Koripako
- Autodenominação
- Onde estão Quantos são
- AM 1673 (Siasi/Sesai, 2014)
- Colombia 7827 (Arango e Sánchez, 2004)
- Venezuela 4925 (INEI, 2001)
- Família linguística
- Aruak
Introdução
Os Koripako, que falam um dialeto da língua baniwa, vivem na Colômbia e no Alto Içana (Brasil). Já os Baniwa vivem na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela, em aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes Cuiari, Aiairi e Cubate, além de comunidades no Alto Rio Negro/Guainía e nos centros urbanos de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos (AM).
Ambas etnias aparentadas são exímias na confecção de cestaria de arumã, cuja arte milenar lhes foi ensinada pelos heróis criadores e que hoje vem sendo comercializada com o mercado brasileiro. Recentemente, têm ainda se destacado pela participação ativa no movimento indígena da região. Esta corresponde a um complexo cultural de 22 etnias indígenas diferentes, mas articuladas em uma rede de trocas e em grande medida identificadas no que diz respeito à organização social, cultura material e visão de mundo. Informações abrangentes sobre essa área cultural estão na página Noroeste Amazônico.
Contato direto
Blog Escola Pamaali: organizado e mantido pelos índios Baniwa e Koripako do Alto Rio Negro
Outras leituras
Para saber mais informações sobre o Noroeste Amazônico acesse o verbete especial sobre a região
Nomes e línguas
Desde os tempos coloniais, o nome Baniwa é usado para todos os povos que falam línguas da família Aruak ao longo do Rio Içana e seus afluentes. Deve-se enfatizar, porém, que não se trata de uma auto-designação. É um nome genérico usado por esses índios quando se fazem representar em contextos multiétnicos ou diante do mundo não-indígena. Walimanai significa "os outros novos que vão nascer" e é uma auto-designação usada em contraste com os antepassados, Waferinaipe, os heróis culturais e divindades que criaram e prepararam o mundo para os vivos, os seus descendentes, os Walimanai de hoje. Essas comunidades indígenas mais freqüentemente usam como auto-designações os nomes das suas fratrias como Hohodene, Walipere-dakenai ou Dzauinai.
Os Coripaco, que vivem na Colômbia e no Alto Içana (Brasil), são aparentados dos baniwa e falam um dialeto da língua baniwa, mas não se identificam como subgrupo baniwa. Os Coripaco moram em comunidades ao longo do Rio Guainía (nome do Rio Negro fora do Brasil, acima da conexão com o canal de Casiquiare) e de seus afluentes e no Alto Içana. Na Venezuela, são chamados de Wakuenai, auto-designação que significa "os da nossa língua", e moram em comunidades ao longo do Rio Guainía e de seus afluentes. Há um outro grupo de língua aruak distinta, chamado Baniva, que mora na vila de Marôa, no Guainía.
A despeito de terem uma identidade específica, a etnia Coripaco é muito próxima da Baniwa, de modo que as informações relativas aos Baniwa nos demais itens desta seção podem, em grande medida, ser estendidas aos Coripaco.
Histórico da ocupação
Como seus vizinhos do Rio Uaupés, os Baniwa vivem atualmente às margens dos rios principais, mas contam que seus antepassados não viviam tão próximos aos rios e construíam suas malocas em geral nas cabeceiras dos principais igarapés. Até os dias de hoje, os Baniwa apontam antigos lugares de moradia atualmente desabitados. Muitos dos velhos dizem que ainda chegaram a ver esteios em pé em alguns desses lugares, restos das velhas malocas dos antigos. Na região do Alto Içana, uma antiga e importante maloca localizava-se na cabeceira do igarapé Pamari, uma área ocupada desde antigamente pela fratria Walipere-dakenai (ou Siuci em língua geral), que significa "netos das cinco estrelas" (a constelação das Plêiades). Dizem os Walipere-dakenai que ali foi a moradia de seu primeiro líder, Vetutali (ou Wetsudali), um poderoso guerreiro antepassado de todos os Walipere-dakenai atuais. Conta-se que, no tempo da escravidão, Vetutali e muitos outros Baniwa foram levados como escravos pelos portugueses. Quando o navio que o levava prisioneiro já baixava pelo Rio Negro, Vetutali e um companheiro Hohodene atiraram-se na água e conseguiram escapar, retornando então para o Içana.
Assim como os Walipere-dakenai, os Hohodene falam de um líder antepassado chamado Keruaminali, que também fora levado pelos brancos, tendo permanecido por algum tempo em Barcelos até conseguir fugir e retornar ao Içana. Como Vetutali, Keruaminali, ao regressar à sua terra, foi morar nas cabeceiras de um igarapé, o Uaraná, afluente do Rio Aiari. Os Walipere-dakenai passaram então a ocupar uma grande extensão de terras, delimitada ao sul pelo Rio Içana, entre a boca do Pamari até as imediações da atual aldeia de Tamanduá. Ao norte, os limites deste território alcançam o Rio Cuiari, já na Colômbia. Os Hohodene se estabeleceram na região interfluvial Içana/Aiari, mais precisamente nas cabeceiras dos igarapés Quiari, Uirauassu e Uaraná. Alguns Walipere-dakenai foram morar próximo aos Hohodene e desde então há muitos casamentos entre os dois grupos. De acordo com os Hohodene e os Walipere-dakenai, a fuga e o retorno desses dois líderes marcam um momento importante de sua história, pois é quando o Içana volta a ser repovoado após um esvaziamento quase absoluto, resultante do tempo da escravidão e descimentos.
Com o tempo e a influência de missionários, militares, e comerciantes brancos, os Baniwa foram progressivamente se transferindo de suas antigas malocas, no interior da mata, para as margens do Içana. A população baniwa cresceu muito e os Walipere-dakenai, por exemplo, se espalharam por todo rio. Os Hohodene desceram o Quiari e ocuparam toda a extensão do Rio Aiari. Há comunidades baniwa que se estabeleceram em tempos mais recentes até no Rio Negro, abaixo de São Gabriel da Cachoeira. Alguns Walipere-dakenai e Hohodene estão morando nas proximidades de Barcelos. Mesmo assim, a área acima descrita continua a ser seu território por excelência, reconhecido pelo conjunto dos grupos baniwa.
Localização e população
A bacia hidrográfica do Rio Içana tem suas nascentes na Colômbia, mas logo em seguida passa a delimitar a fronteira com o Brasil, adentrando o território brasileiro na direção sudoeste depois de um pequeno trecho. A extensão do Içana é de cerca de 696 Km. Das cabeceiras até o limite Colômbia/Brasil são 76 Km. Serve de fronteira com a Colômbia por mais 110 Km e daí até a foz, no Rio Negro, são mais 510 Km. No Brasil, apresenta 19 cachoeiras.
Em suas nascentes, o Içana é um rio de água branca e vai mudando sua cor para avermelhada e preta após receber as águas do igarapé Iauareté (ou Iauaiali, como chamam os Baniwa e Coripaco) e outros. Os maiores afluentes do Içana são os rios Aiari, Cuiari, Piraiauara e Cubate, todos eles rios de água preta. O Içana deságua no Rio Negro acima da foz do Rio Uaupés.
Os Baniwa estão distribuídos em 93 povoados, entre comunidades e sítios, perfazendo, no ano de 2000, um total aproximado de 15 mil indivíduos, estando cerca de 4.026 no Brasil. Em solo brasileiro, os povoados estão localizados no Baixo e Médio Içana e nos rios Cubate, Cuiari e Aiari. Os Baniwa também estão presentes em comunidades do Alto Rio Negro, nas cidades de São Gabriel, Santa Isabel e Barcelos. Os Coripaco estão apenas no Alto Içana e somavam, no Brasil eem 2000, aproximadamente 1.115 pessoas.
Existe uma missão salesiana em Assunção do Içana desde 1952. Há outras quatro bases missionárias ao longo do Rio Içana, todas elas mantidas pela Missão Novas Tribos do Brasil: Boa Vista, localizada na foz, Tunuí, no médio curso, São Joaquim e Jerusalém, na parte alta do Içana (entre os Coripaco). Em São Joaquim, há também um Pelotão de Fronteira do Exército.
Histórico do contato
A primeira referência documental conhecida sobre os Baniwa menciona sua aliança com os Caverre (um grupo Piapoco do Rio Guaviare), no início do século XVIII, contra expedições guerreiras karib envolvidas na obtenção de escravos para os espanhóis. Os Baniwa também são mencionados em fontes portuguesas da mesma época como tendo sido trazidos como escravos, provavelmente pelos Manao do Médio Rio Negro, do Alto Rio Negro ao Fortaleza da Barra. Há registros no Arquivo Público de Belém do Pará de que os Baniwa foram capturados em grande número entre os anos de 1740 e 1755, e enviados para Belém. É possível também que tenham absorvido refugiados de outros povos indígenas durante as guerras de captura de escravos na primeira metade do século XVIII.
Com a intensificação da colonização no Rio Negro, na segunda metade do século XVIII, doenças introduzidas pelos brancos começaram a espalhar a morte entre os Baniwa. Apesar da impossibilidade de se fazer estimativas, os registros mencionam várias epidemias graves de sarampo e varíola nas décadas de 1740 e 1780. O seu efeito, aliado à deterioração geral das condições de vida e ao abastecimento garantido de mercadorias pelos "brancos", convenceu muitos Baniwa a deixarem suas terras e irem para as cidades coloniais recém-fundadas no Baixo Rio Negro. Ali trabalhariam para os brancos na agricultura, no Serviço Real e na coleta de produtos da floresta. Quando não era possível persuadir os que ficaram em suas terras, os militares portugueses - às vezes aliados a outros povos aruak, como os Baré - recorriam à força. Há vários casos registrados de "descimentos" na década de 1780 com ataques armados a aldeias baniwa, aos quais os índios resistiam, o que lhes valeu a reputação de "belicosos".
A permanência dos índios nas cidades coloniais era, em geral, temporária, pois as vilas coloniais do final do século XVIII eram constantemente assoladas por doenças, sofriam grandes perdas demográficas e freqüentes deserções por parte dos índios descidos das regiões dos altos rios. Os Baniwa estavam entre os que constantemente desertavam. Os que permaneceram nas vilas coloniais foram assimilados à população branca ou cabocla.
Ao final do século XVIII, as colônias portuguesas e espanholas atravessaram um período de desorganização que permitiu aos povos nativos recuperar-se parcialmente das perdas sofridas e se reorganizar. Dentre eles, estavam os Baniwa que retornaram às suas terras nesse momento e procuraram reconstruir sua sociedade. Mas não tiveram trégua: por volta de 1830, os comerciantes brancos voltaram ao Alto Rio Negro. Muitos eram caboclos que viveram durante longos períodos nas aldeias indígenas e eram aliados úteis dos militares dos fortes de São Gabriel e Marabitanas, no Alto Rio Negro, na arregimentação de mão-de-obra indígena para o Serviço Real, indústria e extração de produtos da floresta ou serviços domésticos nas casas das famílias da elite de Manaus. O que os militares precisassem os comerciantes faziam em troca da proteção ao seu negócio. Houve também vários casos registrados de militares que tinham seu próprio comércio ou se tornaram comerciantes ao deixar o Exército. O naturalista Alfred Russell Wallace, que visitou a região na metade do século, menciona casos de ex-soldados que se tornaram comerciantes no Içana e continuaram recebendo auxílio e proteção do comandante de Marabitanas em troca de forçar índios Baniwa a trabalhar para eles na coleta de salsaparilha. Os Baniwa foram muito prejudicados por esse sistema, embora sempre que possível se mantivessem longe dos brancos.
A crescente resistência à dominação branca entre os índios do Alto Rio Negro culminou numa série de movimentos messiânicos entre os Baniwa, Tukano e Warekena, desencadeados a partir de 1857. Surgiram as figuras dos profetas baniwa, que instituíram uma nova forma de organização religiosa chamada "o canto da cruz", ou "a religião da cruz", que perdurou até o início do século XX e cuja memória ainda se mantém viva em certas partes da região. O sistema simbólico acionado neste e em outros movimentos posteriores consistiram em um entrelaçamento intencional de determinados símbolos cristãos com os temas e preocupações subjacentes da religião baniwa: a cruz e o açoite como símbolos de sofrimento ritual; as festas dos dias-de-santo e as danças sagradas do herói cultural, Kuwai, como símbolos de purificação; e as figuras de Cristo Salvador e Nhiãperikuli/Kuwai/pajé poderoso como símbolos de salvação e imortalidade.
O primeiro movimento messiânico foi liderado por Venancio Anizetto Kamiko, um Baniwa da fratria Dzauinai, do alto Guainía, o mais famoso entre todos os profetas desde meados do século XIX até sua morte em 1903. Segundo as fontes escritas, ele realizava grandes cerimônias entre as comunidades do Içana em que ele pregava, na presença de uma cruz. Sofria de catalepsia e, durante os ataques da doença, dizia que ele morria, viajava ao céu, onde comunicava com Deus, que lhe deu ordens de perdoar as dívidas dos índios aos comerciantes brancos. Atraiu um grande contingente de seguidores que acreditava em seus poderes e que ele era emissário de Deus. Logo, chegou a um momento em que ele profetizava a destruição do mundo por um grande incêndio do qual seriam salvos somente os Baniwa do Içana que dançavam em rodas, dia e noite, cantando a música dos ritos de iniciação. Segundo as fontes orais que os Baniwa e outros povos do Alto Rio Negro contam até hoje, Kamiko pregava a observância rigorosa do jejum, rezas cerimoniais e a total evitação de relações sociais e econômicas com os brancos (militares), como meios de se obter a salvação no paraíso prometido. As narrativas contam que ele pregava também contra a bruxaria e feitiçaria nas comunidades Baniwa, pois ele procurava instalar uma nova ordem moral entre os seus seguidores.
Outros líderes proféticos, discípulos do Kamiko - como Alexandre, que atuava mais no rio Uaupés -, pregavam a inversão da ordem sócio-econômica existente, após a qual os brancos serviriam aos índios em compensação para o tempo em que os índios ficavam dominados pelos brancos. Todas as narrativas orais relativas a esse tempo deixam claro que os messias colocavam seu poder e conhecimento contra a repressão dos brancos e que a chave para a sua sobrevivência estava na autonomia em relação à influência devastadora do contato. Mas com a repressão militar a esses movimentos, os messias e seus seguidores não tiveram outra escolha senão refugiar-se em áreas inacessíveis. Em seguida, muitos Baniwa se recusaram a obedecer às ordens dos militares para retornar aos assentamentos ribeirinhos; embora outros obedeceram com relutância. Os messias continuaram, no entanto, gozando de grande influência por toda a segunda metade do século XIX e durante as primeiras décadas do XX, fazendo suas curas e aconselhando os índios que vinham visitá-los de todos os cantos da região.
Na década de 1870, o boom da borracha havia atingido o Alto Rio Negro. Os patrões locais que trabalhavam para grandes empresas de exportação de borracha, tais como J.G. Araújo de Manaus, tomaram o controle de terras e recursos naturais de vastas áreas da região, explorando-as com seus exércitos de seringueiros. O Içana e seus afluentes ficaram sob o controle de um comerciante espanhol, Dom Germano Garrido y Otero, seus irmãos e seus filhos, que controlaram a região por mais de 50 anos. Garrido instalou uma espécie de sistema feudal, aparentemente com centenas de Baniwa a seu serviço. Colocou seus filhos e colaboradores como "Delegados dos Índios" em aldeias estratégicas, manipulou relações sociais de compadrio e casamento com os índios, manteve um abastecimento regular de mercadorias, controlou o comércio no Içana e submeteu ao endividamento um número de índios suficiente para servir de exemplo.
Os Baniwa se lembram de Garrido como o patrão mais poderoso de seu tempo, e também do terror e da perseguição dos militares do Forte de Cucuí que, na virada do século, caçavam os índios do Içana e Uaupés para servir de armadores, invadiam malocas, roubavam produtos comerciais dos índios, enganavam trabalhadores indígenas e também faziam contrabando. À semelhança dos seringueiros colombianos no Uaupés dessa época, os militares eram temidos, como comprovam os registros de aldeias inteiras buscando refúgio em áreas inacessíveis ou fugindo logo que viam surgir um branco. Embora a criação de missões salesianas, a partir de 1914, e de postos do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), a partir de 1919, tenha ajudado a controlar a situação, parece ter tido efeitos mínimos no Içana, pelo menos, no início. O regime extrativista continuava em operação, intensificando-se durante a Segunda Guerra Mundial.
As narrativas baniwa sobre essa época são repletas da violência, fugas e terror que marcavam as suas vidas. No entanto, nos anos 20 e 30, surgiu um outro profeta chamado Uétsu do sib Adzanene, no Alto Guaínia, filho de Kamiko, que novamente fizera campanha contra a bruxaria entre as comunidades Baniwa para restabelecer a ordem moral e a felicidade. Conta a história que Uétsu teve poderes iguais ao pai, liderando um grande movimento, realizando festas e consolidando um grupo de discípulos que o considerava como "rei". Comunicava-se com as almas dos mortos e com Deus, que lhe avisou de eventos que iam acontecer. Foi morto pelos seus inimigos; no entanto, os descendentes dos seus discípulos continuam até hoje visitando o seu túmulo para lhe pedir proteção.
Logo após a morte de Uétsu, apareceu entre os Baniwa, no final da década de 1940, Sophie Müller, uma missionária fundamentalista norte-americana da Missão Novas Tribos, pregando o protestantismo evangélico e, desse modo, reativando as esperanças milenárias entre os índios. Ela iniciou a sua evangelização entre os Kuripako na Colômbia, estendendo esse trabalho entre os Baniwa do Içana em 1949 e 1950. Pelo menos no início, a conversão dos Baniwa ao evangelismo tinha todos os sinais de uma continuação do movimento iniciado por Uétsu. Muitos Baniwa consideravam Müller como um messias, vinham de todos os lados para ouvir a sua pregação e se converter à nova fé. Em alguns aspectos, a sua missão lidava com o mesmo problema interno que lidavam os profetas: o da bruxaria, que ela identificou em inúmeros lugares. A solução que ela pregava, porém, era o abandono total da pajelança, das festas de caxiri e toda a sabedoria dos antepassados para adotar o novo modo de vida de "crente". A maior parte da população acreditava em sua mensagem milenarista, e que ela era uma emissária de Deus que vinha para anunciar "o fim do mundo".
Na mesma época em que Müller andava no Içana, padres salesianos começaram a abrir uma missão no baixo Içana, num confronto direto com o avanço do evangelismo protestante na região, criando uma situação de conflito aberto entre os seguidores da Sophie e os dos Padres. Müller foi forçada pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) a sair do país em 1953; no entanto, ela manteve contato com os Baniwa do Içana, através de seus pastores e outros missionários da Missão Novas Tribos, até a sua morte no início dos anos 90. Num total, ela trabalhou mais de 40 anos entre os Kuripako do Guaínia, foi responsável pela tradução do Novo Testamento em três dialetos Baniwa, pela formação de dezenas de pastores, assim como a construção de inúmeras igrejas nas comunidades Kuripako e Baniwa. Até hoje, a população Baniwa mantém a divisão entre crentes e católicos, que corresponde aproximadamente às comunidades Walipere-dakenai e seus cunhados dos rios Içana, Cuiary e Aiary (os crentes); e os Hohodene e Dzauinai no Aiary e Baixo Içana (os católicos). Porém, a afiliação a essas duas religiões, ou a nenhuma delas, é fluida em muitas comunidades.
Durante as duas últimas décadas, os Baniwa enfrentaram uma nova onda de penetração "branca", a serviço da política de segurança nacional do Estado ou dos interesses de companhias mineradoras. A partir dos anos 1970, quando foi anunciada a construção da rodovia Perimetral Norte que atravessaria suas terras, seguida pela construção de pistas de pouso e, desde 1986, da implantação do Projeto Calha Norte, a área recebeu freqüentes visitas de comissões do alto escalão do governo federal. Agravando a situação, desde o início da década de 1980, garimpeiros e, em seguida, companhias mineradoras, protegidos pela Polícia Federal, invadiram o território baniwa, trazendo a destruição ambiental e vários casos de violência.
Diante dessas invasões, os Baniwa inicialmente reafirmaram sua postura histórica de autonomia com relação aos brancos. Os capitães das comunidades baniwa reivindicaram o controle sobre seus recursos minerais e se colocaram contra a presença de mineradores brancos em suas terras. A pressão constante exercida pelas empresas, apoiadas pela repressão da Polícia Federal, acabou gerando graves divisões internas: algumas comunidades ficaram a favor da entrada das empresas, outras não. Ao mesmo tempo, o Projeto Calha Norte ameaçou diminuir drasticamente o território não só dos Baniwa mas de todos os índios do Alto Rio Negro. Nessas circunstâncias, vários líderes surgiram para organizar melhor a resistência. A participação ativa desses líderes na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), fundada em 1987, e na política partidária, e a criação de diversas associações locais de comunidades baniwa - tais como a Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), a Organização das Comunidades Indígenas do Rio Aiary (ACIRA), entre outras - representam uma nova configuração de articulações políticas que vêm definindo as demandas concretas e específicas destas comunidades.
Para saber a respeito do processo de demarcação das TIs e da criação da Foirn, ver o item Terras e organizações indígenas do verbete Etnias do Rio Negro
Organização social e política
A sociedade baniwa hoje se subdivide em várias fratrias ou conjuntos de sibs - como os Hohodene, os Walipere-dakenai e os Dzauinai - tradicionalmente localizadas em determinados trechos dos rios da região. As fratrias são exogâmicas (ou seja, seus membros não podem casar-se entre si) e, no passado, há evidência de que foram organizadas em grupos lingüísticos correspondendo a dialetos da língua baniwa - tais como os coripaco, karom e outros -, semelhante ao que ocorre em algumas áreas dos povos tukanoanos. Mas hoje, devido a deslocamentos e migrações históricas, provavelmente os únicos grupos lingüísticos que continuam a manter a sua identidade são os Coripaco da Colômbia, cujo nome se refere a um dialeto (Kuri- = negativo; -pako = eles falam) e os Wakuenai (Waku- = nossa fala; -enai = coletivo; ou "Os da Nossa Língua").
Segundo a tradição da fratria dos Hohodene, eles são o sib de maior rank de um agrupamento de cinco sibs - os Maulieni, os Mulé dakenai, os Hohodene, os Adzanene, e os "irmãos menores dos Adzanene" (Alidali dakenai), cujos ancestrais '"nasceram" ao mesmo tempo na época da criação. É marcante nessa fratria seu sentimento de identidade baseada em lugares de emergência mítica e território comum. Há evidência, no mito de criação dessa fratria, de que existe uma relação hierárquica associada a papéis cerimoniais entre os sibs: o primeiro sib a "nascer" foram os Maulieni, os avós dos Hohodene, que são o sib "maaku", ou servos, que limpavam o terreno onde iam nascer os outros sibs; o segundo sib a nascer foram os Mulé-dakenai, os irmãos maiores dos Hohodene e o sib de chefes, que arrumavam os banquinhos para todo mundo sentar na sala cerimonial; o terceiro grupo a nascer quando o sol estava a pino, foi os Hohodene, os "filhos do Sol", grupo guerreiro, e o grupo mais alto na hierarquia pois nasceram no meio; depois, os Adzanene e seus irmãos menores.
Cada fratria consiste de pelo menos quatro ou cinco patri-sibs ordenados conforme a emergência dum grupo de irmãos ancestrais míticos, de mais velho a mais novo. Em alguns casos, o nome da fratria é o mesmo do sib considerado mais alto na hierarquia de irmãos. Por exemplo, os sibs Tuke-dakenai, Kutherueni, e outros pertencem à fratria dos Walipere-dakenai, o sib-irmão mais velho na hierarquia; e os Kathapolitana são um sib-irmão mais novo que pertencem à fratria dos Dzauinai, o sib-irmão mais velho na hierarquia. Os Baniwa traçam descendência pela linha paterna. O núcleo das comunidades locais consiste no grupo de irmãos descendentes da família fundadora, com as suas famílias. Os laços entre irmãos, tal como nos níveis das fratrias e sibs, formam a base dum sistema de ordem hierárquica de acordo com a idade relativa. O significado da ordem, porém, está sujeito a variações locais na prática.
As regras de casamento entre os Baniwa prescrevem a exogamia frátrica e expressam uma preferência para casamento com os primos cruzados patrilaterais. A troca direta de irmãs freqüentemente ocorre entre linhagens e sibs de afins preferidos e, em alguns casos, mostra-se uma preferência para casamentos entre pessoas de sibs pertencentes a fratrias diferentes mas da mesma posição na hierarquia. Os casamentos geralmente são monógamos (embora existam casos de poligamia) e arranjados pelos pais do noivo e noiva.
A virilocalidade é o padrão de residência predominante; porém, a regra de serviço do noivo freqüentemente produz situações de uxorilocalidade temporária ou permanente. As comunidades, portanto, podem incluir afins e até evoluir em comunidades multi-frátricas ou multi-sibs, ou ainda, em casos de antigos parceiros de troca, em metades. A intolerância dos missionários evangélicos tem modificado consideravelmente os padrões de residência e o casamento entre primos cruzados, contribuindo assim à uxorilocalidade permanente.
Tradicionalmente, o grupo de irmãos descendentes da família fundadora constitui o nível político mais importante da comunidade. O chefe de uma comunidade local era o irmão mais velho do grupo de irmãos da família fundadora. No entanto, há tantas exceções a esta regra atualmente que não está claro se ela ainda permanece. As histórias orais indicam a existência de grandes líderes de guerra no passado, mas a guerra foi abandonada pela maioria das fratrias no final do século XIX.
Os líderes das comunidades, ou capitães, variam em seu exercício de autoridade, mas todos devem ter a aprovação da comunidade - principalmente o grupo dos velhos - em qualquer decisão, e a expectativa é que os capitães ajam como intermediários em assuntos internos e como interlocutores em relações com estranhos. Além disso, eles organizam trabalhos conjuntos, presidem reuniões e atividades religiosas, distribuem a produção comunitária, e reforçam os padrões de comportamento comunitário. Caso um capitão não cumpra as suas obrigações, os velhos da comunidade decidem por consenso a sua substituição. Nas comunidades evangélicas, a estrutura de autoridade religiosa se sobrepõe à hierarquia tradicional dos velhos, podendo até reforçá-la. Com a criação de novas associações políticas desde a década de 1990, tem surgido vários jovens líderes vinculados ao movimento indígena regional. Estes jovens líderes, porém, permanecem sob o controle e a censura da autoridade política tradicional de suas comunidades.
Ecologia e subsistência
As duas atividades básicas de subsistência dos Baniwa são a agricultura e a pesca, que são de importância econômica e cultural complementar e igual. A intimidade dos Baniwa com as matas é grande. Todo homem saberá dizer onde se encontram as melhores terras para a colocação de roças, onde procurar frutas e onde buscar a caça. Na área dos Walipere-dakenai há muitas porções de terra firme e por isso não lhes falta espaço para abertura de novas roças. No entanto, não possuem igapós em suas terras, ao contrário de seus cunhados Dzauinai que vivem Içana abaixo, numa região com muitos lagos. Os Dzauinai da comunidade de Juivitera, por outro lado, não tinham terra firme para plantar e atualmente dispõem apenas de uma pequena ilha situada bem no meio do grande igapó existente no médio Içana. Contam que esta ilha foi "feita" pelos Walipere-dakenai, que lhes trouxeram terra em muitas viagens de canoa. Nessa época, as mulheres Walipere-dakenai que se casavam com os Dzauinai padeciam por não terem mandioca para fazer beiju suficiente, e foi por este motivo que eles resolveram fazer um lugar para que seus cunhados pudessem colocar melhores roçados.
Próximos aos antigos locais de moradia, os Baniwa apontam também a existência de manchas de terra preta que, quando possível, são aproveitadas para roças por sua boa produção. Há também as velhas capoeiras, de onde se retira uma grande quantidade de remédios. Além das grandes divisões ecológicas - terra firme (não inundável), campinarana (floresta arbustiva com folhas duras e rijas, em solos arenosos) e igapó (floresta inundada durante a maior parte do ano) - os Baniwa demonstram um conhecimento mais fino e detalhado das diferenças nas matas de sua área. Isto está patente, por exemplo, nas narrativas de origem dos vários grupos baniwa. Numa versão dessas histórias, conta-se que quando o criador Nhiãperikuli foi retirando o casal ancestral de cada um dos grupos (Walipere-dakenai, Hohodene, Dzauinai, Adzanene etc.) do buraco da cachoeira de Uapui, no rio Aiari, cada um deles foi viver em um local determinado, no centro do mato, onde há patauazal.
De fato, as formas como os Baniwa percebem seu ambiente não só contêm as macrodivisões apontadas acima com base em estudos de ecologia, como também promovem um refinamento no interior dessas categorias. Estas unidades "científicas" recebem nomes específicos na língua baniwa: hamariene (campinarana), édzaua (terra firme) e arapê (igapó), embora não designem especificamente o tipo de vegetação ou o tipo de solo, pois se referem mais precisamente a uma paisagem, com um tipo de vegetação e um tipo de solo associados. Por exemplo, o termo hamariene designa um ambiente "claro", uma característica marcante das formações de campinarana, pois a mata é mais aberta se comparada à terra firme.
Além disso, há termos na língua baniwa para designar tipos de vegetação específicos, que se referem a uma gama enorme de variações identificadas do interior das categorias acima apontadas. Trata-se de um sistema de classificação baseado na percepção da dominância de diferentes espécies em porções específicas da mata. Por exemplo: o termo punamarimã é decomposto em punama (= patauá) e rimã (= concentração), podendo ser traduzido por "área de patauá", ou mesmo "patauazal". Segundo os Baniwa, o punamarimã consiste em um tipo de vegetação específico que ocorre no interior da mata de campinarana, ou seja, a presença de uma espécie dominante indica, nesse sistema, uma sub-unidade tipológica específica. Este recurso classificatório é empregado de modo generalizado, de maneira que todas as diferentes porções de suas matas, na terra firme, na campinarana ou no igapó, recebem nomes específicos.
Os Baniwa consideram os solos da floresta de terra firme conforme um gradiente de cores que varia de amarelo a preto. A terra preta ocorre em vários pontos de seu território, como é o caso do tipo mukulirimã, que é uma das melhores terras, propícia inclusive para cultivos de milho. Consideram justamente a coloração escura e a textura grossa para a escolha do local onde abrir um roçado. Um outro critério empregado por seus antepassados seria o de degustar a terra: quanto mais azeda mais imprópria à roça, quanto mais saborosa (comparando com o sabor de castanha) mais apropriada. Quanto à campinarana, apontam que em geral o solo é arenoso, à exceção dos tipos uaparimada, mapuruti e kuiaperimã que são sensivelmente mais escuros, prestando-se à abertura de pequenos roçados.
Embora a pesca seja uma atividade realizada o ano inteiro, é na estação seca do verão que acontecem as grandes expedições de pesca nas lagoas do Médio Içana. Os Baniwa conhecem muitas técnicas de pesca incluindo o uso de armadilhas e redes, iscas, arcos e flechas, facões e lanças e o timbó. Tanto a pesca quanto a agricultura são atividades sincronizadas com uma variedade de indicadores ambientais e calendários míticos e, antigamente, eram vinculadas a uma série de rituais importantes.
Provavelmente são as atividades comerciais e extrativas que mais têm contribuído a modificar os seus padrões de subsistência. Desde cedo na história de contato, os Baniwa têm participado numa série de atividades extrativas tais como a piaçava, borracha, sorva, castanha, minerais. Já que a distribuição desses recursos é desigual, a migração sazonal de mão-de-obra se tornou um padrão comum. As atividades comerciais incluem a produção de artesanato (cestos, raladores de mandioca, redes, acangataras) e mandioca para vender aos comerciantes, ou nos mercados urbanos. Os Baniwa são excelentes artesãos. São os únicos fabricantes dos raladores de mandioca feitos de madeira e pontas de quartzo, que são distribuídos em toda a região, por meio das trocas interétnicas e dos comerciantes. Atualmente, são os principais produtores de urutus e balaios para venda, tecendo as peças nos mais diferentes tamanhos, tipos de desenho e coloração.
Para conhecer mais a respeito dessa atividade, acesse o site Arte Baniwa.
Cosmologia
Na cosmologia baniwa, o universo é composto por múltiplas camadas, associadas a várias divindades, espíritos, e "outra gente". De acordo com o desenho de um pajé Hohodene (ver figura ao lado), o cosmos é basicamente composto por quatro níveis: Wapinakwa ("o lugar de nossos ossos"), Hekwapi ("este mundo"), Apakwa Hekwapi ("o outro mundo") e Apakwa Eenu ("o outro céu").
Um outro pajé elaborou um esquema mais complexo ainda, consistindo de 25 camadas: 12 de baixo da terra, e 12 acima. Cada uma das camadas debaixo da terra é habitada por "gente" com características distintas (gente pintada todo de vermelho, gente com boca larga etc.). Acima da camada do nosso mundo são os lugares de diversos espíritos e divindades relacionados aos pajés: espíritos-pássaros que ajudam o pajé em sua procura de almas perdidas; o Senhor das Doenças, Kuwai, que o pajé procura para curar as doenças mais graves; os pajés primordiais e Dzulíferi, o Senhor de pariká e tabaco; e finalmente, o lugar do Criador e Transformador Nhiãperikuli, ou 'Dio' que é um paraíso, a fonte de todos os remédios, onde mora também o gavião real, Kamathawa, o querido de Nhiáperikuli.
A cosmogonia baniwa (isto é, o tempo do começo do mundo) é composta por um conjunto complexo de mais de 20 mitos protagonizados por Nhiãperikuli, iniciando com o seu aparecimento no mundo primordial e terminando com sua criação dos primeiros antepassados das fratrias baniwa e seu afastamento do mundo. Mais do que qualquer outra figura do panteão baniwa, Nhiãperikuli foi responsável pela forma e essência do mundo, razão pela qual pode ser considerado o Ser Supremo da religião baniwa.
O nome de Nhiãperikuli significa "Ele dentro do osso", referindo-se à sua origem. Resumindo a história, no começo do mundo, tribos de animais selvagens andavam devorando pessoas. Um dia o chefe dos animais pegou um osso do dedo de uma dessas pessoas devoradas e o jogou rio abaixo. Uma velha estava chorando pela perda de seus parentes; então o chefe mandou-lhe buscar o osso no rio. Tinha três pequenos camarões dentro, que ela catou e levou para casa. Lá eles se transformaram em grilos. Ela deu-lhes comida e eles começaram a cantar e crescer. Depois ela os levou para a roça e deu-lhes novamente comida.
Eles continuaram se transformando, crescendo e cantando, até que apareceram como gente: três irmãos chamados Nhiãperikunai ("Eles dentro do osso"). A velhinha os advertiu para que ficassem quietos, mas eles começaram a transformar tudo e assim eles fizeram o mundo. Quando terminaram, voltaram para se vingar dos animais que mataram seus parentes. A história conta então uma série de atos de vingança em que os heróis acabaram restabelecendo a ordem no mundo. Entretanto, depois de um tempo, o chefe dos animais - querendo matar os três irmãos - fez uma roça nova e chamou os irmãos para queimá-la. Enquanto eles iam para o centro da roça, o chefe tocou fogo nas bordas. Mas os irmãos fizeram um pequeno buraco numa árvore de ambaúba, entraram e o tamparam. Quando o fogo (descrito no mito como uma conflagração que queimou o mundo inteiro) se aproximou, a ambaúba estourou e os três irmãos saíram voando, salvos das chamas e imortais. Desceram no rio, sopraram sobre o chefe dos animais, e lá tomaram banho.
Neste resumo, percebe-se que a situação do começo é de caos e catástrofe e, na mitologia baniwa, há outras situações semelhantemente catastróficas, que também representam um prelúdio para uma nova ordem, quando as forças caóticas seriam dominadas. Aqui, o osso é o veículo simbólico dos seres que recriaram a ordem neste novo mundo. Porém, a destruição catastrófica do mundo ainda permanece como possibilidade efetiva. Quando o mundo estiver infestado por um mal insuportável - como é representado nos mitos - as condições serão então suficientes para a destruição e a renovação.
O segundo grande ciclo na história do cosmos diz respeito aos mitos de Kuwai, que têm importância central na cultura baniwa, explicando pelo menos quatro questões maiores sobre a natureza do mundo: como a ordem e os modos de vida dos antepassados são reproduzidos para todas as gerações futuras; como as crianças devem ser instruídas sobre a natureza do mundo; como as doenças e o infortúnio entraram no mundo; e qual a natureza da relação entre seres humanos, espíritos e animais, que é a herança do mundo primordial.
O mito contra a vida de Kuwai, a criança de Nhiãperikuli e Amaru, a primeira mulher e tia de Nhiãperikuli. Kuwai é um ser extraordinário, cujo corpo é cheio de buracos, consiste de todos os elementos do mundo, e cujos zumbidos e cantos produziram todas as espécies animais. O seu nascimento coloca em movimento um processo rápido de crescimento, em que o mundo em miniatura e caótico de Nhiãperikuli se abre até o tamanho do mundo na vida real.
Kuwai ensina à humanidade os primeiros ritos de iniciação. Durante o período de reclusão dos meninos, porém, ele transforma em monstro e devora três iniciandos que havia quebrado o jejum, comendo nozes de uacú assado. No final do ritual, porém, Nhiãperikuli mata Kuwai, empurrando-o dentro de um enorme fogaréu, um inferno que queima a terra, reduzindo o mundo novamente em seu tamanho miniatura. Das cinzas de Kuwai nascem os materiais vegetais com os quais Nhiãperikuli fez as primeiras flautas e trombetas sagradas que seriam tocadas nos ritos de iniciação e cerimônias sagradas por todos os Walimanai. Amaru e as mulheres, então, roubam esses instrumentos do Nhiãperikuli, provocando uma longa caçada em que o mundo se abre pela segunda vez, enquanto as mulheres, fugindo do Nhiãperikuli, tocam os instrumentos pelo mundo inteiro. Após uma guerra contra as mulheres, os homens recuperam os instrumentos e, com eles, Nhiãperikuli procura os primeiros antepassados da humanidade.
Dessa maneira, o mito de Kuwai marca a transição entre o mundo primordial de Nhiãperikuli e um passado humano mais recente, que é trazido diretamente para a experiência das pessoas vivas nos rituais. Por isso, os pajés dizem que Kuwai é tanto deste mundo atual quanto do antigo, e que ele vive no "centro do mundo". Para os pajés, ele é o "Senhor das Doenças" e é quem mais procuram em suas curas, pois seu corpo consiste em todas as doenças - inclusive veneno, que é a 'causa' mais freqüente da morte das pessoas até hoje - cujas formas materiais ele deixou nesse mundo na grande conflagração que marcou sua "morte" e afastamento. Dizem os pajés que Kuwai tem cabelo no seu corpo inteiro como a preguiça preta wamu. Kuwai enreda a alma dos doentes, abraçando-as (como a preguiça), e sufocando-as caso nenhuma ação seja tomada; mas ele também permite que o pajé recupere e devolva as almas aos seus donos.
Uma decorrência fundamental da cosmogonia baniwa é que o mundo está permanentemente manchado pelo mal, pela doença e pelo infortúnio. Os pajés o chamam de maatchíkwe, lugar do mal; kaiwikwe, lugar de dor; ekúkwe lugar podre devido a tantos mortos apodrecendo debaixo da terra. Em contraste, os outros mundos do cosmos - principalmente o de Nhiãperikuli - são considerados lugares belos, sem doença, sem maldade, eternamente novo. Mas, como uma pessoa doente, este mundo de humanos precisa constantemente ser livrado do mal, da bruxaria e feitiçaria que as pessoas praticam e que levam a morte e sofrimento. Esse é o papel do pajé que são os "guardiões do Cosmos", e os rezadores que benzem o mundo nos rituais de iniciação, fazendo-o seguro para as novas gerações.
Vida religiosa
A vida religiosa baseia-se tradicionalmente nos grandes ciclos mitológicos e rituais relacionados aos primeiros ancestrais e simbolizados pelas flautas e trombetas sagradas, na importância central do xamanismo (pajés e rezadores, ou donos-de-canto) e em uma rica variedade de rituais de dança, chamados pudali, associados aos ciclos sazonais e ao amadurecimento de frutas.
Os rituais de iniciação tradicionalmente são celebrados na época das primeiras chuvas e amadurecimento de certas frutas, quando se tem uma turma de meninos de dez a treze anos, prontos para receber os ensinamentos sobre a natureza do mundo. É absolutamente proibido para as mulheres e os não-iniciados verem as flautas e trombetas sagradas, sob pena de morte.
O ritual tem três fases: na primeira, chamada wakapethakan, ou "nós açoitamos", o dono do ritual (o responsável pela organização de todo o trabalho e o dono da casa onde o ritual é realizado) manda os homens buscarem frutas no mato e as mulheres fazerem caxiri. Quando tudo esá pronto, no dia marcado, os homens descem para o porto onde estão escondidos as flautas e trombetas sagradas, se pintam de preto e se preparavam para a chamada. Um velho, o benzedor do ritual, fica junto com os meninos, com os olhos tapados, na porta da casa do ritual e, com um bastão na mão, chama os antepassados do sib três vezes.
Na terceira vez, os homens com os instrumentos de Kuwai sobem do porto e fazem uma procissão na praça, parando em frente da casa, onde deixam os instrumentos no chão. O velho tira o pano que tapa os olhos dos meninos e os mostra os instrumentos, explicando o seu significado, as proibições de falar sobre eles, e como eles vão ficar em reclusão por um mês (hoje, umas duas semanas), até estarem prontos para sair da casa do ritual. A partir daí, os meninos ficam em reclusão, jejuando com frutas do mato, aprendendo as histórias sagradas, e - o mais importante - fazendo todo tipo de cesto.
No final do período, o dono do ritual convoca o velho e dois companheiros a realizar o ritual mais importante - o benzimento da pimenta, chamado Kalidzamai. Por uma noite inteira, os velhos entoam um cântico, enquanto os homens tocam os instrumentos e tomam caxiri, recriando - no seu pensamento - as viagens de Amaru pelo mundo inteiro com os instrumentos enquanto Nhiãperikuli e os homens a perseguiam. Nesse cântico, os velhos benzem a pimenta e o sal, que depois são servidos para os iniciandos com um pedaço de beijú. Terminado o benzimento, ao raiar o sol, os velhos entregam a pimenta benzida para o dono do ritual e ele convoca os meninos a ficar, um por um, em frente dos velhos benzedores para ouvir os conselhos deles de como viver no mundo depois de terminada a sua iniciação. Depois de dar os conselhos, o velho levanta o açoite e surra três vezes o peito do iniciando.
Terminado a fase de reclusão, começa a etapa de saída da casa, wamathuitakaruina, ou seja, a fase de reintegração na vida como adultos. Os iniciandos são pintados pelas suas mães de vermelho, e ornamentados com cocares e penas de garça. Com as peneiras de mandioca que eles fizeram durante a reclusão nas mãos, eles fazem uma fila e, ao sinal, saem da casa enquanto os homens cantam. Saem e entram três vezes e, na última vez, cada um apresenta a sua peneira para uma menina, escolhida para o ritual de saída, chamada kamarara, "como se fosse uma esposa". Nesse momento o ritual termina, em meio a muita alegria e festa, com a nova geração de adultos que a sociedade produziu.
Os rituais de iniciação para meninas, por sua vez, acontecem logo após a sua primeira menstruação. A organização do ritual é parecida com a dos meninos; as meninas, porém, geralmente são iniciadas individualmente, quando seus cabelos são cortados bem curtos - "como meninos" -, e não lhe são mostrados os instrumentos sagrados. Durante o período da reclusão, a moça aprende a fazer os ralos de mandioca (isto é, de fixar os pedaços de quartzo em desenhos geométricos na tábua já cortada pelos homens), vários tipos de cerâmica (pratos pintados especialmente), os instrumentos de fazer beiju (espanadores); alem de tudo sobre como cuidar as roças, cozinhar etc. No final do benzimento da pimenta, a moça - ornamentada e pintada como os meninos - é instruída a ficar em pé dentro de um balaio de beiju, enquanto um outro balaio ornamentado com penas de garça é colocado invertido sobre sua cabeça, simbolizando o seu status de fazedora de beiju, o pão do dia-a-dia da comunidade. Ela recebe a pimenta benzida, em seguida recebe da sua tia ou avô e do velho benzedor as instruções específicas para meninas, e depois leva surra três vezes como os meninos.
Outro importante ritual praticado tradicionalmente pelos índios da região é o pudali (dabukuri em língua geral), celebrados principalmente em épocas de amadurecimento de frutas, mas também em outras ocasiões como a piracema, a época de desova dos peixes que subiram os rios em grandes quantidades. São ocasiões em que parentes e cunhados se juntam para beber caxiri (ou de mandioca ou de frutas como pupunha) e dançar. Nessas ocasiões alegres, quaisquer conflitos que existam entre cunhados, por exemplo, podem ser contornados.
Existe uma grande variedade de pudali: Mawakuápan, a dança com apitos mawaku, feitos de pedaços de cana de açucar; Wethiriápan, celebradas na época da fruta ingá; Heemápana, quando os participantes tomam caapi (Banisteriopsis sp) e dançam com maracás; Aaliapan, dança dos jaburus; Kapetheápan, dança com açoites, que é a festa de Kuwai, também chamada Kuwaiápan celebradas no início das chuvas; e Kuliriápan, a dança dos surubi- talvez a mais famosa dos pudali Baniwa, quando são fabricadas as flautas surubí em grande quantidade. As flautas são feitas de paxiúba, com cestaria em formato do peixe surubí, pintadas de marrom e branco, e ornamentadas com penas de garça. Ainda hoje, algumas comunidades do alto Aiary fazem essa flauta e realizam a dança. É a flauta e dança que mais distinguem os Baniwa de outros povos da região.
Além dessas danças, os Baniwa - pelo menos os do Aiary até o início do século XX - dançam com máscaras, chamadas hiwidaropathi, que representam diversos espíritos e animais. Koch-Grünberg fotografou essas danças entre as comunidades do alto Aiary no início do século, além de vários instrumentos (flautas) e ornamentos (acangataras, braceleiros, tornozeleiros), os quais já não se vê mais.
Em relação ao xamanismo, há duas categorias principais de xamãs: os donos-de-canto (malikai-iminali) e os pajés (maliiri). Os pajés podem ser cantadores e vice-versa, mas há diferenças na formação, curas e saberes que cada um domina. Os pajés "chupam" (extraem por sucção objetos patogênicos de seus pacientes), enquanto os donos-de-canto "sopram", ou, como eles dizem, "rezam" (cantam ou recitam fórmulas com tabaco sobre ervas e plantas medicinais a serem consumidas pelos pacientes). Somente os pajés usam maracás em seus cantos e danças e o pó sagrado pariká nas suas curas, o qual os leva a um estado de transe. Para os donos-de-cantos, o tabaco e uma cuia d´água são os instrumentos principais. Tanto os pajés como os donos-de-canto têm um extenso conhecimento das plantas medicinais utilizadas nas curas.
Grande parte do poder dos pajés fundamenta-se em seu conhecimento extenso e na compreensão da mitologia e cosmologia, assim como o conhecimento detalhado e sistemático das fontes múltiplas de doenças e suas curas. Através de seu papel de mediador entre os aflitos e os espíritos e divindades do panteão baniwa, os pajés curam, aconselham e orientam o povo, desempenhando assim um dos serviços mais vitais para a saúde e bem-estar contínuo da comunidade. Acredita-se que os pajés 'de verdade' podem se transformar em vários animais poderosos, notadamente o jaguar, e nas próprias divindades. Normalmente, os pajés realizam suas curas em grupos de três ou quatro, com um líder guiando os cantos e ações rituais.
Já os donos-de-canto se valem principalmente de cantos, acompanhados por sopros de tabaco sobre matéria médica (como plantas medicinais). Os velhos, principalmente, são os que cantam ou recitam essas fórmulas para várias tarefas: proteção contra doenças, cura e alívio da dor, ou então para chamar os animais de caça e peixe, para fazer as roças crescerem, entre outras atividades. Os velhos mais instruídos sabem também os cânticos especiais, chamados Kalidzamai, entoados durante os ritos de passagem (nascimento, iniciação e morte). Esses cânticos representam um saber altamente especializado e esotérico das dimensões horizontais e verticais do cosmos e das classes do ser. Essa é a atividade mais sagrada e poderosa de todas as conhecidas pelos donos-de cantos.
Nas décadas de 1950 e 60, graves conflitos religiosos eclodiram nas comunidades baniwa como resultado da evangelização dos protestantes e católicos, introduzindo uma dimensão de tensão antes inexistente entre os especialistas religiosos. As comunidades protestantes, sobretudo, praticamente perderam todos os seus pajés, junto com o culto de flautas e rezadores Kalidzamai. Somente os donos-de-canto menos importantes conseguiram continuar sua prática e conhecimentos sem perseguição. A intolerância dos protestantes provocou uma crise espiritual entre os donos-de-cantos, muitos dos quais alegaram que uma "doença" fez com que eles esquecessem sua arte. Alguns pastores mais radicais, aliás, fizeram campanha contra os pajés do Rio Aiary, o único lugar na área Baniwa onde a pajelança ainda é praticada. Hoje, a instituição está em franco declínio, com apenas meia-dúzia de pajés em todo o território Baniwa no Brasil.
Com a conversão ao evangelismo, todos os pudali foram proibidos pelos missionários e seus seguidores. Portanto, há toda uma geração hoje que nunca viu nem ouviu a música dos pudali. O grande transtorno provocado pela perda desses rituais é evidenciado pelos inúmeros conflitos entre os "crentes" e os "tradicionais" sobre a maneira em que os instrumentos ou foram queimados ou jogados no rio. Otabaco e caxiri, também proibidos, são duas coisas que, segundo os Baniwa, traziam alegria para a alma. Com a sua interdição, naturalmente os conflitos internos também aumentaram. Em seu lugar, os crentes introduziram as leituras do Evangelho, as cerimônias de Santa Ceia (mensal) e as Conferências (cada dois ou três meses), as quais, uma vez consolidadas, substituíram os pudali. Dessa maneira, hoje em dia, entre as comunidades crentes, essas cerimônias fornecem ocasiões de alegria e felicidade, quando - além dos ensinamentos da Biblia - há uma fartura de comida e jogos para todos.
Nota sobre as fontes
A sociedade e a cultura baniwa permaneceram pouco conhecidas pelos pesquisadores até a virada do século XX, quando o etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg passou vários meses no Içana e no Aiari e deixou os primeiros registros etnográficos confiáveis até então. Antes disso, vários viajantes científicos, como Alexandre Rodrigues Ferreira nos anos de 1780, Johann Natterer na década de 1820, e Alfred Russell Wallace em 1852-3, deixaram as suas poucas anotações sobre os Baniwa, como também fizeram diversos clérigos e militares. A documentação extensa sobre os movimentos messiânicos da segunda metade do século XIX (encontrada no Arquivo Histórico Nacional no Rio de Janeiro, e no Instituto Histórico e Geográphico Brasileiro em Manaus), deixada por oficiais do governo, militares e padres é extremamente útil para a história e, até certo ponto, pode ser aproveitada por seu conteúdo etnográfico. Por outro lado, o valor dessa documentação é limitado pelos interesses de seus autores em controlar "distúrbios" nas fronteiras. Além disso, várias comissões oficiais, tais como a Primeira Comissão Demarcadora dos Limites, deixaram informações valiosas acerca da população (Auquivo em Belém). A etnografia informativa e sensível escrita pelo prefeito da vila venezuelana de Maroa, Martín Matos Arvelo (1912) se refere a uma outra etnia de nome Baniwa, distinta da tratada neste verbete.
Foi o trabalho pioneiro de Koch-Grünberg que iniciou a etnografia Baniwa. Desde então, em intervalos de quase 25 anos, etnógrafos têm trabalhado no Içana e em seus afluentes, produzindo os registros essenciais para o conhecimento da história recente dos Baniwa: Curt Nimuendajú em 1927, Eduardo Galvão em 1954, Adélia de Oliveira em 1971, Berta Ribeiro em 1977. Robin Wright tem se dedicado ao estudo dos Baniwa desde 1976, produzindo artigos e um livro sobre a religião, história, mitologia, guerra, xamanismo, movimentos proféticos e a conversão ao evangelismo.
A produção de Jonathan Hill sobre os Wakuenai da Venezuela inclui artigos sobre o intercâmbio social, a organização social, a religião, o intercâmbio cerimonial e um livro sobre os especialistas cantadores. Do lado colombiano, a tese de doutorado, publicada em 1994, e um artigo de Nicolas Journet oferecem análises da organização política, social e econômica, da guerra, e do intercâmbio cerimonial.
Finalmente temos um livro dos próprios indígenas, A Sabedoria dos Nossos Antepassados, que contém as histórias gravadas, pelo antropólogo Robin Wright, o qual trabalhou em 1976-77 entre os Hohodene e Walipere dakenai, duas fratrias baniwa que moram no rio Aiari. Nesta, o antropólogo fez a primeira versão baseada nas suas gravações; depois a discutiu detalhadamente com os narradores, esclarecendo pontos escuros, e elaborou a segunda versão, a qual foi revisada por diversas pessoas até chegar à versão final. Em 1996, a Associação das Comunidades Indígenas do Rio Aiari (Acira) aprovou a produção do volume.
Além de elencar fontes de informações sobre a área cultural do Noroeste Amazônico, também apresentamos referências bibliográficas específicas sobre os seguintes povos da região, Baniwa e Kuripako
Fontes de informação
Coripaco
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VÍDEOS