De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Jorge Hernández Díaz, 1983

Fulni-ô

Autodenominação
Onde estão Quantos são
PE 4689 (Siasi/Sesai, 2014)
Família linguística
Ia-tê

Os Fulni-ô são o único grupo do Nordeste que conseguiu manter viva e ativa sua própria língua - o Ia-tê - assim como um ritual a que chamam Ouricuri, que atualmente realizam no maior sigilo.

Na parte central das terras da reserva indígena se encontra assentada a cidade de Águas Belas rodeada totalmente pelo território Fulniô.

Nome e língua

Na literatura histórica, e em uma parte da literatura antropológica, os índios de Águas Belas são chamados Carnijós ou Carijós, inclusive Cajaú (Hohenthal, 1960). Não se têm notícias do ano em que foram aldeados; o certo é que, em meados do século XVIII, já eram designados pelo nome de Carnijós. É possível que nesta aldeia tenham se fundido elementos provenientes de vários grupos étnicos que mais tarde se reorganizaram de forma clânica, adotando então o nome do grupo anfitrião: Fulni-ô.

Os Fulni-ô foram durante muito tempo considerados, pelos estudiosos, como os últimos remanescentes dos históricos índios Karirí, cujo hábitat abarcava todo o Nordeste do Brasil (Boudin, 1949). Um exemplo desta posição é a de Mario Melo, que os considerou como o "último rebento dos Cariris que dominaram os nossos sertões" (Melo, 1929). Segundo Boudin (1949), esta confusão ocorreu porque ambos grupos habitavam a mesma região, ou seja o alto e médio São Francisco.

A hipótese de que os Fulni-ô foram kariri ficou descartada desde o momento em que uma análise lingüística comparativa concluiu que "a língua dos índios Karnijós difere consideravelmente da dos amerícolas da família kariri" e que o Ia-tê bem pode ser uma língua autônoma, já que "representa as relíquias de uma família lingüística, ainda não computada na relação das línguas americanas do Brasil ou liga-se a alguma família que não tem representantes no nosso território, pelo menos devidamente conhecidos" (Sobrinho, 1935: 49). Recentemente, o lingüista Aryon Dall'Igna Rodrigues (1986) classificou tanto a família kariri como a língua ia-tê como integrantes do tronco macro-jê, embora sem incluir esta língua em uma família particular.

Atualmente todos os índios em Águas Belas falam português; em Ia-tê se comunicam principalmente os adultos e idosos; os mais jovens e as crianças usam com mais freqüência o português. Apesar de que o Ia-tê possa estar perdendo terreno para o português, tem ou cumpre um importante papel dentro da sociedade indígena.

Localização

Foto: Memélia Moreira
Foto: Memélia Moreira

Os Fulni-ô atualmente habitam o município de Águas Belas, situado na zona fisiográfica do Sertão, a 273 quilômetros da capital do estado de Pernambuco. O município está compreendido no chamado polígono das secas. A região de Águas Belas é cortada de norte a sul pelo rio Ipanema, que desemboca no São Francisco. Em 1980, a população do município era de 37.057 habitantes, dos quais  11.714 viviam na área urbana, e 25.343 na área rural. Esta última cifra inclui a aldeia indígena.

A vida dos Fulni-ô transcorre em duas aldeias. Uma delas se localiza junto à cidade de Águas Belas. É nesta aldeia que se encontram as instalações do Posto Indígena da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); a outra é o lugar sagrado do ritual do Ouricuri, onde se estabelecem nos meses de setembro a outubro.

Informação demográfica

Foto: Jorge Hernández Díaz, 1983
Foto: Jorge Hernández Díaz, 1983

Os dados mais antigos sobre a população Fulni-ô remontam a 1749, quando, segundo registro da "Informação Geral da Capitania de Pernambuco" (1906), na aldeia da Ribeira do Panema, viviam 323 pessoas pertencentes a este grupo. Estêvão Pinto, citando como fonte relatórios da Diretoria dos Índios, diz que em 1855 a população ascendia a 738; já em 1861 esta cifra havia caído quase pela metade, pois só restavam 382 pessoas, que compunham 90 famílias (Pinto, 1956:25). Comenta o autor citado que a causa da diminuição da população pode ter sido uma epidemia de cólera que atacou a aldeia em 1856. Em 1873 o número de indígenas Fulni-ô se reduziu a pouco menos de uma centena (Costa Júnior, 1942:11; Pinto, 1956: 26). Pouco a pouco a população foi se recuperando; em 1922 a aldeia contava com aproximadamente 500 índios "...distribuídos por cento e cincoenta choças, quase todas de palha" (Pinto, 1956: 26). Deduzimos que já para 1937 deva ter aumentado consideravelmente o número de indígenas Fulni-ô, pois, em um artigo escrito naquela época, Carlos Estêvão de Oliveira, ao referir-se a este grupo, comenta que havia um milhar de pessoas que falavam a língua Ia-tê (1942: 171).

É possível que a cifra dada por Carlos Estêvão de Oliveira seja um pouco otimista, já que, segundo os relatórios da IVa. Inspetoria Regional correspondentes a 1945 e 1948, a aldeia contava com 823 e 1.263 indígenas respectivamente (Pinto, 1956: 26). Em 1982 residiam na aldeia 2.668; esta cifra havia aumentado para 2.788 em 1989, segundo registros da FUNAI (Povos Indígenas no Brasil 1991/1996, ISA, 1996).

Antecedentes históricos

No território da Capitania de Pernambuco viviam numerosos grupos tribais que falavam a língua Tupi. Os índios que não falavam tupi eram conhecidos como "Tapuios" ou "Tupuyaa". Na época colonial, os índios que habitavam o litoral foram empurrados para o interior, dando lugar a novas populações. Assim, por exemplo, o povoamento de boa parte do vale do São Francisco se deve aos indígenas e à obra catequista dos sacerdotes.

Também teve muito que ver na conformação de uma nova distribuição demográfica a luta que, em meados do século XVII, sustentaram portugueses e holandeses na disputa pelo território brasileiro. Depois que os holandeses foram expulsos de Pernambuco, os portugueses decidiram reorganizar a administração dos grupos indígenas da região. É possível que, tendo em vista essa reorganização administrativa, a coroa portuguesa tenha decidido reunir em aldeias os indígenas, para manter melhor controle sobre eles. Assim se explica sua insistência em dotar os índios de "uma légua de terra em quadra" para que aí fossem concentrados pelo menos 100 casais indígenas. Supomos que foi aproximadamente nessa época que os Fulni-ô foram aldeados.

O ritual do Ouricuri

Os preparativos para a mudança para a aldeia do Ouricuri se iniciam nas últimas semanas do mês de agosto. Todos os Fulni-ô que trabalham fora de Águas Belas, como funcionários, professores, policiais, durante a primeira semana do ritual pedem licença para se ausentarem do trabalho e se concentrarem na aldeia do Ouricuri; os que podem aí permanecem sem sair durante todo o ritual.

Todos os Fulni-ô têm como norma a proibição de falar do ritual. Os anciãos asseguram que aqueles que infringiram esta norma tiveram morte estranha. Sem dúvida esta é uma advertência para evitar a quebra do sigilo.

Uma parte do que acontece na aldeia do Ouricuri é de domínio público. Sabemos assim que existem áreas onde as mulheres não podem entrar, embora elas tenham conhecimento das atividades que se realizam nesses lugares. Durante a noite os homens dormem separados das mulheres, estas nas casas e aqueles nos galpões. Durante os meses do ritual está proibido manter relações sexuais dentro da aldeia do Ouricuri. Embora não se pratique uma abstinência sexual absoluta, respeita-se o lugar sagrado do ritual, mantendo este tipo de relações fora da aldeia. Está proibido também tomar bebidas alcoólicas, escutar música, e inclusive assobiar. Quando um Fulni-ô na cidade ou na aldeia do Posto Indígena toma alguma bebida alcoólica, não pode ir à aldeia do Ouricuri. Por esse motivo nesta época evitam tomar qualquer bebida embriagante. No dizer de alguns anciãos no ritual rezam e oram pelo bem de todos, pois asseguram que sua religião é bastante parecida com a religião católica.

No ritual do Ouricuri, o Ia-tê desempenha um papel fundamental, já que é a língua preferencialmente falada durante as suas quatorze semanas de duração. É aí que se socializam os membros mais jovens pelo ensino de um código simbólico diferente daquele utilizado pela sociedade envolvente.

Um dos eventos de maior importância no ritual é a eleição de suas autoridades, ou seja o Pajé, o Cacique e a Liderança. No ritual do Ouricuri, tanto o Cacique como o Pajé são figuras centrais. Não sabemos quais são suas atribuições nem tampouco os limites de sua autoridade. Quando perguntamos qual dos dois tinha mais autoridade fora do ritual, obtivemos respostas que se contradiziam. Assim, enquanto uns diziam que era o Cacique, outros diziam que era o Pajé. Mas parece haver um consenso de que, ao se abordar qualquer assunto que incumba ao grupo como um todo, os dois devem atuar de comum acordo.

Antigamente a aldeia ritual se erigia com casas de palma de ouricuri. Cada ano, ao aproximar-se a abertura do ritual, os índios levantavam suas respectivas casas, a quais desmontavam ao fim do mesmo. Atualmente as casas são permanentes, embora construídas com materiais de qualidade inferior ao daquelas existentes na aldeia do Posto Indígena. As condições sanitárias são também mais precárias do que nesta última. Até 1981, os Fulni-ô se abasteciam, durante os meses do ritual, da água depositada durante o período das chuvas em dois grandes poços; geralmente a água se esgotava antes da conclusão do ritual; então tinham que buscá-la na cidade, ou nos rios da serra distantes seis ou sete quilômetros, transportando-a em carroças puxadas por mulas. Com a falta de água, as condições sanitárias pioravam ainda mais, e o número de mortes causadas por infecções intestinais era alarmante. Afortunadamente, em 1982, conseguiram que a empresa que provê de água a cidade de Águas Belas fizesse uma extensão de suas instalações até a aldeia do Ouricuri; em troca os indígenas permitiriam que esta empresa (COMPESA) explorasse um dos rios que existem em suas terras para abastecer a cidade de Águas Belas.

Os matrimônios interétnicos

Entre os Fulni-ô, numericamente falando, as uniões interétnicas são proporcionalmente importantes. Assim, com base em dados encontrados no Posto Indígena, entre 1940 e 1970 se registraram na aldeia 173 destas uniões.

Um dos requisitos indispensáveis para poder participar do ritual do Ouricuri é a exigência de ser filho de pai e/ou mãe Fulni-ô. Além desse, existe outro requisito: o de assistir ao ritual do Ouricuri desde a mais tenra idade. Quem não o faz perde o direito de participar mais tarde e, portanto, deixa de ser considerado índio Fulni-ô. Assim, todos aqueles filhos de uniões interétnicas que participam do ritual se identificam como índios Fulni-ô e são assim reconhecidos (na maioria dos casos) pelos "brancos" ou "civilizados".

No que tange aos filhos de uniões interétnicas que não assistem ao ritual, podemos dizer que alguns deles se auto-identificam como índios e exigem ser reconhecidos como tais, com o que os Fulni-ô não concordam. Geralmente os filhos de uniões interétnicas, embora não assistam ao ritual, mantêm estreitas relações com os Fulni-ô e vivem dentro da Terra Indígena ou inclusive na própria aldeia do Posto. Os filhos de uniões interétnicas enfrentam problemas devido, como dizia um ancião, estarem "entre duas nações": por um lado os índios legítimos os discriminam chamando-os de "grogojó", por outro os "civilizados" lhes negam seu status de índios, mas sem aceitá-los totalmente como parte da comunidade "branca".

Mas, apesar de ambas as sociedades não aceitarem totalmente os matrimônios interétnicos, estes continuam a se realizar. Quando algum jovem indígena pretende casar-se com uma "civilizada", os anciãos tentam dissuadi-lo. Os "civilizados" tampouco têm simpatia por este tipo de união.

Remanescentes e descendentes

Existem duas categorias sociais em que os Fulni-ô classificam seus descendentes, mas sem considerá-los parte do grupo. A primeira está formada por aquelas pessoas que vivem nas terras da reserva e que, por possuírem parte delas, a FUNAI as reconhece como índios; a elas chamam remanescentes. A segunda é constituída por aqueles indivíduos que são filhos de uniões interétnicas, mas que não participam no ritual.

Na Terra Indígena viviam em 1982 aproximadamente setenta famílias que possuiam terrenos dentro da mesma. Para a FUNAI estas famílias são indígenas, mas para os Fulni-ô não são. A origem deste grupo é um tanto incerta. O mais provável é que se trata de descendentes de uniões interétnicas que deixaram de assistir ao Ouricuri.

Os Fulni-ô justificam a exclusão dos remanescentes de seu grupo, argumentando que não são índios, pois não assistem ao ritual do Ouricuri, não falam Ia-tê e vivem fora da aldeia. A maioria destes remanescentes tampouco se identifica como índios, embora reconheça que descende de pais indígenas. O único vínculo que atualmente parece existir entre os Fulni-ô e os remanescentes é a possessão da terra e é para mantê-la que os segundos manipulam sua identidade, de modo a alegar direitos sobre as propriedades que possuem.

Quanto à segunda categoria, existem dois grupos: aqueles que se identificam com os índios e que se fazem assim chamar, mas não são reconhecidos como tais; a sociedade Fulni-ô não os rechaça mas tampouco os aceita no ritual. De outro lado estão aqueles que definitivamente foram socializados como brancos e estão totalmente integrados na sociedade regional; a estes os Fulni-ô chamam descendentes quando conhecem sua origem.

A luta pela terra

Desde sua fundação, há mais de duzentos anos, o atual assentamento dos Fulniô esteve ligado à história da cidade de Águas Belas e seus habitantes não-índios. Segundo a tradição, foi um homem branco, chamado João Rodrigues Cardoso, tomou as primeiras iniciativas que deram origem ao povoado de Ipanema, que anos mais tarde se transformaria na cidade de Águas Belas. Mario Melo (1929) diz que o fundador, com a ajuda dos Fulni-ô, erigiu a capela de Nossa Senhora da Conceição, obtendo também do governo a nomeação de seu amigo, Lourenço Bezerra Cavalcanti, para diretor dos aldeados, cargo que havia sido criado em 1757.

A Lei Imperial de Terras de 1850 entregava às províncias a posse dos aldeamentos indígenas extintos. Conseqüentemente, as províncias nordestinas tiveram pressa em declarar os índios de seus aldeamentos como extintos. Foi por isso que em 1875 o presidente da província de Pernambuco, pelo ato do 4 de maio de 1875, considerou extintos diversos aldeamentos, entre eles o de Ipanema ou Águas Belas.

Ao se extinguirem os aldeamentos, os "civilizados" ansiosos por expandir suas possessões empreenderam furiosas investidas contra os Fulni-ô, empurrando-os para a caatinga e tomando-lhes os terrenos cultivados, apropriando-se assim ilegalmente das terras que por direito pertenciam aos indígenas.

Possivelmente os Fulni-ô tiveram mais sorte que outros grupos indígenas, pois o governo provincial, tendo em vista as invasões das terras indígenas pelos "civilizados", acudiu os índios, mandando demarcar as terras doadas aos Fulniô por cartas régias e alvarás. Em 1875, a terra foi demarcada e entregue aos Fulni-ô (Cerqueira Vianna, 1966; Pinto, 1956; Melo, 1929). Esta demarcação respeitou a doação anteriormente feita à capela de Nossa Senhora da Conceição, cuja superfície era de 759.664 m2 (Pinto. 1956:14).

Esta intervenção do governo provincial em favor dos indígenas, ainda que tenha ajudado a frear os interesses da população "civilizada", não a deteve do todo, pois anos mais tarde novamente começou a pressionar os indígenas a abandonarem as terras que legitimamente lhes pertenciam. Assim, em 1886, a Câmara de Vereadores considerou irregular a demarcação e pediu ao governo "a creação no termo de ... um juizo comissario", com a finalidade de legalizar as terras ocupadas por todos os invasores (posseiros).

No século XX, os Fulni-ô continuaram com sua velha contenda pela terra. Em 1904, com a mudança de governo, os "civilizados", incentivados pelas novas leis que o regime republicano estabelecia, procuravam novas formas (ou formas legais) para se apropriarem dos bens indígenas. Em 1908, as terras da aldeia foram arrendadas a Nicolau Cavalcanti de Siqueira, por um prazo de seis anos. Determinava-se que, ao finalizar esse contrato, os imóveis voltariam ao domínio estadual (Vasconcelos 1962:36; Pinto, 1956:16).

Ao terminar o contrato, o Prefeito Cezar Montezuma de Oliveira, baseando-se na Lei Orgânica dos Municípios, que determinava que as terras devolutas passavam ao poder dos municípios, convidou, por meio de um edital, todos os moradores das terras para providenciarem o respectivo arrendamento. Entretanto, isso não se efetivou, passando as terras novamente ao domínio dos índios.

Em 1928 esta área foi dividida por representantes do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, que então incluia o Serviço de Proteção aos Índios. Da divisão resultaram 400 lotes de 550x550 metros (30,25 hectares) e mais outros 27 lotes de menor extensão com dimensões irregulares. Em 14 de maio de 1929 os Fulni-ô receberam títulos individuais da terra que possuiam, de caráter provisório, expedidos pelo mesmo Ministério.

Embora em 1929 cada família Fulni-ô tenha recebido um lote, na atualidade algumas carecem de terra.

Arrendamento da terra

A partir de 1929, os Fulni-ô começaram a arrendar suas terras aos habitantes não-índios do Município de Águas Belas. Muitos dos "civilizados" que cultivavam estas terras de maneira irregular, começaram a pagar uma quota anual aos índios donos dos lotes, mediante um contrato firmado no Posto do SPI; desde então muitos "civilizados" cultivam as terras pertencentes aos indígenas.

Em 1982, os registros do Posto indicavam que, dos 427 lotes em que está dividida a Terra Indígena, 275 tinham arrendatários que em sua maioria eram pessoas com poucos recursos econômicos.

Outra modalidade de arrendamento é aquela a que chamam de "chão de casa". Devido à peculiar situação da cidade de Águas Belas, a partir da década de 1950, a solução encontrada pelas famílias brancas sem casa foi a construção de moradas dentro da Terra Indígena. Para que um branco possa construir uma casa nesta situação, é necessário que conte com a permissão do respectivo dono e do chefe do Posto. Em 1980, o total de casas era de 485, e estavam situadas em 11 lotes. Um relatório de 1986 menciona 800 casas nesta situação (Povos Indígenas no Brasil 1985-1986, CEDI, 1986).

Economia

Na atualidade a maioria dos Fulni-ô cultiva suas roças, em média de dois a três hectares, utilizando unicamente a força de trabalho disponível da família. Geralmente, vendem uma parte da totalidade de sua produção agrícola. Produzem a forragem e o algodão principalmente com a intenção comercializá-los em sua totalidade. Já o feijão, o milho e a mandioca são cultivados tanto para venda como para consumo pela unidade doméstica.

A atividade remunerada na qual a unidade doméstica emprega preferencialmente mão-de-obra feminina é a confecção de artefatos de palma. São os homens os que se ocupam de procurar, cortar e transportar a palma da serra para a aldeia. Quando uma família carece de homens, então as mulheres se vêem obrigadas a realizar essa extenuante tarefa.

Os produtos que se elaboram com maior freqüência são bolsas, esteiras, escovas, chapéus, e abanos. Outros artigos, como sandálias, se fazem sob encomenda. Alguns desses produtos são decorados com fibras pintadas com tinta; dizem os anciãos que seus antepassados usavam corantes que eles mesmos fabricavam.

Esses artefatos se confeccionam preferencialmente nos meses de setembro a dezembro, época em que o trabalho nas roças está terminado, quando é mais fácil conseguir a matéria-prima e elaborar os artigos, pois a palma seca rapidamente, o que não ocorre na época das chuvas, quando os Fulni-ô também têm que se ocupar de seus cultivos. Os meses de maior produção coincidem com a época do ritual do Ouricuri; é também neste período que aumenta a demanda desses produtos, embora caiba esclarecer que são fabricados durante todo o ano.

Os Fulni-ô no mundo dos brancos

Os Fulni-ô participam em várias atividades fora de sua aldeia, alguns como estudantes, outros como trabalhadores. Em 1982, por exemplo, 80 jovens estudavam nas escolas da cidade de Águas Belas. Muitos outros trabalhavam fora da Terra Indígena, alguns como funcionários da FUNAI, em postos que não o de Águas Belas. Alguns eram professores nessa cidade; outros, trabalhadores da construção civil em distintas cidades dos estados de Pernambuco, Alagoas, Bahia, São Paulo e no Distrito Federal.

A participação dos índios na vida política da municipalidade tem sido também muito ativa; e também muito significativa, já que sob determinadas circunstâncias podem decidir a eleição em favor de um ou outro candidato, pois proporcionalmente o número de eleitores índios é alto. Em 1982, o número de votos dos Fulni-ô era suficiente para eleger dois vereadores. Se quisessem, poderiam manter uma representação na câmara municipal. Entretanto, nas eleições de 1982 tal situação não foi possível porque o voto indígena esteve bastante dividido. Nas observações realizadas naquela ocasião, o comportamento político dos Fulni-ô foi bastante heterogêneo: alguns votaram considerando o programa de um partido; outros, seus vínculos pessoais com certos candidatos; e outros, suas relações de clientela com líderes políticos regionais.

Para terminar, vale fazer alusão à opinião que os Fulni-ô deram a Jorge Hernández sobre os livros escritos sobre eles, em particular sobre os assuntos referentes ao ritual do Ouricuri e à organização clânica tratada na obra de Estêvão Pinto. Como são temas zelosamente guardados, um ancião disse que o livro não se baseava numa boa recopilação da informação e que seu conteúdo era uma interpretação do autor: "Foi o civilizado que escreveram isso, de acordo o entendimento deles. Não foi nós nem nossos chefes índios, não foi o índio que escreveu isso. Foi os civilizados que estudaram e interpretaram." Espera-se que em breve sejam os próprios Fulni-ô que escrevam e interpretem sua história para nós.

Nota sobre as fontes

A primeira elaboração das informações históricas e etnográficas sobre os Fulni-ô data de 1929, quando Mario Melo publicou os resultados de sua investigação. Outras fontes com informação desta natureza são os textos escritos por Max Boudin e Estêvão Pinto a quem se deve a maior parte da informação etnográfica disponível, sobretudo a referente à organização clânica e ao ritual do Ouricuri. Esta informação foi colhida entre os Fulni-ô na década de 40, quando o ritual começava a resguardar-se com segredo.

Dados sobre a fundação da cidade de Águas Belas se encontram na obra de Mario Melo, Estêvão Pinto e num livro escrito por Sanelva de Vasconcelos especificamente sobre esse tema.

No que se refere à estrutura do Ia-tê, a língua dos Fulni-ô, pode-se consultar o livro de Geraldo Lapenda. Outro texto com alguma informação desta natureza é o Lemos Barbosa.

Sobre as condições de vida existentes na aldeia Fulni-ô nos anos 60 existe um relatório escrito por Mabel Cerqueira Vianna.

As dissertações de mestrado de Jorge Hernández Díaz, de 1983, e a de Miguel Vicente Foti, de 1991, ambas defendidas na Universidade de Brasília, contêm informação sobre as novas condições em que se desenvolve o ritual do Ouricuri. Sobre o arrendamento das terras podem-se consultar a dissertação de Hernández Díaz e a de Sidnei Clemente Peres, esta última defendida no Museu Nacional, da UFRJ, em 1992. Há também relatórios mais recentes de Ivson José Ferreira.

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