos, atravessaram o igarapé e foram viver junto de uma família Makurap onde hoje é o território da Baía das Onças, ocupado, nos dias correntes, predominantemente pelos Djeorometxi. Deste modo, eles passaram a viver na T.I do rio Guaporé juntamente com outras etnias e por lá se estabeleceram até os dias atuais, onde há a maior ocorrência dos Kujubim. Os filhos de Francisca vivem todos na terra indígena, exceto um, que vive em Costa Marques. Dona Francisca faleceu em 2012, na Aldeia Ricardo Franco e foi enterrada no próprio cemitério da aldeia.

A história de Rosa, a outra matriarca, irmã de Suzana, ainda carece de investigação, uma vez que ela foi capturada pelos seringueiros antes de Suzana e Francisca. O que se sabe é que ela sempre viveu na T.I Sagarana, vizinha da T.I Guaporé, onde casou-se com um índio Kanoé e teve seis filhos.

Organização Social e Política

O encontro de 2002 impulsionou a luta dos Kujubim pelo reconhecimento perante o estado e o resgate de seu território e ricocheteou nos mais de 140 indivíduos que vivem suas histórias separadamente, mas com um desejo em comum de pôr em prática seus costumes e modos de vida tradicionais juntos.

Contudo, a questão para os Kujubim que vivem na cidade é que, sem a terra, sem o espaço tradicional, eles não podem reproduzir seus modos de vida e suas práticas materiais e simbólicas. Os Kujubim que vivem na Terra Indígena Rio Guaporé conseguem fazê-lo, devido à convivência com outras etnias.

Hoje, a principal dificuldade de demarcação está na questão de que o território é muito cobiçado por diversos grupos não-indígenas da região, que envolvem serrarias clandestinas, fazendeiros e também a RESEX do Rio Cautário (de responsabilidade do ICMBio).

Os Kujubim acreditam que lá eles terão condições melhores de vida e com muita luta conseguirão os direitos necessários para poder criar os filhos dentro da aldeia, com a instalação de uma escola e de um posto de saúde. Além do mais, eles dizem que não iriam só os Kujubim para aquela terra, também iriam outras etnias que se apoiam, como os Kanoé, Djeorometxi e Wajuru.

A organização política dos Kujubim se faz através das lideranças, tanto nas cidades como nas aldeias. Aquele que é cacique ou liderança deve exercer certo protagonismo político em prol do grupo, esteja onde estiver. Há uma diferença qualitativa substancial no que se refere a ser cacique e ser liderança. Lideranças são responsáveis por questões que concernem a todo o grupo, como alavancar o movimento de retomada do território e mobilizar os Kujubim de todo o estado para tratar assuntos diretamente com os brancos e suas instituições, como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM) e a Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino (SEDUC).

Cacique são líderes de âmbito local, mais ligados à solução de pequenos conflitos, realização de oficinas, liderança nos trabalhos coletivos, entre outras práticas. Neste sentido, há uma diferença de alcance político daquele que exerce a função de cacique ou de liderança. Na aldeia Ricardo Franco as relações políticas são complexificadas, uma vez que existe uma liderança geral e dez caciques representando as dez etnias diferentes que ocupam o território.

Os Kujubim criaram duas associações que têm por objetivo facilitar a garantia de direitos: a AKIKÕ (Associação dos Povos Indígenas Kanoé e Kujubim), criada em fevereiro de 2001 em Ricardo Franco e a AIPOK (Associação Indígena do Povo Kujubim), em 2013.

Cultura material e atividades produtivas

Foi a partir de uma nova organização e novas relações sociais que se estabeleceu uma intensa rede de trocas de cônjuges, substâncias, elementos da cultura material, de histórias e mitos entre diversas etnias naquela região, até os dias de hoje.

A Terra Indígena Rio Guaporé possui seis aldeias não muito distantes umas das outras, e é conhecida por sua complexa diversidade multiétnica e multilinguística, definida por Denise Maldi como “Complexo Cultural do Marico”. Atualmente, dez etnias compõem a diversidade da T.I., divididas em seis famílias linguísticas. Esse complexo cenário é explicado etnograficamente pelo trabalho do Serviço de Proteção ao Índio, que, dos anos de 1930 até 1970, retirava os povos de suas malocas tradicionais e os redirecionava para dentro do local que hoje é conhecido como Posto Indígena Ricardo Franco. Mais do que tentar tornar culturas, histórias e cosmologias diferentes em uma coisa só, o SPI encurtava seu dever de garantir um território obrigando pessoas de etnias diferentes a se casarem umas com as outras e a viverem juntas.

Todas as etnias na região compartilham da mesma forma de construir casas – feitas de esteio de intaúba e cobertas com as palhas do aricuri -, locais de realização de festas coletivas, arcos e flechas, tipos de artesanato, e uma série de artefatos da vida material, como o marico (uma bolsa feita de linha de tucum usada para carregar objetos e produtos da roça) (Maldi, 1991). É interessante notar que também existem peculiaridades de cada etnia, por exemplo, os Kujubim trançam a esteira de palha do aricuri ligando apenas 1 ponto da trança, enquanto os Wajuru e Djeorometxi fazem 2 pontos de costura. As flechas e arcos são um padrão hoje em dia da T.I Guaporé, sendo as primeiras feitas com chichiu com a ponta de pupunha ou prego, e os arcos segundo um padrão regional: pupunha lapidada do tamanho do homem que irá utilizar a arma.

Existe uma série de práticas e saberes que foram se tornando um padrão regional, e o principal se refere à chicha: bebida fermentada produzida a partir da macaxeira (mandioca “mansa”) e cujo consumo configura os grandes momentos de sociabilidade dentro do sistema regional. Os Kujubim bebiam, no tempo da maloca, chicha de milho e de pupunha. A partir do convívio com outras etnias e da edificação desse sistema regional, todos os grupos passaram a fazer a chicha de macaxeira mansa e a consideram como a bebida de todos os povos dali, muito ligada à identidade e à sociabilidade locais.

Atividades produtivas

Tanto no tempo da maloca como no tempo presente, os Kujubim produziam e produzem sua subsistência por meio da caça, da coleta de frutos e sementes silvestres, da pesca e da agricultura de coivara. Isso também se estende para os Kujubim que vivem na cidade, onde fazem a coleta de açaí e castanha e plantam milho e macaxeira, sendo que fazem farinha desta última e a dedicam à venda para pontos comerciais da cidade.

Embora não se tenha uma divisão de gênero seguida à risca em relação aos trabalhos, há um consenso de que a pesca e a caça são práticas predominantemente masculinas, assim como os cuidados com a roça e com o âmbito doméstico sejam preferencialmente femininos. Há também trabalhos que podem ser realizados igualmente por ambos os gêneros, como mutirões para a abertura de roçados. Nas roças eles plantam macaxeira, mamão caiana, milho, cará, batata, banana, melancia, jerimum, abacaxi, feijão, arroz, entre outros alimentos.

As caçadas, assim como as pescarias, são realizadas por pequenos grupos de homens, entre dois e quatro indivíduos. Saem logo cedo da aldeia e retornam no fim da tarde, quando os resultados são aguardados por grupos familiares nucleares, mas que, a depender da quantidade de carne obtida, podem ser distribuídos por toda a aldeia. Eles caçam mamíferos como macacos, antas, queixadas, caititus, pacas e cotias; aves como o mutum, jacu, jacamim e pato do mato; répteis tais como os quelônios, são muito apreciados e pescados, assim como grande quantidade de espécies de peixes.

Parentesco e nominação

Em relação ao parentesco, os Kujubim, diziam as matriarcas, possuíam lógicas matriarcais de nomeação e de moradia e, neste sentido, a transmissão de nomes era feita por via materna. Como sugere as relações dos pais de Suzana, parece que havia relações exogâmicas entre os Kumaná, Kujona e Matawá. Quando havia casamentos, os homens tinham que abandonar suas casas e ir morar juntamente com a família da moça, isto é, a residência pós-marital era uxorilocal. Contudo, depois que o SPI começou a juntar as etnias e forçar o casamento entre elas, passou-se a uma lógica de transmissão de nomes por via paterna, através, principalmente, da questão do sobrenome. Deste modo, há mais ou menos vinte anos atrás, se uma mulher Kujubim casasse com um Kanoé, o filho receberia apenas o sobrenome Kanoé. Contudo, nos dias de hoje, todas as crianças e alguns adolescentes já recebem a dupla filiação, e todos têm dois sobrenomes. Atualmente, algumas coisas estão voltando em relação ao tempo da maloca, principalmente a prática da uxorilocalidade.

No tempo da maloca, um indivíduo kujubim poderia ter até cinco nomes, sendo eles tecnônimos ou necrônimos, e também nomes que se referem a seres não-humanos. Contudo, o que é fortemente marcado no caso Kujubim diz respeito à nomeação de acordo com as características humanas que se refletem em objetos, animais e vegetais.

Nos dias de hoje, é muito difícil ouvir, na rotina da aldeia, os nomes das pessoas, pois estas são conhecidas e chamadas pelos apelidos. Como no caso do tempo da maloca, os apelidos também se referem a características humanas correlacionadas com aquelas de seres não-humanos: Lebrão (pernas longas), Uru (pássaro conhecido por ser sovino no mito, cujo nome apelida um homem com essas características) e Lontra (dorme na sujeira, já que as casas das lontras só têm espinha de peixe e as dos humanos, quando sujas, também).

Cosmologia e mitologia

O cosmos, para os Kujubim e os demais povos da T.I do Guaporé, é dividido em estratos que são concebidos como planos ou domínios. A terra é um domínio, o vento, o céu, o ar, o rio e a água, as aldeias celestes, as aldeias nas copas das árvores, os sonhos, enfim, muitos lugares são conhecidos como domínios que servem, sobretudo, para operar uma divisão no universo.

São nessas divisões de um amplo cosmo que os Kujubim se relacionam com diversos tipos de seres, como animais, plantas, espíritos, fenômenos meteorológicos e também seres monstruosos como o Mapinguari, que antigamente era humano, mas por caçar demais os animais, acabou se transformando em um ser que possui a boca na barriga e têm um olho só e caça os humanos enquanto eles estiverem na mata e o Pai da Mata, uma figura que cuida virtualmente de todas as espécies não-humanas da floresta. Trabalhar nas roças, caçar e pescar e mesmo viver na aldeia faz com que eles estejam sujeitos, a todo momento, a encontros com esses seres.

A socialidade extrapola as relações humanas, porque todos os seres são dotados de espírito – ou alma. Comer carne de tartaruga quando se tem um filho pequeno faz com que o corpo da criança fique vulnerável para que o espírito da tartaruga o ataque, lançando doenças. Se caçarem animais demais, os donos desses animais ficarão furiosos, criando um motivo para que o caçador fique panema, lançando também flechas em formato de doença. Além disso, os donos retiram seus animais de determinada região, fazendo com que seja mais difícil de encontrá-los pelas redondezas.

A autodenominação “Towa Panka” diz respeito a uma relação simbólica entre os Kujubim humanos e o pássaro cujubim. Uma das histórias narradas por um velho Kujubim, conta que “o sol baixava três vezes do dia e nesse tempo o Deus aparecia para entregar o espírito de quem nasceu e levar embora o de quem morreu”. Cujubins são deuses para os Kujubim pois eles possuem um papel fundamental em levar o espírito para seus corpos quando nascem, e também em levá-lo de volta para o paraíso celeste, quando morrem. Neste sentido, os cujubins são seres especiais que extrapolam os planos cósmicos, indo da vida até a morte, passando pelas aldeias celestes e também vivendo juntamente com os humanos nas aldeias terrestres. Ele, claramente, jamais poderia ser comido.

Ritual e xamanismo

Assim como se configura no padrão regional, os pajés Kujubim do tempo da maloca utilizavam as sementes do angico como substância psicoativa para permitir o acesso a outros planos cósmicos. As sementes do angico são maceradas e misturadas com cascas de árvores e fumo, sendo, então, aspiradas através de um graveto denominado taboquinha.

Os pajés aspiravam a substância a fim de subir às aldeias celestes, lançando flechas umas sobre as outras para formar correntes, até chegarem ao céu, e também batalhavam com seres celestes como a grande cobra arco-íris e o espírito maligno que atacava as mulheres nas roças engravidando-as, chamado Tupiran, caso elas não executassem muito bem o trabalho.

Para se tornar um pajé entre os Kujubim, além de ter muita paciência, o aspirante deveria permanecer sozinho na floresta por volta de um mês, onde seu conhecimento seria expandido através de relações entretecidas entre ele e outros seres como os animais, vegetais, espíritos e espíritos-donos. Ele deveria coletar alguns frutos para se alimentar ou caçar sozinho. Esse processo seria o primeiro de muitos para começar a ter o corpo “fechado”, que indica que o jovem aprendiz deveria passar por diversas experiências, para assim adquirir os conhecimentos sobre o mundo de uma forma geral. A pajelança ainda é utilizadas nas aldeias da T.I Rio Guaporé, e, embora não existam mais pajés Kujubim, eles participam do sistema de pajelança com as outras etnias, sendo curados ou mesmo tendo seus problemas relacionados com os não-humanos resolvidos pelo pajé.

Os pajés são figuras responsáveis por mediar os diálogos com outros seres e realizar os processos de cura através de determinadas práticas. As rezas são feitas, geralmente, com a pronúncia de algumas fórmulas orais. Sendo assim, eles podem curar ferimentos causados por flechas de mortos e espíritos, picadas de cobras, além de resgatar os espíritos dos humanos que estão presos no domínio dos sonhos. O corpo de um pajé é “fechado”, sendo constituído por centenas de pedras e outros artefatos que configuram seu arsenal de trabalho. As doenças são retiradas dos corpos daqueles que estão doentes na forma desses artefatos: uma dor de dente é retirada e nas mãos do pajé está uma larva de besouro encontrada no coco de aricuri; uma picada de cobra faz com que diversas cobras sejam espalhadas pelo corpo do paciente e são retiradas pelo pajé, que mostra, em suas mãos, diversas cobrinhas. Os trovões, que são ataques de antigos pajés enraivecidos que já morreram, podem ser capturados por outros pajés em formato de pedras, que geralmente ficam guardadas dentro de casa e são utilizadas em práticas de cura.

As curas e sessões do uso do rapé de angico devem ser feitas de modo ritualístico até os dias de hoje.

Rituais de iniciação

Sobre os rituais de iniciação, esses são os mesmos dos tempos da maloca para os Kujubim.

As mulheres iniciam a vida adulta marcadamente após a primeira menstruação. Elas devem ficar de resguardo dentro de casa por uma semana até que seu ciclo acabe. Se isso não acontece, elas ficam sujeitas aos espíritos malignos e correm o risco de se tornarem preguiçosas e irritadiças. Também não podem ser vistas pelo arco-íris, já que a jiboia que vive nele (ou, ao mesmo tempo, que é o próprio arco-íris) pode jogar uma flecha na mulher, o que faz com que ela fique doente e o seu futuro ciclo reprodutivo fique ameaçado e sob controle do espírito.

Já os homens, aos seis anos, idade em que começam a frequentar a escola, também começam a aprender a fabricar flechas e a flechar. Aos doze anos eles são iniciados pelo pajé com sumo de jenipapo para que sua voz não engrosse muito e, ao mesmo tempo, não fique fina. Enquanto tomam o jenipapo, devem imitar diversos animais, entre eles a anta, queixada, caititu, e nambu para, depois, praticarem sua primeira caçada. A primeira presa deve ser compartilhada com todas as pessoas e o caçador não deve comer nem um pedaço sequer; se o fizer, ficará panema para o resto da vida.

O casamento é também um ritual de passagem. No tempo da maloca, os casamentos Kujubim eram marcados pela furação das bochechas e nariz. Usava-se espinhos de coco do mato como adorno, um de baixo da boca e dois nas bochechas. Quando iam se casar, o homem tinha que lutar com o pai da moça com a espada feita de pupunha; se vencesse, tinha que estar pronto para passar duas semanas caçando e trabalhando na roça, sem que voltasse para a aldeia, para acumular produtos para a realização de uma grande festa. Atualmente, nos casamentos é feita uma grande festa regada a chica e muita comida.

Sobre pinturas corporais, uma das matriarcas dizia que devia se pintar com jenipapo e passar óleo de tucumã no cabelo para se proteger dos espíritos que lançavam doenças. Nos dias de hoje, as pinturas são realizadas apenas em dias festivos e são reservadas mais às mulheres e crianças.

As pinturas “originais” dos Kujubim ainda são recordadas. Eles contam que, nos dias de festas, pintavam os braços, as pernas e o rosto com jenipapo e urucum. A pintura do braço se baseava em um padrão intercalando linhas retas, sendo uma linha maior na vertical e cruzada por várias linhas na horizontal, bem menores. A pintura da perna tratava-se de duas linhas retas paralelas na vertical sendo que, em suas extremidades do lado de fora, vinham traços que formavam triângulos seguidos uns dos outros. E a pintura facial consistia em quatro linhas paralelas sendo que, no meio delas, havia pontos em sequência e eram traçadas na horizontal. Destaque também para as cores das pinturas: quando estavam em paz e festa, faziam pinturas em vermelho (urucum) e preto (jenipapo); contudo, quando iam caçar ou guerrear, pintavam somente de vermelho. Os Kujubim se pintavam, também, fazendo riscos em torno do nariz, que incorporavam o espirito do maracajá, um gato selvagem e pintado como as onças (kinam).

Ritos fúnebres

No tempo da maloca, quando morria um parente, o corpo era colocado em uma urna funerária de barro vermelho, em posição fetal. Enterravam a urna dentro da maloca e em seguida queimavam a casa. O cujubim vinha resgatar o espírito para levá-lo até a aldeia celeste. Em seguida, uma nova casa era construída para a família que acabara de perder um parente.

Há, ainda, outro aspecto fúnebre que chama a atenção, e que muito tem a ver com os costumes ligados à morte nas culturas de língua Txapacura: os mortos eram comidos. No caso dos Kujubim, e também dos Moré (Metraux 1948), eram comidas as cinzas dos parentes misturadas junto ao alimento, mas atualmente eles não sabem explicar o motivo para isso.


Nota sobre as fontes

Cabe dizer que até o momento inexistem estudos e pesquisas, do ponto de vista antropológico, sobre a história e a cultura do povo Kujubim. Aliás, essa é uma situação muito comum a diversos povos que vivem hoje, ou já viveram, na área que o antropólogo Felipe Vander Velden classificou como “Grande Rondônia”.

Há, sim, alguns relatos históricos sobre os Kujubim, mas a partir de outros nomes, como explicado na seção “Nome” deste verbete, cujos dados aparecem de maneira muito sucinta. É o caso, por exemplo, de um relato disponível em um diário do Bispo Dom Rey, que pode ser consultado na diocese de Guajará-Mirim/RO, e nos escritos do engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serra que datam do ano de 1857.

Em relação à língua Kujubim, podemos encontrar uma primeira aparição de dados a partir de estudos comparativos feitos por Cestmir Loukotka, publicados em 1963. Depois, a dissertação produzida por Angenot-De Lima sobre o tronco linguístico proto-txapakura em 1997. Mas é Irís Rodrigues Duran (2000), em sua dissertação de mestrado, que apresenta dados mais bem desenvolvidos sobre a língua kuyubi, além de algumas poucas informações de cunho etnográfico. Mais recentemente, entre 2017 e 2018, Joshua Birchall (do Museu Paraense Emílio Goeldi) coordena um projeto com os Kujubim intitulado “Documentação e Salvaguarda da Língua Moré-Kujubim”, em que realiza oficinas para que o grupo possa resgatar e aprender sua língua e também pretende fazer, juntamente com os Kujubim e os Moré, um dicionário. Recentemente, Joshua Birchall, Michael Dunn e Simon Greenhill (2016) desenvolveram um artigo sobre a família linguística Txapakura, designando à língua Kujubim uma nova posição no interior do tronco linguístico. Ruth Monserrat trabalha a língua ao menos desde 2005 e, recentemente, publicou um artigo (2018) a respeito da situação atual dos Kujubim em termos linguísticos, que traz boas notícias sobre o acervo de palavras que eles possuem para começar a prática de sua língua, coletados não só por ela, mas por outros linguistas como Iris Duran e Hein van der Voort.

Embora não cite diretamente os Kujubim, mas sim os Kumaná e os Kujona, a etno-historiadora Denise Maldi Meireles (1991) faz um precioso trabalho sobre os povos que habitaram e habitam o vale do Guaporé. Neste trabalho, é possível ter ideia de como se deu a ocupação colonial no território e como os povos indígenas dessa região sofreram diretamente o impacto do contato, fazendo com que alguns desaparecessem, fossem extintos e mesmo provocando grandes deslocamentos de seus territórios tradicionais. Neste texto a autora descreve a história do ponto de vista de diversas etnias indígenas e como elas fazem parte do que veio a ser chamado de “Complexo Cultural do Marico”. É possível dizer que, nos dias atuais, os Kujubim fazem parte desse complexo, mas é necessário que sejam atualizadas algumas informações a seu respeito, tendo em vista que muitas mudanças já ocorreram desde que foi pensado pela historiadora, como, por exemplo, a ausência de plantações de mandioca brava. Rápidas menções sobre os Kujubim como parte da T.I do Rio Guaporé foram feitas por Nicole Soares Pinto que se dedica a compreender o xamanismo na região (2014).

Embora na introdução do artigo Tribes of Eastern Bolivia and the Madeira headwaters, publicado em 1948 por Alfred Métraux, o autor prometa trazer dados etnográficos sobre os Kumaná, ao longo do texto só aparecem apenas alguns dados de forma espaçada e que se perdem em meio à diversas informações e dados sobre os Moré e os Huanyam, povos também Txapakura. Em um trabalho de Luis Leigue Castedo (1957) é possível ler um mito de origem Moré que faz alusões históricas aos povos que viviam no rio Cautário e que podemos dizer se tratarem dos Kujubim. O autor, através do mito, comenta algumas relações que havia entre esses povos, que, ora eram de festejos regados à chicha e com abundância de comida, ora eram de inimizade, provocadas, principalmente, pela prática do canibalismo.

O diário de Emil-Heinrich Snethlage, à época da escrita deste verbete, ainda não foi traduzido para o português, mas é possível encontrar alguns trechos no artigo Emil-Heinrich Snethlage (1897-1939): nota biográfica, expedições e legado de uma carreira interrompida de Gleice Mere (2013), em que há informações sobre os Kumaná. O etnólogo alemão também escreveu alguns diários que foram recém-publicados em alemão (2016) sobre sua viagem ao rio Guaporé, na qual é possível coletar algumas informações etnográficas sobre os Kumaná, Matawa e Kujona, relativas à onomástica, à língua e a certos aspectos cosmológicos. Com certeza essa obra apresenta um conjunto de dados riquíssimos para os povos do rio Guaporé, que, assim como os Kujubim, carecem de informações.

Além dessas fontes, é possível buscar, também, algumas informações contidas na coletânea de dados dos povos indígenas de Rondônia organizada e publicada pelo Conselho Indigenista Missionário de Rondônia.

Por fim, cabe dizer que um primeiro esforço antropológico, histórico e cultural, vem sendo feito e os resultados dele aparecem através da maioria dos dados contidos neste verbete. Eles são dados primários de um recente trabalho de campo feito por Gabriel Sanchez, que investiga as relações entre os Kujubim e os seres que nossa biologia ocidental classifica como aves, e que estão sendo mais bem trabalhados e desenvolvidos para uma dissertação de mestrado em andamento a ser apresentada na Universidade Federal de São Carlos, e que deverá ser divulgada em novembro de 2019. Esses dados foram coletados a partir de um trabalho de observação participante, conversas informais e convivência diária junto aos Kujubim de Guajará-Mirim, Costa Marques, Aldeia Ricardo Franco e Aldeia Baía das Onças, que lutam pela demarcação de seu território tradicional, além de serem recolhidos preciosas informações das ainda vivas memórias das matriarcas Kujubim que permanecem sob as práticas e discursos de seus descendentes.

Fontes de informação

  • ALMEIDA SERRA, Ricardo Franco de. Diario do Rio Madeira: Viagem que a expedição destinada a demarcação de limites fez do Rio Negro até Villa Bella, capital do Governo do Matto-Grosso. Revista do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro 20: 397-432. 1857.
  • ANGENOT-DE LIMA, Geralda. Fonotática e fonologia do lexema protochapakura. Dissertação de mestrado apresentada ao curso de pós-graduação em linguística da Universidade Federal de Rondônia. 1997.
  • BIRCHALL, Joshua; DUNN, Michael & GREENHILL, Simon. A combined comparative and phylogenetic analysis of the chapacuran language family. IJAL, vol. 82, nº 3. 2016.
  • CIMI – RO. Panewa Especial. Porto Velho: CIMI – RO, 2015.
  • DOM REY. “Visita à maloca dos índios do rio Cautário”. Diário pessoal. Diocese de Guajará-Mirim. 1932.
  • DURAN, Iris Rodrigues. Descrição fonológica e lexal do dialeto kaw tayo (Kujubi) da língua Moré. Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de pós-graduação em linguística da Universidade Federal de Rondônia. 2000.
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  • MALDI MEIRELES, Denise. O complexo cultural do marico: Sociedades indígenas dos rios Branco, Colorado e Mequens, afluentes do médio Guaporé. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Série Antropologia, 7: 209-69. 1991.
  • MERE, Gleice. Emil-Heinrich Snethlage (1897-1939): nota biográfica, expedições e legado de uma carreira interrompida. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciências humanas, vol. 8, nº3, pp 773-804. 2013.
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  • MONSERRAT, Ruh Maria Fonini. Memória das atividades realizadas junto aos povos Puruborá e Kujubim, Rondônia, constantes em dois relatórios de viagem do regional do CIMI/RO, de 2015 e 2017. Revista Brasileira de Linguística Antropológica. Vol, 10. Nº 1. 2018.
  • SNETHLAGE, Emil-Heinrich. Die Guaporé – Expedition (1933 – 1935) Ein Forschungstagebuch. Rotger Snethlage, Alhard-Mauritz Snethlage & Gleice Mere (org.). Vienna: Bohlau Verlag. 2016.
  • SOARES-PINTO, Nicole. Entre as teias do marico: parentes e pajés djeorometxi. Tese de doutorado defendida no programa de pós-graduação em Antropologia Social da UnB. 2014.
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