A sociedade civil
O papel das ONGs
A expressão “Organização Não-Governamental” surgiu após a Segunda Guerra Mundial, no âmbito da Organização das Nações Unidas, e, naquele contexto, designava organizações supranacionais e internacionais autônomas, ou seja, que não foram criadas por acordos governamentais. Atualmente, a sigla ONG é usada de maneira corriqueira para designar todos os tipos de organização de natureza não-estatal, excluindo os sindicatos, entidades de classe, clubes recreativos, associações de bairro etc. Em outras palavras, as ONGs são criadas pela vontade de pessoas que compartilham algum objetivo não-lucrativo e se organizam para alcançá-lo.
Apenas três formatos de associações sem fins lucrativos são previstos na legislação brasileira: associação, fundação e organização religiosa. Por isso, juridicamente, toda ONG é uma associação civil ou uma fundação privada, porém, com objetivos diversos das demais formas de associação civil
Origens e desenvolvimento
Podemos afirmar que o embrião das atuais ONGs foram os “centros de educação”, entidades surgidas durante o regime militar dedicadas à “educação popular” e à “promoção social”. Seus membros não se reconheciam como pertencentes a um universo institucional próprio. Cultivavam certa “invisibilidade social”, baseada na dedicação às classes desfavorecidas e à convicção de que seu trabalho seria temporário, voltado a ser superado pela capacitação e qualificação das populações atendidas. Com o passar do tempo, no entanto, o que se viu foi a institucionalização dessas organizações e a construção de uma identidade comum focada em seu reconhecimento como protagonistas em um contexto de diversificação de associações da sociedade civil no regime autoritário.
Nesse período embrionário, a Igreja católica teve um papel preponderante. Marcada pelas resoluções do Conselho Vaticano II e pela Teologia da Libertação, a Igreja católica abrigava todo tipo de ativismo de base, protegendo seus agentes das perseguições políticas e ações violentas que ocorriam durante o regime militar. Movimentos ecumênicos transnacionais, como o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), também apoiavam as ações de movimentos sociais, sobretudo aqueles dedicados ao combate às ditaduras da América latina.
A volta dos exilados e as novas especialidades
Com o tempo, a convergência entre organizações de naturezas semelhantes, membros cada vez mais especializados e concepções compartilhadas, permitiu a politização das praticas assistenciais e sua vinculação à geração da autonomia das bases, contrapondo-se ao assistencialismo do Estado. A superação da relação com a Igreja e a secularização das ações foi se consolidando.
Já no final da década de 1970, os intelectuais formados na relação com as “bases” passaram também a se distanciar do “hermetismo pouco comprometido” da academia, fundando uma nova linguagem para a produção de conhecimento. Esse processo foi contemporâneo ao ingresso de pessoas oriundas de movimentos de esquerda, que após perseguições, exílios e carreiras interrompidas, retornavam ao Brasil e se inseriam nos movimentos sociais. Esses novos quadros não compartilhavam, no entanto, a memória das relações com a Igreja e da origem nos centros de educação. Traziam novas competências que potencializaram a formação de assessores que viriam a atuar em movimentos diversos. Aportaram também pesquisadores universitários, sobretudo sociólogos e antropólogos, que chegavam com novas especialidades e competências que foram agregadas aos movimentos. Esse amálgama de personagens e trajetórias teve papel crucial nas distinções e na institucionalização das organizações que se formavam.
O aumento das relações com a cooperação internacional foi, em grande parte, decorrência do envolvimento de retornados do exílio no processo de transformação dos “centros de educação”. Por sua permanência no exterior, tinham maior domínio do funcionamento dessas instituições de fomento e das forças sociais e políticas envolvidas em sua atuação.
Já na década de 1980, as instituições herdeiras dos antigos centros se distinguiram definitivamente dos movimentos sociais de base (com quem eram envolvidos até os anos 1970) e dos partidos políticos, reformulando seus quadros profissionais, desenhos institucionais, crenças e discursos, profissionalizando-se. Ao criarem uma identidade compartilhada por todos e inserirem-se em um campo político internacionalizado pela relação com as agências de cooperação internacional, essas entidades foram identificadas e passaram a se reconhecer pela sigla “ONG”.
As ONGs e o indigenismo
A precariedade do trabalho desenvolvido pelo Estado, somada ao processo de democratização da sociedade brasileira pós-ditadura militar, foram dois importantes fatores a contribuir para que muitos outros agentes da sociedade civil se envolvessem gradativamente nos processos de formulação e execução das políticas voltadas para os povos indígenas.
Resumir o leque de atividades desenvolvidas por esses agentes da sociedade civil é uma tarefa difícil. Estas organizações, principalmente as ONGs, desenvolvem uma complexa rede de atividades e políticas públicas que atuam nas mais diferentes direções. Há desde projetos de auto-sustentação econômica até programas de capacitação técnica, formação de professores indígenas, recuperação e proteção de características sócio-culturais, demarcação e vigilância de terras, para citar apenas alguns.
Fontes
- Abong, A ação das ONGs no Brasil, São Paulo, 2005.
- Landim, L., “ ‘Experiência Militante’: histórias das assim chamadas ONGs”. in: Les organizations non gouvernamentales em lusophonie: terrains et dèbats, Paris, Éditions Karthala, 2002.
Projetos e parcerias
Historicamente, as relações dos povos indígenas da América Latina com as sociedades envolventes em geral têm provocado a degradação social das comunidades e a degradação dos recursos naturais das terras indígenas. Mas, desde que iniciada a discussão sobre desenvolvimento sustentável, a luta dos povos indígenas por relações mais justas e dignas com as sociedades locais, nacionais e internacionais, alcançou nova dimensão.
Os povos indígenas, que durante muitos anos eram vistos como paradigmas de subdesenvolvimento, passam a ser considerados parceiros importantes na formulação de estratégias de desenvolvimento sustentável.
Hoje, a chamada questão indígena inclui assegurar de fato aos índios o usufruto exclusivo das riquezas existentes em seus territórios, promovendo, além de atividades de subsistência tradicionais, novas atividades econômicas em bases condizentes com a proteção ambiental.
No Brasil, o indigenismo comprometido com a autonomia política e econômica dos índios opõe-se à política oficial de proteção tutelar e assistencialismo praticada pela Funai, entendendo que é preciso estimular, numa terra indígena, a gestação de alternativas econômicas voltadas para o desenvolvimento sustentável.