De Povos Indígenas no Brasil

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Foto: Acervo Museu Plínio Ayrosa, década de 1920

Parintintim

Autodenominação
Onde estão Quantos são
AM 480 (Siasi/Sesai, 2014)
Família linguística
Tupi-Guarani

Os Parintintin integram o conjunto de pequenos grupos que se autodesignam Kagwahiva, mas que hoje são conhecidos por nomes separados, muitos deles dados por grupos inimigos. Os Parintintin, nome possivelmente dado pelos Munduruku, são os que habitam mais ao norte. Entre as singularidades dos Kagwahiva em relação aos outros Tupi-Guarani, destaca-se a organização social em metades exogâmicas com nomes de pássaros.

Localização

Quando os Parintintin foram “pacificados” pela Funai, em 1922-23, seu território se estendia da região leste do rio Madeira até a boca do rio Machado, à leste do rio Maici. Hoje a maioria da população habita em duas Terras Indígenas no município de Humaitá, no estado do Amazonas. Segundo dados da Funai, a TI Ipixuna, em 1999, era habitada por 54 pessoas e a TI Nove de Janeiro, em 2000, tinha uma população de 80 pessoas.

Língua

Foto: Acervo Museu Plínio Ayrosa, década de 1920.
Foto: Acervo Museu Plínio Ayrosa, década de 1920.

Em seu sentido mais amplo, a designação Kagwahiva ou Kagwahiva’nga significa "nossa gente", em oposição a tapy'yn, "inimigo". Os grupos que se identificam como Kagwahiva são falantes de uma língua da família Tupi-Guarani. Dentre eles, é possível discernir dois dialetos mais importantes: aquele falado mais ao norte, entre os Parintintin, os Tenharim, os Juma e os Jiahui; e o falado pelos grupos mais ao sul, os Urueu-wau-wau, Amondawa e Karipuna, distintos por algumas poucas, mas significativas diferenças de vocabulário.

Todos presumivelmente são descendentes dos "Cabahyba" que habitavam as nascentes do rio Tapajós no final do século XVIII e início do XIX, e que constituem um dos grupos designados por Carl Friedrich von Martius como "Tupi Centrais". Estes incluíam, além dos Kagwahiva, os Kayabi (cuja língua possui pronomes diferenciados por gênero, como entre os Kagwahiva) e os Apiaká.

História

Crianças ouvindo gramofone. Foto: IR1/SPI - Acervo Museu do Índio, 1927
Crianças ouvindo gramofone. Foto: IR1/SPI - Acervo Museu do Índio, 1927

Há registros escassos sobre os Parintintin – relatos sobre seus ataques ao longo do rio Madeira – anteriores à sua “pacificação”, que se deu por uma expedição liderada por Curt Nimuendajú em 1922-3.

Semelhanças fonéticas com os Urubu Ka'apor do Maranhão sugerem uma origem costeira do grupo, confirmada por narrativas orais sobre uma jornada rio acima de uma “terra sem água” até sua localização presente, atravessando uma área extensa em que não se via margens por dois dias (possivelmente o baixo Amazonas).

A primeira referência histórica aos Kagwahiva data do final do século XVIII, quando, de acordo com pesquisa de Nimuendajú, eles estavam localizados na confluência dos rios Arinos e Juruena, formadores do Tapajós. Nimuendajú (1924) reconstruiu a história do seu grupo ancestral, chamado "Cabahyba" por Martius, o qual fez uma primeira menção a eles no Tapajós em 1797.

Os Kagwahiva foram expulsos do Tapajós por portugueses e Munduruku em meados do século XIX, dispersando-se na direção oeste rumo ao Madeira (Menenedez 1989), onde os Parintintin estão agora situados; mas também ao rio Machado, onde Lévi-Strauss, e antes dele Rondon e Nimuendajú, encontrou os "Tupí-Cawahíb"; e, ainda, ao longo do Machado até a região central de Rondônia, em cujas terras altas estão hoje os Urueu-wau-wau, Amondawa e Karipuna.

Foto: Acervo Museu Plínio Ayrosa, década de 1920.
Foto: Acervo Museu Plínio Ayrosa, década de 1920.

Ao longo da história, as fissões constituíram um processo continuado. Os muitos grupos Kagwahiva em guerra uns com os outros na região devem ter se dividido depois de chegarem na área, vindo sucessivamente do Tapajós.

No que concerne aos Parintintin, tratava-se de um pequeno grupo guerreiro que durante o final do século XIX e início do XX esteve em conflito com seringueiros ao longo dos 400 Km do rio Madeira, depois de ter sido levado do Tapajós, pelos Munduruku, até a região do Madeira.

No final do século XIX, é provável que Byahú fosse o chefe de todos os Parintintin. Após sua morte (em uma emboscada de um Pirahã), eles se dividiram em subgrupos: o filho de Byahú, Pyrehakatú, subiu ao vale do Ipixuna e se tornou chefe ali; enquanto Diai'í, depois da morte de Byahú, liderou o deslocamento de um grupo até a região do alto Maici, onde Nimuendajú estabeleceu seu posto de pacificação; um terceiro grupo rumou para o sul, perto da boca do rio Machado, liderado por Uarino "Quatro Orelhas".

Depois da pacificação, postos do SPI (Serviço de Proteção aos Índios, órgão precursor da Funai) foram instalados. Um deles em um canavial no Ipixuna, e outro perto do seringal Calamas. Em 1942, quando o SPI passava por uma crise econômica e institucional, sua atuação no local foi encerrada sob o pretexto de punir um chefe insurgente, o filho adotivo de Pyrehakatu, Paulinho Neves (Ijet), que então se tornou o chefe na área do Ipixuna.

Grupos Parintintin também viviam perto de Três Casas, no seringal de Manuel Lobo, o qual chamou o SPI para iniciar a pacificação em 1922. Posteriormente, nos anos 70, foi instalado ali um posto indígena, já sob a gestão da administração da Funai em Porto Velho.

Organização social

Como entre os demais Kagwahiva, a organização social parintintin é composta por metades nomeadas por espécies de pássaros com características contrastantes. Cada metade corresponde a um grupo patrilinear exogâmico (ou seja: os indivíduos pertencem à metade de seu pai e só podem casar com alguém da metade oposta).

As aldeias parintintin não são muito grandes. Sobretudo desde a redução populacional decorrente do contato, as aldeias contam tipicamente com três a cinco famílias nucleares. Antes da “pacificação”, as aldeias maiores, sob a liderança de Pyrehakatú, contavam com pouco mais de duas ou três vezes esse tamanho.

Geralmente, as aldeias localizam-se à beira de igarapés, que dão acesso ao transporte por canoas e à pesca. A configuração tradicional da aldeia consiste numa única casa comunal (ongá) na qual cada família nuclear ocupava um segmento entre os pilares centrais e as paredes laterais, onde penduravam suas redes. Apenas excepcionalmente grandes aldeias possuíam duas casas. Ao redor da casa, ou entre as duas casas, ficava a praça (okará), que era rigorosamente mantida limpa de mato, e uma boa aldeia também deveria possuir árvores frutíferas.

Após anos de contato com a sociedade não-indígena, a ongá foi substituída por casas que comportam apenas a família nuclear, de formato semelhante às casas dos seringueiros, feitas de madeira, com dois quartos separados e um cômodo aberto na frente. Uma aldeia atualmente comporta em média três ou quarto dessas casas.

Parentesco

Entre os Parintintin, as metades patrilineares exogâmicas têm nomes dos seguintes pássaros: os myt_m (mutum, ave doméstica comestível) e o kwandú (harpia, gavião). A metade Kwandú é ainda associada à arara de cabeça vermelha, taravé. Enquanto todos os Kagwahiva têm o mutum como uma metade, a outra é identificada por diferentes araras: taravé entre os Tenharim, kanindé (a arara azul e amarela) entre os Urueu-wau-wau), e ainda uma arara diferente entre os Karipuna.

Entre os Parintintin, o sistema se complexifica com um terceiro grupo, os Gwyrai’gwára, que são considerados Kwandú mas casam indiscriminadamente com outros Kwandú ou com Mutum. Eles são identificados com o japú, um pássaro amarelo que constrói seu ninho em galhos sobre rios e igarapés.

Como o padrão de casamento parintintin é uxorilocal (o homem vai viver com a família da esposa) e as metades patrilineares, estas não possuem correspondente geográfico.

Os Kagwahiva parecem ser os únicos dentre todos os grupos Tupi-Guarani que possuem metades exogâmicas. É pouco provável que as metades tenham sido incorporadas de seus inimigos tradicionais, os Munduruku, pois suas metades Vermelha e Branca têm estrutura diversa. A fonte mais provável parece ser os Rikbaktsa, que eram vizinhos do grupo ancestral Cawahib no rio Arinos e que têm um par de metades com nomes de pássaros: especialmente os amarelos e araras vermelhas.

A terminologia de parentesco parintintin corresponde a um sistema de duas seções ajustado a tais metades, com termos de sibling extensivos à mesma geração de membros de uma mesma metade, sendo o irmão da mãe e a irmã do pai identificados como afins classificatórios. Todos os primos cruzados (filho da irmã do pai ou do irmão da mãe de sexo oposto ao sujeito em questão) de mesma geração são membros de metades opostas e são designados amotehé, um termo que significa “amante” em outras línguas Tupi-Guarani, isso porque são potencialmente casáveis.

Um aspecto do parentesco parintintin que não foi verificado entre os demais Kagwahiva são as séries distintas de termos para parentes mortos. Para falar de um parente falecido, não se pode usar o termo que se usava para se referir a ele quando estava vivo. Há uma série de termos de parentesco exclusivos para parentes mortos, alguns deles acrescentando o sufixo -ve’e ao termo de parentesco regular, mas alguns são completamente diferentes: “pai”=rúva, “pai falecido” = poría.

Casamento

O casamento parintintin é tradicionalmente definido por uma série de arranjos desde o nascimento. Quando nasce uma criança, ela deve ser nomeada pelo irmão da mãe que tenha uma criança pequena de sexo oposto. No ritual de menarca (primeira menstruação) da sobrinha, esta pode casar-se com seu primo cruzado, filho de seu nomeador. Na cerimônia, a noiva é dada por dois irmãos reais ou classificatórios (os primos paralelos). Esses irmãos, em contrapartida, ganham o direito de um deles dar o nome para o filho que ela vir a ter e, assim, garantir o parentesco daquela criança com um filho seu.

Um homem conclui seu casamento por meio de um período de “serviço da noiva”, em que trabalha para o sogro (tutý). Com o final desse período, cerca de cinco anos no caso da primeira esposa, e menos para uma subseqüente, o casamento é considerado inteiramente realizado. O casal então se muda para seu próprio setor na maloca (ongá), ou, mais recentemente, está livre para construir sua própria residência. Nesse ponto, o genro está em princípio livre para deixar a aldeia (se ele convencer sua esposa); mas na prática o casal usualmente continua no grupo da esposa, e o marido se torna um dos genros que seguem o sogro.

A poligamia era praticada, preferencialmente entre irmãs, mas nunca foi muito popular por causa da complexidade das relações familiares envolvidas. Um homem com cinco esposas é ridicularizado por sua imprudência. Quando um homem casa-se pela segunda vez, a primeira esposa é considerada livre para deixá-lo se ela quiser; mas em alguns casos é a própria esposa que pede ao marido para que se case com sua irmã.

Muitos casamentos ainda seguem as regras de metades exogâmicas, mas é muito difícil para jovens encontrarem cônjuges apropriados da metade oposta, e o sistema de relações sociais vem sendo alterado. A monogamia é fortemente sugestionada pela missão salesiana, que vem uma vez por ano sacramentar os casamentos, assim como pela população local não-indígena, que freqüentemente configura entre os padrinhos de casais parintintin.

Durante o período do serviço da noiva, o casal e seus filhos são considerados parte da unidade doméstica do pai da esposa. Eles penduram suas redes na seção do sogro na maloca (ou, hoje em dia, no quarto de sua família) e cozinham no mesmo fogo. O genro entrega toda a sua caça para que o sogro a distribua, e conserta sua casa. Ele não tem uma roça própria, mas ajuda a limpar o terreno da roça do sogro.

Esse ciclo de desenvolvimento é seguido mais estritamente no caso do primeiro casamento de um homem. Quando alguém do casal já foi ou é casado, o novo par tem mais autonomia.

Socialização

As crianças pequenas são carregadas no colo da mãe para que tenham livre acesso a seu seio e são por ela cuidadas até cerca de três anos. Como duas crianças não devem ser cuidadas pela mãe simultaneamente, se uma nasce antes que a outra tenha desmamado e adquirido maior autonomia, ela não é cuidada pela mãe, mas pela irmã mais velha. Para evitar essa situação, um grande esforço é feito para se ter crianças com intervalos de no mínimo cinco anos, usando ervas contraceptivas.

As crianças que já aprenderam a andar passam aos cuidados de uma irmã maior. Nem sempre esta aceita a tarefa de bom grado, mas um laço especial geralmente acaba crescendo entre a criança e aquele que a cuidou. Às crianças é dada uma considerável liberdade de escolha, e punições físicas são fortemente evitadas; assim como o valor da generosidade é estimulado desde muito cedo.

Como dito, o primeiro nome é dado a uma criança (mbotagwaháv, “nome de brincadeira”) por um irmão da mãe em uma cerimônia de nomeação. Na iniciação masculina, o menino recebe sua tatuagem facial e seu primeiro ka’á, estojo peniano, de um irmão do pai, que o presenteia com um novo nome, associado à uma metade, que substitui seu nome de nascimento. Posteriormente, novos nomes são assumidos conforme mudanças de status social pelas quais passa o indivíduo, como casamento ou a entrada em uma nova fase da vida, ou ainda em certos eventos especiais: uma mulher no nascimento de seu primeiro filho(a) ou um homem que tirou a cabeça de um inimigo (prática que já não ocorre hoje em dia).

A iniciação feminina ocorre na menarca, quando a garota é isolada por dez dias numa rede atrás de um compartimento e fica restrita a rigorosos tabus de gestos e alimentação. No final ela é carregada para o rio por seu pai ou por um irmão e é ritualmente banhada, sendo então tatuada no rosto. Seu casamento com o primo cruzado (idealmente) ocorre em seguida.

Resultando da combinação de metades exogâmicas patrilineares com o serviço da noiva, uma maloca parintintin consiste em um pai e filhas de uma metade, e genros da metade oposta. O irmão da mãe (tutý), como futuro sogro, é tratado com o mesmo respeito que o pai. É com o irmão do pai (ruvý) e com a irmã da mãe (hy'ý) que as relações mais próximas e afetivas são estabelecidas.

Organização política

A liderança em sociedades kagwahiva recai primordialmente no líder do grupo doméstico ou aldeia, chamado mborerekwára'ga, "aquele que nos mantêm unidos", ou, mais freqüentemente, ñanderuviháv, que pode ser entendido ainda como "nosso co-residente" (-ruv-, "estar em”, “morar em"), ou ainda como "a pessoa de nosso pai" (do nome ruv-, "pai"). Entre os Parintintin, além desse líder/sogro, há o líder regional, geralmente de um trecho de rio (ñanderuvihavuhú/ mborerekwaruhú).

Um homem que casa suas filhas pode se tornar o núcleo de uma aldeia, com um grupo de genros seguidores. Freqüentemente a autoridade do líder é reforçada por um irmão dividindo a liderança, ga-irúno. A esposa do líder também é uma parceira crucial, com importantes obrigações de hospitalidade e como líder das mulheres na aldeia. Tradicionalmente, o líder se retira desse cargo quando sua primeira mulher morre. Ele pode ser sucedido por um filho ou um genro. Um filho que passa a suceder seu pai pode ser dispensado do serviço da noiva, ou tê-lo abreviado.

O modo de controle de conflitos e comportamentos inadequados nos grupos parintintin é evitá-los. Uma grande ênfase na socialização infantil é dada na acersão à competição e à violência nas brincadeiras. Um líder trabalha para amenizar conflitos no grupo mais por meio da persuasão e mediação do que por coerção. No caso de conflitos irreconciliáveis, uma das partes deixa o grupo. Assim, conflitos intragrupais desdobram-se na formação de novos grupos, resvalando numa situação de rivalidade e antagonismo entre grupos vizinhos.

A guerra era um importante aspecto cultural dos Parintintin antes do contato, assim como era nas sociedades Tupi da costa. Ataques eram liderados por ñimboipára'nga, "organizadores de ataque”, cuja posição apenas durava o tempo do embate.

O prestígio masculino nesse período pré-contato era dado sobretudo pela captura de uma cabeça de inimigo, que deveria ser exibida em uma akangwéra torýva ("dança da cabeça-prêmio"), exuberante festividade que celebrava o feito. O captor da cabeça adquiria então o honorável status de okokwaháv. Há evidências do consumo ritual de certas partes do inimigo morto como forma de adquirir suas qualidades, ou para que as mulheres tenham um filho homem.

Após arrancar a cabeça do inimigo, o matador era obrigado a passar um período de reclusão ritual, como a que passava a mulher em sua primeira menstruação. Após esse período ele ganhava um novo nome.

Cosmologia

A cosmologia parintintin tem como expressão central o mito de Pindova'úmi'ga (ou Mbirova'úmi'ga), o poderoso ancestral chefe/xamã que criou a Gente do Céu (Yvága'nga) que aparece para os xamãs em suas cerimônias. Na narrativa mítica, Pindova'úmi'ga vai sucessivamente ao céu, ao rio, no subsolo e ao interior de uma árvore, encontrando-os já ocupados por, respectivamente, muitos espíritos, peixes, fantasmas e abelhas. Ele ergue então sua casa do trecho de floresta mais fértil para o segundo nível do céu, que ainda estava vazio, onde ele e seu filho se tornam a Gente do Céu.

Modelo mítico para os xamãs, Pindova'úmi'ga deve ser distinto do criador-trickster Mbahíra (Maír em outras mitologias Tupi), que trouxe o fogo aos homens e deu origem a muitos itens e práticas culturais, assim como deu forma à paisagem. Um terceiro ancestral, a “Mulher Velha” (Ngwãiv_) foi cremada por seus filhos e transformada em cultivares como milho, mandioca e outros tubérculos.

Práticas religiosas

Tabus alimentares constituem uma parte sólida e central da vida dos Parintintin mais velhos. Diferentes tipos de comida são evitados (principalmente peixe, carne e mel) durante a gravidez e depois do nascimento da criança. Evitações em razão de doenças, especialmente em crianças, são estendidas aos parentes mais próximos.

Lidar com mandioca é perigoso quando se está doente. Em outro exemplo, o sexo é proibido quando o timbó (por sua associação ao sêmen) está sendo usado no envenenamento de peixes. E sexo entre primos paralelos (membros da mesma metade) causa a morte dos filhos dos transgressores.

Certas práticas fazem um caçador paném, incapaz de matar certas espécies de animais ou peixes. Caçadores que suspeitam estar paném hoje vão a um curandeiro para se livrarem desse estado.

A cura com plantas era feita por um xamã (ipají) em uma cerimônia chamada tocaia ("caçada cega"). O ipají deveria entrar em transe em um pequeno cômodo (tocaia) na praça, fazendo uma viagem espiritual em todos os patamares do cosmos para convencer os espíritos a virem soprar no paciente e recuperá-lo. Um outro xamã poderia sair da tocaia e conversar com os espíritos. As regiões visitadas pelo xamã em seu transe correspondem aos patamares do cosmos visitados por Pindova'úmi'ga. A viagem é concluída com uma visita de convencimento à Gente do Céu, e por fim ao próprio Pindova'úmi'ga. Cada espírito poderia se anunciar com uma canção específica (entoada através da voz do ipají na tocaia), e era respondida pelo ipají que estava fora, que deveria pedir sua ajuda.

O sonhar é estreitamente associado ao xamanismo. Um ipají ou um aprendiz podem encontrar espíritos em seus sonhos. Pessoas comuns podem ter sonhos premonitórios, principalmente relativos a sucesso em caçadas, ou à doença e morte. Mas um xamã pode controlar a chegada do futuro em seus sonhos. Os Ipají, inclusive, nasciam por meio de sonhos: um ipají poderia sonhar com um espírito particular, ou com uma Gente do Céu, que anunciava seu nascimento de uma mulher específica. O próximo filho dessa mulher então seria destinado ao aprendizado do xamanismo pelo xamã que sonhou, e o espírito que renasceu nele poderia ser seu rupigwára, o espírito agente de seu poder.

O rito religioso central dos Parintintin é a cerimônia de cura por um ipají, mas já não é mais praticada. A cadeia de transmissão do conhecimento xamanístico foi quebrada pela morte prematura de muitos xamãs por epidemias após o contato. Muitas das crianças sonhadas pelo último ipají ainda estão vivas, mas ele morreu antes que pudesse transmitir-lhes seu conhecimento.

Os Parintintin hoje viajam para Humaitá ou Porto Velho e usam o sistema público de saúde; mas de forma suplementar aos medicamentos dos brancos, eles sempre recorrem a curandeiros regionais, cujos métodos remetem a antigas tradições ibéricas de cura e a práticas indígenas.

Atividades econômicas

Tradicionalmente, a economia kagwahiva é baseada na caça, pesca, coleta e agricultura de coivara. A pesca era feita com arco e flecha em canoas ou, durante a estação chuvosa, em plataformas triangulares (mbytá) feitas de varas amarradas entre árvores no trecho de floresta alagado. Quando as chuvas cessam, áreas que restam alagadas na floresta são também envenenadas com timbó, e os peixes bóiam na superfície, quando são flechados.

A caça, hoje feita com armas de fogo, antes era realizada com flechas. Partes da caça ou da pescaria eram distribuídas pelos caçadores de acordo com os laços familiares. Partes maiores deveriam ser trazidas para o chefe ou o sogro, que usualmente eram a mesma pessoa, que deveria distribuí-la na comunidade.

Os campos para os roçados eram limpos anualmente em áreas selecionadas pelos líderes, que podiam designar locais específicos para cada núcleo familiar. Ao pedir ajuda da coletividade para limpar o terreno, um homem deveria promover uma festa em retribuição.

As mulheres costumavam plantar e coletar, embora isso fosse feito em grupos familiares. As plantas tradicionalmente cultivadas incluíam uma grande variedade de milho, a qual foi perdida. Hoje eles cultivam mandioca e muitas variedades de batatas e inhames. Árvores frutíferas são plantadas em áreas próximas à aldeia. As frutas são coletadas ou derrubadas de árvores altas com varas por mulheres e crianças.

Tracajás também são capturados na floresta, e os ovos deixados nas praias na estação seca são muito procurados. Há também dezenas de variedades de mel.

Divisão do trabalho

Tradicionalmente, os homens limpam o terreno para a roça na estação seca e as mulheres são responsáveis pelo plantio e colheita. Os homens, porém, sempre ajudam suas esposas na colheita, mesmo porque o trabalho na roça também é entendido como uma ocasião para atividades sexuais. Atualmente, porém, pela influência da população regional não-indígena, a colheita de mandioca e outros produtos é primordialmente uma atividade familiar. Homens e mulheres também hoje trabalham juntos na feitura da farinha de mandioca e do beiju.

Atividades comerciais

O principal transporte no cotidiano dos Parintintin hoje é a canoa. Algumas delas são ainda feitas de troncos de árvores, mas a maioria é comprada de não-indígenas. Os mais velhos fazem excelentes arcos e flechas. As redes eram confeccionadas de algodão plantado nas aldeias pelas mulheres; mas agora são feitas de um material menos resistente comprado no comércio. A fabricação de objetos de cerâmica não consta na memória dos Parintintin vivos. Utensílios de metal comprados são usados para cozinhar; eles foram introduzidos mesmo antes do contato oficial por meio de ataques às casas de seringueiros. Mulheres, e hoje também alguns homens, fazem excelentes cestos, inclusive para transporte em expedições de caça.

O dinheiro hoje é necessário sobretudo para a compra de armas de fogo. Os Parintintin são muito pressionados economicamente, principalmente pelas frentes do extrativismo, como os seringueiros. A exploração indevida dos recursos de seu território por migrantes não-indígenas ameaçam sua sobrevivência.

Sua população vem diminuindo, somando hoje menos de 200 indivíduos, muitos dos quais oscilam entre viver na Terra Indígena e trabalhar para madeireiros de cidades como Humaitá e Porto Velho. Alguns homens trabalham em obras de infra-estrutura, como estradas, e mulheres como empregadas domésticas. Alguns foram bem sucedidos como cozinheiros, barqueiros ou regatões no rio Madeira. Uns poucos ainda fizeram carreira como tradutores e funcionários da Funai.

Fontes de informação

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