De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Marlinda Melo Patrício, 2000

Xipaya

Autodenominação
Onde estão Quantos são
PA 241 (Siasi/Sesai, 2020)
Família linguística
Juruna
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.

Desde o século XVII, os Xipaya foram perseguidos pelos colonizadores e forçados a trabalhar na empresa extrativista. Foram aldeados na Missão Tauaquara, na região em que posteriormente cresceu a cidade de Altamira, onde sempre foram marginalizados e tiveram negados seus direitos indígenas. Hoje estão distribuídos entre esta cidade e as aldeias, e lutam por seus direitos territoriais e de cidadania.

Nome

Aldeia Tukamã. Foto: Marlinda Melo Patrício, 2000.
Aldeia Tukamã. Foto: Marlinda Melo Patrício, 2000.

O nome Xipaya está relacionado a um tipo de bambu que serve para a produção de flechas, segundo contam os índios. Os predicados desta graminácea, que tem haste forte, ao mesmo tempo flexível e uma vegetação bravia, é comparada aos atributos que o grupo acredita possuir. Quanto à grafia, Nimuendajú (1948) relaciona os vários tipos encontrados Juacipoia, Jacypoia, Jacypuiá, Juvipuyá, Acypoia, Achupaya, Sipáia, Achipaye, Axipai, Chipaya e, nos documentos mais recentes da FUNAI e CIMI, Xipaya e Xipaia.

Língua

Os Xipaya são da família lingüística Juruna, tronco Tupi. Três são as línguas incluídas nessa família: Manitsawa (extinta), Juruna e Xipaya. Em 1995, os Xipaya tiveram sua língua estudada na tese de doutoramento "Estude Morphosyntaxique de la Langue Xipaya" da professora Carmem Lúcia Rodrigues. Grande parte dos Xipaya hoje fala o português, sendo que alguns velhos na cidade de Altamira ainda sabem a língua, mas não a falam cotidianamente.

Como houve uma época em que foram forçados a migrar para a terra dos Mebengokre, muitos deles sabem se comunicar na língua Kayapó (tronco Jê), contudo não é uma prática rotineira.

Localização

Aldeia Tukamã. Foto: Marlinda Melo Patrício, 2000.
Aldeia Tukamã. Foto: Marlinda Melo Patrício, 2000.

Os rios Iriri e Curuá, no estado do Pará, são respectivamente afluente e subafluente do rio Xingu, fazendo parte da bacia hidrográfica que tem sua formação no estado do Mato Grosso. Os Xipaya vivem na Terra Indígena Xipaya, às margens do Iriri e Curuá, na cidade de Altamira e na Volta Grande do Xingu.

Na Terra Indígena estão a aldeia Tukamã e três pequenas comunidades. A aldeia é cortada pelo igarapé João Martins e está situada à margem esquerda do rio Iriri. A aldeia tem o formato circular, um empréstimo da arquitetura mebengokre, resultado dos anos de convivência. Possui casa de reunião no centro, um campo de futebol, residências e escola. Fora do círculo estão a enfermaria, duas moradas, um poço artesiano e a roça comunitária [dados de 2003]. No terreiro tem árvores frutíferas, verduras e ervas medicinais. Em 1999, sua população era constituída de sete famílias que somavam 33 indivíduos.

Em 2003, as três comunidades eram: Nova Olinda, a mais antiga, localizada à margem esquerda do rio Iriri, com 19 indivíduos distribuídos em três casas; Remanso, situada à margem esquerda do rio Curuá, com cinco indivíduos; São Geraldo, localizada à margem direita do rio Curuá com uma morada e roçado.

A população total foi estimada, em 2002, pela Funasa em 595 pessoas.

Na cidade de Altamira está o maior número de Xipaya, resultado da missão Tauaquara fundada pelos jesuítas e dos diferentes períodos migratórios motivados pela fuga dos conflitos nos rios Iriri e Curuá, doenças e casamentos com não índios. Na cidade, o laço de parentesco com os Kuruaya é mais evidente devido à facilidade de se visitarem e reúnirem para dançar. A população Xipaya em Altamira corresponde a 44% da população indígena; os Kuruaya são em torno de 36%; Juruna 7,97%; Mebengokre 5,8%; Arara 1,45%; Karajá 1,45% e outros 2,9%.

Em 2003, na Volta Grande do Xingu, existiam duas comunidades xipaya: Jurucuá e Boa Vista, compostas de duas famílias ao todo.

Histórico da ocupação e do contato

Nimuendajú (1948:219) menciona a hipótese dos Xipaya serem oriundos das cabeceiras do rio Xingu. A excelência na navegação e na construção de ubás permitiu que percorressem os caminhos tortuosos do rio e chegassem a seus afluentes da margem direita Iriri e Curuá. As mais antigas ocupações nacionais no baixo rio Amazonas e na embocadura do Xingu ocorreram por volta de 1600 e foram realizadas por holandeses, irlandeses e ingleses, que fundaram várias feitorias.

Os holandeses se apoderaram das margens férteis do rio Xingu, fazendo plantações de cana-de-açúcar e em sua foz ergueram um forte próximo das aldeias dos Mariocais. Em 1620, os portugueses destruíram essas posições com expedições comandadas por Pedro Teixeira e outros exploradores. Os Xipaya conseguiram resistir durante um considerável tempo, sorte que não tiveram outros grupos étnicos que viviam na região dos rios Iriri/Curuá/Xingu, como os Kuruaya que foram alcançados poucos anos depois da ocupação do baixo rio Amazonas, por volta de 1685.

Desde o século XVII, os Xipaya foram mencionados pela literatura antropológica, nos escritos dos padres, viajantes, cientistas e presidentes da Província do Pará . A primeira ação de contato mais prolongado está na chegada de padre Roque Hunderfund, a região com sua incursão ao rio Xingu e seus afluentes, no trabalho de catequese e na formação de missões. A chegada em 1750 de Hunderfund é um marco para etno-história dos povos que viviam na região dos rios mencionados. A formação da missão Tavaquara ou Tauaquara às margens do rio Xingu bem próximo do que iria ser a cidade de Altamira no Pará promoveu a primeira divisão espacial e sócio-cultural envolvendo os Xipaya, Kuruaya, Juruna e alguns Arara.

O relatório do presidente da Província do Pará, Francisco Araújo Brusque (1863), fez um reconhecimento da situação precária dos índios, onde menciona a região do Xingu e seus habitantes. O relatório deixa perceber o conhecimento precário que se tinha da região e que a aparência física dos índios pesa sobre a definição de seu caráter:

Treze são as tribos selvagens que habitam n´aquellas paragens, quiçá as mais férteis desta província: Juruna,Tucunapenas, Juaicipoia, Urupaya, Curiaias, peopaias, Taua-Tapuiara, Tapuia-eretê, Carajá-mirim, Carajá-Pouis, Arara, Tapaiunas. Para destacar a etnia em questão, os Juacipaias, esta tribo acha-se resumida e compõe-se presentemente de sessenta indivíduos. Estão divididos em pequenos grupos habitando quatro barracas, situados nas ilhas que existem no mencionado rio Iriri. Obedecem a um tuchána denominado Vacumé e tem os mesmos risos e costumes dos índios Juruna aos quais muito se assemelham, sendo porém mais indolentes e disformes...

Algumas expedições exploradoras feitas ao rio Xingu, como a de Karl von den Steinen (1841), Príncipe Adalbert da Prússia (1849) e de Henry Coudreau, que alcançou também o rio Tapajós (1895-96), mencionaram a presença tanto dos Xipaya quanto dos Kuruaya vivendo na região.

Entre 1910 e 1913, Emília Snethlage, chefe da seção de Zoologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), realizou expedições à região do Xingu. A pesquisadora teve os Xipaya e os Kuruaya como informantes, o que permitiu a atualização do conhecimento da situação de contato em que se encontravam os dois grupos.

O etnógrafo Curt Nimuendajú freqüentou por três anos e meio no rio Xingu, Iriri e Curuá e observou a situação de contato em que viviam os grupos indígenas. Os documentos escritos por ele informam que os Xipaya faziam parte de um grande número de etnias que moravam no baixo e médio Xingu, como os Juruna, os Arupaí (extintos), os Tucunyapé (extintos), os Kuruaya, os Arara e os Asuriní. Eles dominavam os rios Iriri e Curuá, ao mesmo tempo em que procuravam frear o avanço dos Mebengokre (Kayapó), Carajá e da frente seringalista.

As etnias dessa região foram classificadas por Nimuendajú (1948:213) em três grupos, usando como critério as características geográficas: grupos de canoeiros, restritos ao rio Xingu, Iriri e Curuá (Arupaí, Xipaya e Juruna), grupos que vivem na floresta virgem central (Kuruaya Arara, Asuriní e Tucunyapé) e o grupo das savanas (Mebengokre).

A ocupação da região e o contato dos Xipaya com a sociedade nacional, por volta de 1880, mostraram que houve a compressão das etnias no Xingu, Iriri e Curuá. A entrada dos Mebengokre rumo à foz do rio Xingu, o movimento de expansão para o leste dos Munduruku e para o oeste dos Carajá, foi complementado no século XIX com a presença da frente seringalista, que entrou pela foz do rio Amazonas e subiu o rio Xingu, navegando por seus afluentes, provocando diversos encontros com diferentes intensidades, fechando o cerco em torno dos grupos que naquela região viviam.

Dois pontos são importantes considerar com o contato: a mudança dos Xipaya para locais determinados pelo dono do seringal e a assimilação forçada da organização social da sociedade regional, na medida em que passaram a fazer parte da rotina que movimentava a economia local.

O movimento de expansão de grupos como os Mebengokre e Karajá continuou a ocorrer paralelamente ao avanço da empresa seringalista e à arregimentação da mão-de-obra para os trabalhos nos seringais, na extração da borracha e da castanha. Posteriormente, quando esses produtos passaram a ter pouco valor no mercado, a atividade do comércio de peles exercida pelo gateiro passou a ser realizada com bastante aceitação. Essa atividade exigia o conhecimento da região, tanto da fauna quanto da flora, que só os índios possuíam e o colonizador não media esforços para mantê-los em regime de escravidão. As forças adversas presentes na região foram capazes tanto de forjar tênues alianças quanto destruí-las. Por uma questão de sobrevivência, os antigos e recentes inimigos se organizavam conforme a situação. Assim, Xipaya, Kuruáya e Mebengokre, outrora inimigos, aos poucos vão sendo obrigados a uma convivência para salvaguardar minimamente sua integridade física.

Por volta de 1885 os Xipaya foram induzidos pelos Mebengokre a recuar para o Gorgulho do Barbado, localidade no rio Curuá, local que abandonaram por volta de 1913, depois de um encontro sangrento com os seringueiros. Posteriormente, para atender ao interesse dos patrões seringueiros, houve uma nova divisão e uns Xipaya foram levados para o baixo rio Iriri e outros para o rio Curuá. Em seus escritos Snethlage (1920b:395) menciona:

Na época em que eu estive lá, os Chipaya viviam um pouco acima da localidade Santa Júlia [no rio Iriri], enquanto que anteriormente, os índios que estavam a serviço de Accioly viviam abaixo de Santa Júlia... os encontramos também em quase todas as colônias nas proximidades do rio Iriri, assim como no baixo rio Curuá...O número de habitantes Chipaya e seus descendente parece a muito tempo não ser tão alto e nos últimos anos baixou mais ainda, principalmente em conseqüência do ingresso de índios a serviço do colonizador...Calcula-se que existem ainda algumas centenas de índios em fase transformação, de índios propriamente ditos para índios mansos. Essas pessoas sobrevivem da caça e da pesca, alguns trabalham como canoeiros. Somente uma minoria sobrevive da extração do látex da seringa. Quando isso acontece, eles o fazem por pura necessidade, afim de conseguir meios para adquirir produtos que precisam ser comprados e não retirados da floresta ou dos rios.

Snetlhage estimou que, por volta de 1918, os Xipaya fossem aproximadamente 80 pessoas. Nimuendajú estimou que por volta de 1920 contavam 30 indivíduos espalhados por muitas localidades, como Largo do Mutum e Pedra do Capim, no rio Iriri, misturados com poucos remanescentes Kuruaya.

Por volta das décadas de 1940-50 os Xipaya passaram novamente por uma redistribuição de sua população. Neste período o contato, as doenças, as mortes, os casamentos entre Xipaya, Kuruaya, Juruna e os nordestinos vindos para a região como "soldados da borracha" já haviam imprimido um novo perfil à região. As sucessivas mudanças forçadas e a dispersão do grupo passaram a idéia de que os Xipaya haviam desaparecido como grupo étnico.

Na década de 1970 os Xipaya iniciam um movimento que resultou na unificação do grupo e na conquista de seu antigo território, a partir da família de Tereza Xipaya de Carvalho - casada com um nordestino agricultor desde 1951, com quem teve 22 filhos - a aldeia no rio Iriri foi reconstruída. Depois viveram algum tempo nas colônias agrícolas perto da cidade de Altamira e então tomaram o rumo de São Félix do Xingu com todos os filhos e suas respectivas famílias. Devido a uma série de problemas ocorridos com os brancos na cidade, foram viver com os Mebengokre. A convite de seu cacique, o Coronel Tutu Pombo, trabalharam como agricultores por cinco anos, como lembram os Xipaya:

"Vivemos no Kriketum com os Kayapó. Quem comandava a aldeia era Tutu Pombo, ele sempre falava que nós tínhamos uma terra no Iriri. Não ficávamos na mesma aldeia, fizemos uma mais adiante, mas os Kayapó iam lá mexer com a gente [as meninas], quando crescemos fomos para mais adiante, só se chegava lá de bicicleta. Um segundo grupo ficou na cidade de Tucumã, perto de Ourilândia, um terceiro grupo viveu na aldeia Gorotire e um quarto grupo viveu na cidade de Redenção. Depois ficou decidido que todos iriam para Tucumã. Fizemos casa onde ficamos juntos. Daqui ficou decidido que iríamos morar na aldeia Cajueiro, pois havíamos sido informados pelo administrador da Funai de Altamira que a Terra Indígena Curuá estava reservada aos Kuruaya e aos Xipaya e que havia garimpo de ouro a ser explorado. Fretamos um ônibus para Altamira com dez famílias e nos juntamos com as três famílias que lá estavam. Seguimos viagem para a aldeia Cajueiro num barco chamado "Mão Divina", mas quando chegamos lá todos adoecemos de malária e retornamos para Altamira, isso foi em 1991. Quando nos recuperamos, parte ficou em Altamira e o restante consegue viver por um ano no Cajueiro, em 1993 seguimos para Iriri onde resolvemos batalhar por nossa própria terra" (entrevista realizada em abril/00).

A chegada no rio Iriri e a reorganização da comunidade marca um novo momento da vida dos Xipaya. Depois de dois séculos de contato e de migrações forçadas, conseguiram reconquistar sua antiga morada. A primeira solicitação existente na FUNAI data de 1995; o Grupo de Trabalho para a realização do estudo circunstanciado de identificação e delimitação foi a campo em 1999.

Os Xipaya em Altamira

Líder do grupo e outras mulheres e crianças xipaya. Foto: Marlinda Melo Patrício, 1999.
Líder do grupo e outras mulheres e crianças xipaya. Foto: Marlinda Melo Patrício, 1999.

A presença dos Xipaya em Altamira data de meados do século XVIII, quando o padre jesuíta Roque Hunderfund criou a missão Tavaquara. Numa migração forçada, levou vários grupos étnicos para povoá-la, como Xipaya, Kuruaya, Arara e Juruna. A missão teve dificuldades para progredir, visto que por determinação do Marquês de Pombal os missionários jesuítas foram expulsos do Brasil em meados do século XVIII.

Os registro da existência da missão foram deixados pelo príncipe Adalbert da Prússia, nas expedições que realizou nos rios Amazonas e Xingu entre 1811 e 1873. O cientista Henry Coudreau, que fez uma expedição pelo rio Xingu em 1896, também menciona a localização da missão: "Missão extinta dos padres...instalada na foz do igarapé Itaquari, pequeno afluente da margem esquerda [do Xingu], mais longo porém mais seco que o [igarapé] Panelas".

Os velhos xipaya têm conhecimento que a missão, mesmo não se firmando, ficou como local de ocupação daquelas etnias. Perto dali se constituiria o centro de comércio mercantil que se tornaria à cidade de Altamira. No século XX a aldeia transformou-se em um bairro conhecido por Muquiço, devido ao grande número de bordéis, bares, festas e "arruaças" que por lá ocorriam. Depois o bairro passou a ser conhecido como "Onça" por haver um barracão onde onças e gatos do mato ficavam presos para serem vendidos no comércio de peles. Atualmente o bairro chama-se São Sebastião, em homenagem ao Santo Padroeiro da cidade.

Os indígenas foram aos poucos perdendo o território, na medida em que o bairro se incorporava à cidade e que havia uma dinâmica de ocupação dos grupos que se revezavam entre o Xingu-Iriri-Curuá para a realização do trabalho nos seringais, castanhais, como gateiros (captura de gatos do mato e onças para a venda de peles) e como piloto de barco. As mulheres que ficavam na cidade trabalhavam como empregada doméstica, lavadeira, criada de companhia, principalmente as mais jovens. Nessa época, as epidemias de gripe e sarampo dizimaram boa parte da população indígena.

Bairro de São Sebastião, em Altamira. Foto: Marlinda Melo Patrício, 1999.
Bairro de São Sebastião, em Altamira. Foto: Marlinda Melo Patrício, 1999.

A segunda metade do século XX se caracteriza pela expansão imobiliária, responsável pelo endividamento dos índios, já que os "donos" dos terrenos possuíam títulos no cartório da região. Essa época também é marcada pela viabilização dos grandes projetos, como a Transamazônica, que trouxe um número considerável de migrantes para a região e ajudou a organizar um novo cenário, que desfavoreceu a consolidação de um território indígena e a manutenção da organização social nos moldes de uma aldeia.

A retomada de parte do território foi solicitada à FUNAI e um Grupo de Trabalho foi enviado pelo órgão, em junho de 2001, para fazer o levantamento básico de informações sobre a área reivindicada pelos indígenas urbanos de Altamira. A liderança Xipaya que coordena a Associação dos Indígenas Moradores de Altamira (AIMA), junto com os velhos indígenas que ainda falam a língua, expressou a necessidade de ser reservado um espaço, na cidade, para que construíssem uma aldeia. A solicitação foi encaminhada a FUNAI no ano de 2000. Em 26 de junho de 2001 um grupo técnico foi organizado para realizar um Levantamento Básico de informações sobre as terras indígenas. O relatório final sugeriu a constituição de um grupo técnico para realizar a eleição de uma área. A previsão é que até o final do ano de 2003 o Estudo Prévio seja concluído pelo antropólogo contratado pela Funai.

População Xipaya em Altamira

No início do século XX, por volta de 1910 a distribuição das famílias indígenas se limitava ao bairro São Sebastião - em 1980 a famílias já haviam se organizado e formado um novo bairro conhecido como Açaizal. Nas décadas seguintes novos bairros foram se formando onde novos núcleos familiares indígenas se estabeleceram. Assim ficaram distribuídas na cidade: Bairro Aparecida (18 famílias: 13,04%), Boa Esperança (15 famílias: 10,87%), Independente II (14 famílias: 10,14%), Brasília (10 famílias: 7,25%), Açaizal (8 famílias: 5,80%), São Sebastião (7 famílias: 5,07%), Recreio, Jardim Industrial, Independente I e Centro (6 famílias cada um: 4,35%). Os bairros mencionados apresentam infraestrutura precaria.

Dados obtidos no Estudo de Impacto Ambiental (EIA, 2009) demonstraram que os números de famílias nos bairros citados aumentaram, como por exemplo: Aparecida 257 pessoas e 58 famílias; Boa Esperança 116 pessoas e 23 famílias; Independente I 152 pessoas e 38 famílias; Independente II 208 pessoas e 40 famílias; Brasília 84 pessoas e 16 famílias; Açaizal 180 pessoas e 36 famílias; São Sebastião 59 pessoas e 18 famílias; Centro 96 pessoas e 21 famílias, além de outros bairros.

O Estudo de Impacto Ambiental para a construção da hidrelétrica de Belo Monte solicitado pela Eletronorte em 2002, apresentou a seguinte distribuição das etnias na cidade: Xipaya: 44,20%, Kuruaya: 36,23%, Juruna: 7,97%,. Kayapó: 5,80%, Arara: 1,45%, Karajá: 1,45% e outros: 2,90%. Além disso, outros povos indígenas são citados no estudo de 2002 como moradores de Altamira: Kayapó, Arara, Xukuru, Guarani, Guajajara, Xavante e Canela.

Também em 2002, a área de saúde da Prefeitura Municipal de Altamira realizou, sob coordenação de uma Xipaya presidente da AIMA (Associação dos Índios Moradores de Altamira) um novo cadastro, o qual identificou 211 famílias indígenas de diversas etnias. Diferente do cadastro de 1988, este só focou as famílias residentes na cidade de Altamira. Em 2006 e 2007 foi realizada uma nova pesquisa e apesar de não incluir nomes e situação fundiária de cada família apresentou uma estimativa das famílias residentes em Altamira e na Volta Grande computando um número de 340 famílias. Finalmente, os dados do EIA de 2009 mostram 1.622 pessoas e 340 famílias.

Organização social e política

Bairro de São Sebastião, em Altamira. Foto: Marlinda Melo Patrício, 1999.
Bairro de São Sebastião, em Altamira. Foto: Marlinda Melo Patrício, 1999.

A matriarca do grupo Xipaya é casada com um ex-soldado da borracha. Da união nasceram 22 filhos, dos quais vivem somente 16 que constituíram família. Estes núcleos familiares, hoje dispersos tanto na aldeia quanto na cidade já estão na quarta geração. Atualmente existem duas aldeias Tukamã e Tukayá. A aldeia Tukamã foi a primeira a ser formada por 13 de seus filhos, cuja liderança tem passado de irmão para irmão, o que não significa que haja consenso quando um membro assume. O casamento é mais mencionado mediante o termo "ajuntamento" e a busca de parceiros tem sido feita, por exemplo, nos grupos Kuruaya, Mebengokre e não-indígenas. A aldeia, para os Xipaya, garante o futuro das crianças que lá vivem, no sentido de ter morada garantida e da responsabilidade de todos por seu futuro.

Na cidade ficaram três dos irmãos, que constituíram suas famílias unindo-se com não indígenas e com primos Xipaya de segundo grau. Em 1998 uma Xipaya tornou-se liderança na cidade. Nos anos seguintes foram criadas associações para representá-los juridicamente como a Associação Indígena dos Moradores de Altamira (AIMA), a Associação Kirinãpãe. As mesmas têm presidente que depois de reunirem decidem as questões de ordem política, econômica e social na cidade.

Em Altamira a organização social das famílias é constituída de pequenos núcleos familiares nos diferentes bairros. A urbanização indígena recentemente vem sendo discutida pela FUNASA, SEDUC, SEMEC e CIMI, visto terem que implementar políticas públicas. A projeção dessa condição deve-se, primeiro, à atuação dos Xipaya e Kuruaya e das outras etnias que na vivem na cidade; segundo, deve-se à formação das associações dos dois grupos étnicos, tanto aldeados quanto urbanos. Isso tem dado a visibilidade que antes de 1998 não possuíam, pois a literatura os apontava como extintos e a FUNAI local não os reconhecia. Atualmente a FUNAI os reconhece, contudo, oferecem alguma ajuda a um grupo muito restrito que não se limita aos Xipaya e Curuaya.

Meio ambiente e atividades produtivas

O clima da região onde está localizada a Terra indígena Xipaya equivale à floresta tropical com chuvas do tipo monção. A estação de seca é de pequena duração, com chuvas inferiores a 60mm no mês seco, mas mantém umidade suficiente para desenvolver uma vegetação exuberante de floresta. A temperatura fica em torno de 25º.

Quanto à vegetação, a região é composta de florestas distintas:

  • Floresta Tropical Aberta Mista, formada por Cocal, palmeira e árvores latifoliadas com grupamentos de babaçu e concentrações de nanofoliadas deciduais (plantas que perdem todas as folhas durante um período do ano, geralmente durante o inverno ou durante a seca ou estiagem.
  • Floresta Tropical Aberta Latifoliada, Cipoal, formação arbórea, total ou parcialmente envolvida por lianas, que são trepadeiras lenhosas semelhantes nas áreas mais aplainadas. Os vales estreitos são ocupados por babaçu e largas encostas cobertas por cipoal.
  • Floresta Tropical Densa, presente ao longo do rio Iriri, periodicamente inundada, nesta área dominam as espécies ucuubatachi, sumaumeira e açacu.
  • Floresta Secundária, Capoeira, encontrada nas redondezas das antigas e novas moradias, provenientes de áreas outrora utilizadas para o roçado. É originada da devastação da floresta, por processos que vão desde o arrasamento total da área para o estabelecimento da agricultura até a retirada das árvores de valor econômico pela exploração seletiva.

A agricultura e pecuária xipaya são desenvolvidas nos roçados e nos quintais. Os quintais são terrenos ao redor das casas, onde se encontram criações de animais de pequeno porte, canteiros, plantas medicinais e plantas frutíferas. As plantas frutíferas são o cupuaçu, abacate, limão, mexerica, urucum, lima, laranja, manga, jaca, jambo, bacaba, café, abacaxi, mamão, assim como cará, inhame e cana.

As famílias criam para o consumo galinha e pato e, quando é possível, comercializam as criações.

O roçado é um trabalho comunitário realizado na área de capoeirão: em junho/julho há o desbaste em volta do terreno para o roçado; a vegetação mais fina é brocada ou roçada e as árvores mais grossas são derrubadas com machados ou motosserra. De agosto a outubro a vegetação brocada e derrubada é queimada e se cortam os pedaços que sobraram. Em novembro, o corte continua, seguido de outra queima, da limpeza do terreno e do início do plantio, que entra pelo mês de dezembro.

No extrativismo, os Xipaya fazem a coleta de produtos de origem vegetal, dentre eles: madeira (usada na construção das casas e do mobiliário), cipós (para armações e cestarias), plantas medicinais, frutas e palmitos. A produção do artesanato está voltada para a produção de instrumentos de subsistência, sendo comum a fabricação de armas para caça, utensílios domésticos, cestaria. A argila mole - tabatinga - encontrada na beira do rio é usada para revestimento dos fogões a lenha ou do chão das casas, para fazer telhas e tijolos.

Os Xipaya caçam usando espingarda, sendo os métodos comuns a caminhada pela mata, a espera (tocaia nos lugares freqüentados pelos animais) e com cachorro, uma prática freqüente. A caçada pode ocorrer individualmente ou em grupo: na primeira o produto pode ser dividido por toda a comunidade se for grande, na segunda o produto é dividido no grupo.

As caçadas sempre merecem uma festa e a de 24 de dezembro é a mais famosa. Depois de um mês no mato caçando anta, jabuti ou porcão, a comunidade se reúne e faz bastante comida, convidando para a festa os vizinhos e também parentes Kuruaya. Os animais apreciados na caça são veado, mutum, caititu, paca e, principalmente, fuboca e chifre encoeirado. O macaco não é visto como boa caça, pois consideram ser um transmissor de doenças. A tracajá é bastante consumida e é capturada pelo mergulho no rio.

A pesca é considerada uma atividade fundamental, pois é utilizada durante todo o ano, já que o rio Iriri é bastante piscoso. Os peixes mais apreciados são os de escama, como: Tucunaré, piranha, piau, pacu branco, pacu caranã, matrinxã. Os peixes remosos, que causam coceira, como o barbachato, são devolvidos ao rio. Outros peixes existentes são surubim, pirará, cachorra, sardinha, fidalgo. Tanto as mulheres quanto os homens realizam estas atividades. As técnicas mais utilizadas são a linha de anzol, chamada de tela; o caniço, que é a vara de pescar; o facão; o arco e flecha; a tiradeira e o espinhel.

O comércio do arroz, farinha, galinha, milho, óleo de coco, castanha do pará e peixe é realizado, mas nem sempre interessa aos regatões (comerciantes em embarcações, que vão parando em diferentes locais). Atualmente possuem barco próprio e já não são dependentes desses intermediários, podendo comprar e vender produtos em Altamira.

Perspectivas

Os Xipaya hoje, depois de tantas migrações e moradas incertas, podem pensar em um território para o futuro de seus filhos e sua reprodução cultural. O relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Xipaya não foi contestado. Após o despacho do presidente da Funai aprovando o documento, estão aguardando a Portaria Declaratória do Ministro e a posterior saída do edital para demarcação. A criação da Associação Arikafu tem sido o veículo jurídico utilizado para que os Xipaya se relacionem com a sociedade local e órgãos governamentais e não governamentais.

Quanto à situação dos Xipaya urbanos, seus direitos estão sendo alcançados gradativamente. A Associação dos Indígenas Moradores de Altamira (AIMA) abriu espaço para uma maior visibilidade das questões que antes não eram consideradas. Hoje tratam de seus problemas junto às instituições e a FUNASA os tem atendido, assim como a prefeitura atual os reconhece, mas ainda não desenvolveu um programa de trabalho no sentido de melhorar sua condição de vida. A FUNAI, por sua vez, sabia da existência dos Xipaya em Altamira, mas não a considerava. No contexto urbano, os direitos se mesclam e se fundem com os direitos dos cidadãos não indígenas. Atualmente a instituição tem tratado a questão com mais atenção.

Fontes de informação

  • COUDREAU, Henri. Viagem ao Xingu. Belo Horizonte : Itatiaia ; São Paulo : Edusp, 1977.
  • NIMUENDAJÚ, Curt. Fragmentos de religião e tradição dos índios Sipáia : contribuições ao conhecimento das tribos de índios da região do Xingu, Brasil Central. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro : Tempo e Presença Ed. ; São Paulo : Cortez, n. 7, p.3-47, jul. 1981.
  • --------. Textos indigenistas : relatórios, monografias, cartas. São Paulo : Loyola, 1982. (Missão Aberta, 6)
  • --------. Tribes of the lower and middle Xingu river. In: STEWARD, Julian H. (Ed.). Handbook of South American Indians. v.3. Washington : Smithsonian Institute, 1948.
  • PATRÍCIO, Marlinda Melo. Índios de verdade : o caso dos Xipaia e Curuaia. Belém : UFPA, 2000. 144 p. (Dissertação de Mestrado)
  • SNETHLAGE, Emília. Die Indianerstämme am mittleren Xingu : im besonderen die Chipaya und Curuaya. Zeitschrift fur Ethnologie, Berlin : s.ed., n. 45, p. 395-9, 1910.
  • --------. A travessia entre o Xingu e o Tapajós. Manaus : Governo do Estado do Amazonas ; SEC, 2002. 72 p. (Documentos da Amazônia, 98)
  • --------. Zur Ethnographie der Chipaya and Curuaya. Zeitschrift fur Ethnologie, Berlin : s.ed., n. 42, 1910.
  • STEINEN, Karl von den. O Brasil central : expedição em 1884 para a exploração do rio Xingu. Rio de Janeiro : Companhia Editora Nacional, 1942.
  • VIEIRA, Maria Elisa Guedes. Relatório circunstanciado de identificação e delimitação da Terra Indígena Xipaya. Brasília : Funai, 2003.
  • WILHERLAN, Adalbert Heinrich (Príncipe Adlaberto da Prússia). Brasil : Amazonas-Xingu 1811-1873. Belo Horizonte : Itatiaia, 1977.