De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Fabíola Silva, 1998

Asurini do Xingu

Autodenominação
Awaete
Onde estão Quantos são
PA 219 (Siasi/Sesai, 2020)
Família linguística
Tupi-Guarani
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Após o contato com a sociedade nacional, em 1971, os Asurini do Xingu - cuja denominação foi dada pelas frentes de atração - sofreram uma drástica baixa populacional. Contudo, o perigo eminente de sua extinção física sempre contrastou com uma extrema vitalidade cultural, manifesta na realização de extensos rituais, práticas de xamanismo e um elaborado sistema de arte gráfica.

Nome

Desde o século XIX, os índios que dominavam a região entre os rios Xingu e Bacajá - hoje conhecidos como Araweté, Arara, Parakanã ... - recebiam o nome Asurini (Asonéri, na língua Juruna), que significa "vermelho", segundo o etnógrafo Curt Nimuendajú (1963c: 225). A margem direita do Rio Xingu sempre foi chamada "Terra dos Assuriní" pelos habitantes de Altamira e demais moradores das margens do referido rio, em seu curso médio (Lukesch,1976:11 e Soares,1971b:3). O cronista estrangeiro Condreau (1977:37) também cita os asurini com um dos grupos que habitavam o Baixo Xingu.

De acordo com Nimuendajú (1963c:225), a denominação dada pelos Kayapó aos Asurini é Kub(ẽ)-Kamrég-ti, (sendo Kub(ẽ), "índio"; Kamrég-ti, "vermelho"; ti, aumentativo). De acordo com os Xikrin do Bacajá (subgrupo Kayapó), o nome que dão ao Asurini é Krã-akâro (cabeça com corte de cabelo arredondado, ou cabeça redonda). Nimuendaju menciona Asurini e Asurinikin como outras denominações do grupo, além de Surini, em Juruna; Adgí Kaporuri-ri (adji, "selvagem", Kaporurí, "vermelho", ri, "muito"), em Xipáia; e Nupánunupag (Nupánu, "índio"; pag "vermelho"), em Kuruaia.

Ao contatar os índios do Igarapé Ipiaçava, o missionário católico e etnólogo A. Lukesch denominou-os Asurini, por serem Tupi e "índios vermelhos", devido o uso abundante do urucum (1976:42). O sertanista da Funai A. Cotrim, que deu continuidade ao trabalho feito por Lukesch, também os chamou de Asurini (1971b). Esta denominação é aceita pela Funai, que a utiliza até os dias de hoje. Também são conhecidos com Asurini do Xingu, diferenciando-os dos Asurini do Tocantins (Akuáwa Asurini).

A autodenominação do grupo é Awaeté, que significa "gente de verdade" (Awa= gente, eté = sufixo que dá ênfase como "verdadeiro", "muito"). Diante dos "brancos", chamam-se At(*s)urini, da palavra asuruni, denominação dada pelas frentes de atração.

Língua

Menino asurini com sua mãe no Kuatinemu. Foto: Fabíola Silva, 2001.
Menino asurini com sua mãe no Kuatinemu. Foto: Fabíola Silva, 2001.

A língua Asurini pertence à família lingüística Tupi-Guarani, classificada, segundo Aryon Rodrigues (1984), no sub conjunto V, ao qual pertence também à língua Kayabi. Velda Nicholson, do SIL (Sociedade Internacional de Lingüística), estudou a língua Asurini do Tocantins e realizou um trabalho comparativo com a língua dos Asurini do Xingu (1982), no qual aponta semelhanças e diferenças na fonologia, regras morfológicas e gramaticais.

Em 1998, Ruth Monserrat, do Museu Nacional, com o auxílio das Irmãzinhas de Jesus e apoio do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), publicou uma gramática Asurini que, por sua vez, vem sendo utilizada pelas professoras na escola da aldeia Koatinemo. Dessa maneira, todos os Asurini falam sua própria língua, sendo que os indivíduos com menos de 40 anos são todos bilíngües.

Localização

A única aldeia atual se localiza à margem direita do Rio Xingu, onde fica a Terra Indígena Koatinemo, homologada em 1986. De 1972 a 1985, a aldeia ficava à margem do Igarapé Ipiaçava, afluente da margem direita do Xingu. As roças, locais de caça, pesca e coleta estão situados entre as margens dos rios Xingu, Piranhaquara e Igarapé Piaçava. Esporadicamente, chegam às suas cabeceiras do Xingu, onde encontram-se antigas aldeias (Mancin, 1979b:1-20).

População

Menina asurini e seu irmão no Kuatinemu. Foto: Fabíola Silva, 2001.
Menina asurini e seu irmão no Kuatinemu. Foto: Fabíola Silva, 2001.

De acordo com informações colhidas junto aos próprios Asurini e estimativas feitas pela antropóloga Berta Ribeiro (1982), o grupo indígena contava 150 indivíduos por volta de 1930. Desta época até o ano de contato (1971), muitos Asurini foram mortos em choque com os Kayapó ou os Araweté, quando mulheres e crianças e mulheres também foram seqüestradas.

Após contato com as frentes de atração, a população Asurini do Xingu decresceu quase 50% até 1982, principalmente em razão dos efeitos das novas doenças transmitidas pelos brancos em razão do despreparo dessas frentes. Em 1971, a população contava, aproximadamente, com 100 indivíduos e, em 1982, chegou a 52. Já em 1992, contava-se 66 Asurini e, em 1994, esse número subiu para 72. Em 2002, a população Asurini era composta de 33 mulheres, 18 homens e 55 jovens e crianças, num total de 106 indivíduos. Em grande medida, essa recuperação demográfica se deve ao aumento da população infantil e, conseqüentemente, à mudança no padrão de composição familiar, juntamente com os casamentos interétnicos.

Histórico do contato

Asurini por ocasião do primeiro contato. Foto: Monsenhor Anton Lukesch,1971.
Asurini por ocasião do primeiro contato. Foto: Monsenhor Anton Lukesch,1971.

As primeiras notícias sobre os Asurini datam de fins do século XIX. Em 1894, o ataque a um regional, no local chamado Praia Grande, acima da boca do Rio Bacajá, foi atribuído aos índios Asurini (Nimuendajú,1963c:225). Em 1896, os Asurini atacaram na Serra do Passahy e na Praia Grande, de acordo com o cronista estrangeiro Coudreau (1977:37). Nas margens do Rio Bacajá ainda se verificaram investidas dos Asurini no final do século XIX (Nimuendajú,1963c:225). Nesse período, esses índios também foram atacados diversas vezes por brancos (provavelmente extratores de caucho), que atearam fogo às suas aldeias (Mancin,1979b:2).

Das margens do Rio Bacajá, deslocaram-se em direção às cabeceiras dos rios Ipiaçava e Piranhaquara, onde estabeleceram várias aldeias. Em 1932 há notícia de um ataque de índios asurini na foz do Igarapé Bom Jardim. Em 1936, foram atacados pelos índios Gorotire, subgrupo Kayapó, durante sua expansão em direção ao norte (Nimuendajú,1963c:225). Pressionado pelos Kayapó, os Asurini passaram a habitar as margens do Rio Ipixuna durante um longo período.

Entre 1965 e 1970, os Asurini foram desalojados dessa área pelos índios por eles denominados Ararawa (Araweté). Há notícia de que os Xikrin do Bacajá atacaram os Asurini em 1966 (Cotrim, 1971b e Lukesch,1971:13) na região do Rio Branco, afluente do Bacajá. Na década de 1960, a caça ao gato selvagem e a extração da seringa levaram os regionais a adentrarem os afluentes da margem direita do Rio Xingu, provocando encontros hostis com a população indígena. Reocupando a região do Rio Ipiaçava e Piranhaquara, os Asurini continuaram mantendo relações de hostilidade com os brancos, todavia, em encontros rápidos e fugidios.

Os Asurini realizavam saques nos acampamentos dos brancos para obterem artigos de metal (facões, machados etc.). Na década de 1970, intensificou-se a presença dos brancos com a finalidade de contatar os grupos indígenas da região e decorrente do surgimento de novas atividades econômicas: mineração, agropecuária e projetos do governo (em especial a construção da Rodovia Transamazônica).

Asurini por ocasião do primeiro contato. Foto: Monsenhor Anton Lukesch,1971.
Asurini por ocasião do primeiro contato. Foto: Monsenhor Anton Lukesch,1971.

Entre as alterações, Cotrim enfatiza a perspectiva de extensão da província ferrífera da Serra dos Carajás até a margem direita do Rio Xingu, trazendo "ao cenário de disputas do território tribal novos protagonistas: a Meridional Consórcio United States Steel-CVRD" (Soares,1971b: 4). Segundo o sertanista, através de sobrevôos aéreos foram localizados diversos aldeamentos e estabelecido um programa de "pacificação" financiado pela referida empresa, ficando a responsabilidade da missão sob encargo dos missionários católicos Anton e Karl Lukesch.

Para o Monsenhor Anton Lukesch, "contatar uma das poucas sociedades realmente isoladas e não aculturadas que ainda sobrevivem no mundo moderno e estudar, entender e tornar conhecido seu estilo de vida aborígine" representam o sonho mais profundo de todo etnólogo. Além disso, Lukesch justifica sua expedição como uma "participação" que se tornara urgente para "evitar confrontações interétnicas dramáticas e trágicas" com o advento da Transamazônica (1976:9). Entretanto, Antonio Cotrim Soares alega:

Em parte, o respeito aos domínios territoriais dos Asurini prende-se mais à ausência de disputas de interesses econômicos do que propriamente ao receio de embates violentos, quando são bastante conhecidas as estórias xinguanas das promoções de excursões armadas, financiadas pelos potentados regionais contra grupos indígenas, que impediam a expansão das atividades extrativistas dos seringais. Como se vê, foi a inexistência de seringais nativos que preservou a autonomia territorial dos Asurini" (1971b:13)

Na década de 1970, acossados por grupos inimigos por um lado, e "pacificados" pelos interesses de uma empresa multinacional por outro, os Asurini não tiveram outra opção a não ser aceitar o contato. Conta o padre Lukesch (1976:18) que um índio fazia gestos pedindo que fosse embora, no momento do primeiro encontro, mas outro Asurini assumiu a dianteira e tentou estabelecer relações diretas e amistosas com os brancos.

Asurini por ocasião do primeiro contato. Foto: Monsenhor Anton Lukesch,1971.
Asurini por ocasião do primeiro contato. Foto: Monsenhor Anton Lukesch,1971.

Nessa época, ocorriam brigas intertribais e, de acordo com Takamui, um asurini de mais de 50 anos, seu povo teve que fugir dos Araweté, se deslocando em direção ao Piranhaquara e Ipiaçava com o objetivo de buscar aliança com os brancos ali existentes. Não só os irmãos Lukesch estavam em seu encalço, como também a Funai mantinha frentes de atração nessa área. Soares relata as atividades da frente que chefiava no decorrer da segunda penetração na área do Igarapé Ipixuna (janeiro/fevereiro de 1971), como a visita a uma das aldeias habitadas e a documentação coletada através de fotografias e gravações. Um detalhe em seu relatório, "A existência de uma maloca comunal abandonada" (1971a:3) - evidencia o que estava ocorrendo entre esses grupos. A existência de objetos de madeira e de cerâmica decorada com desenhos geométricos e da casa comunal atesta que se tratava de uma aldeia asurini, ocupada pelos Araweté e cujos habitantes teriam fugido após o ataque deste grupo.

Em abril de 1971, a expedição dos Lukesch, melhor patrocinada que as pobres frentes de atração da Funai, contatou os índios do Ipiaçava, fazendo com que Cotrim Soares alterasse o roteiro da sua expedição e assumisse os trabalhos dos padres, uma vez que as atividades destes foram proibidas pelo órgão indigenista (Soares,1971b:5).

Cotrim interpretou a aproximação pacifica dos Asurini com os brancos como uma solução para sua situação desesperada:

entre estes (os brancos) teriam um refúgio seguro contra as hostilidades dos seus antagonistas - ou mesmo aliados para uma futura vindeta". Os Asurini não tiveram melhor sorte com a frente da Funai do que com os missionários austríacos, os irmãos Lukesch. Segundo Cotrim, as atividades dos padres foram proibidas pela Funai "devido aos sérios prejuízos que involuntariamente causaram à comunidade" (1971b:5)

Devido à não adoção de medidas preventivas pela expedição de Lukesch, houve "contaminação do grupo" com uma violenta epidemia de gripe e malária, resultando em 13 mortes e longo período de convalescença, que atingiu todo o grupo.

Cotrim, entretanto, não deixa de reconhecer que também houve um relaxamento da parte da Funai. Por exemplo, deixou-se de vacinar os componentes das frentes de penetração. Nas palavras do sertanista, "Um outro acontecimento que não passa desapercebido foi o retardamento da nossa ação em debelar o surto epidêmico, pois não dispúnhamos de recursos imediatos, visto os entraves burocráticos na liberação destes" (1971b:6).

As dificuldades para prosseguir o trabalho junto aos Asurini e o desencanto de Antonio Cotrim Soares com a "causa indígena" ficaram conhecidos na época com seu desabafo à imprensa, quando recusou-se a continuar sendo "coveiro de índios" e denunciou as condições de trabalho na Funai:

com o evento do contato, as primeiras conseqüências já são manifestas: ...Moléstias contagiosas, depopulação, crise alimentar e prenúncio de sua dependência à sociedade nacional. Uma gama de fatores que contribuíram para essas conseqüências, tendo como principal pivô a falta de racionalização no método desenvolvido nesta fase de contato - denominada pelos promotores de catequização. Os efeitos negativos advieram pela ausência de medidas profiláticas, distribuição inconseqüente de brindes, falta de seleção e controle do grupo de trabalho nas suas relações com os índios - parece-nos que este método de atuação nos contatos com grupos arredios tornou-se uma peculiaridade, sem o exclusivismo dos promotores. No primeiro plano, os resultados mais funestos foram de natureza biótica, além de elevada taxa de mortalidade, debilitou-os organicamente por um longo período. Os mais atingidos pelo 'fatalismo' foram os velhos. As vicissitudes dos efeitos depopulativos começaram a atingir sua organização social; as lideranças de grupos domésticos ficaram acéfalas, desorganizando inicialmente sua força produtiva. Toda a vida social foi afetada, principalmente suas atividades econômicas que ficaram estagnadas por falta de força de trabalho. Perdurou por mais de dois meses o estado geral de debilitação. Decorrente deste estado, perderam a estação de preparo do solo, sendo apenas aproveitado um baixo percentual do trabalho iniciado".

Em outro momento:

O seu cotidiano é de penúrias, já que surgem as primeiras manifestações de desencantamento, apesar de proverem-se de alimentos fornecidos pelos brancos. Atualmente, a base da sua dieta alimentar é farinha fornecida pela Funai, complementada com reduzida cota de batata-doce, mandioca e outros alimentos colhidos em suas roças".

E ainda:

A quota de alimentos fornecida pela Funai é insignificante em relação ao mínimo calórico recomendado pela tabela dietética, a quota média do fornecimento diário de farinha é de 12Kg para 40 índios - representando cerca de 300g homem/dia. Adicionando-se a esses fatores, temos os traumas psicológicos: os contrastes tecnológicos, hábitos sofisticados, intervenção em seu comportamento médico - religioso (adoção de técnicas medicinais com produtos químicos farmacêuticos) entre os efeitos imediatos, talvez, já postos em confrontações, nesta fase do contato" (1971b: 23-24)

Demitido da Funai, Cotrim abandonou sua carreira de sertanista e os Asurini continuariam a sofrer os prejuízos do contato. Contam os índios que, depois de Cotrim, permaneceu outro membro da Frente esquecido entre eles e que chegou a ficar "sem açúcar". Os próprios índios resolveram ir sozinhos a Altamira buscar recursos, enganando o responsável pelo Posto, quando lhe disseram que saíam para uma excursão de caça. O episódio é contado hoje com humor, mas revela o abandono a que foram relegados, uma vez "pacificados".

Na década de 1980, por recomendação da antropóloga Berta Ribeiro - que estivera entre os Asurini em 1981 -, o Secretariado Nacional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) conseguiu autorização do então presidente da Funai, Cel. Paulo Leal, para que duas missionárias do grupo Irmãzinhas de Jesus viessem se estabelecer entre os Asurini do Xingu. Elas desembarcaram na aldeia em meados de 1982, trazendo na bagagem uma longa e bem-sucedida experiência de apoio à recuperação dos Tapirapé, também um povo Tupi, que vive nas proximidades do Rio Araguaia (MT) e que passou por um processo semelhante de depopulação após o contato. As missionárias não quiseram assumir formalmente nenhuma atividade de assistência, em substituição às obrigações da Funai. Na época, não se formalizou entre elas e a Funai nenhum tipo de convênio, ficando explícito que se tratava de "uma ação paralela, de orientação e conhecimento dos problemas do grupo em seu processo de recuperação".

Modo de vida

Mulher asurini ralando mandioca para o mingau. Foto: Fabíola Silva, 2001.
Mulher asurini ralando mandioca para o mingau. Foto: Fabíola Silva, 2001.

Na aldeia asurini existem diferentes tipos de habitação, sendo que as mais comuns, onde residem os diferentes grupos domésticos, são do tipo regional, ou seja, com paredes de barro, estrutura de madeira e cobertura de palha. A maior casa da aldeia (aketé, tavywa), medindo aproximadamente 30m de comprimento, 12m de largura e 7m de altura, corresponde à descrição da moradia característica dos Tupi: a planta é retangular. A colocação dos moirões, vigas e traves obedecem a regras adequadas para a construção da estrutura básica que caracteriza sua forma abobadada. Nesse sentido, ela difere das demais por ter uma construção melhor elaborada. Na cobertura é utilizado apenas o broto da folha de palmeira e na estrutura são usadas determinadas espécies de árvores para cada posição. Na construção participa todo o grupo, sob a liderança dos que passarão a residir na casa. No chão são enterrados os mortos e aí se realizam as principais cerimônias asurini.

Tradicionalmente, a aketé ou tavywa era a habitação coletiva de um grupo local. Entretanto, reunidos junto ao Posto da Funai, os Asurini se reorganizaram num grupo formado por indivíduos de diferentes grupos locais e com população demograficamente desequilibrada, devido ao decréscimo populacional. Como observa Soares (1971b:23), desde a época do contato a morte dos mais velhos abalou a estrutura política do grupo, já que entre eles se encontravam os seus líderes. A maioria dos homens é xamã (pa(z*)é) e a intensificação dos rituais xamanísticos deve estar relacionada a esse esforço de reorganização tribal.

Mulher asurini no Rio Piaçaba. Foto: René Fuerst, 1972.
Mulher asurini no Rio Piaçaba. Foto: René Fuerst, 1972.

A composição dos grupos domésticos revela uma tendência da estrutura social típica dos grupos Tupi, mas observa-se também uma instabilidade decorrente do desequilíbrio demográfico. Há certa semelhança entre a organização social asurini e tenetehara, para os quais, segundo Galvão e Wagley (1961:39), "em essência, a família extensa é um grupo de mulheres relacionadas por parentesco, sob liderança de um homem". A regra de residência é uxorilocal e os homens que pertencem a um grupo doméstico, pelo casamento com mulheres aparentadas entre si, mantêm relações de cooperação nas atividades de subsistência.Nas famílias nucleares, há vários casos de poliandria. Nesses casos, a mulher mais velha já passou da fase de procriação e a mais nova dedica-se intensamente às atividades rituais (são as cantadoras que acompanham os pajés), ao aprendizado da arte gráfica (pintura corporal e decoração de cerâmica) e auxilia a "mãe" nas atividades básicas de sobrevivência (roça, cozinha, tecelagem, cerâmica e coleta).

A mulher asurini casa-se na adolescência, mas terá seu primeiro filho na juventude (25 anos aproximadamente). Até esse período, estará aprendendo e aperfeiçoando-se nas tarefas subsistência, de modo que participará dos rituais como cantadora. A confecção da cerâmica, muito valorizada entre os Asurini (estética e utilitariamente) também pode ser definida como atividade excludente às funções procriativas da mulher. Há mulheres asurini que nunca tiveram filhos (hoje com mais de 45 anos de idade), entre as quais há exímias artistas.

Outra condição para a procriação é a existência de dois maridos, um jovem e outro mais velho. Durante a gestação até o quarto mês, vários homens participam da formação do feto e mantêm relações sexuais freqüentes com a mulher para que a criança "nasça forte". No resguardo, participam apenas os dois pais casados com a mãe. O pai mais velho será o principal responsável pela educação do filho, se for do sexo masculino. Para o mais novo, o nascimento do primeiro filho é marca de passagem de uma categoria de idade à outra (essa passagem não é formalmente ritualizada entre os Asurini). Uma das justificativas das mulheres para os casamentos sem filhos é a ausência do pai mais novo (iau n´ative).

Atividades econômicas

Mulher asurini torrando farinha. Foto: Fabíola Silva, 1998.
Mulher asurini torrando farinha. Foto: Fabíola Silva, 1998.

Além da caça, pesca e coleta, a agricultura é a principal atividade de subsistência dos Asurini, sendo que a mandioca representa o elemento básico da dieta alimentar. Em suas roças cultivam várias espécies de mandioca, consumida de diferentes formas, sendo a farinha o principal produto. Esta é fabricada de três maneiras tradicionais:

  1. ui´eté: ralando-se a mandioca na raiz de paxiuba (pat(s*)i iwa), a massa é espremida com as mãos e colocada num cocho para secar; depois de seca é pilada e são feitos bolos, que são colocados posteriormente para defumar, após estes serem pilados novamente e peneirados, a farinha é torrada na forma de barro (d(*z)apé);
  2. maniakapyaka: feita da massa que se deposita no fundo das grandes panelas, onde é colocado o caldo espremido; depois de seca ao sol e pilada, é torrada;
  3. maniakui: feita com mandioca colocada na água por alguns dias, seca ao sol, pilada e finalmente torrada. Come-se também o beiju e vários tipos de mingau preparados com o caldo da mandioca doce (maniakawa) ou engrossados com mandioca brava (maniaka), colocada de molho e pilada, depois de seca ao sol (maniapywa).

Cultivam ainda o milho (para o qual há restrições a serem obedecidas no plantio), cará, batata-doce, tabaco, algodão, urucum, amendoim, fava, melancia, banana. De acordo com a divisão sexual do trabalho, cabe aos homens o preparo do solo (broca, derrubada, queimada e coivara) e às mulheres o cultivo e a colheita.

Os homens de um grupo doméstico mantêm entre si relações de cooperação, abrindo roças próximas umas das outras. Na derrubada, são convidados todos os homens da aldeia, a quem é servido um mingau. A produção pertence às mulheres que, transformando-a em alimento, a distribuem aos demais grupos domésticos de acordo com as regras de parentesco.

A coleta é uma atividade de homens e mulheres. Os principais produtos da coleta são castanhas-do-pará (nh(y)), o coco inajá (inóa(*z)á), o coco babaçu (ú(*z)anúy) e o jabuti, um dos pratos prediletos dos Asurini. A caça é uma atividade masculina e os animais consumidos são os seguintes, por ordem de preferência: porco-do-mato (ta(*z)aho), cotia (akut(*s)i), mutum (mytum), jacu (d(*z) aku), inhambu (inabo) e caetetu (t(*s)iwá).

A pesca coletiva é realizada no verão, nos igarapés, lagoas e locais do Ipiaçava que possibilitam a utilização de técnicas tradicionais, as quais compreendem o emprego do timbó em água represada de modo natural ou com a construção de tapagens. Os peixes são flechados ou recolhidos em cestos. Completando este equipamento, utilizam uma série de armadilhas e, no inverno, geralmente pescam com anzol e linha de nylon.

Cultura material

Mulher e criança asurini fazendo um vasilhame cerâmico. Foto: Fabíola Silva, 1998.
Mulher e criança asurini fazendo um vasilhame cerâmico. Foto: Fabíola Silva, 1998.

A cultura material asurini compreende os seguintes itens: cerâmica, tecelagem, cestaria, armas, enfeites corporais, bancos de madeira e instrumentos musicais (flautas). A cerâmica e a tecelagem (redes, tipóias, tiras de cabeça e outros enfeites feitos de algodão) estão a cargo da mulher. Os potes de cerâmica servem como recipiente para transportar e depositar água, servir alimentos e prepará-los ao fogo. Nesse último caso, são vasilhames de barro que se tornam pretos com o uso. Para os demais usos, a cerâmica é decorada com desenhos geométricos.

A cerâmica é elaborada a partir de uma argila extraída de depósitos que distam da aldeia em torno de um a dois quilômetros, localizados próximos às margens do rio Xingu. Os vasilhames são confeccionados a partir da técnica do acordelado, ou seja, da sobreposição de roletes. A forma da vasilha vai sendo dada a partir da união dos roletes e com o auxílio de uma espátula de cabaça (kutiapé). É com ela, também, que vai sendo dado o alisamento inicial da peça que, por sua vez, será complementado durante a secagem da mesma, com o auxílio de um coco de inajá (Maximiliam Régia) ou de um seixo rolado. A borda dos vasilhames costuma ser definida com os dedos ou com a utilização de uma espécie de líquen que a torna fina e uniforme. Depois de seca, a vasilha passa por uma queima inicial, sendo colocada junto ao fogo até apresentar sua superfície bem escurecida. Depois, é queimada em atmosfera oxidante com cascas de diferentes tipos de árvores.

Mulheres asurini no Posto Indígena Koatinemo. Foto: Vincent Carelli, 1974.
Mulheres asurini no Posto Indígena Koatinemo. Foto: Vincent Carelli, 1974.

O acabamento final das peças não decoradas compreende uma camada de uma substância contida na entrecasca do caule de uma arvore (t(*s)it(*s)i´wa), dando-lhes uma cor marrom-avermelhada. Na pintura das peças decoradas é utilizada matéria-prima mineral, isto é, pequenas pedras de três cores: amarelo (itawá), vermelho (itawapiringi) e preto (itawaondi). Esfrega-se essas pedrinhas em uma outra maior com um pouco de água, obtendo-se então a tinta. O amarelo é usado como fundo, pintando-se com essa cor toda a superfície externa da peça. O preto e o vermelho são usados na elaboração de desenhos geométricos. Estes são feitos com a utilização de pincéis que podem ser feitos de pequenos pedaços de madeira encapados de algodão, talo de folha de palmeira, haste de plantas ou fibra de pena de mutum. Depois de completa a pintura, deixa-se secar. Em seguida, passa-se uma camada de resina da árvore de jatobá (hymenaea), chamada dzotaika, sobre a superfície externa da peça, dando-lhe brilho e fixando a tinta.

Além de cerâmica, são decorados com desenhos geométricos as cuias (gravura), arco e enfeites (traçado). De um vasto repertório de motivos e padrões de desenhos usados na decoração destes itens da cultura material, são tirados também aqueles que ornamentam o corpo tatuado e pintado de jenipapo. Esses desenhos são estilizações de elementos da natureza, bem como representações de seres sobrenaturais ou elementos simbólicos, como Anhynga kwasiat (ser mítico que deu o desenho aos homens) e Taingawa (boneco usado nos rituais xamanísticos e que significa também "imagem, modelo, réplica do ser humano).

O sistema de arte gráfica

Mulher Asurini decorando um vasilhame cerâmico. Foto: Fabíola Silva, 1998.
Mulher Asurini decorando um vasilhame cerâmico. Foto: Fabíola Silva, 1998.

Os desenhos geométricos utilizados na decoração do corpo, da cerâmica, das cabaças e outros itens da cultura material asurini compreendem um sistema de arte gráfica, com uma gramática própria e cujo conteúdo se relaciona a diferentes sistemas de significação. Esses desenhos são estilizações de elementos de natureza, bem como representações de seres sobrenaturais ou elementos simbólicos, como Anhynga kwasiat (ser mítico que deu o desenho aos homens) e i (boneco usado nos rituais xamanísticos e que significa também "imagem", "modelo", "réplica do ser humano"), respectivamente.

O primeiro motivo aparece também no traçado feito pelos homens, usado na decoração de arcos cerimoniais e enfeites corporais. Da natureza, vários são os elementos estilizados: cipó entremeado na mata (kapuenwi), feijão grande (kumandaoho), pata de jabuti (dzawotsipa(*p)era), rabo de macaco (kaiwarinhyna), favo de mel (ehiraimbawa) e cangote de onça pintada (d(*z)awara(*z)orywa), por exemplo. 

Há motivos de desenho que levam o nome de acordo com sua aplicação em determinadas superfícies: tamaki(*z)oak (pintura de perna), kuaipei (desenhos na cabeça), d(*z)a´ek(~y) (cabeça da d(*z)a´é, nome de uma das peças de cerâmica cuja borda se usa este motivo decorativo). O enfeite labial chamado Tembekwara também é estilizado, representando-se no desenho de uma de suas partes, a qual dá o nome ao motivo: tembekwá reropitá.

Na decoração do corpo, o significado dessa manifestação artística está relacionado à categorização social dos indivíduos. Os motivos de pintura são comuns a ambos os sexos. A divisão do corpo, entretanto, como critério de distribuição dos desenhos, difere segundo o sexo. Entre as mulheres, o ventre é marcado por um desenho que divide a parte da frente do corpo em duas, verticalmente.

Entre os homens, esta divisão se dá no sentido horizontal, isto é, obedecendo à mesma divisão da tatuagem: o desenho nos ombros (d(*z)etii´iwapawa) e linhas horizontais, de ombro a ombro, delimitam a parte de cima que não é pintada. A tatuagem marca, no homem, sua participação nas atividades guerreiras e, na mulher, as fases de ciclo de desenvolvimento biológico e social.

Assista à animação desenvolvida por Ricardo Artur Pereira de Carvalho como projeto de conclusão do curso de Desenho Industrial/ Comunicação Visual, pela PUC-Rio.

Xamanismo

Xamãs extraindo doença de um bebê. Foto: Jacques Jangoux, 1978.
Xamãs extraindo doença de um bebê. Foto: Jacques Jangoux, 1978.

Entre os Asurini, os rituais xamanísticos, conhecidos como "pajelança", realizam-se com muita freqüência, mobilizando todo grupo. A maioria dos homens participa como pajé nestes rituais, auxiliados pelos assistentes e pelas cantadoras, encarregadas também de preparar o mingau ritual. A "pajelança" compreende dois tipos de rituais: o maraká (canto e dança) e o petymwo (massagem e defumações), executados para invocar os espíritos com os quais os xamãs entram em contato, assim como para tirar a causa da doença do corpo do paciente e lhe transmitir o "remédio" (muynga) que recebem, então, através do estado de transe (rituais terapêuticos). Nesses rituais, o "xamã" passa também para o paciente e as crianças da aldeia o ynga, algo como "força vital", traduzido em asurini como "coração", isto é, o que bate, que tem vida. O maraká é realizado também como o ritual propiciatório para espíritos identificados como animais da floresta, como porco-do-mato (ta(*z)aho) e veado (arapoá).

Os xamãs entram em contato com espíritos que se enquadram em categorias de seres que podem ser chamados de "espíritos guardiões", subdivididos em espécies que compreendem indivíduos identificados por nomes próprios. Esses seres, que reproduzem o mundo dos humanos, habitam certas regiões do cosmo. Eles são intermediários entre os xamãs e outra categoria de seres não identificados individualmente e que não entram em contato direto com os xamãs, podendo ser chamados de "categoria única".

Os espíritos guardiões fazem mediação entre os xamãs e as categorias únicas, e os xamãs entre os espíritos e os homens. De acordo com a hierarquia existente entre seres que povoam o cosmo asurini, os humanos estão subordinados às criaturas classificadas como categorias únicas e que ficam num plano superior, assim como as anhynga, que ficam num plano inferior e que convivem com os Asurini, podendo prejudicá-los, pois representam forças negativas, como a alma dos mortos.

Como os xamãs, os espíritos guardiões são intermediários entre homens e as categorias únicas e auxiliam seus colegas humanos a combaterem os males dos anhynga. Para tornar-se familiar aos espíritos e participar de seu mundo, o xamã asurini passa por uma iniciação, isto é, um treinamento para obter e controlar, através do exercício da dança e da aspiração da fumaça do tabaco, o estado de transe, interpretado como "morte" do pajé, pelos ataques do espírito. Para suportar estes ataques, o pajé manipula substâncias (ka´a) que entram em seu corpo. O treinamento do xamã consiste em "tomá-las" do espírito em questão. Deve aprender também a manejar certos instrumentos, como apitos, que fazem o som dos espíritos e têm procedência sobrenatural.

A outra interpretação da doença, esta mais comum, é o resultado da ação dos espíritos frente à transgressão de prescrições relacionadas ao sobrenatural, por exemplo, falar o nome dos espíritos Karowara próximo aos rios e igarapés, ou ter contato com anhynga. A doença também pode ser entendida como manifestação da predisposição de um indivíduo a se tornar xamã. Do ponto de vista da medicina ocidental, os casos tratados pelos xamã são de gripe, malária, tuberculose etc.

Além dos rituais realizados para a saúde dos habitantes da aldeia, os xamãs executam rituais propiciatórios para garantir a subsistência, como o Tazaho (porco-do-mato) para atrair e localizar, na mata, os bandos desse animal. Outro ritual propiciatório, realizado em conjunto com o do porco-do-mato, é o do Arapoá (veado) que lembra o mito no qual se conta a doação por esse animal dos produtos da roça à mulher, numa época em que o Asurini não os conheciam.

Aos rituais terapêuticos e propiciatórios somam-se ainda os dedicados aos recém-nascidos e os rituais xamanísticos do Toré (complexo cerimonial das flautas), nos quais se invoca espíritos como Tau e Kawara. O xamã asurini é a figura central no desempenho da vida social do grupo. Seu livre trânsito pelos diversos domínios do cosmo lhe permite o controle de forças que asseguram a resistência da sociedade. Com o contato e suas conseqüências depopulativas, ter-se-ia desenvolvido de maneira exacerbada a tendência de enfatizar-se o xamanismo, latente entre os Asurini e recorrente entre os demais grupos Tupi-Guarani.

A iniciação de Boaiwa

O seguinte caso foi testemunhado por Regina Müller: De volta da abundante coleta de jabutis, Boaiwa disse na aldeia que tinha visto cinco Tiwá (espírito da onça). Momuma comentou o sinal: quando se vê Tiwá, está próxima uma guerra com inimigos. E prosseguiu: índio bravo vem brigar. Tiwá é onça, nambu, jacu, mutum. É todo branco, tem barba branca. Os pajés, que são Tiwá, comem carne de veado como fazem as onças. Essas conversas precedem os preparativos da grande refeição ritual de jabutis e o ritual xamanístico de invocação do espírito da Onça, que duraram de 21 a 25 de fevereiro de 1981. Boaiwa era o personagem principal. Como guerreiro (mboakara), ofereceu a comida a todo o grupo para que a morte do inimigo não "fizesse mal".

No começo de março, o estado de saúde de Boaiwa piorou. Ele estava com muita tosse e, com o surto de gripe que se abateu sobre toda aldeia, começou a pôr sangue pela boca. A comunidade se mobilizou em torno de um ritual xamanístico (do espírito Karowara). Boaiwa, entretanto, não ficou na posição de paciente para receber o tratamento espiritual do xamã. Ao contrário, sentou-se na roda dos xamãs e participou com eles da refeição ritual e das baforadas do charuto.

Os Asurini disseram que Boaiwa não estava doente, mas tornando-se um xamã (pazé opotara). Portanto, ele não poderia tomar mais injeções, já que o medicamento atrapalhava o contato com os Tiwá. Era necessário aprender a dominar o contato, o que só aconteceria quando ele "pegasse" o ka´a (substância do espírito que entra no corpo do pajé). No momento dos contatos iniciais dos Tiwá com os pajés, Boaiwa se debatia, se jogava no chão, andava e esturrava como uma onça. As mulheres ficavam encostadas nos esteios das casas, aparando Boaiwa para que este não se ferisse. Os pajés experientes controlavam o espírito. Seus corpos ficavam inertes com a perda da consciência.

Boaiwa estava apenas iniciando seu aprendizado. Devia fumar muito charuto, dançar, jejuar e "pegar" Tiwá. Vários rituais de pajelança se sucederam, então, para que o novo xamã pudesse se exercitar. Nesse quadro, a pedido dos xamãs, os medicamentos que vinham sendo administrados pela atendente de enfermagem do posto da Funai foram suspensos. Os Asurini me pediram que explicasse à atendente porque Boaiwa não poderia mais tomar injeções, causando desentendimento entre mim e os funcionários locais do órgão.

Os maraká do Tiwá prosseguiram intensos, medicação suspensa, Boaiwa vomitando sangue. Só terminariam quando ele conseguisse controlar a agressividade do espírito, que atirava flechas contra seu corpo. Apesar dos cuidados dos familiares, Boaiwa, passado alguns dias, mostrava sinais de exaustão e ferimentos no corpo, de tanto se debater no chão e contra os esteios das casas. O sangue que saía de sua boca com a tosse era atribuído pelos asurini aos hábitos carnívoros do Tiwá.

No dia 6 de março, entrei na casa onde se realizavam os rituais e encontrei Boaiwa sozinho, na rede, tentando aparar o sangue que saía da boca. De olhos arregalados, pediu para ser levado a Altamira porque iria morrer. Nessas circunstâncias, os pajés, reunidos em torno da rede de Boaiwa, acabaram concordando com a aplicação de anti-hemorrágico. Apenas uma injeção. Dois dias depois chegava à aldeia o Dr. Frederico Ribeiro, médico enviado pela sede da Funai, em Brasília, para ficar dois meses na aldeia asurini, dos "índios ameaçados de extinção".

Boaiwa estava melhor e o sangue pela boca havia cessado. Os "exercícios" para transforma-lo em pajé continuaram intensamente, por mais de um mês, ainda contrariando as recomendações da atendente de enfermagem e o médico. Boaiwa foi durante muito tempo o pajé mais jovem dos Asurini do Xingu. Atualmente, porém, são os seus netos Imudi´i (11 anos) e Parajuá (15 anos) os mais recentemente iniciados.

Notas sobre as fontes

Mulher asurini tecendo uma tipóia. Foto: Fabíola Silva, 2001.
Mulher asurini tecendo uma tipóia. Foto: Fabíola Silva, 2001.

Para quem se interessar em saber mais sobre o processo que envolve o sistema de arte gráfica e adornos corporais dessa população, bem como informações gerais, deve consultar o artigo de 1982 de Berta Ribeiro, “A Oleira e a Tecelã”, publicado no n. 26 da Revista de Antropologia. Há também o texto “Pintura e Adornos Corporais”, de Lux Vidal e Regina Müller, publicado no terceiro volume da coletânea Suma Etnológica Brasileira, de 1987. Da mesma Regina Müller, há ainda o livro Os Asurini do Xingu (História e Arte), de 1990, e o artigo “Tayngava, a noção de representação na arte gráfica”, que faz parte do clássico livro Grafismo Indígena, organizado por Lux Vidal, de 1992. Por fim, em 2000 foi concluída a Tese de doutorado na área de Antropologia Social pela USP de Fabíola Silva: As Tecnologias e seus significados.

Fontes de informação

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  • Morayngava. Dir.: Regina Müller; Virginia Valadão. Vídeo Cor, 16 min., 1997. Prod.: CTI
  • Ritual das Flautas. Dir.: Delvair Montagner; Regina Müller. Vídeo Cor, Beta-SP/HI 8, 34 min, 1996. Prod.: CPCE/CNPq.
  • Saforai. Dir.: Regina Müller. Vídeo cor, Hi-8/NTSC, 23 min., 1993.

VÍDEOS

Grafismo Indígena: Asurini do Xingu

Concepção e realização: Ricardo Artur Pereira de Carvalho  Animação desenvolvida como projeto de conclusão do curso de Desenho Industrial/ Comunicação Visual, pela PUC-Rio.