Tembé
- Autodenominação
- Tenetehara
- Onde estão Quantos são
- MA, PA 2096 (Siasi/Sesai, 2020)
- Família linguística
- Tupi-Guarani
Os Tembé têm sido obrigados a conviver com centenas de famílias de posseiros em suas terras e sofrem os efeitos da atuação irregular de madeireiros, fazendeiros e empresários. Entretanto, longe de conformarem-se com essa situação, esse povo têm lutado pela desocupação de seu território e reinvidicado seus direitos junto aos órgãos públicos e poderes locais.
Nome
Os Tembé constituem o ramo ocidental dos Tenetehara. O grupo oriental é conhecido por Guajajara. Sua autodenominação é Tenetehara, que significa gente, índios em geral ou, mais especificamente, Tembé e Guajajara. Tembé, ou sua variante Timbé, constitui um nome que provavelmente lhes foi atribuído pelos regionais. De acordo com o lingüista Max Boudin, timbeb significaria "nariz chato".
Língua
Os Tembé, tal como os Guajajara, falam a mesma língua, o Tenetehara, da família lingüística Tupi-Guarani. Sobre o dialeto Tembé há um dicionário em dois volumes elaborado por Max Boudin. Os Tembé que vivem próximos ao rio Guamá já não falam a língua indígena. Já alguns dos que se localizam numa e noutra margem do rio Gurupi, além de sua própria língua e do português, conhecem também a língua dos Ka'apor.
Localização
De um modo geral, pode-se afirmar que os Guajajara, ramo oriental dos Tenetehara, se localizam no Estado do Maranhão, enquanto os Tembé, o ramo ocidental, no Estado do Pará. Entretanto, uma parte dos Tembé vive na margem direita do rio Gurupi, no estado maranhense.
As aldeias tembé se distribuem em três blocos. Um deles é constituído por aquelas que se dispõem em uma e outra margem do rio Gurupi. As que ficam na margem direita estão na Terra Indígena Alto Turiaçu. A região também é habitada pelos Guajá e pelos Urubu Ka´apor. Os Tembé da margem esquerda do Gurupi estão na TI Alto Rio Guamá. Nesta área vivem também índios Ka´apor, Guajá, Kreje e Munduruku, além do outro bloco de aldeias tembé, que localiza-se nas proximidades do rio Guamá.
O terceiro bloco é constituído pelos Tembé que vivem na TI Turé-Mariquita, situada na bacia do rio Acará, afluente do Moju, que desemboca no mar um pouco ao sul da foz do Guamá. A posição desses Tembé decorre de um avanço, no século XIX, sobre o território dos Turiwara, junto dos quais moraram até recentemente. Hoje, a população da TI Tembé, mais ao sul, também na bacia do Acará, é indicada não como Tembé, mas como Turiwara.
Histórico do contato
Em meados do século XIX, uma parte dos Tenetehara dos rios Pindaré e Caru, no Maranhão, rumaram na direção do Pará, para os rios Gurupi, Guamá e Capim, dando origem aos hoje conhecidos como Tembé (deixando no Maranhão os Guajajara). Nesses rios, ficaram sob o novo regime indigenista que acabara de ser criado, em 1845, em que cada província tinha um diretor geral (não havia um órgão indigenista encarregado de todos os índios do Império), sob cuja jurisdição ficavam os diretores de aldeia. Engajaram-se então na extração do óleo de copaíba, que era negociado com os regatões (comerciantes que percorrem os rios de barco) conforme o sistema de aviamento, isto é, de adiantamento de mercadorias a serem pagas com produtos florestais. Os regatões também se valiam dos índios para a busca de ouro, borracha, madeira de lei e como remeiros. Na extração do óleo de copaíba, a unidade de produção era a família extensa. A extração se fazia na mata, acima do nível anual de inundação, em árvores que eram poucas e dispersas, que não podiam ser sangradas na estação seguinte, o que provocava uma constante necessidade de deslocamento das famílias extensas para novas áreas ainda não exploradas. As aldeias Tembé, conseqüentemente, ou eram pequenas com localização mais ou menos permanente, ou temporariamente grandes com forte tendência à cisão.
Os abusos e extorsões dos regatões provocaram um conflito em 1861, no alto Gurupi, em que sete Tembé mataram nove regionais. O policial encarregado de apurar os fatos espancou os índios e lhes tomou nove crianças, remetidas a Vizeu. Os índios fugiram e abandonaram sua aldeia. O governo provincial retirou os regatões da área e reuniu os moradores dispersos da aldeia de Trocateua na nova aldeia de Santa Leopoldina. Em 1862, só no alto Gurupi, havia 16 aldeamentos e, no último decênio do século XIX, havia notícia de numerosos grupos Tembé não contatados.
A assistência aos Tembé do Gurupi por parte do SPI parece ter sido conseqüência da atividade de atração dos Ka'apor. Entre 1911 e 1929 o SPI criou três postos de atração. Em 1911, instalou o posto Felipe Camarão, junto à foz do Jararaca, afluente da margem direita do Gurupi. Parte dos Tembé do alto curso deste rio desceram para viver junto ao posto e trabalhar como intermediários na atração dos Ka'apor. Por falta de recursos, a atividade do posto cessou em 1915, embora ele só tenha sido extinto em 1950. Entre 1927 e 1929, o SPI criou mais dois postos. O Posto Pedro Dantas foi instalado na ilha Canindé-Açu, próxima ao local onde os Ka'apor costumavam atravessar o Gurupi; e o Posto General Rondon, no rio Maracassumé. Este último foi fechado em 1940, enquanto o Pedro Dantas, onde finalmente foram contatados os Ka'apor em 1928, tornou-se o atual PI Canindé. Com a instalação dos postos do SPI, os Tembé foram paulatinamente abandonando as cabeceiras do Gurupi e se instalando no curso médio do mesmo rio. Serviram ao SPI como guias, remeiros, trabalhadores nas roças e na fabricação de farinha. Mas o SPI também favoreceu na década de 50 a entrada de regionais para trabalhar nas roças do posto. A falta de cidades próximas e a dificuldade de escoamento da produção agrícola levaram o SPI a estimular o comércio dos índios com os regatões, aos quais forneciam couros de onça, enormes quantidades de jabutis, de aves e resinas diversas.
Na década de 70, já no tempo da Funai, boa parte dos homens Tembé do Gurupi em idade adulta foram levados a trabalhar na Transamazônica, em frentes de atração de outros grupos Tupi, como os Parakanã e os Asurini do médio Xingu, desfalcando as aldeias de elementos masculinos, provocando escassez de alimentos com base na carne e no peixe e um esvaziamento das práticas rituais. Em 1971, a Funai ordenou a transferência dos Tembé do Gurupi para o rio Guamá, mas eles se recusaram a migrar.
Quanto aos Tembé do rio Guamá, eles permaneceram sob a exploração dos regatões, dedicando-se sobretudo ao corte de madeiras. Em 1945, quando já mantinham intensos contatos com os civilizados, o SPI instalou o primeiro e único posto na região. O posto operou num regime de produção para venda e para o próprio consumo, engajando os índios nos serviços de lavoura, e também na abertura de uma estrada, nunca concluída, que deveria ligar o Guamá ao Gurupi. Uma cantina fornecia gêneros alimentícios, roupas e ferramentas aos índios, descontando-lhes as despesas na folha de pagamentos. Por volta de 1960, um chefe de posto, para aumentar a produção, facilitou a entrada de colonos oriundos de uma frente camponesa que alcançava a região, o que trouxe uma intensificação dos casamentos interétnicos e do uso da língua portuguesa. Esse regime durou até a extinção do SPI em 1967. Paralelamente às tarefas promovidas pelo posto, os índios extraíam e comercializavam madeira por conta própria, descendo com jangadas de toras até Ourém. Por outro lado, a presença de caçadores de peles, madeireiros e criação de gado fez decair a caça e a pesca.
Em 1970, o posto já não mantinha nenhum dos antigos projetos e estava abandonado, o que levou os Tembé a voltarem a plantar suas próprias roças numa área bastante desmatada. A Terra Indígena foi invadida por empresários, fazendeiros e posseiros. Houve várias negociações para retirada dos invasores, mas todas frustradas. Em 1978, a Funai propôs o loteamento de parte da Terra Indígena para os posseiros. Auxiliados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da Igreja Católica, os Tembé do rio Guamá fizeram uma reunião com os do Gurupi em 1983, quando fizeram um abaixo-assinado contra a redução da Terra Indígena. Simultaneamente, foram convidados pela Funai a mudarem-se para o Gurupi. Alguns migraram, mas parte deles retornou depois de serem atacados pela malária e o sarampo.
Atividades econômicas
As atividades de subsistência e destinadas à produção para o comércio se realizam de acordo com o ciclo das chuvas (fevereiro/agosto) e da seca (setembro/janeiro). Os Tembé do Gurupi gozam de melhores condições para fazer suas roças, têm mais abundância de caça e pesca. Os do Guamá tiveram a terra, a fauna e os rios degradados pelos projetos de auto-manutenção do posto indígena e pela invasão autorizada da Terra Indígena.
Para a obtenção de produtos industrializados, os Tembé do Gurupi se dedicam à extração de cipós e resinas (breu), apanham jabutis, caçam onça vermelha, preta, gato maracajá, jacaré, ou procuram qualquer outro item florestal que esteja em alta no mercado de Boa Vista do Gurupi. Também criam porcos e galinhas para a venda. Quando há abundância de farinha, vendem também alguns paneiros. Fazem canoas sob encomenda e confeccionam artefatos para seu próprio uso ou para serem vendidos à Artíndia, da Funai.
No Guamá, cada família tem sua própria casa-de-farinha junto à roça e também pode usar a casa-de-farinha da comunidade. Destinam à comercialização o arroz, a banana e principalmente a malva. Na falta desses produtos, vendem a farinha de mandioca. Regatões do rio Guamá e comerciantes que chegam de caminhão até as fazendas próximas compram os seus produtos. Com os rendimentos obtidos, os Tembé compram alimentos e bens industrializados nas cidades e vilas próximas: Vila de Boca Nova, Capitão Poço e Ourém.
Organização social
A unidade básica da estrutura social Tembé é a família extensa, que se constitui na unidade de produção. Um líder familiar atrai jovens trabalhadores e fortalece o seu grupo por meio das próprias filhas e as filhas de seus irmãos, de modo que ele procura sempre "adotar" as mulheres cujos pais venham a falecer. O chefe coincide, portanto, com o líder de um grupo familiar cujo poder é avaliado pelo número de indivíduos a ele ligados pelas obrigações de parentesco e matrimoniais, pois o genro deve trabalhar nas roças dos sogros, junto aos quais mora, pelo menos até o nascimento do primeiro filho.
Dentro da família mais ampla, os pais ou a mãe viúva mantêm a posição de autoridade. Como as esferas pública e privada são pouco diferenciadas, a política torna-se doméstica e a mulher chega a ser líder do grupo em determinadas situações. Na década de 80, entre os Tembé do Gurupi, o líder de maior prestígio era a "capitoa" Verônica e duas outras aldeias eram constituídas de famílias extensas agrupadas em torno das "velhas" e viúvas de "capitão".
As aldeias, que variam consideravelmente de tamanho, localizam-se em barrancos elevados na beira do rio, próximo às roças. As casas são cobertas com ubim e as paredes são de troncos finos de palmeira, de cascas de árvores ou simplesmente não existem. No posto indígena, são de taipa. Cada casa abriga uma família elementar, sendo que as pertencentes à mesma família extensa ficam próximas umas das outras. Só a aldeia do posto possui uma grande casa cerimonial. Nas outras aldeias, o principal espaço de uso coletivo são as casas de farinha.
O casamento se faz preferencialmente entre primos cruzados do segundo grau que morem na mesma aldeia. Casamentos com regionais, que foram importantes no período em que a população Tembé estava em queda, têm sido preteridos em favor dos casamentos com os Ka'apor, grupo indígena vizinho.
Religião, Xamanismo e ritual
Os Tembé incorporaram os dias santos e o batizado cristãos, mas não o cristianismo como sistema religioso. Em sua mitologia, Maíra é o principal herói cultural e o ciclo mítico da criação é o mesmo de vários outros povos Tupi-Guarani. Os espíritos dos animais (em especial os pássaros), aos quais os índios chamam de piwara, são os responsáveis pelas complexas regras alimentares, observadas particularmente durante os períodos de puberdade, gestação e primeira infância.
O pajé, a figura intermediária entre os humanos e os sobrenaturais, chama e domestica os espíritos com seus charutos de meio metro (tawari), cantos e maracás. Remédios feitos de plantas, penas, ossos ou pêlos, são aplicados pelas mulheres nos transgressores de regras alimentares. Se o tratamento fracassa, um pajé, dentre os poucos existentes, é procurado. Os ritos de puberdade constituem uma boa ocasião para a revelação de novos pajés.
Dos antigos ritos Tenetehara que Charles Wagley e Eduardo Galvão descreveram na década de 1940, e hoje já em decadência entre os Guajajara, os Tembé guardam o Wiraohavo, o rito de puberdade de rapazes e moças, que fazia parte da festa do milho, e é também conhecido como festa do moqueado. Os Tembé fazem também o Wiraohavo-i (em que o i indica o diminutivo), que é o mesmo rito com menor duração e mais simplificado, destinado a evitar que a criança adoeça com a introdução de carne na sua dieta. Aves, de preferência o inhambu, são abatidas pelos pais e tios maternos para essa festa.
Fontes de informação
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