De Povos Indígenas no Brasil
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===A Educação Escolar Indígena e o Plano nacional de Educação===
 
===A Educação Escolar Indígena e o Plano nacional de Educação===

Edição das 17h08min de 6 de fevereiro de 2018

A Educação Escolar Indígena e o Plano nacional de Educação

Em 09 de janeiro de 2001 foi promulgado o Plano Nacional de Educação, também conhecido pela sigla PNE. Ele apresenta um capítulo sobre a educação escolar indígena, dividido em três partes. Na primeira parte faz-se um rápido diagnóstico de como tem ocorrido a oferta da educação escolar aos povos indígenas. Na segunda parte, apresentam-se as diretrizes para a educação escolar indígena. E na terceira parte, estão os objetivos e metas que deverão ser atingidos, a curto e a longo prazo.

Entre os objetivos e metas previstos no Plano Nacional de Educação destaca-se a universalização da oferta de programas educacionais aos povos indígenas para todas as séries do ensino fundamental, assegurando autonomia para as escolas indígenas, tanto no que se refere ao projeto pedagógico quanto ao uso dos recursos financeiros, e garantindo a participação das comunidades indígenas nas decisões relativas ao funcionamento dessas escolas. Para que isso se realize, o Plano estabelece a necessidade de criação da categoria escola indígena para assegurar a especificidade do modelo de educação intercultural e bilíngüe e sua regularização junto aos sistemas de ensino.

O Plano Nacional de Educação prevê, ainda, a criação de programas específicos para atender às escolas indígenas, bem como a criação de linhas de financiamento para a implementação dos programas de educação em áreas indígenas. Estabelece-se que a União em colaboração com os Estados devem equipar as escolas indígenas com equipamento didático-pedagógico básico, incluindo bibliotecas, videotecas e outros materiais de apoio, bem como serão adaptados os programas já existentes hoje no Ministério da Educação em termos de auxílio ao desenvolvimento da educação.

Atribuindo aos sistemas estaduais de ensino a responsabilidade legal pela educação indígena, o PNE assume como uma das metas a ser atingida nessa esfera de atuação a profissionalização e o reconhecimento público do magistério indígena, com a criação da categoria de professores indígenas como carreira específica do magistério e com a implementação de programas contínuos de formação sistemática do professorado indígena.

Censo Escolar Indígena

por Luis Donisete Benzi Grupioni

O Censo Escolar Indígena foi realizado em 1999 e o MEC levou dois anos para publicá-lo. Isso ocorreu no final de 2001. Foi o primeiro e único levantamento estatístico de caráter nacional sobre as escolas indígenas, que permitiu pela primeira vez conhecer as características das escolas localizadas em terras indígenas, coletando informações gerais sobre escolas, professores e estudantes indígenas em todo o país. A partir deste levantamento foi possível traçar um primeiro panorama da situação da educação escolar indígena no Brasil. A partir daí o INEP/MEC responsável pelo levantamento de dados e indicadores da educação no Brasil, incluiu duas perguntas no censo escolar, que é realizado anualmente em todas as escolas do Brasil, sejam elas públicas ou privadas. Perguntava-se se a escola era indígena.

Ao indicarem que a escola oferecia educação indígena, três outros quesitos específicos desta modalidade de ensino deveriam ser preenchidos: em que língua o ensino era ministrado, se a escola utilizava materiais didáticos específicos ao grupo étnico e se a escola se localizava em terra indígena. Com isso tornou-se, hipoteticamente, possível ter informações sobre as escolas indígenas ano a ano. Ocorre que esses dados não são trabalhados nem disponibilizados pelo INEP, de modo que a informação não vem a público. Em 2005, o MEC trabalhou as informações coletadas no Censo Escolar sobre as escolas indígenas e produziu a publicação “Dados estatísticos sobre educação escolar indígena no Brasil”. Foi possível ter aí uma nova radiografia da educação indígena no país.

O Censo Escolar de 2005 identificou 2.323 escolas indígenas, em todos os Estados da Federação, com exceção do Piauí e Rio Grande do Norte. Em termos de dependência administrativa, há mais escolas municipais (52,39%) que estaduais (46,66%), com 0,95% de escolas particulares. Há diferenças importantes entre as regiões, que merecem ser evidenciadas: enquanto nas regiões Norte (62,08%) e Centro-Oeste (83,93%) predominam as escolas municipais, nas regiões Nordeste (83,93%), Sudeste (77,55%) e Sul (71,30%) predominam as escolas estaduais. Essas diferenças se acentuam quando verificamos a distribuição por dependência administrativa em cada Estado. Aí podemos perceber claramente tendências consolidadas em termos de vinculação municipal ou estadual. Nos Estados de Rondônia, Roraima, Amapá, Tocantins, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás, de 80 a 100 % das escolas são estadualizadas. Situação inversa ocorre nos Estados do Amazonas, Pará, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul onde mais de 80% das escolas indígenas estão vinculadas aos municípios. Uma avaliação criteriosa dessas duas tendências é tarefa que se impõe no momento atual e precisaria ser realizada para que se verificasse o impacto da adoção de um modelo ou outro na qualidade das escolas indígenas, seja em termos de garantir infra-estrutura adequada e condições de funcionamento regular do estabelecimento de ensino escolar, seja em termos da manutenção de programas de formação inicial e continuada dos docentes indígenas e da existência de programas de apoio para a produção e publicação de materiais didáticos específicos para uso nessas escolas. Somente uma pesquisa qualitativa poderia fornecer elementos para uma avaliação mais contextualizada dessa questão.

Professores e alunos indígenas

Estão em atuação nessas escolas 8.431 docentes. Como não se tratava de uma pesquisa específica, não é possível saber quantos desses professores são indígenas e quantos são não-índios. A Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena da SECAD/MEC estima que 90% desses professores sejam indígenas. Desses docentes, 54,55% são contratados pelos Estados, 44,45% pelos municípios e 1% estão vinculados às escolas municipais. A maior parte deles, 72,01%, estão concentrados no ensino fundamental, de 1ª. a 8ª. série. Uma outra parcela significativa deste professores, cerca de 14,60%, atua na pré-escola e em creches. Há uma grande heterogeneidade no grau de escolaridade desses professores, situação que já fora detectada no Censo Escolar Indígena em 1999. No Censo de 2005, 9,95% dos professores em atuação nas escolas indígenas não concluíram o ensino fundamental; 12,05% têm o ensino fundamental completo; 64,83% têm o ensino médio e 13,17% têm ensino superior. Esses percentuais revelam que tem havido um processo constante de melhoria na qualificação dos professores em atuação nas escolas indígenas no país.

Estudam hoje nas escolas indígenas do país, 163.773 estudantes indígenas. Destes, 51,77% estão matriculados em escolas municipais, 47,64% em escolas estaduais e 0,59% em escolas particulares. Acompanhando os dados referentes à quantidade de escolas e de população indígena é na região Norte que se concentra a maior parte dos estudantes indígenas. Ali estão 52,53% do total dos alunos indígenas. Nesse cenário, o Estado do Amazonas se destaca dos demais por possuir 49.139 estudantes, o que equivale a 30,02% dos alunos indígenas brasileiros. Nas demais regiões, os estudantes indígenas se distribuem da seguinte forma: no Nordeste estão 23,16%, no Centro-Oeste 15,48%, no Sudeste 2,92% e na região Sul, 5,91%. A maior parte destes estudantes, 128.984 alunos, representando 81,20%, está no ensino fundamental de 8 e 9 anos, este último já implantando em algumas escolas indígenas do país. Nesse nível de ensino, considerando a modalidade de 8 anos, os alunos estão majoritariamente concentrados nas primeiras séries, totalizando 81,72% dos estudantes nas primeiras quatro séries, assim distribuídos: 32,75% na primeira série; 20,75% na segunda série; 15,75% na terceira série e 12,47% na quarta série. O restante, 18,28% distribuem-se da quinta a oitava série. O ensino infantil responde por 11,06% dos estudantes, enquanto o ensino médio abriga apenas 2,61% dos alunos e o ensino de jovens e adultos 7,53%.

Caracterização pedagógica

Perguntadas em que língua o ensino é ministrado, 1.818 escolas responderam que o ensino é ministrado em língua indígena. Essa resposta indica que em 78,26% das escolas indígenas no país, alguma forma de ensino na língua ou ensino bilíngüe é praticada, e que em outras 21,74%, a língua indígena não faz parte da realidade escolar. Nessa última percentagem estão incluídas aquelas escolas localizadas em comunidades indígenas que perderam sua língua materna no processo histórico de relacionamento com segmentos da sociedade brasileira, e hoje o português é sua língua de expressão. Mas inclui também escolas localizadas em comunidades indígenas que mesmo falando sua língua materna, não a empregam nas atividades escolares. É interessante, por sua vez, chamar atenção para o fato de que 199 escolas, ou seja, 8,57% do total, não declararam o português como língua em que o ensino é ministrado. O pressuposto é que nestas escolas o ensino seja ministrado somente nas línguas indígenas, mas somente uma pesquisa de caráter mais etnográfico poderia confirmar tal indicação.

Em relação ao uso de materiais didáticos específicos ao grupo étnico, 965 escolas responderam afirmativamente. Esse número indica que menos da metade das escolas indígenas do país (41,54%) contam com esse recurso didático diferenciado. Há diferenças significativas entre as regiões. Na região Norte, que concentra mais da metade das escolas indígenas do país, apenas 33,02% utilizam material didático específico. Nas demais regiões, esse percentual sobe: no Sul para 63,89%, no Centro-Oeste para 60,71%, no Nordeste para 49,89% e no Sudeste para 79,59%. Em alguns Estados, porém, esse percentual é diminuto. Este é caso, por exemplo, de Rondônia, Pará, Alagoas e Bahia, onde menos de 20% das escolas indígenas declaram utilizar algum tipo de material didático específico ao grupo étnico. Como o uso de material didático diferenciado pode estar restrito a uma única cartilha, livro de leitura ou mesmo dicionário, a situação é extremamente preocupante, demonstrando a insuficiência de materiais disponíveis para uma prática de educação pautada pela interculturalidade e pela valorização dos conhecimentos e saberes próprios às comunidades indígenas.

Infra-estrutura das escolas

Quanto ao local de funcionamento das escolas indígenas, o Censo Escolar de 2005, aferiu que dos 2.323 estabelecimentos de educação escolar indígena, apenas 1.528 funcionam em prédio escolar próprio, o que representa 65,78%. As demais escolas, correspondente a 34,22% do total, funcionam precariamente em 533 galpões, 135 na casa do professor, 36 em templos ou igrejas, 14 em outras escolas e 237 em outros locais não especificados. O percentual de escolas em funcionamento, que não possuem prédio próprio, é muito alto e revela a precariedade das condições em que o ensino é oferecido nas aldeias.

O quadro de dependências existentes nas escolas indígenas também demonstra uma situação de precariedade em termos da possibilidade de desenvolvimento de atividades diversificadas do ponto de vista pedagógico. Praticamente em sua totalidade, as escolas indígenas são reduzidas a apenas uma ou mais salas de aula. Somente 23 escolas registram a existência de laboratórios de informática, 3 escolas têm laboratório de ciências, 55 contam com quadra de esporte e apenas 85 contam com biblioteca. O uso de equipamentos de informática e de educação à distância também é restrito. De acordo com os dados levantados, apenas 307 escolas têm aparelho de televisão, 238 contam com vídeo cassete e 177 têm antena parabólica. Isto significa que somente 7,62% das escolas indígenas têm condições de se beneficiar das tecnologias da educação à distância, como por exemplo, assistir aos programas da TV Escola. A situação é ainda mais precária em termos de equipamentos de informática: 126 escolas têm computador, 96 contam com impressora, e apenas 22 escolas possuem acesso à internet. Em termos percentuais, apenas 5,42% das escolas indígenas do país possuem computador e menos de 1% delas contam com a possibilidade de se conectarem a rede mundial de computadores.

Esses números revelam que a inclusão das escolas indígenas nos sistemas de ensino não significou uma melhoria nas condições de ensino destas escolas e colocam como um desafio a ser enfrentado a expansão dos benefícios dos programas governamentais também para esses estabelecimentos. Revelam, ainda, a necessidade de adequação dos programas à realidade e especificidade das escolas indígenas do país, por meio da revisão dos critérios de qualificação desses estabelecimentos para poderem ser contemplados por esses programas nacionais. O quadro que resulta do conjunto desses indicadores é extremamente preocupante, pois evidencia que as escolas indígenas pouco se beneficiaram de sua inclusão, como categoria própria, nos sistemas de ensino do país. Garantir condições dignas de funcionamento aos estabelecimentos de educação escolar nas aldeias do país deve se constituir numa meta tanto para a esfera federal, quanto para os Estados e Municípios.

A educação escolar indígena e a mudança de governo

por Luís Donisete Benzi Grupioni


A lógica da atuação do governo federal nas gestões Itamar e FHC foi a de estabelecer um regime de colaboração com os Estados, a partir dessa divisão de responsabilidades. Tal lógica se estendia aos programas de apoio e fortalecimento das escolas indígenas: concebidos na esfera federal, eram disponibilizados para execução em nível estadual, instância que deveria arcar com os custos financeiros para sua efetivação. Foi assim que após lançar as Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, em 1993, e o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, em 1998, o MEC lançou, em 2001, o programa Parâmetros Curriculares em Ação: Educação Escolar Indígena, com um conjunto de materiais que visavam impulsionar programas de formação de professores indígenas nos estados.

Paralelamente a esse programa e encerrando o ciclo de documentos de caráter formativo e normativo propostos pelo MEC aos sistemas de ensino foi lançado, em 2001, o Referencial para Formação de Professores Indígenas. Com esse documento pretendeu-se impulsionar programas de formação no âmbito dos sistemas estaduais de educação, respondendo tanto à demanda dos índios por formação, quanto à exigência legal de titulação desses professores. Todos esses documentos foram produzidos na perspectiva de dar especificidade ao tema indígena dentro da implementação de ações e políticas mais gerais propostas pelo MEC para o ensino fundamental de todo o país.

Até 2002, duas linhas principais de financiamento foram executadas pelo MEC: uma para formação de professores indígenas e outra para publicação de materiais didáticos. Para as secretarias estaduais de educação disponibilizou-se cerca de 400 mil reais anuais via financiamento do FNDE. Os parcos recursos colocados à disposição dos sistemas de ensino integravam uma estratégia do MEC no sentido de empurrar a conta da educação indígena para a instância estadual, com o uso dos recursos garantidos pelo Fundef. E, talvez, ela seja responsável pela morosidade com que a temática tenha sido absorvida nessas instâncias. Já as organizações indígenas e de apoio aos índios contavam com uma linha de financiamento exclusiva, via recursos internacionais, PNUD e Unesco, com dois editais por ano, que permitiam iniciar e consolidar programas de formação de professores indígenas, bem como a publicação de materiais didáticos específicos.

Além de contarem com uma linha própria de financiamento para seus projetos, as ONGs que conduziam programas de formação de professores indígenas influenciaram ativamente a construção da política de educação indígena implementada pelo MEC, seja porque seus projetos foram considerados referências para a estruturação dessa nova modalidade de educação, seja porque representantes dessas organizações estiveram à frente na coordenação e elaboração de todos os documentos orientadores dessa política bem como tiveram papel marcante no desenho e implementação dos principais programas desenvolvidos nesse período.

No final de 2001, o Comitê de Educação Escolar Indígena do MEC, que reunia representantes indígenas e não-indígenas de vários setores que atuavam na educação indígena, foi extinto e em seu lugar foi constituída a Comissão Nacional de Professores Indígenas, composta unicamente por professores indígenas. Empossada no âmbito da SEF, a Comissão tinha função assessora e propositiva em relação à política de educação escolar indígena. Sua instalação foi saudada como uma conquista pelo movimento indígena, por ser a única instância totalmente indígena a executar o controle social de uma política implementada pelo Estado brasileiro, e recebida com certa reserva por parte de outros setores que compunham o antigo Comitê, que deixavam de contar com um canal direto e institucionalizado de representação junto ao MEC.


Educação indígena na SECAD

A nova gestão da educação indígena no MEC, iniciada em 2003, ocorreu a partir de um novo enquadramento institucional da temática. Lotada na Secretaria de Ensino Fundamental desde sua criação, primeiro como assessoria e depois como coordenação, a gestão da educação indígena foi transferida para a então recém criada Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), onde também se reuniram as coordenações de educação de jovens e adultos, afro-descendentes, do campo e das minorias sexuais.

Essa transferência foi recebida com ceticismo por parte dos atores desse campo, que, de um lado, temiam a perda do espaço já conquistado dentro da estrutura da antiga SEF, e, de outro, frustravam-se pelo não atendimento de uma reivindicação que também fora apresentada ao governo anterior: a da criação de uma Secretaria Nacional de Educação Indígena no MEC. Contra-argumentando, os novos gestores afirmavam que tal mudança representaria a possibilidade de colocar a educação indígena num novo patamar, ampliando as ações para além do ensino fundamental, com a inclusão do ensino médio, e aproximando essa modalidade de outras a partir de incorporação da temática da diversidade na agenda política e institucional do MEC. Nessa mudança, o Programa Diversidade na Universidade, então abrigado na Secretaria de Ensino Médio, também é transferido para a Secad, e tem alguns de seus eixos reorientados para atender à demanda por ações no ensino médio e nas licenciaturas interculturais.

Além dessa nova posição dentro do organograma ministerial, ocorreu uma nova situação em termos da composição da equipe de gestão da educação indígena dentro do MEC. Esta deixou de ser exercida por gestores da burocracia do quadro do ministério, e em 2003 passou a ser assumida por profissionais que vinham, há muitos anos, atuando no campo da educação indígena. Seminários e encontros nacionais que haviam marcado as gestões anteriores, envolvendo diferentes atores do campo da educação indígena, entre os quais secretarias de educação, especialistas universitários e representantes de organizações não-governamentais deixaram de ser realizados. No seu lugar, encontros regionais, centrados na problemática do ensino médio, foram realizados em 9 regiões do país ao longo de 2004, alguns deles resultando em cartas de compromissos entre as diferentes esferas de governo.

A instância consultiva e assessora da política do MEC foi reorganizada, em 2004, passando a denominar-se Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, composta a partir de então por dez representantes de professores indígenas e cinco representantes de organizações indígenas. Com essa nova configuração, a Comissão passou a ser a principal interlocutora do MEC para discussão da política de educação indígena.

Ainda em 2004, foi criada a Comissão Nacional de Apoio à Produção de Material Didático Indígena (Capema), reunindo professores indígenas e especialistas com a função de, entre outras, avaliar propostas de publicação apresentadas por secretarias estaduais e municipais de educação, ONGs e organizações indígenas. Um edital de convocação de projetos foi realizado no período. Outro interlocutor que passou a estar mais presente na arena de atuação do MEC foram os sistemas estaduais de ensino, que passaram a ser objeto de investimentos institucionais com aumento expressivo de aporte de recursos financeiros. Esses recursos foram disponibilizados para a realização de formação inicial e continuada de professores indígenas, publicação de materiais didáticos e construção de escolas.

Se em anos anteriores, as ONGs foram priorizadas no financiamento de projetos, nesses últimos anos o foco deslocou-se para os sistemas de ensino estaduais e municipais. Os valores apresentados na tabela evidenciam um aumento expressivo de recursos repassados pelo governo federal aos estados. Além de investimentos em programas de formação de professores indígenas, em nível médio e superior, e publicação de materiais didáticos, percebe-se um investimento importante na reestruturação da rede física das escolas indígenas, com recursos para construção, reforma e ampliação desses estabelecimentos.

Nesse novo contexto, as ONGs perderam não só recursos, como também espaço de influência, articulação e destaque dentro da política implementada pelo MEC. Este tomou como parceiro principal os sistemas de ensino estaduais e procurou enraizar a temática junto ao Consed, o Conselho dos Secretários Estaduais de Educação, que criou uma sub-comissão de educação indígena para dar agilidade e encaminhamento às propostas construídas conjuntamente. Logo em 2003, as ONGs, já percebendo a falta de canais institucionalizados de interlocução com o governo, tentariam propor uma agenda de trabalho, que não encontrou receptividade. Entre as propostas apresentadas estava a criação de um sistema nacional de educação indígena, a criação de uma secretaria nacional no MEC para cuidar dessa temática e a instituição de um fundo permanente para projetos de formação de professores indígenas.


Descaminhos e desafios

A trajetória de programas e investimentos financeiros direcionados à educação indígena no governo federal nos últimos anos revela a baixa institucionalidade dessa política pública. Esta apresenta características próprias de uma política de governo, sujeita às mudanças de orientação política a cada troca de dirigentes. E vários desafios permanecem para sua consolidação.

O principal deles diz respeito a construir mecanismos adequados por meio dos quais a escola indígena, inserida nos sistemas de ensino, consiga sobreviver com identidade própria. Nesse sentido, é digno de nota o esforço que o MEC vem desenvolvendo nos últimos anos em termos de reconhecer e identificar as escolas indígenas nos censos escolares, incentivando as secretarias de educação a darem visibilidade a essas escolas, o que implica reconhecerem-na como uma categoria própria e distinta das demais escolas do sistema, tal como preconiza a legislação. Esse reconhecimento não pode se restringir ao aspecto técnico e legalista, mas deve implicar no esforço de tratá-la em sua especificidade.

Um outro desafio remete à criação da categoria professor indígena dentro dos sistemas de ensino. Trata-se não só de encontrar um lugar funcional para esses professores, como de ter que enfrentar questões extremamente complexas como concursos públicos diferenciados, planos de cargos e salários específicos, continuidade da formação etc. Aí é que se cria um impasse ainda não equacionado, pois os sistemas, de modo geral, encontram-se extremamente despreparados para enfrentar a gestão dessa modalidade de ensino, com pessoal pouco qualificado, parcos recursos financeiros e falta de compreensão e vontade política dos atuais dirigentes.

De maneira geral, os professores indígenas não têm encontrado formação adequada para enfrentar a empreitada de repensar a instituição escolar, com vistas a dar efetividade à proposta de uma escola “verdadeiramente” indígena. Inseridos no sistema, assumem cada vez mais o papel de funcionários dos governos estaduais do que propriamente o de agentes em suas comunidades. A proliferação dos cursos de formação de professores indígenas sob responsabilidade exclusiva dos sistemas de ensino tem ensejado a necessidade de uma avaliação criteriosa a respeito da natureza da formação que vem sendo oferecida aos professores indígenas por meio de cursos de formação em nível médio e agora também em nível superior. Inspirados nos programas de ONGs, que estavam alicerçados em práticas que se desenvolviam ao longo de muitos anos, alguns com duração de mais de dez anos, os novos cursos estruturam-se em tempos curtos, de quatro a cinco anos. Contudo, os momentos presenciais dessa formação, quase toda ela em serviço e em contextos pluriétnicos, se desenvolvem com uma empobrecida grade curricular, inspirada cada vez menos na história, na cultura e na especificidade dos grupos envolvidos. Contando com número crescente de formadores oriundos das equipes pedagógicas das Secretarias de Educação, esses programas vão perdendo densidade antropológica e lingüística em prol do repasse de conteúdos e competências exclusivas à função docente. Tem havido pouco engajamento na tarefa de propiciar aos professores indígenas a oportunidade de pensar coletivamente um projeto específico e próprio de escola, que permita sair de uma genérica escola indígena, que tem se pautado antes de tudo pela baixa qualidade do ensino oferecido, para uma escola que se paute pelas demandas e projetos de futuro das respectivas comunidades indígenas.

Diante desse quadro, cada vez mais burocratizado de práticas de formação de professores indígenas e de engessamento da instituição escolar, talvez a proposição de retomada da discussão sobre um sistema próprio para a educação indígena, ainda que hoje pautado por interesses não tão nobres, possa representar uma oportunidade para retomar velhas indagações a respeito do sentido da escola em terras indígenas, aprofundando a discussão sobre os rumos da política nacional de educação escolar indígena no país. Nesse contexto, seria de se esperar que as ONGs, que tiveram papel marcante na estruturação da política de educação indígena, assumam uma postura mais propositiva, impulsionando as discussões com vistas à consolidação de um quadro de reconhecimento da diferença cultural e de respeito às experiências inovadoras de processos escolares em terras indígenas. Para isso, elas precisam romper com a frustração de não terem sido chamadas para a mesa de negociações com o atual governo e recuperar seu protagonismo político enquanto movimento social organizado frente ao Estado brasileiro.

maio de 2006