De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Rieli Franciscato

Mudanças entre as edições de "Povo:Korubo"

Autodenominação
Onde estão Quantos são
AM 127 (Funai, 2020)
Família linguística
Pano
m (Inserção de links para Terras Indígenas)
([Nova versão] Autoria de Juliana Oliveira Silva. Sem imagens ainda.)
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Os Korubo, também conhecidos como “índios caceteiros” por causa de suas bordunas, vivem na região de confluência dos rios Ituí e Itaquaí, no vale do Javari. A maior parte dessa população (mais 200 pessoas) ainda vive isolada, movimentando-se entre os rios Ituí, Coari e Branco. Em 1996, após várias tentativas, a <htmltag href="http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/orgao-indigenista-oficial/funai" tagname="a" target="_self">Funai</htmltag> contatou um pequeno grupo de índios Korubo. Depois do encontro com a equipe de atração, os Korubo começaram a realizar visitas sucessivas às aldeias dos índios [[Povo:Matis | Matis]] e aos acampamentos da Frente na mata. Hoje, o grupo distribui-se em duas comunidades no baixo Ituí.
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Os Korubo, também chamados “caceteiros” devido à fabricação e ao uso de diferentes tipos de borduna, ocupam um território ancestral na sub-bacia hidrográfica do rio Itaquaí, um afluente do baixo rio Javari, fronteira natural entre Brasil e Peru. Atualmente dentro dos limites da Terra Indígena Vale do Javari, no estado do Amazonas. Após tentativas iniciais não exitosas, a Fundação Nacional do Índio os contatou em diferentes momentos, começando em 1996 e, posteriormente, em 2014, 2015 e 2019. Hoje grande parte dos Korubo é considerada pelo órgão indigenista oficial como de “recente contato” – quatro aldeias localizadas no baixo curso do rio Ituí e um subgrupo no rio Coari –, enquanto outra parcela permanece em “isolamento”.  
  
O verbete apresenta, em grande medida, dados sobre a população contatada na década de noventa. Quando são introduzidas informações sobre os Korubo isolados, há no texto menção a esse respeito.
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== Nome e língua ==
  
== Nomes ==
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A autodenominação dos chamados Korubo foi motivo de controvérsias ao longo dos anos e, caso exista, ainda é desconhecida. Os Korubo que habitavam a confluência dos rios Ituí e Itaquaí já chegaram a ser denominados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) de “Marubões”, pois acreditava-se que eram um subgrupo marubo. Em 1975 conjecturou-se que a autodenominação dos Korubo era ''kaniwa'' – hoje sabe-se que este é um termo de parentesco utilizado por povos da família linguística Pano. Por fim, chegou-se ao consenso de que os chamados Korubo eram os “índios da confluência [Ituí-Itaquaí]” (Melatti, 1981).
  
Não se sabe como os Korubo denominam a si mesmos. Alguns pesquisadores chegaram a identificar o termo ''dslala ''como a autodenominação desse povo. No entanto, trabalhos recentes da Frente de Proteção Etno-ambiental Vale Javari (FPEVJ) revelam que não há uma autodenominação que seja unânime entre os Korubo.
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“Korubo” não é uma autodenominação. Trata-se de um etnônimo atribuído pelos Matis. Na língua matis a raiz -''koru'' remete a “cinza”, “barro” ou “pó” – alusão ao ato de passar essas substâncias na pele para afugentar insetos dípteros –, e o sufixo -''bo'' é um coletivizador. Há ainda a hipótese de que esse etnônimo era utilizado já no século XVIII por povos Pano, do subconjunto setentrional, em referência a seus inimigos (Arisi, 2007; Erikson, 1996). Atualmente, os Korubo adotam esse etnônimo nas relações com os não-indígenas (''nawa'', ''lakute'') e outros povos indígenas (''tëtum wëtsi'').
  
Segundo Pedro Coelho, a denominação ''Korubo ''foi dada pelos [[Povo:Matis | Matis]]. Esses últimos afirmam que Korubo seria um nome próprio da onomástica matis. Um Matis revelou o significado da palavra ''Korubo'': “''Koru ''é isso, coberto de areia, de cinza, sujo de barro. Os Korubo se tapam de barro para espantar os mosquitos, ficam assim sujos, cobertos de ''Koru''” (Arisi, 2007: 108).
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A língua korubo – junto às línguas matis, matsés e kulina-pano – pertence ao ramo setentrional, “grupo do Norte”, da família linguística Pano (Oliveira, 2009; Fleck, 2013). Os povos Pano, uma das principais famílias linguísticas da Amazônia, caracterizam-se pela uniformidade territorial, cultural e linguística, e valorizam a intercompreensão mútua, enfatizando as similaridades entre suas línguas. Os Korubo não são exceção à essa regra. Conhecem e adotam termos linguísticos de povos Pano vizinhos, como os Matis, os Matsés e os Marubo, chegando a se comunicar nessas línguas. Os empréstimos linguísticos circulam cotidianamente junto à língua korubo.  
  
Philippe Erikson (1999: 74) levanta a hipótese de que Korubo seria uma designação genérica para “inimigo”. Ao comentar sobre os etnônimos dos Panos Setentrionais, esse autor ressalta que os Kulina-Pano afirmam ter exterminado um grupo que vivia no igarapé Esperança, afluente do rio Curuçá, cujo apelido era Korubo. No entanto, é provável que não se trate dos índios que hoje designamos como tal.
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A maioria do primeiro subgrupo korubo contatado pela FUNAI possui algum entendimento da oralidade em língua portuguesa e iniciação à escrita em língua korubo em virtude das esporádicas oficinas de letramento e numeração, apoiadas pela Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari (FPEVJ/FUNAI) desde 2007, e dos contatos permanentes com agentes institucionais da FUNAI e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). No cotidiano das aldeias korubo no rio Ituí esse conhecimento se estende do subgrupo contatado em 1996 aos contatados em 2014 e 2015. Esse cenário difere no caso dos recém-contatados em 2019, localizados no rio Coari.
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Ananda Conde|Ananda Conde]]. -->
 
  
== Língua ==
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== Localização ==
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Ao longo do século XX, os Korubo ocuparam um território que vai da confluência dos rios Ituí e Itaquaí, como limite setentrional, ao divisor de águas dos rios Coari e Branco, como limite meridional, no interior da atual Terra Indígena (TI) Vale do Javari, no estado do Amazonas.
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O término do processo de regularização fundiária da TI Vale do Javari, com decreto de homologação e registro na Secretaria do Patrimônio da União e nos Cartórios de Registros de Imóveis, onde ela incide, data de 02 de maio de 2001. Com a extensão de 8,5 milhões de hectares, a TI foi demarcada e homologada em meio a uma série de manifestações contrárias e campanhas favoráveis à demarcação, realizadas desde meados da década de 1980, com a adução dos conflitos envolvendo os isolados korubo.
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A área da TI Vale do Javari incide em quatro municípios do estado do Amazonas, localizada na porção sudoeste. Trata-se de um território compartilhado por cinco povos da família linguística Pano – Matis, Matsés, Marubo, Kulina-pano e Korubo – e dois povos da família linguística Katukina: Kanamari e Tsohom-dyapa. Uma parcela dos Korubo e os Tsohom-dyapa são considerados pela FUNAI como povos indígenas de recente contato. Além desses sete povos, a TI Vale do Javari abriga uma das maiores concentrações de povos indígenas isolados. Segundo o censo do Distrito Sanitário Especial Indígena Vale do Javari, em 2020, a população da TI Vale do Javari era 6.317 habitantes.
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A FUNAI atua na região com quatro Bases de Proteção Etnoambiental (BAPE), localizadas nos rios Curuçá, Jandiatuba, Quixito e na confluência dos rios Ituí e Itaquaí – esta última próxima das quatro comunidades korubo de recente contato no rio Ituí – e o DSEI Vale do Javari, da SESAI, abrange dezessete micro-áreas com oito pólos-base.
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== Histórico do contato ==
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A região do Vale do Javari é historicamente marcada por diferentes frentes de exploração, com a utilização de mão-de-obra indígena, resultando em inúmeros conflitos e mortes. No século XIX iniciou-se o ciclo da borracha, que passou por uma queda na produção no início do século XX devido à concorrência da produção no Oriente, e retomou o auge em 1932, crescendo ao longo dos anos 1940, após a Segunda Guerra Mundial. Esse período de extração da borracha foi marcado por ocupações desordenadas e “correrias” feitas por seringueiros e caucheiros para raptos de pessoas com finalidades diversas.
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À exploração da borracha sobrepôs-se a exploração da madeira com ''modus operandi'' e mão-de-obra semelhantes. Os conflitos entre os indígenas e os madeireiros abriram espaço para a intervenção do exército na região em favor dos extrativistas. Com a extração de madeira, tornava-se cada vez mais difícil aos indígenas se refugiarem em terra firme. Esse período caracteriza-se pela extinção de diversos grupos indígenas e depopulação dos remanescentes. Nesse contexto, a área dos Korubo estava repleta de não-indígenas. Isso resultou, por um lado, em inúmeros conflitos e mortes e, por outro, na modificação das áreas de perambulação desses isolados.
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=== As experiências de contato ===
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Há registros de contatos esporádicos com os Korubo desde 1920. Um levantamento dos conflitos no Vale do Javari (1996), realizado pelo antigo Departamento de Índios Isolados/FUNAI, registrou a morte de cerca de quarenta korubo, em 1928, por peruanos acompanhados de indígenas “Tukúna”. Em 1971 a FUNAI iniciou seus trabalhos na região em apoio à abertura da Rodovia Perimetral Norte, do Plano de Integração Nacional, com a instalação da “Base Avançada de Fronteira do Solimões” em Atalaia do Norte, Amazonas, e cinco Frentes de Atração no interior do Vale do Javari, que prestaram assistência aos grupos indígenas contatados e, posteriormente, transformaram-se em Postos Indígenas.
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Em 1972 criou-se o Posto Indígena de Atração (PIA) Marubo na margem direita do rio Itaquaí, acima do igarapé Marubo. A equipe, chefiada por Sebastião Amâncio da Costa, objetivava estabelecer contato pacífico com os Korubo – até então a FUNAI acreditava que eles eram um subgrupo marubo. Um ano depois, quando já estabelecidos alguns contatos, os isolados korubo atacaram o PIA, matando a família do servidor Moisés. Ainda no mesmo ano, ocorreu um segundo ataque. Dessa vez, os isolados mataram o servidor Sebastião Bandeira e feriram o servidor Bernardo Muller.
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Após os incidentes, o PIA Marubo foi transferido para a margem oposta, abaixo da confluência dos rios Itaquaí e Branco, e passou à chefia de Valmir Torres. Em novembro de 1974 a equipe do PIA contatou um subgrupo de isolados korubo e no mês seguinte, através de sobrevoos, localizou malocas na margem esquerda do rio Ituí. Em 1975 os isolados visitaram o PIA e pediram ferramentas de metal. Posteriormente atacaram o PIA e mataram o servidor Jaime Sena Pimentel. Esse falecimento gerou controvérsias acerca de uma possível retaliação por parte do órgão indigenista aos Korubo (Valente, 2017). Após esses incidentes e falhas na aproximação pacífica, o PIA Marubo foi desativado.
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As tentativas de aproximação com os Korubo foram retomadas em 1982 com o PIA Itaquaí, sob a chefia do sertanista Pedro Coelho, e um acampamento na localidade Jó. Os isolados recolheram presentes deixados pela equipe no PIA. Dias depois, com o auxílio do intérprete Binan Tucun Matis, a equipe comunicou-se com os isolados nas margens do rio Itaquaí. No dia seguinte eles reapareceram pintados de urucum e desarmados. Um mês depois, a equipe, à distância num barco, com a tradução de Binan Tucun Matis, estabeleceu a terceira comunicação que durou cinco horas. Os isolados aproximaram-se nadando para conversar. Nessa ocasião verificou-se que um deles adoecera, possivelmente de malária. No dia seguinte eles voltaram em busca de mais presentes, mas não havia material no PIA.
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Os Korubo reapareceram debilitados e mais magros no mês de julho. Nessa ocasião comunicaram-se à distância durante quatro horas. Retornaram ao local no dia seguinte, nadaram até à embarcação e foram medicados pelos funcionários do PIA. Os isolados relataram a Binan Matis que seus parentes adoeceram na maloca. Após esses contatos amistosos, eles atacaram novamente, matando os servidores Amélio Wadik Chapiwa e José Pacifico de Almeida. O PIA Itaquaí transformou-se então em Posto de Vigilância, sem muito êxito quanto à fiscalização da entrada de invasores no território dos isolados.
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As mortes ocorridas refletem os ataques e a depopulação sofrida pelos Korubo. Registros apontam uma mudança na atitude deles em relação aos não-indígenas diante das ofensivas frentes de expansão. Em viagem realizada no âmbito do “Projeto de Prevenção e Combate à Cólera nas Comunidades Indígenas do Rio Javari”'' ''nos anos 1990, uma comunidade ribeirinha no rio Ituí, localizada na região do seringal Aliança, informou que os “Kurubo” anteriormente “viviam na margem oposta à da comunidade sem nunca tê-los molestado” (Selau, 1991).
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A escassez de registros dificulta dimensionarmos o número de óbitos entre os isolados. Segundo o levantamento de conflitos, realizado pelo Departamento de Índios Isolados/FUNAI, indígenas a serviço do patrão Flávio Azevedo, na extração de seringa, dispararam contra isolados korubo no rio Itaquaí em 1979. Em 1981, o mesmo patrão, com ajuda de Manoel Vicente e João Bezerra, distribuiu farinha envenenada aos Korubo.
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Em 1984 os Korubo atacaram outro servidor da FUNAI e um funcionário da Companhia Brasileira de Geofísica (CBG), subsidiária da Petrobrás, que realizava pesquisas sísmicas para prospecção de combustíveis fósseis na região desde 1983. No dia 04 de setembro de 1984, Lindolfo Nobre Filho da FUNAI e João Praia Costa da CBG foram mortos a golpes de bordunas por cerca de cinquenta korubo no acampamento da Petrobrás.
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Ao perceberem a presença dos isolados nas proximidades, aproximaram-se para contatá-los levando objetos industrializados como presentes. Os isolados chegaram a dar as mãos e a dançar com os dois funcionários. Minutos depois os atacaram com golpes de bordunas. Mais de cem funcionários da Petrobrás assistiram ao episódio. Dois dias depois a CBG e a FUNAI retiraram os funcionários do local (Labiak; Neves, 1984). No ano seguinte, em 1985, um kanamari encontrou o cadáver de um korubo no rio Itaquaí.
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Em setembro de 1989 três isolados korubo foram caçados e assassinados por um grupo de quinze homens não-indígenas no lago Gamboá. No dia anterior, quatro deles foram vistos próximos da residência de um seringueiro. Os moradores, assustados, decidiram se reunir e planejar o ataque. Uma Comissão de Sindicância, composta pela FUNAI e Polícia Federal, acompanhou a exumação dos corpos, a conclusão e o encaminhamento do inquérito para o Ministério Público Federal. Esse é um dos poucos registros existentes dos ataques aos isolados korubo.
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Em 1990, incidentes envolvendo os Korubo resultaram na morte de dois não-indígenas. Expedições punitivas aos isolados, operadas por políticos e empresários locais, foram denunciadas pela Administração Regional da FUNAI em Atalaia do Norte, Amazonas. As atividades de aproximação com os isolados foram então retomadas. No contexto dessa série de embates, a FUNAI com a Portaria nº003/PRES, em janeiro de 1996, criou a Frente de Contato para atração dos Korubo. Meses depois o objetivo foi alcançado.
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=== Os contatos oficiais com a Fundação Nacional do Índio ===
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Os primeiros avanços no primeiro contato oficial e pacífico com os Korubo começaram com a localização de uma maloca em agosto de 1996. A equipe, chefiada pelo sertanista Sidney Possuelo, possuía duas embarcações: uma para Posto de Fiscalização; outra como ponto de apoio nas incursões de vistoria ao tapiri da atração, localizado na beira do rio Ituí, próximo ao caminho que levava à maloca. No final do mês de agosto, os isolados trocaram presentes deixados pela equipe no tapiri. Em 15 de outubro de 1996, a equipe contatou dezoito pessoas: quatro mulheres, seis homens, seis meninos e duas meninas. Essa expedição foi gravada e transmitida pela ''National Geographic''.
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Após dez meses de trabalho, cerca de trinta visitas ao subgrupo recém-contatado, os Korubo atacaram o servidor Raimundo Batista Magalhães, conhecido como Sobral. O incidente foi alvo de controvérsias, dentre elas a hipótese de que o ataque aconteceu porque Sobral recolhera uma lona que servia como estrutura de um tapiri e que havia sido emprestada aos Korubo. À lona, somaram-se ainda micro episódios que supostamente teriam irritado os Korubo paulatinamente: a retomada de um machado das mãos de um korubo ou a sovinice de uma panela.
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Do ponto de vista de alguns servidores da FUNAI, a morte de Sobral foi resultado de uma série de quebras de protocolos de segurança registrados em Memorando, como a manutenção da superioridade ou equivalência numérica nas interações com os Korubo e a proibição de ir à margem oposta em casos de aparecimentos dos Korubo. Do ponto de vista dos Korubo, o incidente estava relacionado aos sucessivos decessos em sua população.
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Dias após a morte de Sobral, os Korubo reapareceram acima do igarapé Quebrado, margem esquerda do rio Ituí. Através dos intérpretes matis, comunicaram-se à distância para pedir comida, entre outras coisas. A equipe não se aproximou da margem. Em novembro de 1998 cinco homens, duas mulheres e duas crianças korubo apareceram na localidade Ladário, próxima da confluência dos rios Ituí e Itaquaí, em busca de farinha e panela. Não houve ataque, mas os moradores da comunidade, amedrontados, pediram a ajuda da FUNAI e propuseram à administração do órgão em Atalaia do Norte, Amazonas, que comprasse suas terras.
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As cicatrizes e fragmentos de chumbo alojados nos corpos dos Korubo evidenciavam os ataques sofridos. Um deles, ocorrido em 1995, envolvendo ribeirinhos da comunidade Ladário, foi relatado à FUNAI posteriormente: seis korubo foram à uma roça de não-indígenas para pegar bananas e pernoitaram nas proximidades do roçado. No retorno para a maloca, foram emboscados e baleados por alguns homens. Um homem e uma mulher korubo caíram no chão, os demais fugiram. Quando os que haviam corrido retornaram, a mulher estava desfalecendo e o homem falecera. Por causa dos ferimentos e das dores, os Korubo não os enterraram, nem os transportaram. Após esse decesso, eles se esconderam no local onde foram contatados pela FUNAI em 1996 (Franciscato, 2000).
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O último registro de reação violenta dos Korubo data de 2001, quando três madeireiros foram mortos no rio Quixito, próximo ao local onde a FUNAI abria uma clareira para a construção do segundo Posto de Vigilância e Proteção.
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Em 2010 o subgrupo korubo contatado em 1996 constituía uma população de vinte e sete pessoas localizada no igarapé Quebrado, margem esquerda do rio Ituí. O subgrupo crescia paulatinamente após anos de decessos populacionais. Todavia, a situação sanitária no Vale do Javari se agravou. Por um lado, os contatos fortuitos com os isolados nas margens dos rios tornaram-se preocupantes enquanto possíveis fontes de transmissão de doenças; por outro, os recém-contatados também enfrentavam desafios sanitários.
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Os isolados no médio rio Itaquaí e no médio rio Ituí estavam em contato iminente com os Kanamari e os Matis que circulavam por aqueles rios. Os contatos e a preocupação da FUNAI com a saúde dos isolados eram frequentes durante o verão (ISA, 2006-2010). Em 2007 a FPEVJ registrou catorze avistamentos dos isolados korubo nas margens dos rios (Amorim, 2008). Ao final daquele ano, os isolados chegaram a contatar os Kanamari duas vezes, e receberam objetos e doações de roupas usadas. No ano seguinte, a FUNAI comunicou-se à distância com os isolados no rio Itaquaí, alertando-os sobre os perigos envolvidos nesses contatos esporádicos (Oliveira, 2009).
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Nessa época, a maioria dos Korubo recém-contatados já tinha sido removida para tratamentos de saúde nas cidades do entorno. Esse subgrupo dividiu a concentração inicial no igarapé Quebrado e formou duas aldeias no rio Ituí: uma na localidade Mário Brasil; a outra fundou uma aldeia chamada Roça. Eles estabeleciam relações de petição e troca com os não-indígenas da FPEVJ/FUNAI e da FUNASA. Sofriam com malária, doenças crônicas, como osteoartrose e até hepatites virais (Coutinho Júnior, 2008).
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Mesmo com a homologação da TI Vale do Javari em 2001, as invasões continuaram e a fiscalização dos limites da TI era pauta no debate (Amorim; Conde, 2010). Em 2010 um sobrevoo da FPEVJ mostrou uma redução demográfica dos isolados korubo, supostamente ocasionada pela aquisição de doenças durante os contatos esporádicos nas margens dos rios Ituí e Itaquaí. Das nove malocas catalogadas nos anos 1990, apenas uma estava habitada.
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Em 2012 os Korubo recém-contatados reorganizaram novamente a configuração de duas aldeias na margem esquerda do rio Ituí: ''Talawaka'' e ''Tapalaya''. O subgrupo do contato oficial realizado em 1996 foi nomeado pela FUNAI como o “grupo da Maya”, uma matriarca korubo. Essa reduzida população enfrentava dificuldades para obter alimentos e realizar matrimônios. O contínuo estado de fuga anterior ao primeiro contato com a FUNAI os impediu durante muito tempo de manterem roças e malocas. Expressavam então à FUNAI o desejo de contatar os subgrupos korubo que permaneceram em isolamento, sobretudo, aquele localizado no rio Itaquaí.
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Os recém-contatados chegaram a contatar os isolados à revelia do órgão indigenista em novembro de 2011. Na ocasião, houve um conflito, sem óbitos, em que os Korubo de recente contato foram atacados pelos isolados no rio Coari (Amorim, 2011; Vargas da Silva, 2017b). A comunicação com esse primeiro subgrupo korubo foi decisiva para os outros três contatos oficiais da FUNAI com os isolados em 2014, 2015 e 2019.
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O primeiro contato oficial da FUNAI com o subgrupo korubo ocorreu, sobretudo, devido a conflitos com os não-indígenas. O segundo momento de contato oficial entre a FUNAI e outro subgrupo korubo foi em setembro e outubro de 2014, com a participação dos Kanamari, e a atuação em campo dos indigenistas Eriverto Vargas (Beto Marubo), Leonardo Lenin e Fabrício Amorim.
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Desde 2005, durante os verões, a FPEVJ recebia relatos de avistamentos de isolados korubo nas margens do rio Itaquaí. A partir de 2013 um sobrevoo mostrou uma redução significativa das roças e malocas desses isolados (Vargas da Silva; Albertoni, 2014). Em agosto de 2014 a FPEVJ obteve notícias deles, pois apareceram próximos às roças kanamari da aldeia Massapê Novo, no rio Itaquaí.
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No dia 22 de agosto de 2014, uma equipe da FPEVJ foi averiguar os relatos acima da foz do rio Branco, onde encontrou um casal e uma criança, e dialogou com eles à distância. A mulher apresentava infecção por acidente ofídico em uma das pernas. Com o auxílio de um tradutor korubo do “grupo da Maya”, o casal informou à equipe que aqueles que apareceram na aldeia kanamari eram os seus parentes e que não retornariam para as suas malocas, pois não havia roças e os mais velhos tinham falecido (Santos, 2014). Após o diálogo, a equipe investigou os vestígios e retornou para a BAPE sem realizar o contato com esse subgrupo.
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Em setembro de 2014, os Kanamari da aldeia Massapê, no alto rio Itaquaí, avistaram seis isolados (o mesmo casal e quatro crianças) e os levaram para a aldeia. As equipes da SESAI e FUNAI, com tradutores matis e korubo, os levaram para a BAPE e, posteriormente, para junto do “grupo da Maya” no rio Ituí. Ali o subgrupo recém-contatado cumpriu quarentena e recebeu o atendimento médico.
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O homem desse grupo chamava-se Visa e faleceu em 2020. Na ocasião, ele informou que seus parentes permaneceram isolados no rio Itaquaí, dentre eles, sua mãe, Lalanvet. Muitos deles estavam doentes e faleceram infectados por malária. Por causa dos óbitos, eles migraram para o alto rio Itaquaí e se instalaram próximos às aldeias kanamari.
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No dia 08 de outubro de 2014 os Kanamari informaram que o restante desse subgrupo (quinze pessoas) apareceu em uma roça da aldeia Massapê Novo, dentre eles, a mãe e o irmão de Visa, Lalanvet e Pinu. Ao todo, nesse segundo contato oficial eram vinte e um korubo isolados no rio Itaquaí. Desde 2010 eles perambulavam pelo igarapé Marubo, também chamado Marubão. Por isso, a FUNAI os identificou como “grupo do Marubão” (Vargas da Silva, 2017b).
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O terceiro momento de contato oficial entre a FUNAI e os Korubo envolveu os Matis e também aconteceu em duas etapas. Ainda em 2014, outro grupo de isolados korubo se aproximou da aldeia matis Todowak, construída em 2010 no rio Coari, uma antiga área de ocupação matis que foi retomada. Entretanto, com a ausência dos Matis durante quase trinta anos, a área havia sido ocupada pelos korubo isolados no interflúvio médio rio Coari e baixo rio Branco.
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Em 05 de dezembro de 2014, a Coordenação Regional da FUNAI em Atalaia do Norte, Amazonas, foi notificada sobre um conflito entre os isolados e homens matis da aldeia Todowak (Pereira, 2018). Seis isolados apareceram quando três matis (Damë, Xucuruta e Tumi Tukun) plantavam milho e os atacaram com pedaços de pau. Era a primeira roça matis na margem direita do rio Coari. Os isolados levaram a arma de Tumi Tukun e deixaram a de Damë junto ao seu corpo (Matos, 2015). Tumi Tukun escapou. Damë e Xucutura faleceram.
  
Os Korubo são falantes de uma língua ainda não classificada, que provavelmente faz parte da família lingüística Pano, bastante semelhante às línguas faladas pelos [[Povo:Matis | Matis]] e pelos [[Povo:Matsés | Matsés]] (Mayoruna), que vivem em territórios contíguos ao dos Korubo. Por causa dessa proximidade lingüística e geográfica, a maior parte do grupo compreende e fala as línguas dos grupos vizinhos, principalmente a dos Matis.
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O órgão indigenista inferiu que, após a mudança dos Matis das aldeias Aurélio e Beija-flor no rio Ituí para o rio Coari em 2010, os sucessivos encontros entre os Matis e os isolados korubo levaram à ocorrência de surtos epidemiológicos entre os isolados e, consequentemente, decessos populacionais que culminaram nesse ataque. Atualmente, os Korubo no rio Ituí argumentam que o fator propulsor desse ataque foi o falecimento de uma criança, Tiwa, que adoecera e seu pai, Mëlanvo, não teria conseguido curá-lo com plantas medicinais, passando a acusar os Matis de feitiçaria. Mëlanvo e outros dois korubo decidiram então atacar os Matis.
  
Sabe-se que o pequeno grupo korubo contatado em 1996 compreende bem os Matis, etnia com a qual tem estabelecido boas relações. Contudo, é importante ressaltar que, antes do contato, ambos os grupos eram inimigos entre si e por isso partilhavam uma história de rivalidades e de guerras. Atualmente, por causa dessa história marcada por mortes, raptos e destruição de casas, os Matis ainda guardam um certo medo dos Korubo que vivem isolados.
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O conflito com os Korubo tensionou as relações entre os Matis e o órgão indigenista. Inicialmente, os Matis responsabilizaram a FUNAI pelas mortes de Damë e Xucuruta. Para os Matis, os isolados no rio Coari sentiram a falta dos Korubo que habitavam o rio Itaquaí (contatados em 2014), removidos pela FUNAI, a pedido dos recém-contatados, para junto dos demais no rio Ituí (contatados em 1996). A FUNAI em diálogo com os Korubo do rio Itaquaí soube que eles não estabeleciam relações com os isolados no rio Coari há décadas e, portanto, esse não era o motivo principal do ataque dos isolados aos homens matis na roça da aldeia Todowak (Pereira, 2018).
  
A influência que hoje os Matis exercem sobre os Korubo é grande e bastante explícita. Um exemplo claro é o fato de utilizarem a língua Matis para se reportarem aos membros da Frente de Proteção Etno-ambiental Vale Javari. A trajetória pós-contato contribui para que houvesse um melhor entendimento da língua Matis, já que a Frente de Contato e, posteriormente, Frente de Proteção Etno-ambiental Vale do Javari priorizou os Matis como intérpretes e como mediadores das atividades com os Korubo.
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Após conversas e tensões, os Matis da aldeia Todowak aceitaram a proposta de se mudarem para as aldeias matis Tawaya e Bukuwak no rio Branco. Até então a possibilidade de uma retaliação por parte dos Matis aos isolados não havia sido confirmada. A FUNAI retornou ao local do ataque com um grupo matis e o sobrevivente Tumin Tukun esclareceu o conflito com os isolados. No dia 10 de dezembro de 2014 um matis da aldeia Todowak confessou à FUNAI que os Matis revidaram a morte de Damë e Xucuruta no dia seguinte ao conflito (06 de dezembro de 2014), matando vários isolados korubo que estavam em tapiris novos e possuíam milho plantado.  
  
Os Korubo também compreendem a língua Matsés (Mayoruna), mas não tão bem como a dos Matis.
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O fato é que, após a morte de Tiwa, os isolados atacaram os Matis, matando Damë e Xucuruta na roça da aldeia Todowak em dezembro de 2014. Essas duas mortes foram vingadas pelos Matis que, com espingardas, mataram no mínimo oito isolados. Por isso, os Matis apressaram-se em mudar a população da aldeia Todowak do rio Coari para as aldeias matis no Rio Branco. A partir de então, os Matis cobravam da FUNAI que o contato oficial com os isolados no rio Coari fosse realizado para evitar novos conflitos (Pereira, 2018).
  
Alguns índios, com contatos mais freqüentes com representantes da Frente, compreendem e falam razoavelmente o português. Há uma cobrança por parte do grupo para que aprendam o português, no intuito de melhor interagir com a sociedade nacional. Os Korubo costumam ouvir comentários e relatos dos Matis sobre suas visitas à cidade e assim ficam bastante curiosos. No entanto, mesmo possuindo um conhecimento razoável do português, os Korubo evitam conversar nesse idioma, preferindo usar a língua Matis (ou os próprios Matis como intérpretes) para se comunicarem com os membros da Frente. Além disso, percebe-se que eles se apropriaram de algumas palavras matis e as incorporam em seu vocabulário.
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Os Matis argumentavam que o contato da FUNAI com os isolados korubo seria uma forma de assegurarem a permanência das suas aldeias no rio Branco (Pereira, 2018). Em reunião, no mês de janeiro de 2015, a FUNAI esclareceu junto aos Matis que o translado do subgrupo korubo do rio Itaquaí para o rio Ituí foi uma decisão dos Korubo recém-contatados, que afirmavam não ter relações muito próximas com o subgrupo isolado no rio Coari.  
  
Além da influência matis sobre a língua Korubo, nota-se que os Matis são supervalorizados pelos Korubo. Estes defendem os Matis em inúmeras situações - tanto verbal como fisicamente - especialmente em ocasiões de conflito com membros de outras etnias e com os funcionários da Frente.
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A partir disso, os Matis argumentaram que as mortes de Damë e Xucuruta na roça da aldeia Todowak foram o resultado de outro conflito, ocorrido em novembro de 2011, entre os isolados no rio Coari e o “grupo da Maya” (contatados em 1996). Após esse incidente de 2011, os isolados no rio Coari passaram a travar encontros fortuitos com os Matis da aldeia Todowak. Na medida em que os Matis desciam às cidades do entorno para acessar políticas públicas, os encontros com os isolados tornaram-se frequentes (Vargas da Silva, 2017b).
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== Localização ==
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Após essa conversa com os Matis em janeiro de 2015 diversas ações foram realizadas: um diagnóstico do uso do território compartilhado entre os Matis e os isolados (Matos, 2015); uma expedição de retorno à aldeia Todowak para recolher pertences que ficaram para trás na mudança, ocasião em que a FUNAI verificou vestígios da presença dos isolados na aldeia matis abandonada; outra expedição com os Matis no alto rio Branco; um sobrevoo em setembro de 2015 mostrou que grandes malocas korubo no interflúvio dos rios Coari e Branco estavam abandonadas. Havia novas roças e pequenas habitações em outros dois pontos distintos.
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Os Matis e a FUNAI estavam se preparando para abertura da nova aldeia matis, nomeada Kudaya, no rio Branco, quando no dia 26 de setembro de 2015 via radiofonia a FUNAI soube que os Matis contataram uma parte de um subgrupo korubo isolado nas proximidades da aldeia Tawaya, no rio Branco (Pereira, 2018). Esse evento desencadeou o terceiro momento de contato oficial do órgão indigenista com os Korubo sob a atuação em campo dos indigenistas Eriverto Vargas (Beto Marubo), Bruno Pereira e Fabrício Amorim.
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Os Matis rastrearam um cocho de paxiúba utilizado pelos isolados até encontrarem um grupo de crianças korubo. Levaram-nas para a aldeia Tawaya no rio Branco para chamar a atenção dos adultos. Outro grupo matis ficou no local aguardando os adultos retornarem atrás das crianças (FUNAI, 2016). Os adultos e as crianças foram levados para um acampamento no rio Branco. Ao todo eram dez pessoas: três homens, duas mulheres, um adolescente e quatro crianças. Uma equipe composta pela FUNAI e SESAI se deslocou para dar início ao plano de contingência em situações de contato.
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Na aldeia Tawaya o clima era de tensão entre o órgão indigenista e os Matis. Por um lado, a FUNAI queria priorizar o atendimento sanitário devido às informações sobre a ocorrência de sintomas gripais entre os Matis e alguns Korubo recém-contatados. Por outro lado, os Matis preocupavam-se com a possibilidade da FUNAI remover os Korubo do rio Branco – conforme o que acontecera com os aqueles contatados no rio Itaquaí em 2014, transladados para o rio Ituí após o contato oficial com a FUNAI (Pereira, 2018). Ademais, os Matis demandavam que a FUNAI contatasse o restante dos isolados no rio Coari.
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No dia 01 de outubro, a FUNAI decidiu então assumir a direção do contato e os Matis reagiram. Após horas de diálogo, os Matis aceitaram que a FUNAI coordenasse os trabalhos pós-contato com aqueles dez korubo contatados no rio Branco. Dias depois, no dia 07 de outubro de 2015, a FUNAI foi informada via radiofonia que os Matis encontraram outras onze pessoas, além das dez que já estavam cumprindo os procedimentos de quarentena.
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Após os contatos efetuados pelos Matis com os korubo isolados, as discussões entre o órgão indigenista e os Matis sobre o destino dos recém-contatados continuaram. Com o consentimento dos dez korubo recém-contatados, os outros onze somaram-se ao mesmo acampamento onde a quarentena de todos foi reiniciada. Posteriormente, após outras tensões envolvendo os Matis e o órgão indigenista, os recém-contatados em 2015 se estabeleceram no rio Ituí, junto aos subgrupos contatados em 1996 e 2014 (Vargas da Silva, 2017b).
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Após esse terceiro contato oficial entre o órgão indigenista e os isolados em 2015, permeado por conflitos com os Matis, uma parte dos Korubo permaneceu em isolamento no rio Coari. Por isso, tanto os Matis, quanto os Korubo contatados em 2015 pediam à FUNAI a realização do quarto contato oficial com essa parcela em isolamento.
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Esse quarto momento de contato oficial entre a FUNAI e os isolados foi realizado em março de 2019 e envolveu a participação dos Korubo de recente contato: os Korubo contatados em 1996 atuaram como tradutores, enquanto os contatados 2015 foram os principais mediadores no diálogo com os seus parentes isolados no rio Coari.
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Uma expedição chefiada pelo indigenista Bruno Pereira, com uma equipe de cerca de trinta pessoas (dentre elas, seis korubo), saiu da BAPE Ituí-Itaquaí no dia 03 de março de 2019 para o rio Coari e construiu um acampamento próximo ao igarapé Coarizinho. No dia 13 de março verificou-se que os isolados não estavam em suas malocas. A equipe passou a procurá-los nas roças antigas. Dias depois, a equipe de contato localizou dois isolados que se emocionaram ao reencontrarem seus parentes, contatados pela FUNAI em 2015. No dia seguinte a esse primeiro encontro outros vinte e dois korubo se aproximaram da equipe. Posteriormente, mais dez pessoas apareceram.
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Ao todo, o quarto momento de contato oficial da FUNAI foi com um grupo de trinta e quatro korubo no rio Coari. Segundo informações da FUNAI: “Quatorze deles com idade aproximada entre 20 e 48 anos, sendo oito homens e seis mulheres, duas delas grávidas. O grupo conta, ainda, com 21 crianças e jovens de até 16 anos, sendo nove meninos e 12 meninas. Dessas, três bebês de menos de um ano de idade”.
  
Os Korubo habitam a região de confluência dos rios Ituí e Itaquaí, que é um afluente direto do Javari, rio que dá o nome à Terra Indígena onde estão inseridos. A TI está situada no extremo oeste do estado do Amazonas e abrange a região de fronteira do Brasil com o Peru.
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Desde então a FUNAI em colaboração com a SESAI mantém um acampamento de contato no rio Coari para monitoramento da integridade física e sanitária desse subgrupo recém-contatado em 2019. O acampamento envolve equipes de trabalho que se revezam em média a cada trinta-sessenta dias. Cada equipe conta com a participação de dois a três homens korubo (dos subgrupos contatados em 1996, 2014 e 2015), que recebem da FUNAI pagamentos monetários ou em forma de bens.
  
Na [https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3895 TI Vale do Javari], existem, além dos Korubo e de outros grupos isolados, sete etnias que têm estabelecido diferentes relações de contato com a sociedade nacional: [[Povo:Kanamari | Kanamari]], [[Povo:Kulina Pano|Kulina Pano]], [[Povo:Kulina | Kulina Arawá]], [[Povo:Marubo | Marubo]], [[Povo:Matis | Matis]], [[Povo:Matsés | Matsés ]](Mayoruna) e um pequeno grupo chamado [[Povo:Tsohom-dyapa | Tsohom Djapá]]. É importante ressaltar que a região formada por essa TI e pelas áreas banhadas pelos rios Manu e Purus, no Peru, é o lugar onde há o maior número de índios isolados do mundo.
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Atualmente, existe outro subgrupo korubo em isolamento. Em 2012, a FUNAI registrou o ataque de isolados korubo aos Kanamari na margem esquerda do rio Curuena, afluente do alto rio Jutaí. No ano seguinte, através de sobrevoo, o órgão indigenista localizou roças e malocas dos isolados nessa localidade (Coutinho Júnior, 2018; Vargas da Silva, 2017a). Em outubro de 2020, um sobrevoo realizado pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA) constatou que essa parcela dos isolados está sofrendo pressões do garimpo ilegal nessa porção da TI.
 
 
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Ananda Conde|Ananda Conde]]. -->
 
  
== População ==
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=== Cisões e dispersões ===
{{#miniatura: left
 
|Índios Korubo, Terra Indígena Vale do Javari, Amazonas. Foto: Ananda Conde
 
|http://img.socioambiental.org/d/298475-3/korubo_5.jpg
 
}}
 
  
O censo elaborado pela Frente de Proteção Etno-Ambiental Vale do Javari em 2007 contabilizou 26 pessoas. Entretanto, no final desse ano, uma criança com problemas congênitos faleceu, restando 25 índios.
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Entre o contexto de exploração extrativista na região e o contato com o subgrupo korubo no rio Branco em 2015 houve pelo menos cinco cisões internas que redefiniram as áreas de perambulação dos Korubo. Havia uma concentração das roças korubo no interflúvio dos rios Ituí e Itaquaí, na medida em que a área de perambulação se expandiu para outras regiões dentro da TI Vale do Javari.
  
Houve, na última década, um crescimento populacional considerável. Segundo os censos anteriores, desde o contato estima-se uma elevação demográfica de cerca de 50%. Contudo, a população masculina é predominante, o que dificulta novos casamentos: são 14 homens e 11 mulheres (seis mulheres são crianças e as demais são casadas). Um dos homens adultos não é casado e levanta a possibilidade de buscar companheira entre os Korubo que permanecem isolados. Entretanto, é muito difícil que encontre uma companheira entre os isolados, pois corre risco de ser morto.
+
A primeira cisão de que temos notícia foi motivada pelo rapto de duas mulheres entre os korubo. Essa ocasião foi narrada à FUNAI por integrantes do subgrupo contatado em 1996. Wio Maluxin e Maluxin, irmãs da Maya (matriarca do subgrupo contatado em 1996), foram raptadas por Txikit e levadas para viver próximo à bacia do rio Coari – configurando parte dos subgrupos que viriam a ser contatados pela FUNAI em 2015 e 2019. Esse evento estimulou relações guerreiras entre os grupos da Maya e do Txikit (Vargas da Silva, 2017b).  
  
Atualmente, os Korubo estão sendo acometidos por diversas doenças, como a malária (no início do ano de 2008, todos os membros do grupo foram infectados) e outras enfermidades resultantes do contato. No mês de maio do ano de 2008, uma força-tarefa da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) em conjunto com as Forças Armadas e diversas instituições de amparo à saúde, realizada com intuito de levantar as enfermidades mais comuns entre os índios e atender toda a população contatada, contabilizou quatro casos de hepatite C entre os Korubo. Na ocasião, verificou-se que dois Korubo foram contaminados com o vírus da hepatite B, mas obtiveram imunização natural, e mais de 50% ainda não foram imunizados por meio das vacinas antivirais.
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A segunda cisão ocorreu no rio Itaquaí e foi reflexo do massacre dos não-indígenas aos três korubo no lago Gamboá em 1989 (ISA, 1987/88/89/90). Na ocasião foram mortos pelos não-indígenas Paxtu, Patxi e Kanikit (irmão, cunhado e sobrinho da Maya). A morte dos três korubo despertou a ira de Nëmulo contra sua irmã, Maya, por ser a principal responsável pelos contatos esporádicos com os não-indígenas na beira dos grandes rios.  
  
O mais provável é que a doença tenha sido levada pelos [[Povo:Matis | Matis]], tendo em vista que esses índios realizam visitas freqüentes às cidades de Atalaia do Norte e Benjamin Constant, áreas com concentração de enfermidades virais como a Hepatite B (VHB) e C (VHC) e o vírus HIV. Acrescenta-se a isso o fato de que as hepatites virais A, B e C têm afligido progressivamente os Matis, e assim tem havido um aumento exorbitante das enfermidades nas aldeias.
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Nëmulo matou então Pete, Tëpi e Lua (marido, genro e filho da Maya). Nesse contexto de conflitos internos provocados por decessos populacionais resultantes de conflitos com não-indígenas, Maya separou-se de Nëmulo, levando consigo sua irmã Maluxin, Txuma e os filhos.  
  
Já foi mencionado que os Matis, de uma maneira geral, são bastante estimados pelos Korubo. Aproveitando-se desse contexto de aliança, os Matis usam as comunidades korubo como abrigo e ponto de apoio para suas viagens às cidades mais próximas. Desse modo, quando retornam, pernoitam nas aldeias korubo, já que estão situadas no mesmo rio que leva às comunidades matis, mas em uma área mais próxima de Atalaia do Norte e Benjamin Constant.
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Estima-se que entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990, o “grupo da Maya” passou a ocupar a área do rio Quixito, o rio Ituí e o igarapé Quebrado, margem esquerda do rio Ituí (Oliveira, 2019). Esse subgrupo saqueou roças das comunidades ribeirinhas Ladário e Monte Alegre até que, em 1995, outro massacre aconteceu: Txuma e Malu foram alvejados por não-indígenas (Franciscato, 2000). O subgrupo se escondeu até ser encontrado pela FUNAI em 1996, quando houve o primeiro contato pacífico e oficial.
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Ananda Conde|Ananda Conde]]. -->
 
  
== Histórico do contato ==
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Nëmulo e o seu grupo, dentre eles Lalanvet (a filha mais velha da Maya), permaneceram na região do rio Itaquaí e do interflúvio com o rio Jandiatuba até que a morte dele gerou uma terceira cisão, pois despertou a ira de Paxtu Vakwë. Mananvo temendo a reação de Patxu Vakwë dispersou com um grupo na direção do rio Jandiatuba, configurando a terceira cisão. O grupo de Paxtu Vakwë retornou para a confluência dos rios Ituí e Itaquaí, instalando-se na região do igarapé Marubo, enquanto o grupo do Mananvo foi em direção ao rio Curuena e permanece em isolamento (Vargas da Silva, 2017b).  
=== As frentes de expansão e as experiências de contato ===
 
{{#miniatura: right
 
|Sidney Possuelo e um guia matis que serviu de intérprete no primeiro contato pacífico com os Korubo. Foto: Ricardo Beliel, 1996
 
|http://img.socioambiental.org/d/298415-1/sidney_korubo_contato.jpg
 
}}
 
  
Há registros de contatos esporádicos do grupo desde os anos de 1920. Segundo um levantamento dos conflitos no Vale do Javari (1996), realizado pelo antigo Departamento de Índios Isolados, o mais antigo registro de massacre de índios Korubo data de 1928, quando mais de 40 índios Korubo foram mortos por um grupo peruano acompanhado de índios [[Povo:Ticuna | Ticuna]].
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As mortes de Paxtu Vakwë e outros korubo desse subgrupo no rio Itaquaí ocasionaram uma desestabilização. Eles passaram então a aparecer com frequência nas margens desse rio para pedir comida, aproximando-se das roças kanamari até serem contatados em 2014. A quarta cisão, gerada pela morte de Paxtu Vakwë, foi interna ao subgrupo korubo no rio Itaquaí: Pinu e Visa (este último falecido em 2020) passaram a disputar Malu após o falecimento de Paxtu Vakwë, o pai deles. Nesse contexto, Visa e Malu fugiram, apareceram próximo à aldeia kanamari e foram contatados primeiro pela equipe da FUNAI. Posteriormente, Pinu e o restante do grupo, incluindo Lalanvet, foram contatados.  
  
No final do século XIX e início do século XX, inicia-se a exploração econômica do interior do Vale do Javari, em decorrência do surto da borracha. Muitos índios foram obrigados a trabalhar nessa atividade, de forma escravizada, em troca de alguns artigos industriais e da própria sobrevivência. Tinham duas alternativas: ou trabalhavam para os chamados “patrões” ou eram exterminados. Nesse período houve a extinção de diversos grupos indígenas e aqueles que sobreviveram sofreram depopulação.
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Uma quinta cisão interna subjaz o contato realizado em 2015 no rio Branco, quase um ano após o conflito entre os isolados korubo e os homens matis na roça da aldeia Todowak. Um caso de relacionamento extraconjugal gerou uma cisão entre os Korubo no rio Coari. Uma parcela desse subgrupo atravessou o rio Branco e foi encontrada primeiro pelos Matis. Após o contato, a FPEVJ constatou que essa parte do subgrupo não levou manivas e sementes. Por isso, ficaram próximos das roças matis (Vargas da Silva et al, 2016). Os demais foram atrás deles e também foram abordados pelos Matis.
  
Alguns anos após o início da exploração de borracha na Amazônia houve um período de estagnação econômica em decorrência da exploração da borracha cultivada no Oriente. O declínio do preço da borracha desencadeou a falência dos empreendimentos e, conseqüentemente, o decréscimo de não-índios que ocupavam a região do Vale do Javari.  Esse contexto contribuiu para que os grupos indígenas sobreviventes se reestruturassem. Contudo, a pressão das frentes de expansão na região não se extinguiu. Os povos que viviam na chamada “terra firme” do Vale do Javari mantiveram-se “isolados” até os anos de 1950 quando as atividades de extração de madeira se expandiram, alcançando os seus territórios.
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Atualmente, além do contato com o órgão indigenista, os Korubo de recente contato mantêm relações permanentes com a equipe multidisciplinar da SESAI e, no caso dos Korubo no rio Ituí, contatos esporádicos com pesquisadores e outros povos da TI Vale do Javari, especialmente os Marubo, povo com o qual compartilham esse rio. Em 29 de maio de 2019, por meio da Portaria nº693/PRES/2019, a FUNAI instituiu o “Programa Korubo”: pioneiro em ações integradas para o atendimento de povos indígenas de recente contato.
  
Deu-se início aos primeiros conflitos com os índios isolados. O próprio Exército reprimiu duramente os povos da região em favor dos empresários peruanos e brasileiros que se sentiam ameaçados pelos índios e que tinham interesse nas terras por eles ocupadas.
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Eventualmente, os Korubo do rio Ituí deslocam-se à Tabatinga, Amazonas, com o apoio da FUNAI e/ou da SESAI, para atendimento à saúde, recebimento de pagamentos pelos serviços prestados à FUNAI, retirada de documentos, entre outros. Devido ao passado conflituoso com os não-indígenas e à condição de “recente contato”, os Korubo não deslocam-se ou circulam pelas cidades sem o acompanhamento das instituições.  
  
Já na década de 1970, uma parte considerável do interior do Vale do Javari  estava ocupada por ribeirinhos que se consideravam ocupantes legítimos da região. Exploravam a mão-de-obra dos índios “mansos” e exterminavam aqueles grupos que apresentavam resistência, os chamados “índios brabos”. Os Korubo faziam - e ainda fazem - parte dos “índios brabos” que povoam o imaginário coletivo da região.
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== População e aldeias ==
  
Além disso, na mesma década, houve a incursão da Petrobrás, que iniciou um trabalho de pesquisa de prospecção sísmica, caracterizado pela abertura de clareiras na mata e a realização de explosões. Essas atividades lesivas ao meio ambiente intensificaram o conflito entre índios e os não-índios na região e contribuíram ainda mais para o clima de tensão que já havia, obrigando os grupos isolados, entre eles os Korubo, a se dispersarem.<htmltag href="http://img.socioambiental.org/d/298459-2/korubo_1.jpg" rel="lightbox[g2image]" tagname="a" title="Índios Korubo na década de 70, rio Itaquaí, Terra Indígena Vale do Javari, Amazonas.">
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A população dos isolados korubo, de modo geral, apresentou significativos decessos ao longo dos anos 1980, 1990 e 2000. Todavia, o subgrupo contatado pela FUNAI em 1996, além de apresentar acréscimos na taxa de natalidade, somou-se aos subgrupos contatados em 2014, 2015 e 2019.
</htmltag>
 
{{#miniatura: left
 
|Índios Korubo na década de 70, rio Itaquaí, Terra Indígena Vale do Javari, Amazonas. Sem crédtio
 
|http://img.socioambiental.org/d/298459-3/korubo_1.jpg
 
}}
 
  
A Funai iniciou seus trabalhos no Vale do Javari, em 1971, em apoio à abertura da rodovia Perimetral Norte, que fazia parte do Plano de Integração Nacional. Para isso, instalou na cidade de Atalaia do Norte a “Base Avançada de Fronteira do Solimões”, criando cinco Frentes de Atração no interior do Vale do Javari. A maior parte delas acabou prestando assistência aos grupos já contatados e, posteriormente, transformaram-se em Postos Indígenas.
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Nos anos 1980, segundo dados de Melatti, estimava-se que a população dos isolados korubo variava entre 200 e 2.000 pessoas (ISA, 1983). Em 1984, segundo estimativa de Cavuscens, esse contingente variava entre 200 a 300 pessoas (ISA, 1984), o que se confirmaria nos anos seguintes. Entre 1999 e 2000, o censo realizado pelo DSEI Vale do Javari registrou que, em 1985, a população dos isolados era 300 pessoas e, com os decessos significativos nos anos seguintes, restaram apenas 250 (ISA 1996-2000). Em contrapartida, a população recém-contatada pela FUNAI em 1996 crescia de 18 para 25 pessoas (ISA, 2001-2005).  
  
O Posto Indígena de Atração (PIA) Marubo foi criado em 1972, na margem direita do rio Itaquaí, um pouco acima do igarapé Marubo. Uma equipe chefiada por Sebastião Amâncio da Costa tinha por objetivo estabelecer contato pacífico com os índios isolados conhecidos como “caceteiros”, denominação dada aos Korubo pelos regionais. Na época, a Funai acreditava que os isolados eram parte de um grupo [[Povo:Marubo | marubo]].
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Em informe no mês de junho de 2009, o movimento indígena do Vale do Javari expressou sua preocupação com um possível decesso entre os isolados korubo: das nove comunidades registradas desde os anos 1990, em sobrevoo observou-se que apenas uma delas estava visivelmente habitada, com redução significativa do tamanho das roças e malocas, sem vestígios de deslocamentos dos isolados para outras localidades (ISA, 2006-2010). Se, por um lado, os isolados sofriam decessos; por outro, os Korubo recém-contatados manifestavam índices de contaminação por hepatites virais (Coutinho Júnior, 2008).  
  
Um ano após a instalação do PIA, quando já havia se estabelecido alguns contatos com o grupo isolado, houve um ataque dos Korubo ao Posto, resultando na morte da família do servidor Moisés. Ainda no mesmo ano, ocorreu outro ataque dos Korubo, que matou o servidor Sebastião Bandeira e feriu gravemente o servidor Bernardo Muller.
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Mas, ainda assim, a população korubo de recente contato continuava crescendo. Desde o contato realizado pela FUNAI em 1996, registraram-se quatro óbitos e nove nascimentos. Em 2009 os recém-contatados somavam 25 pessoas (Oliveira, 2009). No ano seguinte, em 2010, conforme censo realizado pela FPEVJ, os Korubo de recente contato passaram a 27 pessoas, inicialmente localizadas nas proximidades do igarapé Quebrado. Posteriormente, dividiram-se em duas localidades: uma aldeia nomeada Roça, e outra aldeia na localidade Mário Brasil. Nessa época, alguns recém-contatados já conheciam Tabatinga, Amazonas, através de remoções sanitárias feitas pela SESAI (ISA, 2006-2010).  
  
Depois dos incidentes, o PIA Marubo foi transferido para a margem oposta, um pouco abaixo da confluência dos rios Itaquaí e Branco, e ficou sob a chefia do sertanista Valmir Torres. Segundo os relatos de Torres, os índios sempre chegavam com armas e demonstravam atitudes hostis ao visitarem o acampamento. Acreditava-se que a autodenominação do grupo era Kaniwa (hoje se sabe que ''kaniwa'' quer dizer cunhado em diversas línguas da família Pano).
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Ainda em 2010, a população korubo total, envolvendo isolados e de recente contato, foi contabilizada em 142 pessoas (IBGE; FUNAI, 2010). Sete anos depois, em 2017, estimava-se que essa população era 150 pessoas, 82 delas em contato permanente com o órgão indigenista oficial (Vargas da Silva, 2017b). Às 82 pessoas, somaram-se nascimentos e as 34 pessoas contatadas no rio Coari em 2019.
  
Em novembro de 1974, a equipe do Posto entrou em contato com um grupo korubo. No mês seguinte, foram realizados sobrevôos que localizaram malocas na margem esquerda do rio Ituí. Segundo o Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Vale do Javari, em fevereiro 1975, “cerca de 200 Korubo mostram-se na margem oposta do PIA”.
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Hoje, a população korubo de recente contato soma 127 pessoas. As 93 pessoas localizadas no baixo curso do rio Ituí estão divididas em quatro aldeias, próximas à BAPE/FUNAI na confluência dos rios Ituí e Itaquaí: ''Sentele Maë'' (também chamada ''Maë Xëni'', Roça Velha), ''Tapalaya'' (na localidade Mário Brasil), ''Tankala Maë'' e ''Vuku Maë''.  
  
No mesmo ano, os Korubo visitaram novamente o posto e pediram facões, machados, entre outras coisas. No dia seguinte à visita, a equipe localizou uma aldeia com seis malocas e cerca de 200 índios. Contudo, o PIA foi atacado novamente pelos Korubo, ocasionando mais uma baixa, a do servidor Jaime Sena Pimentel, em 1975. Devido a esse episódio e às falhas na aproximação e no contato pacífico, o posto foi desativado.
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A concentração populacional das aldeias korubo é constantemente redefinida pela patrilocalidade e pelas cisões decorrentes dos conflitos entre grupos familiares. Na relação com os não-indígenas, a figura do cacique geral emerge e ganha evidência. Contudo, os Korubo de recente contato ainda funcionam sob a lógica dos grupos familiares extensos, característica que se reflete na configuração atual das quatro aldeias no rio Ituí.
  
No início de 1982, com a criação do Posto de Atração do Itaquaí, sob a chefia do indigenista Pedro Coelho, e com acampamento na localidade de , inicia-se uma nova tentativa de aproximação com os Korubo. Em março, Coelho relata que os índios levaram os presentes que a equipe havia deixado em um dos postos de atração. Poucos dias depois, a equipe encontrou um grupo korubo, na margem do rio Itaquaí. Binan Matis, que trabalhou como intérprete no PIA, compreendeu algumas palavras faladas pelos índios. No dia seguinte, os índios apareceram novamente, pintados de urucum e sem armas.
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A população korubo, de modo geral, é jovem. Os maiores índices etários dos Korubo do rio Ituí variam entre 0 e 34 anos de idade, com uma concentração de 20% do valor total entre crianças de 5 a 9 anos de idade, e apenas quatro pessoas com idade acima dos 50 anos, revelando os óbitos de praticamente todos os anciãos korubo antes da homologação da TI Vale do Javari. Após o último contato efetuado pelo órgão indigenista, em 2019, o saldo de pessoas com idade acima de 50 anos passou a cinco.
  
O terceiro contato ocorreu um mês depois. Como da primeira vez, a equipe ficou em um barco, contudo os Korubo nadaram e embarcaram para conversarem durante cinco horas. O comportamento oscilava entre atitudes pacíficas e agressivas. Binan Matis foi novamente o intérprete da conversa. Nessa ocasião, verificou-se que um jovem Korubo estava doente, possivelmente com malária. No dia seguinte, eles voltaram em busca de mais presentes, mas não foram atendidos pela falta de material no posto.
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No rio Ituí, os Korubo de recente contato mantêm relações de estreita proximidade com a BAPE Ituí-Itaquaí por motivos diversos, dentre eles o atendimento sanitário. A BAPE é considerada uma das “micro-áreas” de atendimento do DSEI Vale do Javari, pois não há pólo-base da SESAI dentro das aldeias korubo no rio Ituí. Na BAPE, o DSEI Vale do Javari construiu uma Unidade Básica de Atendimento à Saúde Indígena (UBSI), onde se instala a equipe multidisciplinar que atende à saúde dos Korubo no rio Ituí em visitas periódicas, em alguns casos removendo pacientes korubo para observação e tratamento na BAPE.  
  
Os Korubo reapareceram novamente somente em julho, bem debilitados e mais magros do que de costume. Na ocasião, permaneceram por quatro horas, comunicando-se à distância, da margem oposta à do posto. No dia seguinte, reapareceram no mesmo local. Dessa vez, cinco deles nadaram até a lancha e foram medicados pelos funcionários do Posto. Os Korubo relataram a Binan Matis que havia mais gente doente em sua maloca.
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Outra equipe de saúde localiza-se no rio Coari para atendimento das 34 pessoas contatadas pelo órgão indigenista em 2019. Apesar da medicina tradicional – choros rituais, banhos com plantas medicinais e a utilização de substâncias com potencial curativo –, os Korubo necessitam da assistência prestada pela SESAI para tratamento das doenças não-indígenas, como a malária e as síndromes gripais. Há ainda registro de casos crônicos de psoríase e osteoartrose entre os Korubo no rio Ituí.
  
Todavia, depois desses contatos amistosos, houve novo ataque dos Korubo, que vitimou os servidores Amélio Wandik Chapiwa e José Pacifico de Almeida. O ataque foi o suficiente para a desativação do PIA. Na verdade, o PIA tornou-se um Posto de Vigilância que não teve o efeito esperado, já que não conseguiu retirar e nem mesmo barrar a entrada de novos invasores nos territórios dos índios isolados. Além disso, no mesmo período, foi feito um sobrevôo na região que localizou várias malocas.
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A estrutura física das aldeias korubo, por sua vez, caracteriza-se pelo solo irregular e pela ausência de descampado entre a maloca e a floresta. A maloca (''xuvu'') é o principal componente da aldeia. Em torno dela estão os varadouros que levam aos banheiros, às roças, ao igarapé, à beira do rio e, mais recentemente, estão sendo construídas casas individuais.
  
Em 1983, a Petrobrás iniciou uma pesquisa sísmica em uma área próxima ao primeiro PIA Marubo. Um ano após o início das atividades, dois servidores da Petrobrás foram mortos pelos Korubo.
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A maloca tradicional korubo tem formato alongado hexagonal e duas portas, com cerca de um metro de altura, nos vértices frontal e posterior. Os Korubo passaram a utilizar fragmentos de mosquiteiros, tecidos ou lonas nas portas da maloca para evitar a entrada de insetos. No interior da maloca há fogueiras nas extremidades e/ou próximas das redes de dormir. Estacas fincadas nas porções laterais do chão da maloca, com cerca de um metro e meio de altura, são utilizadas para atar as redes dos grupos familiares, sem o uso de esteiras de palha.  
  
Todas essas mortes cometidas pelos Korubo foram uma resposta aos ataques empreendidos pelos regionais contra eles. Por falta de registro desses ataques, é difícil dimensionar o número de índios que morreram ou ficaram feridos.
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Atualmente, uma maloca é construída por pequenos grupos de homens que extraem a matéria-prima, trançam e armam a estrutura: começando pelas laterais e finalizando pelos vértices frontal e posterior. A maloca passa por manutenções, sobretudo, no inverno, quando o eixo central do teto é reforçado por causa das chuvas. Trata-se de um espaço de comensalidade, produções artefatuais, rituais, conversas e reuniões entre os Korubo de diferentes aldeias e com as instituições estatais.  
  
Depois da morte dos servidores da Petrobrás, por exemplo, foram encontradas várias malocas queimadas e um Korubo morto. Segundo o levantamento de conflitos, realizado pelo Departamento de Índios Isolados-Funai, índios seringueiros, aviados por Flávio Azevedo, massacram a tiros um número desconhecido de índios Korubo no rio Itaquaí, em 1979. Em outro episódio, em 1981, o mesmo Flávio Azevedo, com ajuda de Manoel Vicente e João Bezerra, distribuiu farinha envenenada a um grupo korubo, no rio Itaquaí. Em 1985, um [[Povo:Kanamari | Kanamari]] encontrou um corpo de um Korubo no rio Itaquaí. Em 1986, três índios foram mortos pelos regionais.
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O centro da maloca (''nantan'') é um espaço ocupado pelos homens, que reúnem-se sentados em pequenos bancos de madeira, posicionados em formato circular, para planejar e relatar caçadas, avaliar a atuação das instituições, comentar as notícias e os acontecimentos das diferentes aldeias, comer e beber juntos. Atualmente, o ''nantan'' é também o espaço de recepção das visitas, homens e mulheres não-indígenas, que sentam-se nos pequenos bancos de madeira individuais, dispostos pelos Korubo logo que as visitas entram na maloca.
  
De todos esses ataques contra os Korubo, conhecidos e relatados pelos próprios regionais e presentes nos registros da Funai, apenas três foram legalmente reconhecidos. Contudo, os culpados continuam em liberdade e os processos parados.
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As mulheres e crianças, por sua vez, ocupam as laterais e o fundo da maloca, sentadas em suas redes, ou ainda, em esteiras de palha no chão. Essa disposição generizada acompanha a distribuição dos alimentos e a realização das refeições. O teto e as paredes da maloca servem ao armazenamento de alimentos – como pedaços de carne e milho reservados ao plantio nas novas roças –, das cerâmicas contendo curare e dos objetos industrializados que são ali pendurados.
  
Já na década de 1990, dois incidentes, que resultaram na morte de regionais, fizeram com que a Funai reiniciasse as atividades de aproximação com os Korubo. Devido às denúncias da Administração Regional da Funai de Atalaia do Norte sobre a organização de expedições punitivas e a incitação contínua a favor do extermínio dos Korubo por parte do prefeito de Atalaia do Norte, de vereadores e empresários de Atalaia e de Benjamin Constant, um pequeno grupo korubo foi contatado pela equipe da Frente de Contato, subordinada ao Departamento de Índios Isolados (atual Coordenação Geral de Índios Isolados) da Funai.
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Após o contato contínuo com os não-indígenas, verificam-se algumas modificações na estrutura e no cotidiano das aldeias korubo. Apesar da maloca ser ainda um espaço de moradia, uma das principais alterações é a recente construção de casas no estilo regional ao redor da maloca (''wëtëkit''): palafitas feitas com paxiúba e palha, habitadas por famílias nucleares. Trata-se de um padrão habitacional em processo de consolidação.  
=== O contato oficial com a Funai ===
 
  
Os primeiros avanços no contato com os Korubo começaram em agosto de 1996, quando foi localizada uma aldeia. A equipe, chefiada pelo sertanista Sidney Possuelo, rebocou para a foz do rio Ituí o barco Jacurapá, que serviria de Posto de Fiscalização. Outra embarcação, o Waiká, era o ponto de apoio nas incursões acima da foz, especialmente nas atividades de vistoria do tapiri de atração - uma moradia precária, coberta por palha, construída pelos integrantes da Frente de Contato, na beira do rio Ituí, próxima ao caminho que levava à aldeia. É ali que eram colocados os presentes usados na atração.
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Outras três recentes estruturas nas aldeias korubo são posteriores ao contato permanente com o Estado brasileiro: a casa do rádio; a casa dos remédios (''txiete xuvu'') para os atendimentos da SESAI; e, a partir de 2019, as palafitas construídas especificamente para serem “escolas”, conforme dizem os Korubo. Mais recentemente, após a inserção do subgrupo contatado em 1996 em atividades de trabalho remuneradas junto à FUNAI, os Korubo começaram a adquirir por conta própria motores geradores de luz, modificando a dinâmica de funcionamento das aldeias, que agora independem unicamente da luz solar.
  
Eis um trecho do informe do sertanista Sidney Possuelo, referente à localização da aldeia e do caminho utilizado pela equipe de contato:
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== Sazonalidade e alimentação ==
  
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As atividades produtivas dos Korubo estão diretamente ligadas à sazonalidade amazônica, a época das chuvas e do verão. Entre os meses de março e maio é o período privilegiado para as caçadas de macaco preto e macaco barrigudo, pois estão gordos. Nessa época, os Korubo saem das aldeias e acampam em tapiris na floresta para caçar e moquear grandes quantidades de carne, trazidas à aldeia após um tempo de consumo ''in loco''. Durante o verão amazônico, com o surgimento das praias, destaca-se o consumo e a coleta dos ovos de quelônios.  
Entramos na roça a uma distância de 50 a 60 metros da aldeia, separadas por uma nesga de floresta de aproximadamente 30 metros. Os índios responderam aos nossos cantos, falaram muito, porém não se mostraram. Calculamos que a maior parte dos indígenas estava em caçada ou perambulando pela região. Ficamos na roça não mais que 45 minutos. Após deixarmos alguns presentes, efetuamos o retorno ao barco, abrindo uma picada pela qual esperamos que nos visitassem. Durante as duas noites na caminhada, fomos cercados pelos índios. Eles imitavam vários animais e batiam suas bordunas no chão, chegando a jogar paus no acampamento. Sem maiores incidentes, regressamos. Temos agora concluída uma ligação física entre nós.
 
</blockquote>
 
  
No dia 29 de agosto de 1996, os membros da Frente de Contato não encontraram os brindes que haviam colocado no tapiri. Em resposta, deixaram mais brindes e um cacho de banana, em troca da farinha que foi recusada pelos índios.
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Os Korubo apreciam macaco prego, macaco cheiro, preto, macaco-barrigudo, macaco da noite, zogue-zogue, guariba e parauacu que, tradicionalmente, são caçados com zarabatana, do mesmo modo que a preguiça e espécies de aves, como mutum, jacamim, arara-vermelha, cujubim e jacu. Destes, o mutum ocupa um lugar privilegiado. Personagem do mito de origem da agricultura, por vezes, o mutum torna-se animal de criação dos Korubo, junto a cachorros, gatos, espécies de macacos, preguiças e jabutis.  
  
Em 15 de outubro de 1996, a equipe estabeleceu contato com o grupo. Na ocasião, o grupo era formado por 18 pessoas, sendo quatro mulheres, seis homens, seis meninos e duas meninas. No início do ano de 1998, um homem e dois meninos faleceram, pois contraíram malária.<htmltag href="http://img.socioambiental.org/d/298464-3/korubo_2.jpg" rel="lightbox[g2image]" tagname="a" title="Grupo isolado aparição às margens do rio Ituí, Terra Indígena Vale do Javari, Amazonas. Sem crédito">
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Apreciam o consumo de répteis, como jacaré, algumas espécies de rãs, tracajás e jabutis. Alimentam-se também de mamíferos de pequeno, médio e grande porte, como paca, cutia, caititu, preguiça, veado, tamanduá, quati e, os mais cobiçados, a anta e os queixadas.  
</htmltag>
 
{{#miniatura: right
 
|Grupo isolado aparição às margens do rio Ituí, Terra Indígena Vale do Javari, Amazonas. Ana Paula A. de Melo
 
|http://img.socioambiental.org/main.php?g2_view=core.DownloadItem&amp;g2_itemId=298464
 
}}
 
  
Dez meses de trabalho depois do contato, com mais de 30 visitas feitas pelos Korubo à base da Frente, integrantes desta foram atacados pelos índios, que mataram a golpes de borduna o servidor Raimundo Batista Magalhães, o Sobral. Dentre as várias interpretações do episódio, a mais plausível indica que o motivo do conflito foi uma lona tomada pelos índios para construírem uma moradia. Sobral foi reclamar a pose da lona e ao recolhê-la acabou destruindo o tapiri, cujo teto havia sido feito com a lona.
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As caçadas geralmente são feitas por grupos de homens e meninos aprendizes. Em algumas caçadas, sobretudo de queixadas, mulheres e crianças os acompanham. As mulheres ajudam a tratar a caça e também a carregá-la, transportando à aldeia. Todavia, os jabutis são espécies reservadas à caçada por mulheres. Há mulheres korubo com a reputação de exímias caçadoras de jabutis.  
  
A morte de Sobral foi resultado de uma série de equivocos da Frente, que não seguiu as orientações repassadas, em memorando, ao próprio Sobral. Dentre as recomendações expressas no documento, havia uma que dizia para manter sempre a superioridade ou equivalência numérica durante uma interação dos membros da Frente com os Korubo e uma outra que proibia a ida à outra margem do rio caso os índios aparecessem. As duas orientações foram desobedecidas.
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Uma substância potencializadora das caçadas é o ''tatxik'': cipó do gênero ''Paullinia'', utilizado pelos Korubo de diversas formas. Um dos principais usos desse cipó é a bebida amarga, potencializadora dos processos de cura e das caçadas, consumida por mulheres mais velhas e homens. Os caçadores, homens e jovens aprendizes, tomam ''tatxik'' antes e depois das caçadas, durante a madrugada e ao longo do dia, sentados em bancos de madeira individuais, posicionados em formato circular no centro da maloca ou nas casas individuais. Os Korubo no rio Ituí passaram a adotar o uso de espingardas e cachorros nas caçadas.
  
Alguns dias depois desse acontecimento, os Korubo reapareceram acima da boca do igarapé Quebrado. Segundo o relato escrito pelo então chefe do PIA Ituí, foram vistos índios Korubo nas margens do Ituí que gritavam e pediam comida, entre outras coisas. A comunicação entre as partes se deu a partir da mediação dos Matis. No entanto, em nenhum momento o barco da equipe se aproximou da margem.
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Além da obtenção de proteína por meio das caçadas, os Korubo coletam mel e frutos diversos. De fevereiro a maio, coletam grandes quantidades de açaí e, entre maio e agosto, coletam buriti. Nesses períodos, a alimentação e a dinâmica de circulação dos Korubo giram em torno desses frutos que são acompanhados por proteína e produtos da roça. A coleta do açaí é feita pelos homens que sobem nas palmeiras com o uso de peconha e retiram grandes cachos, trazidos à maloca para extração da polpa com o auxílio das mulheres. A coleta do buriti, por sua vez, envolve mulheres e crianças que recolhem os frutos caídos no chão enquanto brincam e conversam, comendo e separando uma quantia para levar às aldeias.  
  
Em novembro de 1998, um grupo de cinco homens, duas mulheres e duas crianças apareceram na localidade Ladário, que fica próxima à confluência dos rios Ituí e Itaquaí, em busca de farinha e panela. Não houve ataque, mas os moradores da comunidade, amedrontados, pediram ajuda à Funai e propuseram à Administração do órgão em Atalaia do Norte que comprasse suas terras.
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Outras frutas consumidas, coletadas inclusive por crianças, são ingá, abiu, cacau do mato, cupuaçu, bacuri, cubiu e mamão. Homens, mulheres e jovens korubo coletam pelo menos três tipos de mel, que envolvem a derrubada das árvores e, a depender das espécies de abelha, o uso ou não de fogo.  
  
O último ataque empreendido pelos Korubo foi em 2001, quando três madeireiros foram mortos, no rio Quixito. O ataque aconteceu no período em que a Frente de Proteção Etno-Ambiental abria uma clareira para a construção do segundo Posto de Vigilância e Proteção, em um local bem próximo à ofensiva dos Korubo.
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As tecnologias de pesca dos Korubo eram adaptadas ao pequenos igarapés e corpos d’água no interior da mata com a utilização do timbó, da lança e de pedaços de pau. Durante o verão destaca-se a captura do poraquê com o uso do timbó. Outras espécies de peixe capturadas com essa técnica são o bodó e a traíra. Após o contato com o órgão indigenista oficial, os Korubo no rio Ituí passaram à apropriação dos materiais de pesca não-indígena, como malhadeiras, anzóis, linhas e iscas. Ao expandirem a área de pesca dos igarapés para o leito dos grandes rios e lagos, ampliou-se a gama de peixes acessados pelos Korubo, como pirarucus, pirararas, espécies de mandi etc. A pesca apresenta-se como uma atividade complementar à agricultura itinerante e à obtenção de proteína através das caçadas.  
  
Em 2000, os Korubo relataram a Rieli Franciscato o último massacre que sofreram, este aconteceu, provavelmente, um ano antes do contato. Segundo o relatório: “ainda em julho de 1998, quando fazíamos tratamento de pele em um jovem Korubo, ao fazer fricção de creme pelo seu corpo, apalpamos algo que chamou a nossa atenção e foi esclarecido a seguir pelos intérpretes Matis: tratava-se de fragmentos de chumbo alojados em diversas partes do seu corpo. Em seguida, outros índios passaram a nos mostrar cicatrizes e chumbo em diversos pontos dos seus corpos. Sem muito entusiasmo deles e com muita insistência da nossa parte, os Korubo nos relataram os acontecimentos” (2000: 6).
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A abertura das roças organiza as atividades ao longo do ano. Inicia-se com a derrubada das árvores de pequeno porte com o uso de terçado e, posteriormente, de grande porte com o auxílio de machado. Após a derrubada, acontecem as queimas e o repouso do solo, preferencialmente durante a estação seca e, por fim, o plantio. Acompanhados por mulheres e crianças, os homens fazem a derrubada, a queima e o plantio, enquanto as mulheres colhem, transportam, cozinham e distribuem os produtos da roça.
  
A história pode ser resumida da seguinte forma: seis índios foram a uma roça conhecida dos ''nawa'' (não-índio) para pegar banana e voltar à aldeia. No regresso, pernoitaram em um local não muito distante do roçado. No segundo dia da viagem de volta, foram emboscados por homens que os esperavam no caminho. Os índios foram baleados e dois, um homem e uma mulher,  ficaram caídos, enquanto o restante do grupo fugiu e se escondeu. Após a saída dos agressores, os índios retornaram ao local onde estavam os que tombaram e constataram que o homem estava morto. A mulher ainda tinha sinais de vida, mas não resistiu à caminhada. Como sentiam muitas dores em decorrência dos ferimentos, não puderam enterrar os corpos, muito menos transportá-los.
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Em geral, nas roças korubo cultiva-se macaxeira, milho, banana, pupunha, e espécies de inhame e cará. Destacam-se a macaxeira e o milho – onipresentes no cotidiano korubo e, no caso do milho, envolvido em rituais, semelhante a outros povos Pano. Conforme o que acontece atualmente com o padrão residencial – a construção de casas unifamiliares em torno da maloca –, o processo de sedentarização dos Korubo no rio Ituí reflete-se na proliferação de roças unifamiliares. No preparo dos alimentos oriundos da caça, pesca e coleta, verifica-se a preeminência do cozimento e o preparo de bebidas e mingaus a partir dos produtos da roça.
  
Segundo os próprios Korubo, após terem corrido dos ''nawa'', esconderam-se no local onde foram contatados em 1996. Segundo a descrição e as informações coletadas entre os Korubo, os autores do massacre foram alguns moradores da comunidade ribeirinha denominada Ladário, que fica próxima à confluência dos rios Ituí e Itacoaí.
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== Cultura material ==
  
Atualmente, o contato com os não-índios se restringe aos encontros com os membros da Frente, especialmente aqueles que integram a equipe do Posto situado na confluência dos rios Itaquaí e Ituí. Algumas vezes os índios se deslocam para a cidade em busca de tratamentos de saúde.
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A cultura material korubo é composta por armas de guerra, caça e pesca, adornos corporais, cestaria, trançados, madeiras e cerâmicas. A zarabatana, seus dardos e aljava, o arco-flecha, a lança e as bordunas pertencem ao conjunto das armas para guerra, caça e pesca. Atualmente, as armas mais utilizadas pelos Korubo são a zarabatana e um dos tipos de borduna. O uso da zarabatana envolve ainda o preparo do curare a partir da combinação de diferentes cipós.  
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Ananda Conde|Ananda Conde]]. -->
 
  
== Comunidades korubo ==
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A zarabatana serve, sobretudo, à caçada de animais arborícolas, como aves e diferentes espécies de macaco. Envolve não apenas um processo inicial de produção, mas a necessidade de constante manutenção e um local específico para armazenamento: as porções laterais do teto da maloca. Os Korubo e os Matis são os dois povos da TI Vale do Javari que caçam com zarabatana e bebem ''tatxik''.  
{{#miniatura: right
 
|Morada Korubo, Terra Indígena Vale do Javari, Amazonas. Foto: Ananda Conde
 
|http://img.socioambiental.org/d/298469-3/korubo_3.jpg
 
}}
 
  
O pequeno grupo korubo contatado em 1996 está dividido hoje em duas comunidades no baixo Ituí: uma, fica bem próxima à base da Frente de Contato e a outra situa-se na antiga comunidade Mário Brasil. A princípio, constatou-se que os Korubo não dão nome às suas comunidades. Mas, recentemente, alguns índios têm chamado a comunidade Mário Brasil de ''Tapalaya''.
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No conjunto das armas korubo há dois tipos de borduna: ''ixvante'' e ''mete''. Esta última, também chamada ''kweynamete'' por derivar da pupunheira (''kweynat''), é o tipo de borduna mais utilizada pelos Korubo atualmente. Após os conflitos, as bordunas eram cravadas no chão, uma insígnia bélica. Os mais velhos contam que as bordunas eram artefatos presentes nas reuniões, ícones das narrativas homéricas sobre como eles mataram onças e retiraram seus dentes. Antigamente, o comprimento das bordunas variava: as menores, utilizadas dentro da maloca contra ataques inimigos; as maiores, utilizadas na floresta. Atualmente, por não serem mais atacados como outrora, os Korubo deixaram de fabricar as pequenas bordunas.  
  
Cada comunidade é formada por uma grande maloca que acomoda mais de uma família e por algumas moradias menores que agrupam um número reduzido de pessoas. A maloca é semelhante à dos [[Povo:Matis | Matis]], com algumas diferenças: só há uma ou duas portas de entrada, sem portas laterais. A mais nova maloca possui algumas semelhanças com as casas de palafitas da região. Ela apresenta uma forma externa tradicional, mas o seu interior é parecido com o das casas dos ribeirinhos, com uma estrutura suspensa feita de paxiúba. Há também uma casa elaborada à moda dos ribeirinhos. Em algumas casas tradicionais, constata-se que há buracos no chão para enfiar as bordunas, que ficam próximas às estacas que são usadas para colocar as maqueiras tradicionais ou as redes presenteadas e trocadas com os funcionários da Frente e os Matis. Parece que cada estaca de sustentação da maloca circunscreve um compartimento familiar e organiza a disposição das redes. 
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Com exceção das armas de guerra, caça e pesca, grande parte da cultura material korubo é produzida pelas mulheres. Há que se considerar que mesmo as armas possuem acessórios feitos pelas mulheres, como a corda do arco, a alça da aljava e as bolsas para armazenamento do algodão, componente da zarabatana. A maior parte da produção das mulheres korubo concentra-se nos trançados e na tecelagem – redes, testeiras, braçadeiras, tipoias para carregar cestos e crianças, pratos/esteiras, abanadores e colares –, produzidos a partir da extração da fibra de tucum (''tote''): palmeira derrubada e manipulada por mulheres, cujo uso estende-se aos âmbitos ritual e xamânico.  
  
Próximos às casas estão os caminhos que levam aos roçados de macaxeira, banana, pupunha e de milho tradicional.<htmltag href="http://img.socioambiental.org/d/298471-2/korubo_4.jpg" rel="lightbox[g2image]" tagname="a" title="Morada Korubo na comunidade Mário Brasil Tapalaya, Terra Indígena Vale do Javari, Amazonas.">
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A derrubada de tucum pode mobilizar uma aldeia e durar o dia inteiro: enquanto os homens caçam, as mulheres derrubam as palmeiras com machados, acompanhadas pelas crianças. Após a extração, a fibra de tucum seca ao sol e, posteriormente, as artesãs fazem dela um longo fio que constituirá o novelo. Após construído o novelo, os fios são posicionados em teares para a montagem dos artefatos.  
</htmltag>
 
{{#miniatura: left
 
|Morada Korubo na comunidade Mário Brasil Tapalaya, Terra Indígena Vale do Javari, Amazonas. Foto: Ananda Conde
 
|http://img.socioambiental.org/d/298471-3/korubo_4.jpg
 
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Não há um Posto Indígena nas comunidades, mas o grupo recebe, desde 1996, a assistência da equipe da Frente Proteção Etno-Ambiental Vale do Javari, ligada à Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII-Funai). Entre os integrantes da equipe estão os indígenas colaboradores, como Matis, [[Povo:Marubo | Marubo]], [[Povo:Matsés | Mayoruna]] e [[Povo:Kanamari | Kanamari]]; os funcionários do quadro da Funai e os indigenistas formados pelo convênio entre o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e a CGII. Há também a presença de um profissional de saúde cedido pela Funasa.
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A rede é um dos artefatos korubo mais presentes no cotidiano das aldeias e, semelhante a zarabatana, passa por manutenções: suas amarrações são desfeitas e refeitas de tempos em tempos após as lavagens. Extremamente estimadas como presentes trocados entre os Korubo.  
  
O Posto de Vigilância e Proteção localizado na confluência dos rios Ituí e Itaquaí, a base da Frente, controla e documenta a passagem de quem sobe ou desce o rio, inclusive dos indígenas habitantes da TI, para evitar a entrada de pessoas não-autorizadas pela Funai e um possível contato com os isolados, além de servir como barreira contra as frentes predatórias de exploração de recursos naturais. Os viajantes são sempre alertados sobre a presença dos isolados e os riscos que um contato pode trazer à essas populações, especialmente no que diz respeito à disseminação de doenças.
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Outro artefato onipresente no cotidiano korubo são os pratos e as esteiras de palha (''piski''). Diferente de outros artefatos, como as cerâmicas e os cestos, produzidos por mulheres mais velhas, os pratos de palha são feitos por mulheres de todas as idades e estão presentes em todas as refeições, apesar de os Korubo no rio Ituí já acessarem utensílios domésticos industrializados.  
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Ananda Conde|Ananda Conde]]. -->
 
  
== Aspectos culturais ==
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As redes e os pratos de palha são os artefatos produzidos com maior frequência pelas mulheres. Elas não apenas fabricam os pratos de palha, mas posteriormente administram a distribuição dos alimentos em diferentes ''piski''. Além da comensalidade, o ''piski'' é também um assento para as mulheres e está presente no círculo dos homens, no preparo da bebida feita com cipó ''tatxik'', raspado e ralado sobre um ''piski''.
  
Não é possível descrever os rituais desse povo, já que muitas práticas caíram em desuso depois da cisão com o antigo grupo (isolado). Trata-se hoje de um grupo formado basicamente por jovens que não tiveram a oportunidade de aprender com os mais velhos muitos aspectos da sua cultura. Contudo, realizam algumas danças e um tipo de choro que se mescla com um canto ritual.
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As mulheres korubo fabricam dois tipos de cesto e, para a produção de bebidas fermentadas, um tipo de peneira. O cesto ''kakan'' é bastante utilizado no transporte dos produtos da roça à maloca, ou ainda, dos itens pessoais quando os Korubo saem das aldeias – carregado nas costas com ponto de apoio na cabeça, semelhante ao modo como carregam suas crianças. Atualmente, o cesto ''tsitsan'' raramente é feito, pois sua fabricação envolve a extração de grande quantidade de cipó-titica, matéria-prima também utilizada na fabricação das vassouras para a limpeza do interior das casas e da maloca.
  
Com relação à cultura material, nota-se que o grupo utiliza quase que exclusivamente os seguintes instrumentos de caça e guerra: a zarabatana, o arco e flecha, a borduna e um tipo de lança. A ponta do dardo da zarabatana é embebida em um veneno elaborado a partir da raspagem de dois tipos de cipó.
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Os Korubo fabricam ainda artefatos esculpidos em madeira, como bancos, remos e raladores com dentes de macaco-barrigudo. As panelas e pratos de cerâmica possuem tamanhos variados, feitos por mulheres mais velhas, passam por vários processos que vão da coleta da argila às queimas. As cerâmicas também são utilizadas pelos homens no cozimento e armazenamento do curare, veneno vegetal para caçadas com zarabatana.
  
As cerâmicas ainda estão presentes na vida cotidiana, mas sua fabricação já não é tão comum, dada a substituição dos artefatos tradicionais por utensílios industriais, presenteados pelos funcionários da Frente e pelos [[Povo:Matis | Matis]].
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Os Korubo possuem diferentes padrões de pinturas corporais. Frequentemente à base de urucum com ou sem látex das seringueiras e, raramente, de jenipapo. Há pelo menos três padrões de pintura corporal relacionados a animais, constituídos por combinações de bolinhas, linhas verticais e horizontais. A pintura corporal korubo, os diferentes usos de artefatos corporais feitos com palmeira muru-muru e o adorno das bordunas estão atrelados a subgrupos com incidência política e ritual. No passado, houve cisões entre esses subgrupos. Hoje, os Korubo de recente contato que habitam o rio Ituí majoritariamente se autoidentificam Xiavo em relação aos que estão no rio Coari, os Txikitxoevo.
  
Quanto aos adornos corporais, não há a mesma exuberância existente entre outros grupos Pano. O que pode ser classificado como adorno tradicional é o bracelete de tucum. Muito do que é usado hoje pelo grupo já é uma apropriação dos elementos tradicionais dos Matis, como as pulseiras e a perfuração na orelha. As mulheres usam uma faixa de tucum para carregar os filhos pequenos.
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Uma novidade na cultura material korubo é a incorporação das miçangas, obtidas por doação ou compra. Não raro, uma peça obtida na cidade é desfeita na aldeia para a distribuição das miçangas entre as mulheres, que constroem colares: longos e utilizados de forma cruzada sobre o peito das mulheres e meninas, ou ainda, colares curtos utilizados de modo não cruzado por homens e meninos.
  
Uma outra característica tradicional dos Korubo é o corte de cabelo em meia cuia (ou meia lua): conserva-se somente o cabelo que vai do centro da cabeça até a testa, raspando o restante com auxílio de um capim típico da região. Há ainda um outro corte tradicional que é feito com a raspagem de quase toda a cabeça, deixando somente uma faixa de cabelo que vai de uma orelha à outra, como se fosse uma “tiara”.
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Atualmente, os Korubo das quatro aldeias no rio Ituí participam de dois Projetos de Cooperação Técnica Internacional de Salvaguarda do Patrimônio Linguístico e Cultural de Povos Indígenas Transfronteiriços e de Recente Contato na Região Amazônica, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em parceria com o Museu do Índio/FUNAI: o Prodoclin, voltado à documentação da língua korubo, com vistas à elaboração de um dicionário, coordenado pelo linguista Sanderson Oliveira; e o Prodocult voltado à documentação e salvaguarda da cultura material, com vistas à elaboração de um catálogo digital e à construção de uma coleção korubo para o acervo do Museu do Índio, no Rio de Janeiro, equipe coordenada pela antropóloga Beatriz Matos. Esses dois projetos e as atividades no âmbito do “Programa Korubo” têm sido oportunidades de intercâmbios entre os Korubo e os não-indígenas.  
  
Os homens korubo tomam uma bebida elaborada a partir de um cipó denominado ''Tati'' com objetivo de ficarem fortes e aptos para a caça.
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Os artefatos, produzidos principalmente para o autoconsumo, estão sendo redescobertos pelos Korubo como uma fonte de renda para as comunidades: vendas de artefatos na cidade, com o apoio da FPEVJ, ou ainda, transações realizadas entre os Korubo e os agentes institucionais. Em 28 de março de 2019, os Korubo do rio Ituí participaram pela primeira vez de um evento de compra-venda de artefatos em Benjamin Constant, Amazonas, ocasião em que compreenderam a logística de uma feira, estabeleceram relações diversas e conheceram a produção artefatual de outros povos indígenas.
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== Fontes de informação ==
 
== Fontes de informação ==
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<li>AMORIM, Fabrício. Povos Indígenas Isolados da Terra Indígena Vale do Javari. CGII-FUNAI, 2008.</li>
 
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O acervo documental disponível sobre os Korubo compreende dois períodos: de 1920 aos anos 2000, e a partir dos anos 2000. Esse acervo narra, sobretudo, as relações conflituosas entre os Korubo e os não-indígenas no âmbito das múltiplas experiências de contato prévias e durante os contatos oficiais com o órgão indigenista.
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<li>ARISI, Bárbara Maisonnave. Matis e Korubo: Contato e índios isolados - Relações entre povos no Vale do Javari, Amazônia. Florianópolis. UFSC, 2007.</li>
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O período histórico incide sobre o perfil dessas produções documentais que ganham certa densidade após o contato oficial com o “grupo da Maya” em 1996. Dessa forma, antes do primeiro contato oficial com a FUNAI o que existia era uma série de relatos dos avistamentos e conflitos envolvendo os isolados e os não-indígenas das frentes extrativistas e de atração.
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A partir do contato realizado em 1996, a FUNAI esclareceu alguns aspectos relacionados às cisões internas e dispersões dos Korubo e, paralelamente, através de sobrevoos, expedições terrestres e geoprocessamento mapeou os subgrupos que permaneceram em isolamento. Ao mesmo tempo, na medida em que outros contatos oficiais com subgrupos korubo foram realizados (2014, 2015 e 2019), uma série de relatórios técnicos foram produzidos. Uma parcela dos Korubo passou então de “isolados” à categoria de “recente contato”, o que trouxe uma série de implicações na relação entre os Korubo e o Estado brasileiro.
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Os acervos do Museu do Índio/FUNAI e do Programa Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA), registram acontecimentos envolvendo os Korubo entre os anos 1928 e 2011. A partir dos anos 2000 há uma produção documental diversificada de relatórios, diagnósticos e trabalhos acadêmicos que mencionam ou tematizam os Korubo.
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Nesse contexto duas produções acadêmicas destacam-se: Oliveira (2009) e Vargas da Silva (2017b). A primeira é uma dissertação de mestrado em Linguística que tematiza a fonologia da língua falada pelo primeiro subgrupo korubo contatado em 1996. A segunda é uma dissertação de mestrado interdisciplinar realizada por um geógrafo e servidor do órgão indigenista e, portanto, enfatiza o tema da territorialidade. Trata-se de duas produções pioneiras sobre os Korubo que, embora não possuam caráter antropológico, registram aspectos importantes relacionados à língua, às cisões internas aos subgrupos, ao ''modus operandi'' da FUNAI e aos contatos oficiais. Outros trabalhos acadêmicos tematizam os Matis, mas mencionam os Korubo em diversos trechos, como Erikson (1996) e Arisi (2007).
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O primeiro trabalho de campo de caráter antropológico junto aos Korubo de recente contato, com vistas à produção acadêmica, foi realizado em 2019 e 2020. No contexto da pandemia do novo coronavírus, essa pesquisa fomentou algumas reflexões iniciais acerca do atendimento à saúde dos Korubo de recente contato (Silva, 2020a; 2020b; Silva; Marques, 2020). Ademais, duas teses de doutorado sobre os Korubo estão sendo produzidas: Juliana Oliveira Silva no âmbito do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro; e Bernardo Natividade Vargas da Silva no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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*Amorim, F. (2017). ''Nos tapiris Korubo: uma perspectiva indigenista das tensões e distensões Korubo (e Matis)''. In: Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. URL: https://povosisolados.com/2017/06/18/nos-tapiris-korubo-uma-perspectiva-indigenista-das-tensoes-e-distensoes-korubo-e-matis/ Acesso: 18/06/17.
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*Amorim, F. (2014). ''Relatório sobre contato estabelecido com um grupo indígena isolado da etnia Korubo, no rio Itaquaí''. Fundação Nacional do Índio, Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari.
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*Amorim, F. (2011). ''Relatório sobre o conflito entre os Korubo recém contatados e os Korubo isolados do rio Coari''. Fundação Nacional do Índio, Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari.
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*Amorim, F.; Conde, A. (2010). Situações de contato e isolamento no Vale do Javari. In: ''Instituto Socioambiental. Povos Indígenas no Brasil 2006-2010'': 375-379.
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*Amorim, F. (2008). ''Povos Indígenas Isolados da Terra Indígena Vale do Javari''. Fundação Nacional do Índio, Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari.
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*Arisi, B. (2007). ''Matis e Korubo: contato e índios isolados, relações entre povos no Vale do Javari, Amazônia'' (Dissertação de Mestrado, Programa de pós-graduação em Antropologia Social). Universidade Federal de Santa Catarina.
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*Cavuscens, S.; Neves, L. (1986). GT Javari 1985. ''Relatório do Levantamento dos Grupos Indígenas do Vale do Javari''. Manaus. Processo FUNAI/BSB/1074/80, fls. 649/875.
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*Cavuscens, S.; Neves, L. (1986). Campanha Javari. ''Instituto Socioambiental''. ''Povos Indígenas no Brasil 85-86'': 180-190.
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*Cavuscens, S. (1995). A situação dos povos indígenas do Vale do Javari. In: ''Instituto Socioambiental''. ''Povos Indígenas no Brasil 91-95'': 333-342.
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*Cavuscens, S. (2000). A demarcação finalmente chega ao Vale do Javari. In: ''Instituto Socioambiental.'' ''Povos Indígenas no Brasil 96-2000'': 425-430.
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*Coutinho Júnior, W. (1998). ''Identificação e delimitação da TI Vale do Javari (AM)''. Processo FUNAI/BSB/1074/80. Encaminhamento nº171/DAF.
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*Coutinho Júnior, W. (2008). ''Hepatopatias no vale do Javari: virulento agravo à saúde indígena e afronta aos direitos humanos''. Manaus: Ministério Público Federal. Relatório.
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*Coutinho Júnior, W. (2018). ''Korubo e Matis: contatos e confrontos interétnicos entre os Pano setentrionais''. Brasília: Ministério Público Federal. Relatório.
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*Coutinho Júnior, W. (2020). ''O contágio da Covid-19 no Vale do Javari: uma situação de emergência em saúde indígena''. Brasília: Ministério Público Federal. Relatório.
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*Erikson, P. (1996). ''La griffe des aïeux: marquage du corps et démarquages ethniques chez les Matis d’Amazonie''. Paris: Peeters.
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*Erikson, P. (2000b). Korubo: o último contato?. In: ''ISA. Povos Indígenas no Brasil 96-2000'': 431-433.
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*Silva, J.; Marques, R. (2020). ''Emergência sanitária no Vale do Javari e a situação dos povos de recente contato diante da Covid-19''. In: Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. URL: https://povosisolados.com/2020/06/21/emergencia-sanitaria-no-vale-do-javari-e-a-situacao-dos-povos-de-recente-contato-diante-da-covid-19/ Acesso: 21/06/20.
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<li>CAVUCENS, Sílvio &amp; NEVES, Lino João de Oliveira. Povos Indígenas do Vale do Javari. Campanha Javari. Manaus: CIMI, OPAN, 1986.</li>
 
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<li>MELATTI, Júlio Cezar. Povos Indígenas no Brasil. vol. 5. Javari. São Paulo: CEDI, 1981.</li>
 
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*Sousa, G. (2019). “São povos que sempre estiveram em defesa da terra, da proteção do que é importante à vida” (Entrevista). In: ''Cercos e resistências: povos indígenas isolados na Amazônia brasileira'' / Ricardo, F.; Gongora, M. (org.). São Paulo: Instituto Socioambiental.
<ul>
 
<li>CEDI. Aconteceu: Povos Indígenas no Brasil/1982. São Paulo: CEDI, 1983.</li>
 
</ul>
 
  
 
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*Valente, R. (2017). Como se fosse um negativo. In: ''Os fuzis e as flechas: história de sangue e resistência indígena na ditadura''. São Paulo: Companhia das Letras: 241-250.
<ul>
 
<li>CEDI. Aconteceu: Povos Indígenas no Brasil/1983. São Paulo: CEDI, 1984.</li>
 
</ul>
 
  
 
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*Vargas da Silva, B. (2017a). ''Relatório da Viagem ao Marubão com integrantes do grupo Korubo de Recente Contato''. Fundação Nacional do Índio, Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari.
<ul>
 
<li>CEDI. Aconteceu: Povos Indígenas no Brasil/1984. São Paulo: CEDI, 1985.</li>
 
</ul>
 
  
 
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*Vargas da Silva, B. (2017b). ''Territorialidade Korubo no Vale do Javari'' (Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação Sociedade e Cultura na Amazônia). Universidade Federal do Amazonas.
<ul>
 
<li>COUTINHO, Walter. “Relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Vale do Javari.” Memo nº168/DEID/DAF/FUNAI, 158 p. Maio, 1998.</li>
 
</ul>
 
  
 
+
*Vargas da Silva et al. (2016). ''Relatório sobre as ações de pós-contato junto aos Korubo do rio Coari'' – ''TI Vale do Javari''. Fundação Nacional do Índio, Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari.
<ul>
 
<li>ERIKSON, Philippe. 1999. El Sello de los Antepasados. Quito, Ecuador: Abya Yala/IFEA.</li>
 
</ul>
 
  
 
+
*Vargas da Silva, B.; Albertoni, L. (2014). ''Relatório de ações pós-contato: o primeiro grupo de Korubos isolados do médio Itaquaí''. Fundação Nacional do Índio, Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari / Distrito Sanitário Especial Indígena Vale do Javari, Secretaria Especial de Saúde Indígena.
<ul>
 
<li>_____. Los Mayoruna. In SANTOS-GRANERO, Fernando &amp; BARCLAY, Frederica (ed.). Guía Etnográfica de la Alta Amazonía. Quito, Ecuador: FLACSO – Sede Ecuador/IFEA, 1994.</li>
 
</ul>
 
  
 
+
*Söderström, E. (2002). ''The Hidden Tribes of The Amazon''. França: Striana-France Films, DVD (55 min.)
<ul>
 
<li>FRANCISCATO, Rieli. Relatório sobre o Massacre de índios Korubo, ocorrido em 1995. DEII/FPEVJ- FUNAI, 2000.</li>
 
</ul>
 
  
 
 
<ul>
 
<li>SÖDERSTRÖM, Erling. The Hidden Tribes of The Amazon. França: Striana-France Films, DVD (55 min.), 2002.</li>
 
</ul>
 
</div>
 
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== Ver também ==
 
== Ver também ==
 
[https://arte.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/sebastiao-salgado/medo/ Especial Sebastião Salgado na Amazônia - Korubo]
 
[https://arte.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/sebastiao-salgado/medo/ Especial Sebastião Salgado na Amazônia - Korubo]
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[[Categoria:Povos indígenas no Amazonas]]
 
[[Categoria:Povos indígenas no Amazonas]]

Edição das 17h16min de 1 de março de 2021

Os Korubo, também chamados “caceteiros” devido à fabricação e ao uso de diferentes tipos de borduna, ocupam um território ancestral na sub-bacia hidrográfica do rio Itaquaí, um afluente do baixo rio Javari, fronteira natural entre Brasil e Peru. Atualmente dentro dos limites da Terra Indígena Vale do Javari, no estado do Amazonas. Após tentativas iniciais não exitosas, a Fundação Nacional do Índio os contatou em diferentes momentos, começando em 1996 e, posteriormente, em 2014, 2015 e 2019. Hoje grande parte dos Korubo é considerada pelo órgão indigenista oficial como de “recente contato” – quatro aldeias localizadas no baixo curso do rio Ituí e um subgrupo no rio Coari –, enquanto outra parcela permanece em “isolamento”.

Nome e língua

A autodenominação dos chamados Korubo foi motivo de controvérsias ao longo dos anos e, caso exista, ainda é desconhecida. Os Korubo que habitavam a confluência dos rios Ituí e Itaquaí já chegaram a ser denominados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) de “Marubões”, pois acreditava-se que eram um subgrupo marubo. Em 1975 conjecturou-se que a autodenominação dos Korubo era kaniwa – hoje sabe-se que este é um termo de parentesco utilizado por povos da família linguística Pano. Por fim, chegou-se ao consenso de que os chamados Korubo eram os “índios da confluência [Ituí-Itaquaí]” (Melatti, 1981).

“Korubo” não é uma autodenominação. Trata-se de um etnônimo atribuído pelos Matis. Na língua matis a raiz -koru remete a “cinza”, “barro” ou “pó” – alusão ao ato de passar essas substâncias na pele para afugentar insetos dípteros –, e o sufixo -bo é um coletivizador. Há ainda a hipótese de que esse etnônimo era utilizado já no século XVIII por povos Pano, do subconjunto setentrional, em referência a seus inimigos (Arisi, 2007; Erikson, 1996). Atualmente, os Korubo adotam esse etnônimo nas relações com os não-indígenas (nawa, lakute) e outros povos indígenas (tëtum wëtsi).

A língua korubo – junto às línguas matis, matsés e kulina-pano – pertence ao ramo setentrional, “grupo do Norte”, da família linguística Pano (Oliveira, 2009; Fleck, 2013). Os povos Pano, uma das principais famílias linguísticas da Amazônia, caracterizam-se pela uniformidade territorial, cultural e linguística, e valorizam a intercompreensão mútua, enfatizando as similaridades entre suas línguas. Os Korubo não são exceção à essa regra. Conhecem e adotam termos linguísticos de povos Pano vizinhos, como os Matis, os Matsés e os Marubo, chegando a se comunicar nessas línguas. Os empréstimos linguísticos circulam cotidianamente junto à língua korubo.

A maioria do primeiro subgrupo korubo contatado pela FUNAI possui algum entendimento da oralidade em língua portuguesa e iniciação à escrita em língua korubo em virtude das esporádicas oficinas de letramento e numeração, apoiadas pela Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari (FPEVJ/FUNAI) desde 2007, e dos contatos permanentes com agentes institucionais da FUNAI e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). No cotidiano das aldeias korubo no rio Ituí esse conhecimento se estende do subgrupo contatado em 1996 aos contatados em 2014 e 2015. Esse cenário difere no caso dos recém-contatados em 2019, localizados no rio Coari.

Localização

Ao longo do século XX, os Korubo ocuparam um território que vai da confluência dos rios Ituí e Itaquaí, como limite setentrional, ao divisor de águas dos rios Coari e Branco, como limite meridional, no interior da atual Terra Indígena (TI) Vale do Javari, no estado do Amazonas.

O término do processo de regularização fundiária da TI Vale do Javari, com decreto de homologação e registro na Secretaria do Patrimônio da União e nos Cartórios de Registros de Imóveis, onde ela incide, data de 02 de maio de 2001. Com a extensão de 8,5 milhões de hectares, a TI foi demarcada e homologada em meio a uma série de manifestações contrárias e campanhas favoráveis à demarcação, realizadas desde meados da década de 1980, com a adução dos conflitos envolvendo os isolados korubo.

A área da TI Vale do Javari incide em quatro municípios do estado do Amazonas, localizada na porção sudoeste. Trata-se de um território compartilhado por cinco povos da família linguística Pano – Matis, Matsés, Marubo, Kulina-pano e Korubo – e dois povos da família linguística Katukina: Kanamari e Tsohom-dyapa. Uma parcela dos Korubo e os Tsohom-dyapa são considerados pela FUNAI como povos indígenas de recente contato. Além desses sete povos, a TI Vale do Javari abriga uma das maiores concentrações de povos indígenas isolados. Segundo o censo do Distrito Sanitário Especial Indígena Vale do Javari, em 2020, a população da TI Vale do Javari era 6.317 habitantes.

A FUNAI atua na região com quatro Bases de Proteção Etnoambiental (BAPE), localizadas nos rios Curuçá, Jandiatuba, Quixito e na confluência dos rios Ituí e Itaquaí – esta última próxima das quatro comunidades korubo de recente contato no rio Ituí – e o DSEI Vale do Javari, da SESAI, abrange dezessete micro-áreas com oito pólos-base.

Histórico do contato

A região do Vale do Javari é historicamente marcada por diferentes frentes de exploração, com a utilização de mão-de-obra indígena, resultando em inúmeros conflitos e mortes. No século XIX iniciou-se o ciclo da borracha, que passou por uma queda na produção no início do século XX devido à concorrência da produção no Oriente, e retomou o auge em 1932, crescendo ao longo dos anos 1940, após a Segunda Guerra Mundial. Esse período de extração da borracha foi marcado por ocupações desordenadas e “correrias” feitas por seringueiros e caucheiros para raptos de pessoas com finalidades diversas.

À exploração da borracha sobrepôs-se a exploração da madeira com modus operandi e mão-de-obra semelhantes. Os conflitos entre os indígenas e os madeireiros abriram espaço para a intervenção do exército na região em favor dos extrativistas. Com a extração de madeira, tornava-se cada vez mais difícil aos indígenas se refugiarem em terra firme. Esse período caracteriza-se pela extinção de diversos grupos indígenas e depopulação dos remanescentes. Nesse contexto, a área dos Korubo estava repleta de não-indígenas. Isso resultou, por um lado, em inúmeros conflitos e mortes e, por outro, na modificação das áreas de perambulação desses isolados.

As experiências de contato

Há registros de contatos esporádicos com os Korubo desde 1920. Um levantamento dos conflitos no Vale do Javari (1996), realizado pelo antigo Departamento de Índios Isolados/FUNAI, registrou a morte de cerca de quarenta korubo, em 1928, por peruanos acompanhados de indígenas “Tukúna”. Em 1971 a FUNAI iniciou seus trabalhos na região em apoio à abertura da Rodovia Perimetral Norte, do Plano de Integração Nacional, com a instalação da “Base Avançada de Fronteira do Solimões” em Atalaia do Norte, Amazonas, e cinco Frentes de Atração no interior do Vale do Javari, que prestaram assistência aos grupos indígenas contatados e, posteriormente, transformaram-se em Postos Indígenas.

Em 1972 criou-se o Posto Indígena de Atração (PIA) Marubo na margem direita do rio Itaquaí, acima do igarapé Marubo. A equipe, chefiada por Sebastião Amâncio da Costa, objetivava estabelecer contato pacífico com os Korubo – até então a FUNAI acreditava que eles eram um subgrupo marubo. Um ano depois, quando já estabelecidos alguns contatos, os isolados korubo atacaram o PIA, matando a família do servidor Moisés. Ainda no mesmo ano, ocorreu um segundo ataque. Dessa vez, os isolados mataram o servidor Sebastião Bandeira e feriram o servidor Bernardo Muller.

Após os incidentes, o PIA Marubo foi transferido para a margem oposta, abaixo da confluência dos rios Itaquaí e Branco, e passou à chefia de Valmir Torres. Em novembro de 1974 a equipe do PIA contatou um subgrupo de isolados korubo e no mês seguinte, através de sobrevoos, localizou malocas na margem esquerda do rio Ituí. Em 1975 os isolados visitaram o PIA e pediram ferramentas de metal. Posteriormente atacaram o PIA e mataram o servidor Jaime Sena Pimentel. Esse falecimento gerou controvérsias acerca de uma possível retaliação por parte do órgão indigenista aos Korubo (Valente, 2017). Após esses incidentes e falhas na aproximação pacífica, o PIA Marubo foi desativado.

As tentativas de aproximação com os Korubo foram retomadas em 1982 com o PIA Itaquaí, sob a chefia do sertanista Pedro Coelho, e um acampamento na localidade Jó. Os isolados recolheram presentes deixados pela equipe no PIA. Dias depois, com o auxílio do intérprete Binan Tucun Matis, a equipe comunicou-se com os isolados nas margens do rio Itaquaí. No dia seguinte eles reapareceram pintados de urucum e desarmados. Um mês depois, a equipe, à distância num barco, com a tradução de Binan Tucun Matis, estabeleceu a terceira comunicação que durou cinco horas. Os isolados aproximaram-se nadando para conversar. Nessa ocasião verificou-se que um deles adoecera, possivelmente de malária. No dia seguinte eles voltaram em busca de mais presentes, mas não havia material no PIA.

Os Korubo reapareceram debilitados e mais magros no mês de julho. Nessa ocasião comunicaram-se à distância durante quatro horas. Retornaram ao local no dia seguinte, nadaram até à embarcação e foram medicados pelos funcionários do PIA. Os isolados relataram a Binan Matis que seus parentes adoeceram na maloca. Após esses contatos amistosos, eles atacaram novamente, matando os servidores Amélio Wadik Chapiwa e José Pacifico de Almeida. O PIA Itaquaí transformou-se então em Posto de Vigilância, sem muito êxito quanto à fiscalização da entrada de invasores no território dos isolados.

As mortes ocorridas refletem os ataques e a depopulação sofrida pelos Korubo. Registros apontam uma mudança na atitude deles em relação aos não-indígenas diante das ofensivas frentes de expansão. Em viagem realizada no âmbito do “Projeto de Prevenção e Combate à Cólera nas Comunidades Indígenas do Rio Javari” nos anos 1990, uma comunidade ribeirinha no rio Ituí, localizada na região do seringal Aliança, informou que os “Kurubo” anteriormente “viviam na margem oposta à da comunidade sem nunca tê-los molestado” (Selau, 1991).

A escassez de registros dificulta dimensionarmos o número de óbitos entre os isolados. Segundo o levantamento de conflitos, realizado pelo Departamento de Índios Isolados/FUNAI, indígenas a serviço do patrão Flávio Azevedo, na extração de seringa, dispararam contra isolados korubo no rio Itaquaí em 1979. Em 1981, o mesmo patrão, com ajuda de Manoel Vicente e João Bezerra, distribuiu farinha envenenada aos Korubo.

Em 1984 os Korubo atacaram outro servidor da FUNAI e um funcionário da Companhia Brasileira de Geofísica (CBG), subsidiária da Petrobrás, que realizava pesquisas sísmicas para prospecção de combustíveis fósseis na região desde 1983. No dia 04 de setembro de 1984, Lindolfo Nobre Filho da FUNAI e João Praia Costa da CBG foram mortos a golpes de bordunas por cerca de cinquenta korubo no acampamento da Petrobrás.

Ao perceberem a presença dos isolados nas proximidades, aproximaram-se para contatá-los levando objetos industrializados como presentes. Os isolados chegaram a dar as mãos e a dançar com os dois funcionários. Minutos depois os atacaram com golpes de bordunas. Mais de cem funcionários da Petrobrás assistiram ao episódio. Dois dias depois a CBG e a FUNAI retiraram os funcionários do local (Labiak; Neves, 1984). No ano seguinte, em 1985, um kanamari encontrou o cadáver de um korubo no rio Itaquaí.

Em setembro de 1989 três isolados korubo foram caçados e assassinados por um grupo de quinze homens não-indígenas no lago Gamboá. No dia anterior, quatro deles foram vistos próximos da residência de um seringueiro. Os moradores, assustados, decidiram se reunir e planejar o ataque. Uma Comissão de Sindicância, composta pela FUNAI e Polícia Federal, acompanhou a exumação dos corpos, a conclusão e o encaminhamento do inquérito para o Ministério Público Federal. Esse é um dos poucos registros existentes dos ataques aos isolados korubo.

Em 1990, incidentes envolvendo os Korubo resultaram na morte de dois não-indígenas. Expedições punitivas aos isolados, operadas por políticos e empresários locais, foram denunciadas pela Administração Regional da FUNAI em Atalaia do Norte, Amazonas. As atividades de aproximação com os isolados foram então retomadas. No contexto dessa série de embates, a FUNAI com a Portaria nº003/PRES, em janeiro de 1996, criou a Frente de Contato para atração dos Korubo. Meses depois o objetivo foi alcançado.

Os contatos oficiais com a Fundação Nacional do Índio

Os primeiros avanços no primeiro contato oficial e pacífico com os Korubo começaram com a localização de uma maloca em agosto de 1996. A equipe, chefiada pelo sertanista Sidney Possuelo, possuía duas embarcações: uma para Posto de Fiscalização; outra como ponto de apoio nas incursões de vistoria ao tapiri da atração, localizado na beira do rio Ituí, próximo ao caminho que levava à maloca. No final do mês de agosto, os isolados trocaram presentes deixados pela equipe no tapiri. Em 15 de outubro de 1996, a equipe contatou dezoito pessoas: quatro mulheres, seis homens, seis meninos e duas meninas. Essa expedição foi gravada e transmitida pela National Geographic.

Após dez meses de trabalho, cerca de trinta visitas ao subgrupo recém-contatado, os Korubo atacaram o servidor Raimundo Batista Magalhães, conhecido como Sobral. O incidente foi alvo de controvérsias, dentre elas a hipótese de que o ataque aconteceu porque Sobral recolhera uma lona que servia como estrutura de um tapiri e que havia sido emprestada aos Korubo. À lona, somaram-se ainda micro episódios que supostamente teriam irritado os Korubo paulatinamente: a retomada de um machado das mãos de um korubo ou a sovinice de uma panela.

Do ponto de vista de alguns servidores da FUNAI, a morte de Sobral foi resultado de uma série de quebras de protocolos de segurança registrados em Memorando, como a manutenção da superioridade ou equivalência numérica nas interações com os Korubo e a proibição de ir à margem oposta em casos de aparecimentos dos Korubo. Do ponto de vista dos Korubo, o incidente estava relacionado aos sucessivos decessos em sua população.

Dias após a morte de Sobral, os Korubo reapareceram acima do igarapé Quebrado, margem esquerda do rio Ituí. Através dos intérpretes matis, comunicaram-se à distância para pedir comida, entre outras coisas. A equipe não se aproximou da margem. Em novembro de 1998 cinco homens, duas mulheres e duas crianças korubo apareceram na localidade Ladário, próxima da confluência dos rios Ituí e Itaquaí, em busca de farinha e panela. Não houve ataque, mas os moradores da comunidade, amedrontados, pediram a ajuda da FUNAI e propuseram à administração do órgão em Atalaia do Norte, Amazonas, que comprasse suas terras.

As cicatrizes e fragmentos de chumbo alojados nos corpos dos Korubo evidenciavam os ataques sofridos. Um deles, ocorrido em 1995, envolvendo ribeirinhos da comunidade Ladário, foi relatado à FUNAI posteriormente: seis korubo foram à uma roça de não-indígenas para pegar bananas e pernoitaram nas proximidades do roçado. No retorno para a maloca, foram emboscados e baleados por alguns homens. Um homem e uma mulher korubo caíram no chão, os demais fugiram. Quando os que haviam corrido retornaram, a mulher estava desfalecendo e o homem falecera. Por causa dos ferimentos e das dores, os Korubo não os enterraram, nem os transportaram. Após esse decesso, eles se esconderam no local onde foram contatados pela FUNAI em 1996 (Franciscato, 2000).

O último registro de reação violenta dos Korubo data de 2001, quando três madeireiros foram mortos no rio Quixito, próximo ao local onde a FUNAI abria uma clareira para a construção do segundo Posto de Vigilância e Proteção.

Em 2010 o subgrupo korubo contatado em 1996 constituía uma população de vinte e sete pessoas localizada no igarapé Quebrado, margem esquerda do rio Ituí. O subgrupo crescia paulatinamente após anos de decessos populacionais. Todavia, a situação sanitária no Vale do Javari se agravou. Por um lado, os contatos fortuitos com os isolados nas margens dos rios tornaram-se preocupantes enquanto possíveis fontes de transmissão de doenças; por outro, os recém-contatados também enfrentavam desafios sanitários.

Os isolados no médio rio Itaquaí e no médio rio Ituí estavam em contato iminente com os Kanamari e os Matis que circulavam por aqueles rios. Os contatos e a preocupação da FUNAI com a saúde dos isolados eram frequentes durante o verão (ISA, 2006-2010). Em 2007 a FPEVJ registrou catorze avistamentos dos isolados korubo nas margens dos rios (Amorim, 2008). Ao final daquele ano, os isolados chegaram a contatar os Kanamari duas vezes, e receberam objetos e doações de roupas usadas. No ano seguinte, a FUNAI comunicou-se à distância com os isolados no rio Itaquaí, alertando-os sobre os perigos envolvidos nesses contatos esporádicos (Oliveira, 2009).

Nessa época, a maioria dos Korubo recém-contatados já tinha sido removida para tratamentos de saúde nas cidades do entorno. Esse subgrupo dividiu a concentração inicial no igarapé Quebrado e formou duas aldeias no rio Ituí: uma na localidade Mário Brasil; a outra fundou uma aldeia chamada Roça. Eles estabeleciam relações de petição e troca com os não-indígenas da FPEVJ/FUNAI e da FUNASA. Sofriam com malária, doenças crônicas, como osteoartrose e até hepatites virais (Coutinho Júnior, 2008).

Mesmo com a homologação da TI Vale do Javari em 2001, as invasões continuaram e a fiscalização dos limites da TI era pauta no debate (Amorim; Conde, 2010). Em 2010 um sobrevoo da FPEVJ mostrou uma redução demográfica dos isolados korubo, supostamente ocasionada pela aquisição de doenças durante os contatos esporádicos nas margens dos rios Ituí e Itaquaí. Das nove malocas catalogadas nos anos 1990, apenas uma estava habitada.

Em 2012 os Korubo recém-contatados reorganizaram novamente a configuração de duas aldeias na margem esquerda do rio Ituí: Talawaka e Tapalaya. O subgrupo do contato oficial realizado em 1996 foi nomeado pela FUNAI como o “grupo da Maya”, uma matriarca korubo. Essa reduzida população enfrentava dificuldades para obter alimentos e realizar matrimônios. O contínuo estado de fuga anterior ao primeiro contato com a FUNAI os impediu durante muito tempo de manterem roças e malocas. Expressavam então à FUNAI o desejo de contatar os subgrupos korubo que permaneceram em isolamento, sobretudo, aquele localizado no rio Itaquaí.

Os recém-contatados chegaram a contatar os isolados à revelia do órgão indigenista em novembro de 2011. Na ocasião, houve um conflito, sem óbitos, em que os Korubo de recente contato foram atacados pelos isolados no rio Coari (Amorim, 2011; Vargas da Silva, 2017b). A comunicação com esse primeiro subgrupo korubo foi decisiva para os outros três contatos oficiais da FUNAI com os isolados em 2014, 2015 e 2019.

O primeiro contato oficial da FUNAI com o subgrupo korubo ocorreu, sobretudo, devido a conflitos com os não-indígenas. O segundo momento de contato oficial entre a FUNAI e outro subgrupo korubo foi em setembro e outubro de 2014, com a participação dos Kanamari, e a atuação em campo dos indigenistas Eriverto Vargas (Beto Marubo), Leonardo Lenin e Fabrício Amorim.

Desde 2005, durante os verões, a FPEVJ recebia relatos de avistamentos de isolados korubo nas margens do rio Itaquaí. A partir de 2013 um sobrevoo mostrou uma redução significativa das roças e malocas desses isolados (Vargas da Silva; Albertoni, 2014). Em agosto de 2014 a FPEVJ obteve notícias deles, pois apareceram próximos às roças kanamari da aldeia Massapê Novo, no rio Itaquaí.

No dia 22 de agosto de 2014, uma equipe da FPEVJ foi averiguar os relatos acima da foz do rio Branco, onde encontrou um casal e uma criança, e dialogou com eles à distância. A mulher apresentava infecção por acidente ofídico em uma das pernas. Com o auxílio de um tradutor korubo do “grupo da Maya”, o casal informou à equipe que aqueles que apareceram na aldeia kanamari eram os seus parentes e que não retornariam para as suas malocas, pois não havia roças e os mais velhos tinham falecido (Santos, 2014). Após o diálogo, a equipe investigou os vestígios e retornou para a BAPE sem realizar o contato com esse subgrupo.

Em setembro de 2014, os Kanamari da aldeia Massapê, no alto rio Itaquaí, avistaram seis isolados (o mesmo casal e quatro crianças) e os levaram para a aldeia. As equipes da SESAI e FUNAI, com tradutores matis e korubo, os levaram para a BAPE e, posteriormente, para junto do “grupo da Maya” no rio Ituí. Ali o subgrupo recém-contatado cumpriu quarentena e recebeu o atendimento médico.

O homem desse grupo chamava-se Visa e faleceu em 2020. Na ocasião, ele informou que seus parentes permaneceram isolados no rio Itaquaí, dentre eles, sua mãe, Lalanvet. Muitos deles estavam doentes e faleceram infectados por malária. Por causa dos óbitos, eles migraram para o alto rio Itaquaí e se instalaram próximos às aldeias kanamari.

No dia 08 de outubro de 2014 os Kanamari informaram que o restante desse subgrupo (quinze pessoas) apareceu em uma roça da aldeia Massapê Novo, dentre eles, a mãe e o irmão de Visa, Lalanvet e Pinu. Ao todo, nesse segundo contato oficial eram vinte e um korubo isolados no rio Itaquaí. Desde 2010 eles perambulavam pelo igarapé Marubo, também chamado Marubão. Por isso, a FUNAI os identificou como “grupo do Marubão” (Vargas da Silva, 2017b).

O terceiro momento de contato oficial entre a FUNAI e os Korubo envolveu os Matis e também aconteceu em duas etapas. Ainda em 2014, outro grupo de isolados korubo se aproximou da aldeia matis Todowak, construída em 2010 no rio Coari, uma antiga área de ocupação matis que foi retomada. Entretanto, com a ausência dos Matis durante quase trinta anos, a área havia sido ocupada pelos korubo isolados no interflúvio médio rio Coari e baixo rio Branco.

Em 05 de dezembro de 2014, a Coordenação Regional da FUNAI em Atalaia do Norte, Amazonas, foi notificada sobre um conflito entre os isolados e homens matis da aldeia Todowak (Pereira, 2018). Seis isolados apareceram quando três matis (Damë, Xucuruta e Tumi Tukun) plantavam milho e os atacaram com pedaços de pau. Era a primeira roça matis na margem direita do rio Coari. Os isolados levaram a arma de Tumi Tukun e deixaram a de Damë junto ao seu corpo (Matos, 2015). Tumi Tukun escapou. Damë e Xucutura faleceram.

O órgão indigenista inferiu que, após a mudança dos Matis das aldeias Aurélio e Beija-flor no rio Ituí para o rio Coari em 2010, os sucessivos encontros entre os Matis e os isolados korubo levaram à ocorrência de surtos epidemiológicos entre os isolados e, consequentemente, decessos populacionais que culminaram nesse ataque. Atualmente, os Korubo no rio Ituí argumentam que o fator propulsor desse ataque foi o falecimento de uma criança, Tiwa, que adoecera e seu pai, Mëlanvo, não teria conseguido curá-lo com plantas medicinais, passando a acusar os Matis de feitiçaria. Mëlanvo e outros dois korubo decidiram então atacar os Matis.

O conflito com os Korubo tensionou as relações entre os Matis e o órgão indigenista. Inicialmente, os Matis responsabilizaram a FUNAI pelas mortes de Damë e Xucuruta. Para os Matis, os isolados no rio Coari sentiram a falta dos Korubo que habitavam o rio Itaquaí (contatados em 2014), removidos pela FUNAI, a pedido dos recém-contatados, para junto dos demais no rio Ituí (contatados em 1996). A FUNAI em diálogo com os Korubo do rio Itaquaí soube que eles não estabeleciam relações com os isolados no rio Coari há décadas e, portanto, esse não era o motivo principal do ataque dos isolados aos homens matis na roça da aldeia Todowak (Pereira, 2018).

Após conversas e tensões, os Matis da aldeia Todowak aceitaram a proposta de se mudarem para as aldeias matis Tawaya e Bukuwak no rio Branco. Até então a possibilidade de uma retaliação por parte dos Matis aos isolados não havia sido confirmada. A FUNAI retornou ao local do ataque com um grupo matis e o sobrevivente Tumin Tukun esclareceu o conflito com os isolados. No dia 10 de dezembro de 2014 um matis da aldeia Todowak confessou à FUNAI que os Matis revidaram a morte de Damë e Xucuruta no dia seguinte ao conflito (06 de dezembro de 2014), matando vários isolados korubo que estavam em tapiris novos e possuíam milho plantado.

O fato é que, após a morte de Tiwa, os isolados atacaram os Matis, matando Damë e Xucuruta na roça da aldeia Todowak em dezembro de 2014. Essas duas mortes foram vingadas pelos Matis que, com espingardas, mataram no mínimo oito isolados. Por isso, os Matis apressaram-se em mudar a população da aldeia Todowak do rio Coari para as aldeias matis no Rio Branco. A partir de então, os Matis cobravam da FUNAI que o contato oficial com os isolados no rio Coari fosse realizado para evitar novos conflitos (Pereira, 2018).

Os Matis argumentavam que o contato da FUNAI com os isolados korubo seria uma forma de assegurarem a permanência das suas aldeias no rio Branco (Pereira, 2018). Em reunião, no mês de janeiro de 2015, a FUNAI esclareceu junto aos Matis que o translado do subgrupo korubo do rio Itaquaí para o rio Ituí foi uma decisão dos Korubo recém-contatados, que afirmavam não ter relações muito próximas com o subgrupo isolado no rio Coari.

A partir disso, os Matis argumentaram que as mortes de Damë e Xucuruta na roça da aldeia Todowak foram o resultado de outro conflito, ocorrido em novembro de 2011, entre os isolados no rio Coari e o “grupo da Maya” (contatados em 1996). Após esse incidente de 2011, os isolados no rio Coari passaram a travar encontros fortuitos com os Matis da aldeia Todowak. Na medida em que os Matis desciam às cidades do entorno para acessar políticas públicas, os encontros com os isolados tornaram-se frequentes (Vargas da Silva, 2017b).

Após essa conversa com os Matis em janeiro de 2015 diversas ações foram realizadas: um diagnóstico do uso do território compartilhado entre os Matis e os isolados (Matos, 2015); uma expedição de retorno à aldeia Todowak para recolher pertences que ficaram para trás na mudança, ocasião em que a FUNAI verificou vestígios da presença dos isolados na aldeia matis abandonada; outra expedição com os Matis no alto rio Branco; um sobrevoo em setembro de 2015 mostrou que grandes malocas korubo no interflúvio dos rios Coari e Branco estavam abandonadas. Havia novas roças e pequenas habitações em outros dois pontos distintos.

Os Matis e a FUNAI estavam se preparando para abertura da nova aldeia matis, nomeada Kudaya, no rio Branco, quando no dia 26 de setembro de 2015 via radiofonia a FUNAI soube que os Matis contataram uma parte de um subgrupo korubo isolado nas proximidades da aldeia Tawaya, no rio Branco (Pereira, 2018). Esse evento desencadeou o terceiro momento de contato oficial do órgão indigenista com os Korubo sob a atuação em campo dos indigenistas Eriverto Vargas (Beto Marubo), Bruno Pereira e Fabrício Amorim.

Os Matis rastrearam um cocho de paxiúba utilizado pelos isolados até encontrarem um grupo de crianças korubo. Levaram-nas para a aldeia Tawaya no rio Branco para chamar a atenção dos adultos. Outro grupo matis ficou no local aguardando os adultos retornarem atrás das crianças (FUNAI, 2016). Os adultos e as crianças foram levados para um acampamento no rio Branco. Ao todo eram dez pessoas: três homens, duas mulheres, um adolescente e quatro crianças. Uma equipe composta pela FUNAI e SESAI se deslocou para dar início ao plano de contingência em situações de contato.

Na aldeia Tawaya o clima era de tensão entre o órgão indigenista e os Matis. Por um lado, a FUNAI queria priorizar o atendimento sanitário devido às informações sobre a ocorrência de sintomas gripais entre os Matis e alguns Korubo recém-contatados. Por outro lado, os Matis preocupavam-se com a possibilidade da FUNAI remover os Korubo do rio Branco – conforme o que acontecera com os aqueles contatados no rio Itaquaí em 2014, transladados para o rio Ituí após o contato oficial com a FUNAI (Pereira, 2018). Ademais, os Matis demandavam que a FUNAI contatasse o restante dos isolados no rio Coari.

No dia 01 de outubro, a FUNAI decidiu então assumir a direção do contato e os Matis reagiram. Após horas de diálogo, os Matis aceitaram que a FUNAI coordenasse os trabalhos pós-contato com aqueles dez korubo contatados no rio Branco. Dias depois, no dia 07 de outubro de 2015, a FUNAI foi informada via radiofonia que os Matis encontraram outras onze pessoas, além das dez que já estavam cumprindo os procedimentos de quarentena.

Após os contatos efetuados pelos Matis com os korubo isolados, as discussões entre o órgão indigenista e os Matis sobre o destino dos recém-contatados continuaram. Com o consentimento dos dez korubo recém-contatados, os outros onze somaram-se ao mesmo acampamento onde a quarentena de todos foi reiniciada. Posteriormente, após outras tensões envolvendo os Matis e o órgão indigenista, os recém-contatados em 2015 se estabeleceram no rio Ituí, junto aos subgrupos contatados em 1996 e 2014 (Vargas da Silva, 2017b).

Após esse terceiro contato oficial entre o órgão indigenista e os isolados em 2015, permeado por conflitos com os Matis, uma parte dos Korubo permaneceu em isolamento no rio Coari. Por isso, tanto os Matis, quanto os Korubo contatados em 2015 pediam à FUNAI a realização do quarto contato oficial com essa parcela em isolamento.

Esse quarto momento de contato oficial entre a FUNAI e os isolados foi realizado em março de 2019 e envolveu a participação dos Korubo de recente contato: os Korubo contatados em 1996 atuaram como tradutores, enquanto os contatados 2015 foram os principais mediadores no diálogo com os seus parentes isolados no rio Coari.

Uma expedição chefiada pelo indigenista Bruno Pereira, com uma equipe de cerca de trinta pessoas (dentre elas, seis korubo), saiu da BAPE Ituí-Itaquaí no dia 03 de março de 2019 para o rio Coari e construiu um acampamento próximo ao igarapé Coarizinho. No dia 13 de março verificou-se que os isolados não estavam em suas malocas. A equipe passou a procurá-los nas roças antigas. Dias depois, a equipe de contato localizou dois isolados que se emocionaram ao reencontrarem seus parentes, contatados pela FUNAI em 2015. No dia seguinte a esse primeiro encontro outros vinte e dois korubo se aproximaram da equipe. Posteriormente, mais dez pessoas apareceram.

Ao todo, o quarto momento de contato oficial da FUNAI foi com um grupo de trinta e quatro korubo no rio Coari. Segundo informações da FUNAI: “Quatorze deles com idade aproximada entre 20 e 48 anos, sendo oito homens e seis mulheres, duas delas grávidas. O grupo conta, ainda, com 21 crianças e jovens de até 16 anos, sendo nove meninos e 12 meninas. Dessas, três bebês de menos de um ano de idade”.

Desde então a FUNAI em colaboração com a SESAI mantém um acampamento de contato no rio Coari para monitoramento da integridade física e sanitária desse subgrupo recém-contatado em 2019. O acampamento envolve equipes de trabalho que se revezam em média a cada trinta-sessenta dias. Cada equipe conta com a participação de dois a três homens korubo (dos subgrupos contatados em 1996, 2014 e 2015), que recebem da FUNAI pagamentos monetários ou em forma de bens.

Atualmente, existe outro subgrupo korubo em isolamento. Em 2012, a FUNAI registrou o ataque de isolados korubo aos Kanamari na margem esquerda do rio Curuena, afluente do alto rio Jutaí. No ano seguinte, através de sobrevoo, o órgão indigenista localizou roças e malocas dos isolados nessa localidade (Coutinho Júnior, 2018; Vargas da Silva, 2017a). Em outubro de 2020, um sobrevoo realizado pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA) constatou que essa parcela dos isolados está sofrendo pressões do garimpo ilegal nessa porção da TI.

Cisões e dispersões

Entre o contexto de exploração extrativista na região e o contato com o subgrupo korubo no rio Branco em 2015 houve pelo menos cinco cisões internas que redefiniram as áreas de perambulação dos Korubo. Havia uma concentração das roças korubo no interflúvio dos rios Ituí e Itaquaí, na medida em que a área de perambulação se expandiu para outras regiões dentro da TI Vale do Javari.

A primeira cisão de que temos notícia foi motivada pelo rapto de duas mulheres entre os korubo. Essa ocasião foi narrada à FUNAI por integrantes do subgrupo contatado em 1996. Wio Maluxin e Maluxin, irmãs da Maya (matriarca do subgrupo contatado em 1996), foram raptadas por Txikit e levadas para viver próximo à bacia do rio Coari – configurando parte dos subgrupos que viriam a ser contatados pela FUNAI em 2015 e 2019. Esse evento estimulou relações guerreiras entre os grupos da Maya e do Txikit (Vargas da Silva, 2017b).

A segunda cisão ocorreu no rio Itaquaí e foi reflexo do massacre dos não-indígenas aos três korubo no lago Gamboá em 1989 (ISA, 1987/88/89/90). Na ocasião foram mortos pelos não-indígenas Paxtu, Patxi e Kanikit (irmão, cunhado e sobrinho da Maya). A morte dos três korubo despertou a ira de Nëmulo contra sua irmã, Maya, por ser a principal responsável pelos contatos esporádicos com os não-indígenas na beira dos grandes rios.

Nëmulo matou então Pete, Tëpi e Lua (marido, genro e filho da Maya). Nesse contexto de conflitos internos provocados por decessos populacionais resultantes de conflitos com não-indígenas, Maya separou-se de Nëmulo, levando consigo sua irmã Maluxin, Txuma e os filhos.

Estima-se que entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990, o “grupo da Maya” passou a ocupar a área do rio Quixito, o rio Ituí e o igarapé Quebrado, margem esquerda do rio Ituí (Oliveira, 2019). Esse subgrupo saqueou roças das comunidades ribeirinhas Ladário e Monte Alegre até que, em 1995, outro massacre aconteceu: Txuma e Malu foram alvejados por não-indígenas (Franciscato, 2000). O subgrupo se escondeu até ser encontrado pela FUNAI em 1996, quando houve o primeiro contato pacífico e oficial.

Nëmulo e o seu grupo, dentre eles Lalanvet (a filha mais velha da Maya), permaneceram na região do rio Itaquaí e do interflúvio com o rio Jandiatuba até que a morte dele gerou uma terceira cisão, pois despertou a ira de Paxtu Vakwë. Mananvo temendo a reação de Patxu Vakwë dispersou com um grupo na direção do rio Jandiatuba, configurando a terceira cisão. O grupo de Paxtu Vakwë retornou para a confluência dos rios Ituí e Itaquaí, instalando-se na região do igarapé Marubo, enquanto o grupo do Mananvo foi em direção ao rio Curuena e permanece em isolamento (Vargas da Silva, 2017b).

As mortes de Paxtu Vakwë e outros korubo desse subgrupo no rio Itaquaí ocasionaram uma desestabilização. Eles passaram então a aparecer com frequência nas margens desse rio para pedir comida, aproximando-se das roças kanamari até serem contatados em 2014. A quarta cisão, gerada pela morte de Paxtu Vakwë, foi interna ao subgrupo korubo no rio Itaquaí: Pinu e Visa (este último falecido em 2020) passaram a disputar Malu após o falecimento de Paxtu Vakwë, o pai deles. Nesse contexto, Visa e Malu fugiram, apareceram próximo à aldeia kanamari e foram contatados primeiro pela equipe da FUNAI. Posteriormente, Pinu e o restante do grupo, incluindo Lalanvet, foram contatados.

Uma quinta cisão interna subjaz o contato realizado em 2015 no rio Branco, quase um ano após o conflito entre os isolados korubo e os homens matis na roça da aldeia Todowak. Um caso de relacionamento extraconjugal gerou uma cisão entre os Korubo no rio Coari. Uma parcela desse subgrupo atravessou o rio Branco e foi encontrada primeiro pelos Matis. Após o contato, a FPEVJ constatou que essa parte do subgrupo não levou manivas e sementes. Por isso, ficaram próximos das roças matis (Vargas da Silva et al, 2016). Os demais foram atrás deles e também foram abordados pelos Matis.

Atualmente, além do contato com o órgão indigenista, os Korubo de recente contato mantêm relações permanentes com a equipe multidisciplinar da SESAI e, no caso dos Korubo no rio Ituí, contatos esporádicos com pesquisadores e outros povos da TI Vale do Javari, especialmente os Marubo, povo com o qual compartilham esse rio. Em 29 de maio de 2019, por meio da Portaria nº693/PRES/2019, a FUNAI instituiu o “Programa Korubo”: pioneiro em ações integradas para o atendimento de povos indígenas de recente contato.

Eventualmente, os Korubo do rio Ituí deslocam-se à Tabatinga, Amazonas, com o apoio da FUNAI e/ou da SESAI, para atendimento à saúde, recebimento de pagamentos pelos serviços prestados à FUNAI, retirada de documentos, entre outros. Devido ao passado conflituoso com os não-indígenas e à condição de “recente contato”, os Korubo não deslocam-se ou circulam pelas cidades sem o acompanhamento das instituições.

População e aldeias

A população dos isolados korubo, de modo geral, apresentou significativos decessos ao longo dos anos 1980, 1990 e 2000. Todavia, o subgrupo contatado pela FUNAI em 1996, além de apresentar acréscimos na taxa de natalidade, somou-se aos subgrupos contatados em 2014, 2015 e 2019.

Nos anos 1980, segundo dados de Melatti, estimava-se que a população dos isolados korubo variava entre 200 e 2.000 pessoas (ISA, 1983). Em 1984, segundo estimativa de Cavuscens, esse contingente variava entre 200 a 300 pessoas (ISA, 1984), o que se confirmaria nos anos seguintes. Entre 1999 e 2000, o censo realizado pelo DSEI Vale do Javari registrou que, em 1985, a população dos isolados era 300 pessoas e, com os decessos significativos nos anos seguintes, restaram apenas 250 (ISA 1996-2000). Em contrapartida, a população recém-contatada pela FUNAI em 1996 crescia de 18 para 25 pessoas (ISA, 2001-2005).

Em informe no mês de junho de 2009, o movimento indígena do Vale do Javari expressou sua preocupação com um possível decesso entre os isolados korubo: das nove comunidades registradas desde os anos 1990, em sobrevoo observou-se que apenas uma delas estava visivelmente habitada, com redução significativa do tamanho das roças e malocas, sem vestígios de deslocamentos dos isolados para outras localidades (ISA, 2006-2010). Se, por um lado, os isolados sofriam decessos; por outro, os Korubo recém-contatados manifestavam índices de contaminação por hepatites virais (Coutinho Júnior, 2008).

Mas, ainda assim, a população korubo de recente contato continuava crescendo. Desde o contato realizado pela FUNAI em 1996, registraram-se quatro óbitos e nove nascimentos. Em 2009 os recém-contatados somavam 25 pessoas (Oliveira, 2009). No ano seguinte, em 2010, conforme censo realizado pela FPEVJ, os Korubo de recente contato passaram a 27 pessoas, inicialmente localizadas nas proximidades do igarapé Quebrado. Posteriormente, dividiram-se em duas localidades: uma aldeia nomeada Roça, e outra aldeia na localidade Mário Brasil. Nessa época, alguns recém-contatados já conheciam Tabatinga, Amazonas, através de remoções sanitárias feitas pela SESAI (ISA, 2006-2010).

Ainda em 2010, a população korubo total, envolvendo isolados e de recente contato, foi contabilizada em 142 pessoas (IBGE; FUNAI, 2010). Sete anos depois, em 2017, estimava-se que essa população era 150 pessoas, 82 delas em contato permanente com o órgão indigenista oficial (Vargas da Silva, 2017b). Às 82 pessoas, somaram-se nascimentos e as 34 pessoas contatadas no rio Coari em 2019.

Hoje, a população korubo de recente contato soma 127 pessoas. As 93 pessoas localizadas no baixo curso do rio Ituí estão divididas em quatro aldeias, próximas à BAPE/FUNAI na confluência dos rios Ituí e Itaquaí: Sentele Maë (também chamada Maë Xëni, Roça Velha), Tapalaya (na localidade Mário Brasil), Tankala Maë e Vuku Maë.

A concentração populacional das aldeias korubo é constantemente redefinida pela patrilocalidade e pelas cisões decorrentes dos conflitos entre grupos familiares. Na relação com os não-indígenas, a figura do cacique geral emerge e ganha evidência. Contudo, os Korubo de recente contato ainda funcionam sob a lógica dos grupos familiares extensos, característica que se reflete na configuração atual das quatro aldeias no rio Ituí.

A população korubo, de modo geral, é jovem. Os maiores índices etários dos Korubo do rio Ituí variam entre 0 e 34 anos de idade, com uma concentração de 20% do valor total entre crianças de 5 a 9 anos de idade, e apenas quatro pessoas com idade acima dos 50 anos, revelando os óbitos de praticamente todos os anciãos korubo antes da homologação da TI Vale do Javari. Após o último contato efetuado pelo órgão indigenista, em 2019, o saldo de pessoas com idade acima de 50 anos passou a cinco.

No rio Ituí, os Korubo de recente contato mantêm relações de estreita proximidade com a BAPE Ituí-Itaquaí por motivos diversos, dentre eles o atendimento sanitário. A BAPE é considerada uma das “micro-áreas” de atendimento do DSEI Vale do Javari, pois não há pólo-base da SESAI dentro das aldeias korubo no rio Ituí. Na BAPE, o DSEI Vale do Javari construiu uma Unidade Básica de Atendimento à Saúde Indígena (UBSI), onde se instala a equipe multidisciplinar que atende à saúde dos Korubo no rio Ituí em visitas periódicas, em alguns casos removendo pacientes korubo para observação e tratamento na BAPE.

Outra equipe de saúde localiza-se no rio Coari para atendimento das 34 pessoas contatadas pelo órgão indigenista em 2019. Apesar da medicina tradicional – choros rituais, banhos com plantas medicinais e a utilização de substâncias com potencial curativo –, os Korubo necessitam da assistência prestada pela SESAI para tratamento das doenças não-indígenas, como a malária e as síndromes gripais. Há ainda registro de casos crônicos de psoríase e osteoartrose entre os Korubo no rio Ituí.

A estrutura física das aldeias korubo, por sua vez, caracteriza-se pelo solo irregular e pela ausência de descampado entre a maloca e a floresta. A maloca (xuvu) é o principal componente da aldeia. Em torno dela estão os varadouros que levam aos banheiros, às roças, ao igarapé, à beira do rio e, mais recentemente, estão sendo construídas casas individuais.

A maloca tradicional korubo tem formato alongado hexagonal e duas portas, com cerca de um metro de altura, nos vértices frontal e posterior. Os Korubo passaram a utilizar fragmentos de mosquiteiros, tecidos ou lonas nas portas da maloca para evitar a entrada de insetos. No interior da maloca há fogueiras nas extremidades e/ou próximas das redes de dormir. Estacas fincadas nas porções laterais do chão da maloca, com cerca de um metro e meio de altura, são utilizadas para atar as redes dos grupos familiares, sem o uso de esteiras de palha.

Atualmente, uma maloca é construída por pequenos grupos de homens que extraem a matéria-prima, trançam e armam a estrutura: começando pelas laterais e finalizando pelos vértices frontal e posterior. A maloca passa por manutenções, sobretudo, no inverno, quando o eixo central do teto é reforçado por causa das chuvas. Trata-se de um espaço de comensalidade, produções artefatuais, rituais, conversas e reuniões entre os Korubo de diferentes aldeias e com as instituições estatais.

O centro da maloca (nantan) é um espaço ocupado pelos homens, que reúnem-se sentados em pequenos bancos de madeira, posicionados em formato circular, para planejar e relatar caçadas, avaliar a atuação das instituições, comentar as notícias e os acontecimentos das diferentes aldeias, comer e beber juntos. Atualmente, o nantan é também o espaço de recepção das visitas, homens e mulheres não-indígenas, que sentam-se nos pequenos bancos de madeira individuais, dispostos pelos Korubo logo que as visitas entram na maloca.

As mulheres e crianças, por sua vez, ocupam as laterais e o fundo da maloca, sentadas em suas redes, ou ainda, em esteiras de palha no chão. Essa disposição generizada acompanha a distribuição dos alimentos e a realização das refeições. O teto e as paredes da maloca servem ao armazenamento de alimentos – como pedaços de carne e milho reservados ao plantio nas novas roças –, das cerâmicas contendo curare e dos objetos industrializados que são ali pendurados.

Após o contato contínuo com os não-indígenas, verificam-se algumas modificações na estrutura e no cotidiano das aldeias korubo. Apesar da maloca ser ainda um espaço de moradia, uma das principais alterações é a recente construção de casas no estilo regional ao redor da maloca (wëtëkit): palafitas feitas com paxiúba e palha, habitadas por famílias nucleares. Trata-se de um padrão habitacional em processo de consolidação.

Outras três recentes estruturas nas aldeias korubo são posteriores ao contato permanente com o Estado brasileiro: a casa do rádio; a casa dos remédios (txiete xuvu) para os atendimentos da SESAI; e, a partir de 2019, as palafitas construídas especificamente para serem “escolas”, conforme dizem os Korubo. Mais recentemente, após a inserção do subgrupo contatado em 1996 em atividades de trabalho remuneradas junto à FUNAI, os Korubo começaram a adquirir por conta própria motores geradores de luz, modificando a dinâmica de funcionamento das aldeias, que agora independem unicamente da luz solar.

Sazonalidade e alimentação

As atividades produtivas dos Korubo estão diretamente ligadas à sazonalidade amazônica, a época das chuvas e do verão. Entre os meses de março e maio é o período privilegiado para as caçadas de macaco preto e macaco barrigudo, pois estão gordos. Nessa época, os Korubo saem das aldeias e acampam em tapiris na floresta para caçar e moquear grandes quantidades de carne, trazidas à aldeia após um tempo de consumo in loco. Durante o verão amazônico, com o surgimento das praias, destaca-se o consumo e a coleta dos ovos de quelônios.

Os Korubo apreciam macaco prego, macaco cheiro, preto, macaco-barrigudo, macaco da noite, zogue-zogue, guariba e parauacu que, tradicionalmente, são caçados com zarabatana, do mesmo modo que a preguiça e espécies de aves, como mutum, jacamim, arara-vermelha, cujubim e jacu. Destes, o mutum ocupa um lugar privilegiado. Personagem do mito de origem da agricultura, por vezes, o mutum torna-se animal de criação dos Korubo, junto a cachorros, gatos, espécies de macacos, preguiças e jabutis.

Apreciam o consumo de répteis, como jacaré, algumas espécies de rãs, tracajás e jabutis. Alimentam-se também de mamíferos de pequeno, médio e grande porte, como paca, cutia, caititu, preguiça, veado, tamanduá, quati e, os mais cobiçados, a anta e os queixadas.

As caçadas geralmente são feitas por grupos de homens e meninos aprendizes. Em algumas caçadas, sobretudo de queixadas, mulheres e crianças os acompanham. As mulheres ajudam a tratar a caça e também a carregá-la, transportando à aldeia. Todavia, os jabutis são espécies reservadas à caçada por mulheres. Há mulheres korubo com a reputação de exímias caçadoras de jabutis.

Uma substância potencializadora das caçadas é o tatxik: cipó do gênero Paullinia, utilizado pelos Korubo de diversas formas. Um dos principais usos desse cipó é a bebida amarga, potencializadora dos processos de cura e das caçadas, consumida por mulheres mais velhas e homens. Os caçadores, homens e jovens aprendizes, tomam tatxik antes e depois das caçadas, durante a madrugada e ao longo do dia, sentados em bancos de madeira individuais, posicionados em formato circular no centro da maloca ou nas casas individuais. Os Korubo no rio Ituí passaram a adotar o uso de espingardas e cachorros nas caçadas.

Além da obtenção de proteína por meio das caçadas, os Korubo coletam mel e frutos diversos. De fevereiro a maio, coletam grandes quantidades de açaí e, entre maio e agosto, coletam buriti. Nesses períodos, a alimentação e a dinâmica de circulação dos Korubo giram em torno desses frutos que são acompanhados por proteína e produtos da roça. A coleta do açaí é feita pelos homens que sobem nas palmeiras com o uso de peconha e retiram grandes cachos, trazidos à maloca para extração da polpa com o auxílio das mulheres. A coleta do buriti, por sua vez, envolve mulheres e crianças que recolhem os frutos caídos no chão enquanto brincam e conversam, comendo e separando uma quantia para levar às aldeias.

Outras frutas consumidas, coletadas inclusive por crianças, são ingá, abiu, cacau do mato, cupuaçu, bacuri, cubiu e mamão. Homens, mulheres e jovens korubo coletam pelo menos três tipos de mel, que envolvem a derrubada das árvores e, a depender das espécies de abelha, o uso ou não de fogo.

As tecnologias de pesca dos Korubo eram adaptadas ao pequenos igarapés e corpos d’água no interior da mata com a utilização do timbó, da lança e de pedaços de pau. Durante o verão destaca-se a captura do poraquê com o uso do timbó. Outras espécies de peixe capturadas com essa técnica são o bodó e a traíra. Após o contato com o órgão indigenista oficial, os Korubo no rio Ituí passaram à apropriação dos materiais de pesca não-indígena, como malhadeiras, anzóis, linhas e iscas. Ao expandirem a área de pesca dos igarapés para o leito dos grandes rios e lagos, ampliou-se a gama de peixes acessados pelos Korubo, como pirarucus, pirararas, espécies de mandi etc. A pesca apresenta-se como uma atividade complementar à agricultura itinerante e à obtenção de proteína através das caçadas.

A abertura das roças organiza as atividades ao longo do ano. Inicia-se com a derrubada das árvores de pequeno porte com o uso de terçado e, posteriormente, de grande porte com o auxílio de machado. Após a derrubada, acontecem as queimas e o repouso do solo, preferencialmente durante a estação seca e, por fim, o plantio. Acompanhados por mulheres e crianças, os homens fazem a derrubada, a queima e o plantio, enquanto as mulheres colhem, transportam, cozinham e distribuem os produtos da roça.

Em geral, nas roças korubo cultiva-se macaxeira, milho, banana, pupunha, e espécies de inhame e cará. Destacam-se a macaxeira e o milho – onipresentes no cotidiano korubo e, no caso do milho, envolvido em rituais, semelhante a outros povos Pano. Conforme o que acontece atualmente com o padrão residencial – a construção de casas unifamiliares em torno da maloca –, o processo de sedentarização dos Korubo no rio Ituí reflete-se na proliferação de roças unifamiliares. No preparo dos alimentos oriundos da caça, pesca e coleta, verifica-se a preeminência do cozimento e o preparo de bebidas e mingaus a partir dos produtos da roça.

Cultura material

A cultura material korubo é composta por armas de guerra, caça e pesca, adornos corporais, cestaria, trançados, madeiras e cerâmicas. A zarabatana, seus dardos e aljava, o arco-flecha, a lança e as bordunas pertencem ao conjunto das armas para guerra, caça e pesca. Atualmente, as armas mais utilizadas pelos Korubo são a zarabatana e um dos tipos de borduna. O uso da zarabatana envolve ainda o preparo do curare a partir da combinação de diferentes cipós.

A zarabatana serve, sobretudo, à caçada de animais arborícolas, como aves e diferentes espécies de macaco. Envolve não apenas um processo inicial de produção, mas a necessidade de constante manutenção e um local específico para armazenamento: as porções laterais do teto da maloca. Os Korubo e os Matis são os dois povos da TI Vale do Javari que caçam com zarabatana e bebem tatxik.

No conjunto das armas korubo há dois tipos de borduna: ixvante e mete. Esta última, também chamada kweynamete por derivar da pupunheira (kweynat), é o tipo de borduna mais utilizada pelos Korubo atualmente. Após os conflitos, as bordunas eram cravadas no chão, uma insígnia bélica. Os mais velhos contam que as bordunas eram artefatos presentes nas reuniões, ícones das narrativas homéricas sobre como eles mataram onças e retiraram seus dentes. Antigamente, o comprimento das bordunas variava: as menores, utilizadas dentro da maloca contra ataques inimigos; as maiores, utilizadas na floresta. Atualmente, por não serem mais atacados como outrora, os Korubo deixaram de fabricar as pequenas bordunas.

Com exceção das armas de guerra, caça e pesca, grande parte da cultura material korubo é produzida pelas mulheres. Há que se considerar que mesmo as armas possuem acessórios feitos pelas mulheres, como a corda do arco, a alça da aljava e as bolsas para armazenamento do algodão, componente da zarabatana. A maior parte da produção das mulheres korubo concentra-se nos trançados e na tecelagem – redes, testeiras, braçadeiras, tipoias para carregar cestos e crianças, pratos/esteiras, abanadores e colares –, produzidos a partir da extração da fibra de tucum (tote): palmeira derrubada e manipulada por mulheres, cujo uso estende-se aos âmbitos ritual e xamânico.

A derrubada de tucum pode mobilizar uma aldeia e durar o dia inteiro: enquanto os homens caçam, as mulheres derrubam as palmeiras com machados, acompanhadas pelas crianças. Após a extração, a fibra de tucum seca ao sol e, posteriormente, as artesãs fazem dela um longo fio que constituirá o novelo. Após construído o novelo, os fios são posicionados em teares para a montagem dos artefatos.

A rede é um dos artefatos korubo mais presentes no cotidiano das aldeias e, semelhante a zarabatana, passa por manutenções: suas amarrações são desfeitas e refeitas de tempos em tempos após as lavagens. Extremamente estimadas como presentes trocados entre os Korubo.

Outro artefato onipresente no cotidiano korubo são os pratos e as esteiras de palha (piski). Diferente de outros artefatos, como as cerâmicas e os cestos, produzidos por mulheres mais velhas, os pratos de palha são feitos por mulheres de todas as idades e estão presentes em todas as refeições, apesar de os Korubo no rio Ituí já acessarem utensílios domésticos industrializados.

As redes e os pratos de palha são os artefatos produzidos com maior frequência pelas mulheres. Elas não apenas fabricam os pratos de palha, mas posteriormente administram a distribuição dos alimentos em diferentes piski. Além da comensalidade, o piski é também um assento para as mulheres e está presente no círculo dos homens, no preparo da bebida feita com cipó tatxik, raspado e ralado sobre um piski.

As mulheres korubo fabricam dois tipos de cesto e, para a produção de bebidas fermentadas, um tipo de peneira. O cesto kakan é bastante utilizado no transporte dos produtos da roça à maloca, ou ainda, dos itens pessoais quando os Korubo saem das aldeias – carregado nas costas com ponto de apoio na cabeça, semelhante ao modo como carregam suas crianças. Atualmente, o cesto tsitsan raramente é feito, pois sua fabricação envolve a extração de grande quantidade de cipó-titica, matéria-prima também utilizada na fabricação das vassouras para a limpeza do interior das casas e da maloca.

Os Korubo fabricam ainda artefatos esculpidos em madeira, como bancos, remos e raladores com dentes de macaco-barrigudo. As panelas e pratos de cerâmica possuem tamanhos variados, feitos por mulheres mais velhas, passam por vários processos que vão da coleta da argila às queimas. As cerâmicas também são utilizadas pelos homens no cozimento e armazenamento do curare, veneno vegetal para caçadas com zarabatana.

Os Korubo possuem diferentes padrões de pinturas corporais. Frequentemente à base de urucum com ou sem látex das seringueiras e, raramente, de jenipapo. Há pelo menos três padrões de pintura corporal relacionados a animais, constituídos por combinações de bolinhas, linhas verticais e horizontais. A pintura corporal korubo, os diferentes usos de artefatos corporais feitos com palmeira muru-muru e o adorno das bordunas estão atrelados a subgrupos com incidência política e ritual. No passado, houve cisões entre esses subgrupos. Hoje, os Korubo de recente contato que habitam o rio Ituí majoritariamente se autoidentificam Xiavo em relação aos que estão no rio Coari, os Txikitxoevo.

Uma novidade na cultura material korubo é a incorporação das miçangas, obtidas por doação ou compra. Não raro, uma peça obtida na cidade é desfeita na aldeia para a distribuição das miçangas entre as mulheres, que constroem colares: longos e utilizados de forma cruzada sobre o peito das mulheres e meninas, ou ainda, colares curtos utilizados de modo não cruzado por homens e meninos.

Atualmente, os Korubo das quatro aldeias no rio Ituí participam de dois Projetos de Cooperação Técnica Internacional de Salvaguarda do Patrimônio Linguístico e Cultural de Povos Indígenas Transfronteiriços e de Recente Contato na Região Amazônica, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em parceria com o Museu do Índio/FUNAI: o Prodoclin, voltado à documentação da língua korubo, com vistas à elaboração de um dicionário, coordenado pelo linguista Sanderson Oliveira; e o Prodocult voltado à documentação e salvaguarda da cultura material, com vistas à elaboração de um catálogo digital e à construção de uma coleção korubo para o acervo do Museu do Índio, no Rio de Janeiro, equipe coordenada pela antropóloga Beatriz Matos. Esses dois projetos e as atividades no âmbito do “Programa Korubo” têm sido oportunidades de intercâmbios entre os Korubo e os não-indígenas.

Os artefatos, produzidos principalmente para o autoconsumo, estão sendo redescobertos pelos Korubo como uma fonte de renda para as comunidades: vendas de artefatos na cidade, com o apoio da FPEVJ, ou ainda, transações realizadas entre os Korubo e os agentes institucionais. Em 28 de março de 2019, os Korubo do rio Ituí participaram pela primeira vez de um evento de compra-venda de artefatos em Benjamin Constant, Amazonas, ocasião em que compreenderam a logística de uma feira, estabeleceram relações diversas e conheceram a produção artefatual de outros povos indígenas.

Fontes de informação

O acervo documental disponível sobre os Korubo compreende dois períodos: de 1920 aos anos 2000, e a partir dos anos 2000. Esse acervo narra, sobretudo, as relações conflituosas entre os Korubo e os não-indígenas no âmbito das múltiplas experiências de contato prévias e durante os contatos oficiais com o órgão indigenista.

O período histórico incide sobre o perfil dessas produções documentais que ganham certa densidade após o contato oficial com o “grupo da Maya” em 1996. Dessa forma, antes do primeiro contato oficial com a FUNAI o que existia era uma série de relatos dos avistamentos e conflitos envolvendo os isolados e os não-indígenas das frentes extrativistas e de atração.

A partir do contato realizado em 1996, a FUNAI esclareceu alguns aspectos relacionados às cisões internas e dispersões dos Korubo e, paralelamente, através de sobrevoos, expedições terrestres e geoprocessamento mapeou os subgrupos que permaneceram em isolamento. Ao mesmo tempo, na medida em que outros contatos oficiais com subgrupos korubo foram realizados (2014, 2015 e 2019), uma série de relatórios técnicos foram produzidos. Uma parcela dos Korubo passou então de “isolados” à categoria de “recente contato”, o que trouxe uma série de implicações na relação entre os Korubo e o Estado brasileiro.

Os acervos do Museu do Índio/FUNAI e do Programa Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA), registram acontecimentos envolvendo os Korubo entre os anos 1928 e 2011. A partir dos anos 2000 há uma produção documental diversificada de relatórios, diagnósticos e trabalhos acadêmicos que mencionam ou tematizam os Korubo.

Nesse contexto duas produções acadêmicas destacam-se: Oliveira (2009) e Vargas da Silva (2017b). A primeira é uma dissertação de mestrado em Linguística que tematiza a fonologia da língua falada pelo primeiro subgrupo korubo contatado em 1996. A segunda é uma dissertação de mestrado interdisciplinar realizada por um geógrafo e servidor do órgão indigenista e, portanto, enfatiza o tema da territorialidade. Trata-se de duas produções pioneiras sobre os Korubo que, embora não possuam caráter antropológico, registram aspectos importantes relacionados à língua, às cisões internas aos subgrupos, ao modus operandi da FUNAI e aos contatos oficiais. Outros trabalhos acadêmicos tematizam os Matis, mas mencionam os Korubo em diversos trechos, como Erikson (1996) e Arisi (2007).

O primeiro trabalho de campo de caráter antropológico junto aos Korubo de recente contato, com vistas à produção acadêmica, foi realizado em 2019 e 2020. No contexto da pandemia do novo coronavírus, essa pesquisa fomentou algumas reflexões iniciais acerca do atendimento à saúde dos Korubo de recente contato (Silva, 2020a; 2020b; Silva; Marques, 2020). Ademais, duas teses de doutorado sobre os Korubo estão sendo produzidas: Juliana Oliveira Silva no âmbito do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro; e Bernardo Natividade Vargas da Silva no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


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Ver também

Especial Sebastião Salgado na Amazônia - Korubo