Aikewara
- Autodenominação
- Aikewara
- Onde estão Quantos são
- PA 470 (Siasi/Sesai, 2020)
- Família linguística
- Tupi-Guarani
Os Aikewara atingiram a sua localização atual no início do século XX, fugindo dos repetidos ataques dos Xikrin, quando habitavam às margens do rio Vermelho, afluente do Itacaiúnas. Entraram em contato definitivo com os brancos em 1960, quando uma epidemia de gripe matou dois terços da população, reduzindo-a de 126 para 40 pessoas. Em 1962, uma epidemia de varíola matou mais seis pessoas. A partir de então, os Aikewara, deixando de lado as suas medidas de controle de natalidade, iniciaram uma vertiginosa recuperação populacional. Em 1997, a população atingiu a cifra de 185 pessoas.
Nome
A primeira denominação conhecida é de autoria de Frei Antonio Salas que, em 1923, chamou estes índios de Sororós. Na década de 50, o também dominicano Frei Gil Gomes, responsável pelos primeiros contatos, os chamou de Suruí, que é a denominação mais utilizada. Os Kayapó Xikrin os chamavam de Mudjetíre. Em 1961, identifiquei a palavra Akwáwa como sendo a auto-denominação do grupo, mas a antropóloga Iara Ferraz considera mais apropriado o termo Aikewara.
Língua
Conforme Aryon Dall'Igna Rodrigues, no seu livro Línguas Brasileiras (São Paulo: Loyola, 1986), os Suruí falam a língua akwáwa, a mesma dos Asurini do Tocantins e dos Parakanã. Ela é da família Tupi-Guarani, como as dos Tenetehára (denominação que compreende os Guajajara e Tembé), Tapirapé, Avá-Canoeiro, que lhe são semelhantes. Atualmente, a maioria dos Suruí são também falantes do português.
Localização
Quando do primeiro contato, os Suruí estavam localizados à margem do pequeno igarapé conhecido como Grotão dos Caboclos, afluente do rio Sororozinho, por sua vez afluente do Sororó, tributário do Itacaiúnas. Em 1998, a aldeia estava construída numa área próxima a estrada que liga a Transamazônica a São Geraldo do Araguaia. A Terra Indígena Sororó está situada no sudeste do Pará, no município de São João do Araguaia, a cerca de 100 quilômetros da cidade de Marabá, o maior centro urbano da região.
Situavam-se originariamente em uma região de mata tropical, mas nas últimas décadas a floresta foi destruída para dar lugar a pastagens, o que resta dela está situado dentro do território indígena.
A demarcação da TI Sororó deixou de fora antigas aldeias e principalmente alguns castanhais utilizados por esse povo.
Demografia
Em 1960, antes do contato, a população era de 126 pessoas, conforme as genealogias por mim levantadas. A epidemia de gripe resultante do contato matou 86 pessoas. O censo que realizei, em 1961, totalizou 40 pessoas, sendo 14 homens, 7 mulheres e 21 crianças. Em 1961, uma epidemia de varíola, atingiu o grupo, matando mais 6 pessoas. A assistência médica proporcionada principalmente pelo Dr. João Paulo Botelho Vieira Filho, da Escola Paulista de Medicina, que tem visitado o grupo desde o início dos anos 60, possibilitou uma ampla recuperação demográfica. Em 1985, Iara Ferraz registrou um total de 109 pessoas, sendo 52 homens e 57 mulheres. Em 1997, a população total era de 185 pessoas, segundo o levantamento realizado pelo médico João Paulo Botelho Vieira Filho.
Histórico do contato
Desde a década de 20, existem informações precárias sobre a existência dos Suruí nas cabeceiras do rio Sororó, conforme Frei Antonio Salas, na revista dominicana Cayapós e Carajás. Com efeito, alguns moradores mais antigos me informaram que os Suruí costumavam aparecer, nos meados dos anos 20, nas vizinhanças de uma fazenda denominada Altos Montes, na proximidade de Santa Isabel. Mas foi somente a partir da 2ª Guerra Mundial, quando a região foi invadida por garimpeiros em busca do cristal de rocha, então um material de importância estratégica, que se intensificaram os contatos. Em 1947, por exemplo, os índios tentaram se aproximar de coletores de castanha em um lugar denominado Cajueiro. O proprietário da "colocação", juntamente com seus empregados, abriram fogo, ferindo alguns deles.
A primeira tentativa organizada de contato foi realizada em 1952, pelo dominicano Frei Gil Gomes Leitão, que partiu com alguns homens de Xambioá e atingiu a aldeia, encontrando-a deserta. Vários presentes foram deixados. Dias depois, os Suruí fizeram incursões por casas de sertanejos, nas proximidades do igarapé Xambioá, onde deixaram jabutis, bananas, adornos plumários etc. Esta retribuição de presentes causou pânico entre os moradores. No ano seguinte, Frei Gil conseguiu o seu primeiro contato. Próximo a um igarapé, nas cercanias da aldeia, encontrou com mais de 100 pessoas que o aguardavam. Não lhe permitiram porém pernoitar na aldeia, o que só conseguiu em 1960. Antes disto, em outubro de 1957, entusiamados com os resultados dos contatos com o missionário, os índios tentaram um contato com castanheiros nas margens do Sororozinho, próximo ao lugar denominado Fortaleza. Foram repelidos a bala, um índio morreu e três outros ficaram feridos.
Com a morte do velho chefe Mussenai, em abril de 1960, durante a epidemia de gripe que matou a maior parte da população, o grupo passou por momentos de desorganização. Um regional, aproveitou-se dessa situação, e conseguiu ganhar a confiança dos índios. Sob o pretexto de civilizar os Suruí, obrigou-os a cortar os cabelos, vestir roupas, construir habitações semelhantes aos dos brasileiros, além de introduzir-lhes novas necessidades alimentares. O seu objetivo era transformá-los em caçadores de pele. Em setembro de 1960, Frei Gil conseguiu expulsar os intrusos da aldeia. Para evitar novas invasões, colocou um casal empregado em um barracão distante três quilometros da aldeia. Graças a isto, os Suruí retomaram os seus costumes. A habitação do tipo regional foi destruída e a tribo voltou a plantar uma grande roça, que produziu bons resultados em 1961.
A partir de então, o contato com os brancos tornou-se permanente e o grupo viveu momentos dramáticos, no início dos anos 70, quando a região foi palco da famosa Guerrilha do Araguaia. O fato de terem tomado o partido do exército assegurou-lhes a sobrevivência.
Antes do contato com os brancos tiveram muitos contatos guerreiros com grupos Kayapó. Afirmam que o seu território original era além do rio Vermelho, afluente do Itacaiunas, mas fugiram para o atual para escapar dos ataques dos índios que chamavam de Karajá. Em 1996, me afirmaram que os Karajá eram os Xikrin , que atualmente habitam a região do rio Cateté, afluente do Itacaiunas, justamente no sopé da Serra dos Carajás.
Organização social e política
Ao invés de formarem pequenos grupos locais, como acontece com outros grupos Tupi da região, os Suruí possuíam apenas uma grande aldeia, denominada okara, de formato retangular, com um pátio central no qual eram realizados os seus rituais.
No passado, a agricultura consistia em sua principal atividade econômica. Faziam grandes roças, onde plantavam várias espécies de mandioca, bananas, inhame, batata doce, milho, pimenta, algodão e fumo. A atividade de caça era bastante privilegiada em uma região em que eram abundantes as antas, veados, queixadas, catitus, pacas, tatus, macacos e cotias. Entre as aves preferiam os mutuns e jacus, mas em caso de necessidade consumiam também arara e várias espécies de papagaio. A pesca era uma atividade pouco importante, desde que viviam afastados dos grandes rios. A coleta complementava a busca por alimentos. Nos dias de hoje, a dieta alimentar foi modificada, pela diminuição da caça, e pela introdução de uma pecuária pobre e do cultivo de arroz.
Como outros grupos Tupi, possuem uma regra de descendência patrilinear, vinculada à transmissão do parentesco somente pelo lado paterno e à admissão de que o homem é o principal responsável pela procriação. Em função da forte vinculação existente entre o pai e o recém-nascido, possuem o costume da couvade que faz o resguardo pós-parto ser mais importante para o pai do que para a mãe.
Dividem-se em cinco grupos de descendência patrilinear: Koaci-arúo (coati), Saopakania (gavião), Pindawa (palmeira), Ywyra (madeira) e Karajá (descendentes de um índio "karajá", provavelmente Xikrin, aprisionado pelos Suruí). As genealogias indicam a existência de mais dois grupos, Sakariowara e Uirapari, hoje extintos. Há, também, indícios que os Saopakania e Ywyra possuiam sub-grupos. A existência de exogamia entre os grupos, além de outras características permitem classificá-los como clãs.
A chefia é hereditária e exclusiva dos homens do clã Koaci. A denominação para chefe é morobixawa. Esta palavra pode ser traduzida como "grande", e está presente também na designação da lua cheia, sahi morobixawa. Imediatamente antes do contato, os Suruí eram chefiados por Musenai, um homem velho que morreu na epidemia de 1961. Foi sucedido por seu filho Kuarikwara, que morreu pouco tempo depois. Apia, o filho de Kuarikwara, era muito pequeno e não pôde assumir a chefia. Na falta de homens Koaci, assumiu a chefia Uareni, um Saopakania. No início dos anos 70, quando foram envolvidos pela guerrilha do Araguaia, sentiram a necessidade de um chefe que conhecesse bem os brancos; assim Amaxu, um Karajá, assumiu a chefia e liderou o grupo em seus momentos mais difíceis. Mas, nesse tempo, se alguém perguntasse aos Suruí quem era o morobixawa, eles respondiam apontando Apia. Quando este atingiu a idade adulta, foi reconhecido como chefe, mas mostrou o maior desinteresse pelo cargo, sendo então substituído por Mahyra, um Koaci, neto do irmão de Kwarikuara, Sarakoa, que também morreu no início dos anos 60.
No passado praticavam a poliginia, mas a escassez de mulheres, que chegou a provocar o aparecimento de arranjos poliândricos, isto é, a possibilidade da mulher casada ter como um outro parceiro sexual um homem solteiro, tornou a poliginia uma prática inoperante. O casamento preferencial é com a filha do irmão da mãe, com a filha da irmã do pai, ou com a filha da irmã. A regra de residência era a patrilocal; hoje os recém-casados tendem a se estabelecer numa nova residência.
Possuem uma terminologia de parentesco do tipo Iroquês. Assim, na sua própria geração, um homem chama de irmão e irmã, além dos filhos de seus próprios pais, os filhos da irmã da mãe e os filhos do irmão do pai; filhos dos irmãos da mãe e filhos das irmãs do pai são chamados por um outro termo. Na primeira geração ascendente, denomina pelo mesmo termo o pai e os irmãos do pai, por um outro termo a mãe e as irmãs da mãe, sendo que irmão da mãe e irmã do pai recebem termos diferentes. Na primeira geração descendente, utilizam do mesmo termo para filho e filho do irmão, o mesmo fazendo para filha e filha do irmão; filho e filha de irmã são denominados por um outro termo que não faz diferenciação de sexo. Na segunda geração ascendente, todos os homens recebem um termo equivalente a avô e todas as mulheres um termo equivalente a avó. Na segunda geração descendente existe apenas um termo genérico aplicado aos indivíduos de ambos os sexos.
Os Suruí possuem um estoque aparentemente limitado de nomes próprios, o que ocasiona muitas repetições nas genealogias. O menino recebe um nome no momento do nascimento, geralmente com um significado jocoso, e recebe o seu nome definitivo no ritual de perfuração do lábio inferior, quando atinge a idade aproximada de 13 ou 14 anos.
Cosmologia e xamanismo
A exemplo de outros grupos Tupi-Guarani da região, acreditam em Mahyra, o herói mítico, pai dos gêmeos Korahi e Sahi (o sol e a lua). São estes gêmeos que completam o trabalho de separação da natureza e da cultura, iniciados por Mahyra, o herói civilizador, por excelência, pois foi ele quem roubou o fogo ao urubu e o deu aos homens. Poucos mitos foram coletados entre os Suruí, o que requer novas pesquisas a respeito.
O xamanismo está presente entre os Suruí: Mussenai, o velho chefe, e Kuarikwara, que o sucedeu, eram pai'é, o mesmo acontencendo com Uassaí e Mikuá, dois dos mais velhos sobreviventes da epidemia. Não se diferencia do xamanismo encontrado por Eduardo Galvão (1961) entre os Tenetehára. O ritual mais importante, o da Tokasa, ocorre logo após a derrubada das roças, quando uma pequena cabana cerimonial é erguida no centro da praça. À noite os homens - é vedada a participação feminina - liderados pelo xamã procuram entrar em contato com os espirítos de seus antepassados, que são nominados nas canções que então entoam.
Um imenso cigarro, feito de folhas do tabaco, é utilizado pelo xamã para facilitar o transe. Era costume defumar os forasteiros com a fumaça desse cigarro.
Como acontece entre outros grupos Tupi-Guarani, os mortos são enterrados dentro da casa. Quando a casa fica repleta de mortos, ela é abandonada, foi pelo menos o que ocorreu no período da epidemia de gripe. Em situação normal, a casa e os mortos são abandonados quando ocorre a mudança da aldeia em decorrência do cansaço das terras agrícolas. Os espíritos dos mortos são denominados owera, mas a preocupação maior é com os karuara, uma forma de espírito que nunca foi um ser humano e tem o poder de provocar as doenças. Tupã é considerado o demônio do Trovão e do Raio, sendo por isto bastante temido pelos Suruí.
Nota sobre as fontes
A bibliografia etnológica sobre os Suruí é muito pequena. Este verbete se baseia sobretudo no volume Índios e Castanheiros, que é dividido em duas partes: uma sobre os Suruí, escrita por mim, e outra sobre os Parkatêjê, escrita por Roberto Da Matta. No meu livro Tupi - Índios do Brasil atual, faço um estudo comparativo da organização social das sociedades tupi, inclusive da suruí. Além disso tenho os artigos "Arranjos poliândricos na sociedade suruí", que trata da solução encontrada pelos Suruí para fazer face ao desequilíbrio demográfico entre os sexos, frente ao drástico decréscimo populacional que se seguiu ao contato; "A fricção interétnica no médio Tocantins"; "O homem marginal numa sociedade primitiva", que estuda o ostracismo social em que foi posto um rapaz que se recusou passar pelo rito de perfuração do lábio para uso do tembetá; "Akwáwa-Asurini e Suruí: análise comparativa de dois grupos tupi"; "Encontro e reencontro etnográfico", que descreve minha visita aos Suruí 35 anos depois de meu trabalho de campo.
Há também o capítulo "Suruí", escrito por Iara Ferraz para o volume "Sudeste do Pará" da coleção Povos Indígenas no Brasil, publicado pelo CEDI.
Fontes de informação
- ARNAUD, Expedito. Mudanças entre os grupos indígenas Tupi da região do Tocantins-Xingu (Bacia Amazônica). In: --------. O índio e a expansão nacional. Belém : Cejup, 1989. p. 315-64. Publicado originalmente no Boletim do MPEG, Antropologia, Belém, n.s., n. 84, abr. 1983.
- BARBOSA, José Natal. Contribuição a análise fonológica do suruí do Tocantins. Brasília : UnB, 1993. 59 p. (Dissertação de Mestrado)
- BELTRÃO, Jane Felipe. Laudo antropológico AI Sororó a propósito da BR-153. Campinas : s.ed., 1998. 123 p.
- FERRAZ, Iara. Suruí. In: RICARDO, Carlos Alberto (Coord.). Povos Indígenas no Brasil. São Paulo : CEDI, 1985. p. 100-25. (v. 8 II-Sudeste do Pará/Tocantins)
- JABUR, Clarisse do Carmo. Aikewara ispenheim : comparação do mito do dilúvio Aikewara (Suruí) com os demais grupos Tupi-Guarani. Brasília : UnB, 2001. (Monografia de Graduação)
- LARAIA, Roque de Barros. Akuáwa-Asurini e Suruí : análise comparativa de dois grupos Tupi. Rev. do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo : instituto de Estudos Brasileiros, n. 12, 1972.
- --------. "Arranjos poliândricos" na sociedade Suruí. In: SCHADEN, Egon. Leituras de etnologia brasileira. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1976. p. 193-8. (Originalmente publicado na Rev. do Museu Paulista, São Paulo, v. 14, n.s., p. 71-6, 1963).
- --------. Encontro e reencontro etnográfico. Textos Graduados, Brasília : UnB, v. 3, n. 3, 1996.
- --------. A fricção interétnica no Médio Tocantins. América Latina, Rio de Janeiro : s.ed., v. 8, n. 2, p. 66-7, 1965.
- --------. O homem marginal numa sociedade primitiva. Rev. do Instituto de Ciências Sociais, Rio de Janeiro : Instituto de Ciências Sociais, v. 4, n. 1, 1967.
- --------. Tupi : índios do Brasil atual. São Paulo : USP, 1987.
- --------; MATTA, Roberto da. Índios e castanheiros : a empresa extrativista e os índios no Médio Tocantins. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1978. 208 p. (Estudos Brasileiros, 35)
- LIMA, Luíza de Nazaré Mastop de. Tempo antigo entre os Suruí/Aikewara : um estudo sobre mito e identidade étnica. Belém : UFPA, 2002. (Dissertação de Mestrado)