De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Maria Bonome Pederneiras, 2019

Mudanças entre as edições de "Povo:Arapaso"

Autodenominação
Onde estão Quantos são
AM 448 (Siasi/Sesai, 2014)
Família linguística
Tukano
m (Sou um robo e adicionei uma categoria. Favor verificar.)
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Os índios que vivem às margens do Rio Uaupés e seus afluentes – Tiquié, Papuri, Querari e outros menores – integram atualmente 17 etnias, muitas das quais vivem também na Colômbia, na mesma bacia fluvial e na bacia do Rio Apapóris (tributário do Japurá), cujo principal afluente é o Rio Pira-Paraná. Esses grupos indígenas falam línguas da família Tukano Oriental (apenas os Tariana têm origem Aruak) e participam de uma ampla rede de trocas, que incluem casamentos, rituais e comércio, compondo um conjunto sócio-cultural definido, comumente chamado de “sistema social do Uaupés/Pira-Paraná”. Este, por sua vez, faz parte de uma área cultural mais ampla, abarcando populações de língua Aruak e Maku.  
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Os Arapaso são um povo da família linguística Tukano Oriental localizados na no Médio Uaupés, na região do Alto rio Negro, Noroeste amazônico. Em consonância com o padrão de organização social característico dos povos Tukano da região, os Arapaso são um grupo exogâmico, casando-se majoritariamente com membros do povo Tukano, e de descendência unilinear, sendo seus filhos e filhas pertencentes à etnia do pai.
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A mito-história arapaso é marcada por conflitos interétnicos e coloniais que ameaçaram mais de uma vez o grupo de extinção – e levaram, inclusive, à perda de sua língua original. Atualmente, são falantes da língua tukano, a mesma da maioria de suas esposas e cunhados.
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Embora sua presença na bibliografia etnográfica da região seja residual, os Arapaso guardam conhecimentos míticos e históricos caros ao sistema multiétnico rionegrino, e são lembrados por seus vizinhos e cunhados como um importante grupo de antigos guerreiros, e dominavam um extenso território do rio Uaupés.
  
As etnias que estão na região do Rio Uaupés são, além dos '''Arapaso, Bará, Barasana, Desana, Karapanã, Kubeo, Makuna, Mirity-tapuya, Pira-tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuca, Kotiria, Tatuyo, Taiwano, Yurut'''i (as três últimas habitam só na Colômbia). Estão no noroeste da Amazônia, às margens do Rio Uaupés e seus afluentes
 
  
O total populacional é de 11.130 no Brasil (em 2001) e 18.705 na Colômbia (em 2000).
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== Nome ==
 
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Segundo o mito de origem dos Arapaso, ao chegar nas cachoeiras de Ipanoré, no rio Uaupés, a grande cobra-canoa de transformação (Pamuri-Yukese, em tukano), que trazia a primeira humanidade como num submarino, deparou-se com uma parede de pedra que a impedia de emergir.  Então, o antepassado dos Arapaso, munido de uma longa lança, furou a pedra para que a canoa pudesse passar. Por esse ato, o grupo recebeu o apelido de “arapaçu”: nome de uma família de pássaro, mas que em tukano refere-se ao pica-pau.  
Para saber mais informações sobre o Noroeste Amazônico [[Povo:Etnias do Rio Negro | acesse o verbete especial sobre a região]]
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Em tukano, língua franca da região, também são comumente chamados por seu apelido de pássaro: Ko’réa. Porém, em seus mitos e rituais, os Arapaso geralmente são referidos por seu nome de origem: Diá Mahsã (diá: rio, mahsã: gente).
  
 
== Línguas ==
 
== Línguas ==
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A família lingüística Tukano Oriental engloba pelo menos 16 línguas, dentre as quais o Tukano propriamente dito é a que possui maior número de falantes. Ela é usada não só pelos Tukano, mas também pelos outros grupos do Uaupés brasileiro e em seus afluentes Tiquié e Papuri. Desse modo, o Tukano passou a ser empregado como língua franca, permitindo a comunicação entre povos com línguas paternas bem diferenciadas e, em muitos casos, não compreensíveis entre si.
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A língua arapaso não é falada há pelo menos um século, e sobre a mesma restou apenas o conhecimento de pouco mais que algumas palavras avulsas, tais como: mái (pai); e ihyõ (mãe). Tais palavras são lembradas até hoje pelos Arapaso e conferem com os registros do início do século XX apresentados por Alcionílio Bruzzi (1962).
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Dentre os possíveis fatores que teriam levado a língua arapaso à extinção, destacam-se as guerras interétnicas pré-coloniais (com forte presença nas tradições orais  desse povo), e o impacto cultural e demográfico dos conflitos coloniais e da exploração da mão de obra forçada indígena durante os séculos XVIII e XIX.
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Atualmente, os Arapaso falam majoritariamente o tukano, não apenas por ser a língua franca da região do rio Uaupés, mas também por ser aquela de suas esposas, grande parte das quais da etnia Tukano. Muitos arapasos também falam o português e há ainda alguns que falam o nheengatu.
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Além disso, os Arapaso compartilham da estrutura social que caracteriza o sistema multiétnico rionegrino, na qual os casamentos costumam se dar entre pessoas de grupos diferentes que, na maioria das vezes, falam inclusive línguas distintas. Dessa maneira, as famílias arapaso são tradicionalmente multiétnicas e multilinguísticas, sendo comum seus membros falarem duas ou mais línguas.
  
Em alguns contextos, o Tukano passou a ser mais usado do que as próprias línguas locais. A língua tukano também é dominada pelos Maku, que precisam dela em suas relações com os índios Tukano. Já as línguas classificadas como tukano ocidentais são faladas por povos que habitam a região fronteiriça entre Colômbia e Equador, como os Siona e os Secoya.
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=== Organização social e política ===
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Os Arapaso fazem parte do mosaico de etnias que compõem o sistema do Alto rio Negro, no qual estão reunidos aproximadamente 27 povos distribuídos entre as famílias linguísticas Tukano Oriental, Aruaque e Nadehup. Trata-se de um emaranhado de relações de trocas materiais, matrimoniais e mítico-rituais que desenham um padrão cultural e de organização social partilhado por grande parte desses povos.  
  
Considerando o significativo número de pessoas da bacia do Uaupés que estão residindo no Rio Negro e nas cidades de São Gabriel e Santa Isabel, estima-se que cerca de 20 mil pessoas falem o Tukano. As outras línguas desta família são faladas por populações menores, predominando em regiões mais limitadas. É o caso dos Kotiria e Kubeo no Alto Uaupés, acima de Iauareté; do Pira-tapuya no Médio Papuri; do Tuyuka e Bará no Alto Tiquié; e do Desana em comunidades localizadas no Tiquié, Papuri e afluentes.
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Para saber mais informações sobre o Noroeste Amazônico [[Povo:Etnias do Rio Negro | acesse o verbete especial sobre a região]]
  
=== Saiba mais ===
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Os Arapaso não fazem exceção a esse padrão.  Assim como os demais, são um grupo exogâmico, o casamento entre membros do mesmo povo sendo  tradicionalmente considerado incestuoso, assim como o casamento com certos povos considerados seus irmãos, como é o caso dos Pira-Tapuya. Apesar de haver exceções a essa regra, maior parte das trocas matrimoniais arapaso é feita, efetivamente, com membros do povo Tukano e Tariano, e se organizam de acordo com a terminologia dravidiana de parentesco – segundo a qual, idealmente, um arapaso deveria casar-se com uma de suas primas cruzadas, ou seja, com a filha do irmão de sua mãe ou a filha da irmã de seu pai (MBD e FZD, respectivamente).
<htmltag href="http://prodoclin.museudoindio.gov.br/index.php/etnias/desano/lingua" tagname="a" target="_blank">Língua Desana @ Museu do Índio</htmltag>
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Tais trocas matrimoniais ordenam-se tradicionalmente de maneira virilocal, ou seja, as mulheres deixam suas casas para irem viver na comunidade de seus maridos. Por se tratar de povos patrilineares, os filhos e filhas desse matrimônio pertencerão, pois, à etnia do pai.
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Equipe do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA)|Equipe do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA)]]. -->
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Temos, portanto, que toda comunidade arapaso é multiétnica e, a princípio, composta principalmente de um grupo de irmãos agnáticos arapaso, vivendo com suas esposas (provenientes de outros povos) e suas irmãs solteiras (que, eventualmente, deixarão sua comunidade para morarem na de seus maridos).
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Ainda em conformidade com o padrão cultural dos povos da região, os Arapaso se subdividem em diferentes sibs dispostos hierarquicamente. Ou seja, cada grupo de irmãos agnáticos forma uma unidade com denominação, função e localização espacial próprias. Esses sibs se organizam hierarquicamente e analogamente à relação entre irmãos – o primogênito cumpre a função de chefe e assume a posição mais alta, enquanto o mais novo cumpre a função de servo e tem a posição mais baixa. Esta ordem também é associada à origem mítica de cada sib: seus ancestrais, que viajavam dentro do ventre de uma cobra-canoa, ao chegarem no rio Uaupés desembarcaram um por vez. O primeiro a descer foi o chefe e irmão mais velho, e assim por diante, até sair o caçula, ancestral do sib mais baixo.
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Embora atualmente a estrutura social dos Arapaso não corresponda termo a termo a esse modelo, ela segue muitas de suas orientações e princípios. Devido a acontecimentos mítico-históricos, alguns sibs arapaso se extinguiram, outros surgiram, e outros ainda se mudaram para longe da região. Além disso, a ordem, a origem e os conhecimentos de cada sib são assuntos que envolvem muitas controvérsias e podem variar consideravelmente da perspectiva de um grupo para outro. Até 2019, foram registrados ao menos 8 nomes de sibs arapaso: Siripid’rí; Kore’i Ma’ku; Umuheri; Dyau’ri; Ye’pama’ã; Ye’pami’í; Pinó Ku’tiro; e Diamo (ou Patupuri). Destes, o sib Pinó Ku’tiro foi declarado extinto após uma geração inteira ter tido apenas filhas mulheres – cujos  descendentes, dado o sistema de descendência patrilinear, pertencerão à etnia do marido (ver Pederneiras, 2020).
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Tendo em vista os acontecimentos do último século, como a chegada dos missionários salesianos, o crescimento das cidades de São Gabriel da Cachoeira e Iauaretê, a instalação de militares do Pelotão de Fronteiras os grupos locais arapaso sofreram consideráveis mudanças estruturais, que infletiram em sua organização tradicional. A unidade local, que correspondia anteriormente à maloca – grande casa de arquitetura tradicional que comportava uma média de 10 a 12 famílias – foi transformada em comunidade multi-residencial, composta por casas familiares separadas, uma casa cerimonial compartilhada e, geralmente, uma capela cristã.
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Atualmente o líder de cada comunidade é chamado de capitão (herança do período militar) e a ele é atribuído o papel de intermediador, tanto das relações internas quanto externas ao grupo. Sua nomeação, todavia, não necessariamente respeita a ordem dos sibs, e depende do consenso de toda a comunidade. Em alguns casos, mudam periodicamente a pessoa responsável pelo cargo, como é o caso da comunidade arapaso de Loiro.
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Além do capitão, atualmente as comunidades arapaso tem um membro responsável por ministrar as missas católicas, legitimado pela autoridade salesiana local, e ainda outros que assumem o papel de representantes da comunidade nos movimentos indígenas (organizados em coordenadorias regionais da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN).
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Mesmo assim, não se deve inferir dessas transformações que a organização tradicional dos sibs arapaso tenha se tornado obsoleta, muito pelo contrário. A nova configuração das comunidades – com a introdução de autoridades relacionadas  à igreja católica, com o estabelecimento da figura do capitão, e com  a participação nos movimentos indígenas –, embora interfira diretamente na estrutura social e política desse povo, não se sobrepõe por completo às relações,  funções e especialidades de seus sibs. Acontecimentos como os rituais tradicionais, por exemplo, são especialmente ilustrativos da coexistência desses diferentes planos de organização dos Arapaso.
  
== Localização ==
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== População, localização e território ==
 
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|Fonte: Instituto Socioambiental.
 
|Fonte: Instituto Socioambiental.
 
|http://img.socioambiental.org/d/209269-1/uaupes_3.gif
 
|http://img.socioambiental.org/d/209269-1/uaupes_3.gif
 
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Segundo o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) de 2017, cerca de 200 arapasos viviam na área das terras indígenas do Alto e Médio Rio Negro, homologadas em 1998 e compartilhadas com mais outras 22 etnias das famílias Tukano, Aruaque e Nadehupe.
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A grande maioria dos Arapaso habita as comunidades de Paraná-Jucá, Loiro, Jibari e São José, na região do Médio rio Uaupés. Há ainda algumas famílias morando atualmente nos arredores das cidades de Iauaretê e São Gabriel da Cachoeira, e algumas poucas vivendo em Manaus.
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Segundo relatos mítico-históricos, os Arapaso foram um dos primeiros habitantes da região do Médio Uaupés e lá se mantiveram desde então, apontando das cachoeiras de Ipanoré até a Ilha de São João como seu território originário. Por sua paisagem são reconhecidos elementos e lugares sagrados, memorados em seus relatos míticos – como o buraco na pedra das cachoeiras de Ipanoré, por onde emergiu a cobra-canoa de transformação carregando a primeira humanidade; e a montanha-maloca invisível dos waimahsã, chamada wi'í turiro, onde uma mulher se envolveu com a cobra Bohsé Pinó e concebeu como filho a cobra Unurato. Por meio desses caminhos míticos desenhados na paisagem, os povos Tukano guardam sua memória social, relatam sua mito-história e reproduzem seu conhecimentos cosmológico, como se fizessem a vez da palavra escrita.
  
O Rio Uaupés tem cerca de 1.375 Km de extensão. De sua foz do Rio Negro até a desembocadura do Rio Papuri, o Uaupés está situado em território brasileiro e percorre cerca de 342 Km. Entre este ponto e a foz do Querari, serve de fronteira entre o Brasil e a Colômbia por mais de 188 Km. A partir daí até as suas cabeceiras se situa em território colombiano e percorre 845 Km. Navegando no Uaupés, H. Rice (1910) contou 30 cachoeiras maiores e 60 menores.
+
== Atividades socioeconômicas ==
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O profundo conhecimento dos Arapaso a respeito dos elementos da fauna e flora de seu território, transmitido por gerações, é cotidianamente colocado em prática e aprimorado na coleta de recursos da floresta, no cultivo da mandioca, na pesca e, mais eventualmente, na caça – atividades que compõem a rede de subsistência tradicional desse povo.
 +
As técnicas de pesca arapaso consistem principalmente no uso da malhadeira, do facheio e do cacurí (armadilha tradicional). Já a sua atividade venatória, que ocorre com menor frequência, consiste principalmente na caça  com espingarda a caititus, queixadas, pacas e antas.
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O cultivo, majoritariamente de mandioca brava, envolve o manejo das capoeiras e a abertura de roças por meio de derrubada de árvores e da coivara. Cada família costuma administrar simultaneamente ao menos três roças: aquela na qual as manivas foram recém-plantadas estão em fase de crescimento;  aquela na qual as manivas já foram plantadas há cerca de um ano e estão prontas para a colheita; e aquela recém-aberta e coivarada, onde está sendo feito o plantio das manivas. Em 2010, esse sistema de saberes e práticas de manejo dos espaços de cultivo dos povos do rio Negro, apresentado aqui de maneira muito resumida, foi reconhecido enquanto Patrimônio Cultural Brasileiro pelo IPHAN (Inscr. nº 20, de 11/05/2010).
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A dinâmica cotidiana arapaso envolve uma divisão do trabalho fortemente marcada pelo gênero, cabendo aos homens a pesca e a caça, enquanto as mulheres ficam encarregadas da roça e do preparo dos alimentos. Muitos indígenas apontam o arrefecimento dessa divisão nos últimos anos; porém, ainda que marido e mulher compartilhem mais dos trabalhos, a divisão de responsabilidades se mantém, evidenciada inclusive pela perceptível (e pontuada) diferença de seus conhecimentos em cada “área” – o reconhecido traquejo das mulheres no cultivo da mandioca, por exemplo, fazem delas indiscutivelmente as “donas da roça”. Além disso, alguns interditos orientados por gênero são vistos como essenciais à saúde do coletivo e ao bem-estar social. A menstruação feminina, por exemplo, torna as mulheres mais vulneráveis a doenças e a outros ataques dos seres da floresta, o que as torna mais suscetíveis aos perigos que espreitam as atividades de caça e pesca. Já a participação masculina em atividades femininas, em especial no preparo dos alimentos, é percebida como prejudicial para seu aprendizado de mitos e benzimentos (tradução do basesehé para o português, referente a uma série de práticas tradicionais de proteção e cura), imprescindíveis no cuidado de seus familiares.  
  
Depois do Rio Branco, o Rio Uaupés é o maior tributário do Rio Negro. Atualmente, o nome Uaupés é o mais usado (no Brasil, já que na Colômbia fala-se mais Vaupés), mas também é conhecido como Caiari. Em seu curso, o Uaupés recebe as águas de outros grandes rios, como o Tiquié, o Papuri, o Querari e o Cuduiari.
+
== Histórico de contato ==
 
 
Os principais núcleos de povoamento do Rio Uaupés são a cidade de Mitu, capital do departamento colombiano do Vaupés, e Iaraueté, que é sede de um distrito do município de São Gabriel. Iaraueté, além de ser um centro de ocupação tradicional dos Tariana, abriga também uma grande missão dos salesianos e um pelotão de fronteira do exército. Existem ainda outras duas missões salesianas na bacia do Uaupés, uma em Taracuá (na confluência desse rio com o Tiquié) e outra no Alto Tiquié, chamada Pari-Cachoeira. Também há um destacamento do Exército na confluência do Querari com o Uaupés e outro em Pari-Cachoeira.
 
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Equipe do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA)|Equipe do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA)]]. -->
 
 
 
== Etnias e demografia ==
 
 
 
No Rio Uaupés e em seus afluentes existem atualmente mais de 200 povoados e sítios. Membros dessas etnias também estão presentes nas cidades da região, sobretudo em São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos. As etnias presentes na bacia do Uaupés são as seguintes:
 
 
 
1) [[Povo:Arapaso | Arapaso]]: Etnia de origem tukano oriental que atualmente fala apenas a língua tukano. Vivem no Médio Uaupés, abaixo de Iauareté, em povoados como Loiro, Paraná Jucá e São Francisco. Várias famílias também moram no Rio Negro e em São Gabriel.
 
 
 
2 ) [[Povo:Bará | Bará]]: Autodenominam-se Waípinõmakã. Habitam principalmente as cabeceiras do Rio Tiquié, acima do povoado de Trinidad, já na Colômbia; o Alto Igarapé Inambú (afluente do Papuri) e o Alto Colorado e Lobo (afluentes do Pira-Paraná). Dividem-se em cerca de oito sibs (grupos de descendentes de um ancestral comum que não podem casar entre si). São especialistas no preparo do aturá de turi, muito usado onde não são disponíveis os aturás de cipó maku. Também fabricam o carajuru. São hábeis ainda na confecção de canoas. Atualmente são os principais especialistas na fabricação dos adornos de plumas usados nas grandes cerimônias.
 
 
 
3) [[Povo: Barasana | Barasana]]: Autodenominam-se Hanera. Vivem nos igarapés Tatu, Komeya, Colorado e Lobo, afluentes do Pira-Paraná, e no próprio Pira-Paraná, em território colombiano. Também encontram-se dispersos na bacia do Uaupés, no Brasil. Registram-se 36 subdivisões nomeadas.
 
 
 
4) [[Povo:Desana | Desana]]: Autodenominam-se Umukomasã. Habitam principalmente o Rio Tiquié e seus afluentes Cucura, Umari e Castanha; o Rio Papuri (especialmente em Piracuara e Monfort) e seus afluentes Turi e Urucu; além de trechos do Rio Uaupés e Negro (inclusive cidades da região). Existem aproximadamente 30 divisões entre os Desana, entre chefes, mestres de cerimônia, rezadores e ajudantes. Este número pode variar segundo a fonte. Os Desana são especialistas em certos tipos de cestos trançados, como apás grandes (balaios com aros internos de cipó) e cumatás.
 
 
 
5) [[Povo:Karapanã | Karapanã]]: Autodenominam-se Muteamasa, Ukopinõpõna. Vivem no caño Tí (afluente do Alto Vaupés) e Alto Papuri, na Colômbia. No Brasil, se encontram dispersos em alguns povoados do Tiquié e Negro. Tinham cerca de oito subdivisões, mas provavelmente apenas quatro delas deixaram descendentes.
 
 
 
6) [[Povo:Kubeo | Kubeo]]: Autodenominam-se Kubéwa ou Pamíwa. Possuem uma língua bem particular da família Tukano Oriental, sendo por isso algumas vezes classificada como Tukano Central. Em sua grande maioria, se encontram residindo em território colombiano, na região do Alto Uaupés, incluindo seus afluentes Querari, Cuduiari e Pirabatón. No Brasil, ocupam três povoados no Alto Uaupés e estão em pequeno número no Alto Aiari. Estão divididos em aproximadamente 30 sibs nomeados. Estes sibs, por sua vez, estão agrupados em três fratrias não nomeadas que funcionam como unidades para trocas matrimoniais; em outras palavras, ao contrário da maioria das outras etnias do Uaupés, os Kubeo costumam casar-se entre si, pessoas que falam a mesma língua. São especializados na fabricação das máscaras de tururi.
 
 
 
7) [[Povo: Makuna | Makuna]]: Autodenominam-se Yeba-masã. Vivem principalmente no território vizinho da Colômbia, concentrando-se no Caño Komeya, afluente do Rio Pira-Paraná, no baixo curso deste rio, e no Baixo Apapóris. No Brasil, são encontrados no Alto Tiquié e nos seus afluentes, os igarapés Castanha e Onça. Estão divididos em cerca de 12 sibs. São especializados em zarabatanas e curare, são também hábeis fabricantes de canoas, além de fornecerem remos leves e muito bem acabados aos índios do Alto Tiquié.
 
 
 
8) [[Povo: Miriti-tapuya | Miriti-tapuya ou Buia-tapuya]]: Atualmente falam apenas a língua tukano. São habitantes tradicionais do Baixo e Médio Tiquié, destacando-se as comunidades de Iraiti, São Tomé, Vila Nova e Micura.
 
 
 
9) [[Povo: Pira-tapuya | Pira-tapuya]]: Autodenominam-se Waíkana. Estão situados no Médio Papuri (nas proximidades de Teresita) e no Baixo Uaupés. Migraram e vivem também em localidades do Rio Negro e em São Gabriel.
 
 
 
10) [[Povo: Siriano | Siriano]]: Autodenominam-se Siria-masã. Moram no Caño Paca e Caño Viña, afluentes do Alto Papuri, em território colombiano. No Brasil são encontrados dispersos em rios da bacia do Uaupés e no Rio Negro. Há informações referentes a 27 sibs siriano.
 
 
 
11) Taiwano, Eduria ou Erulia: Autodenominam-se Ukohinomasã. Habitam o Caño Piedra e Tatu, afluentes do Rio Pira-Paraná, e o Rio Cananari, afluente do Apapóris. Todas estas áreas estão situadas em território colombiano. Há informações que dão conta de oito subdivisões internas.
 
 
 
12) [[Povo: Tariana | Tariana]]: Autodenominam-se Taliaseri. Diferentemente das outras etnias da bacia do Uaupés, a maioria dos Tariana adotaram o Tukano Oriental, mas falavam outrora uma língua pertencente à família Aruak, e algumas comunidades ainda a falam. Atualmente moram no Médio Uaupés, Baixo Papuri e Alto Iauiari. O centro do povoamento fica entre as cachoeiras de Iauareté e Periquito. São especializados em implementos de pesca como caiá, cacuri, matapi.
 
 
 
13) [[Povo: Tatuyo]]: Autodenominam-se Umerekopinõ. Habitam uma área situada na Colômbia: o Alto Rio Pira-Paraná, o Alto Tí e o Caño Japu. No Brasil, são representados sobretudo por mulheres casadas com homens de outras etnias. Existem cerca de oito subdivisões internas.
 
 
 
14) [[Povo: Tukano | Tukano]]: Autodenominam-se Ye’pâ-masa ou Daséa. É a etnia mais numerosa da família lingüística Tukano Oriental. Concentram-se principalmente nos rios Tiquié, Papuri e Uaupés; mas também estão morando no Rio Negro, a jusante da foz do Uaupés, inclusive na cidade de São Gabriel. É possível que existam mais de 30 subdivisões entre os Tukano, cada qual com um nome e, idealmente, compondo um conjunto hierarquizado. Atualmente, com todas as dispersões ocorridas nos últimos séculos, as posições hierárquicas são razão de polêmicas e versões variadas. Os Tukano são fabricantes tradicionais do banco ritual, feito de madeira (sorva) e pintado, na parte do assento, com motivos geométricos semelhantes àqueles dos trançados. É um objeto muito valorizado, obrigatório nas cerimônias e rituais, onde se sentam os líderes, kumua (benzedores) e bayá (chefes de cerimônia).
 
 
 
15) [[Povo: Tuyuka | Tuyuka]]: Autodenominam-se Dokapuara ou Utapinõmakãphõná. Estão concentrados principalmente no Alto Rio Tiquié, entre a Cachoeira Caruru e o povoado colombiano de Trinidad, incluindo os igarapés Onça, Cabari e Abiyú. Estão presentes também no trecho do Rio Papuri próximo à fronteira Brasil/Colômbia e em seu afluente Inambú. Possuem cerca de 15 sibs nomeados. São exímios construtores de canoas e, antigamente, eram especialistas na confecção de redes feitas de fibras de buriti. Também são especializados na confecção do cesto urupema, trançado de finíssimas talas de arumã, usado para coar sumo de frutos.
 
 
 
16) [[Povo: Kotiria | Kotiria]]: Autodenominam-se Kótiria. Predominam no Médio Uaupés, entre a cachoeira de Arara e Mitú. Entre Arara e Taracuá (do Alto Uaupés), os Kotiria são hegemônicos; acima daí, convivem em território onde a maioria é Kubeo. Há informações de que existem 25 divisões entre os Kotiria. Sua especialidade no âmbito das relações de troca interétnica é o preparo do carajuru, um pó corante feito com as folhas de um cipó, muito usado na confecção de artefatos rituais e na pintura do banco tukano, bem como para a pintura corporal. Também são hábeis cesteiros e produtores de objetos de tururi.
 
 
 
17) [[Povo: Yuruti | Yuruti]]: Autodenominam-se Yutabopinõ. Etnia de língua tukano oriental, ocupa o Alto Paca (afluente do Alto Papuri) e os caños Yi e Tui e áreas vizinhas do Vaupés onde estes igarapés desaguam (em território colombiano). Há informações que possuem nove sibs.
 
 
 
A seguir, é apresentada uma tabela com a estimativa populacional de cada etnia:
 
 
<div class="table-responsive">
 
<table class="table table-hover">
 
<tr>
 
<th>Etnia</th>
 
<th>População no Brasil</th>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Arapaso</td>
 
<td>328</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Bará</td>
 
<td> 39</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Barasana</td>
 
<td> 61</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Desana</td>
 
<td>1.531</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Karapanã</td>
 
<td>42</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Kotiria</td>
 
<td>447</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Kubeo</td>
 
<td>287</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Makuna</td>
 
<td>168</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Mirity-tapuya</td>
 
<td>95</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Pira-tapuya</td>
 
<td>1.004</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Siriano</td>
 
<td>17</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Taiwano</td>
 
<td>0</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Tariana</td>
 
<td>1914</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Tatuyo</td>
 
<td>0</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Tukano</td>
 
<td>4.604</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Tuyuca</td>
 
<td>593</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>Yuruti</td>
 
<td>0</td>
 
</tr>
 
<tr>
 
<td>TOTAL</td>
 
<td>11.130</td>
 
</tr>
 
</table></div>
 
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Equipe do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA)|Equipe do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA)]]. -->
 
 
 
== Identidade e diferença ==
 
 
{{#miniatura: left
 
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|Maloca na região do Uaupés. Foto: Acervo Museu do Índio, 1931.
 
|Maloca na região do Uaupés. Foto: Acervo Museu do Índio, 1931.
 
|http://img.socioambiental.org/d/209272-1/uaupes_4.jpg
 
|http://img.socioambiental.org/d/209272-1/uaupes_4.jpg
 
  }}
 
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A dificuldade em precisar o momento no qual os Arapaso vivenciaram o primeiro impacto do contato com os brancos provém, principalmente, do extenso sistema interétnico no qual participavam quando chegaram os colonizadores. Através de dados históricos e pesquisas arqueológicas, projeta-se uma enorme rede de relações que conectavam vários povos indígenas, da região do rio Negro até o Orinoco e Japurá-Solimões – rede esta evidenciada, inclusive, nos relatos acerca dos índios Manao do Baixo rio Negro que, no embate com os portugueses no final do século XVII, já se encontravam munidos com instrumentos e armas espanholas adquiridas via essa rede comercial que se estendia até as Guianas.
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Nesse sentido, quando estourou a guerra contra os Manao, no início do século XVIII, antes mesmo que os portugueses alcançassem a região do Médio Uaupés, os Arapaso já teriam testemunhado os impactos coloniais pela desarticulação do sistema do qual faziam parte. Especula-se, ainda, que o próprio grupo Arapaso teria se formado tal como é hoje (uma unidade exogâmica pertencente à família Tukano) nesse período de rearticulação do sistema multiétnico rionegrino, durante o qual muitos indígenas subiram o rio Negro para se refugiar da guerra contra os portugueses, ao mesmo tempo em que as redes de trocas estabelecidas com espanhóis e holandeses geravam conflitos internos aos grupos.
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Os primeiros relatos da entrada efetiva dos colonizadores portugueses no rio Uaupés, no entanto, diziam respeito às chamadas “tropas de resgate”: expedições do século XVIII que visavam, principalmente, a captura de escravos indígenas. Além desses “exploradores”, também chegaram os missionários carmelitas que, à sua maneira, se somaram às forças de deslocamento dos indígenas da região, ao impor os aldeamentos forçados. Os Arapaso, enquanto um dos primeiros grupos com os quais os colonizadores se depararam ao entrar no Uaupés, foram fortemente afetados por esses processos, que também recebem o nome de “descimentos” – em razão do trajeto traçado rio abaixo em direção às cidades ou entrepostos comerciais. Aqueles arapasos que conseguiam evitar o trabalho escravo eram levados para aldeias, onde eram submetidos também ao trabalho e à conversão católica.
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O fim do Diretório Pombalino, no final do século XVIII, e a passagem da Colônia para o Império, deixou um vazio legal na região do Alto rio Negro que demorou a ser preenchido. A primeira metade do século XIX no Médio Uaupés foi marcada pela ausência do Estado e o crescimento do endividamento dos povos da região – prática implicada no sistema de aviamento, que consistia em adiantar mercadorias à população indígena em troca de quantidades absurdas de produtos da floresta. Sempre endividados, os indígenas trabalhavam ininterruptamente para seus patrões, podendo, eventualmente, ser “vendidos” (ou seja, vender suas dívidas) para outros.
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A exploração forçada da mão-de-obra indígena no Médio Uaupés atingiu seu ápice durante o ciclo da borracha, no final do século XIX. As práticas de sequestro de familiares no meio da noite, de ataques às malocas, dentre outras tantas violências que marcaram esse período, são capitalizadas na figura de Manduca: popularmente lembrado como grande mandatário dessas atividades na região. As histórias arapaso sobre esse período são várias, e testemunham a constante ameaça de captura sob a qual viviam seus antigos, o que os levou a abandonar as margens dos grandes rios para viver em malocas no interior da floresta, onde não seriam facilmente encontrados por seringueiros.
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Nesse contexto de grande exploração e violência, que coincidiu com o abandono das missões carmelitas na região, eclodiram movimentos messiânicos que marcaram a segunda metade do século XIX no Alto rio Negro. Dentre eles, destaca-se o do profeta arapaso Vicente Cristo, conhecido como o pajé dos pajés. Ainda em Ipanoré, em meados do séc. XIX, Cristo aparece nos relatos de Henri Coudreau como grande influente na consolidação do núcleo missionário franciscano nesse local. Em 1883, porém, essa mesma missão foi interrompida violentamente com a expulsão dos freis pelos indígenas locais. Segundo relata Coudreau, os três freis da missão exibiram em púlpito das máscaras rituais do Jurupari, expressamente proibidas de serem vistas pelas mulheres.
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O profeta Vicente Cristo será mencionado novamente nos relatos do italiano Ermanno Stradelli (2009), dessa vez já em meados da década de 1880. Nesse período, o movimento encabeçado pelo pajé, agora estabelecido em uma grande maloca no interior do igarapé Japu, viveu seu maior esplendor. Além de ser reconhecido como um poderoso curandeiro, o profeta dizia falar com Tupana (referindo-se ao Deus cristão), a quem pedia a saída dos comerciantes da região, a libertação das dívidas, o fim do trabalho forçado e o envio de novos missionários. Por meio de sua palavra, Vicente Cristo liderou um enorme séquito na região do Médio Uaupés, inclusive um grande número de indígenas da etnia Hup’däh.
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Com o fim do ciclo da borracha no início do século XX, emergia uma nova fase “civilizadora”: a chegada dos missionários salesianos na região foi marcada pelo internato das crianças, a condenação das práticas tradicionais e a destruição das malocas, reconfiguradas em comunidades multi-residenciais. A rigidez do regime salesiano é rememorada nos relatos arapaso transmitidos por gerações, que contam sobre a proibição do uso de sua língua em prol do ensino do português nos internatos, a condenação de suas práticas de casamento (incentivando uniões consideradas tradicionalmente incestuosas) e a demonização dos conhecimentos e práticas dos antigos. O internato das crianças também implicou na interrupção da transmissão dos conhecimentos tradicionais, passados cotidianamente dos mais velhos para os mais novos e associado a cuidados que preparam o corpo para receber esses saberes. Esse descompasso geracional acarretou perdas até hoje muito sentidas pelos Arapaso.
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As imposições do regime salesiano durante seus primeiros anos na região tiveram profundos impactos na sociologia arapaso, que ainda não haviam se recuperado dos impactos populacionais e culturais das políticas de exploração dos séculos XVIII e XIX. Seus efeitos são perceptíveis nos relatos sobre eles datados do início do século XX: “Uma pequena tribo, em caminho de extinção, e até já perdeu o próprio idioma, falando exclusivamente o dos Tukano, é conhecida por Arapasu, termo da língua geral que indica um pequeno pica-pau” (Bruzzi, 1962: 26-7, baseando-se em relato da década de 1920).
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A partir dos anos 1960, o internato salesiano de Iauaretê começa a perder lugar para instituições nacionais, até ser completamente fechado no final da década de 1970, após cerca de 50 anos de existência. Apesar do enfraquecimento de sua autoridade e de reconhecer a violência embutida em muitas de suas práticas do passado, a ordem salesiana continua fortemente ativa na região, e goza do respeito e confiança de muitos dos povos uaupesianos, inclusive dos Arapaso.
  
Junto com seus vizinhos aruak, os Tukano - que serão tratados nesta seção como povos tukano, de modo que o grupo Tukano será diferenciado com letra inicial maiúscula- compõem um sistema sócio-político flexível, cuja integração se dá através de redes de intercâmbio recíproco envolvendo visitas, trocas, casamentos e rituais. A dinâmica desse sistema regional implica a articulação entre semelhança e diferença, entre um repertório comum que confere aos grupos que o compõem alguma medida de identidade e aquilo que os diferenciam uns dos outros, possibilitando a interdependência entre eles. Comecemos com as semelhanças.
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O Projeto Calha Norte e as mudanças na legislação indigenista ocorridas na década de 1980 promoveram novas articulações que reestruturaram a região. Os militares do 1º Pelotão de Fronteira se instalaram em Iauaretê, e na mesma década começaram a surgir as primeiras organizações indígenas do Alto rio Negro – tais como a Unidi (União das Nações Indígenas de Iauaretê) e a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), criadas em 1988.
 
 
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|Índio Bara com seu filho no Alto Papuri. Foto: Jean Jackson, 1969.
 
|http://img.socioambiental.org/d/209275-1/uaupes_5.jpg
 
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Os Tukano compartilham uma área geográfica contínua e um mesmo modo de vida básico, que inclui a caça e coleta, mas no qual predomina a pesca e a agricultura de coivara, sendo a "mandioca brava" o principal produto. No passado, todos moravam em casas comunais (ou malocas) de estilo relativamente uniforme: uma grande construção retangular com teto maciço de forma triangular e portas em cada ponta. Falam línguas muito próximas no que diz respeito à gramática e ao vocabulário. Também compartilham convenções sobre o uso dessas línguas: a maioria fala pelo menos duas línguas e freqüentemente compreende outras, privilegiando a língua paterna nas conversas cotidianas. Esses povos têm ainda estilos de ornamentação corporal semelhantes e, embora as palavras e melodias possam ser diferentes, usam os mesmos instrumentos musicais e a sua música, danças e cantos têm uma base comum. Tais convenções relativas ao modo-de-vida, organização espacial, língua, fala, adornos, música e dança integram o sistema comum de comunicação verbal e não-verbal dos povos do Uaupés, que se expressa mais plenamente nos rituais inter-comunitários.
 
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|Pedro Garcia, da etnia Tariano. Foto: Miguel Chaves, 1998.
 
|http://img.socioambiental.org/d/209278-1/uaupes_6.jpg
 
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Cada grupo tem as suas próprias histórias, mas também compartilham um ''corpus'' mitológico comum. Os mitos explicam as origens do cosmos, descrevendo um mundo perigoso e indiferenciado, sem limites precisos de tempo e espaço, sem diferença entre gente e animal. As narrativas míticas explicam como os feitos dos primeiros seres geraram as feições da paisagem e como o mundo se tornou paulatinamente seguro para a emergência dos verdadeiros seres humanos. Há um mito de origem chave nesse repertório que explica como uma Anaconda-ancestral penetrou o universo/casa através da "porta da água" no leste e subiu os rios Negro e Uaupés com os ancestrais de toda humanidade dentro de seu corpo. Inicialmente, esses ancestrais-espíritos tiveram a forma de ornamentos de pena, mas foram transformados em seres humanos no curso da sua viagem. Quando alcançaram a cachoeira de Ipanoré, o centro do universo, eles emergiram de um buraco nas rochas e se deslocaram para os seus respectivos territórios. Essas narrativas compartilhadas entre os povos do Uaupés expressam uma compreensão comum do cosmos, do lugar dos seres humanos nele e das relações que deveriam existir entre diferentes povos, bem como entre eles e outros seres.
 
 
 
Em contrapartida, cada grupo tem uma identidade singular e um lugar específico dentro do sistema. A população divide-se em aproximadamente 17 grupos exogâmicos, cada qual com direitos sobre um território específico ou trecho de rio com características e potenciais diferentes. Somado a esses fatores ecológicos de diferenciação, cada grupo é tradicionalmente associado à produção de artefatos específicos; assim, os Tukano fabricam banquinhos, os Desana cestos, os Tuyuka canoas etc. Essa produção especializada constitui um aspecto da identidade grupal e mobiliza os cerimoniais de troca (ou ''dabukuris'') que são um dos principais componentes das atividades rituais características da região. Em tais festas, os diferentes grupos se reúnem para dançar, beber caxiri, exibir os seus ornamentos de penas, recitar as linhagens de seus antepassados e trocar os seus produtos (banquinhos por canoas, peixe por carne de caça etc.).
 
 
 
Cada grupo tem a sua própria língua, o seu conjunto particular de nomes pessoais, os seus específicos cantos de dança e as suas próprias genealogias e narrativas de origem. Cada um tem um ancestral originário da Anaconda que trouxe o povo para o seu território particular. O corpo dessa Anaconda é replicado no trecho do rio onde esse grupo mora, nas malocas em que habitam e na composição dos grupos. A língua, os nomes próprios, os cantos, as histórias e outras formas de discurso operam como emblemas de identidade, afirmam direitos territoriais e privilégios rituais, assim como manifestam aspectos da vida, alma e espírito do grupo.
 
  
Cada grupo também possui um ou mais conjuntos de ''Yurupari ''- flautas e trombetes sagrados feitos do tronco da palmeira paxiúba -, que são os ossos de seu ancestral e que incorporam o seu sopro e canto. Junto com as festas e trocas cerimoniais, os rituais envolvendo esses instrumentos musicais - símbolos condensados da identidade, espírito e poder grupal - formam o outro grande componente da vida ritual dos Tukano. Enquanto a troca cerimonial enfatiza a equivalência e interdependência mútua entre grupos diferentes, os rituais de ''Yurupari ''realçam a identidade singular de cada um.
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Saiba Mais sobre as Organizações Indígenas do Rio Negro [[Povo:Etnias_do_Rio_Negro#Terras_e_organiza.C3.A7.C3.B5es_ind.C3.Adgenas]] 
  
'''[fevereiro de 2003] '''
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== Mitologia ==
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Stephen Hugh-Jones|Stephen Hugh-Jones]]. -->
 
 
 
== Organização social ==
 
 
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|Piutr Jaxa, antigo habitante de Pari-Cachoeira, no Uaupés, e que atualmente vive na Terra Indígena Balaio.
 
|Piutr Jaxa, antigo habitante de Pari-Cachoeira, no Uaupés, e que atualmente vive na Terra Indígena Balaio.
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Os primeiros Arapaso, assim como os ancestrais dos demais povos Tukano, chegaram nas cachoeiras de Ipanoré, onde desembarcaram do ventre da cobra-canoa de transformação. Provindos do Lago de Leite (que equivale, provavelmente, ao oceano), a chamada “gente de transformação” viajou pelos rios submersa, navegando a canoa de transformação como um submarino. Ao longo desse trajeto, foram parando em várias malocas, nas quais entravam, dançavam, cantavam e faziam cerimônias através das quais iam se transformando em humanidade. Essas chamadas “malocas de transformação” também estavam debaixo d’água, tanto que a humanidade veio como waimahsã (gente peixe, em tukano). Atualmente, são referidos por waimahsã aqueles seres que ainda habitam essas malocas, distribuídas por toda paisagem rionegrina mas invisíveis aos olhos, exceto aos do xamã. Os waimahsã podem assumir variadas formas (de animais, vegetais ou mesmo rochas), e muitas das dores e doenças que afligem as pessoas são causadas por flechas ou dardos invisíveis lançados por eles.
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As histórias míticas dos Arapaso podem ser diferenciadas entre aquelas pré e aquelas pós-emergência da cobra-canoa de transformação. Os mitos da era pré-humanidade são povoados por waimahsãs, narrando histórias de corpos celestiais e de seres antropomórficos em um mundo subaquático. Em contrapartida, as narrativas míticas pós-canoa de transformação falam de um mundo no qual a ordem social e a ordem cósmica já estão estabelecidas e dizem respeito principalmente às histórias dos antigos, seus sibs e grupos de descendência.
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Embora essa diferenciação não seja de todo definitiva e muito menos bem delimitada, ela é importante para o entendimento de algumas nuances que perpassam as explicações e especulações míticas arapaso, especialmente aquelas referentes à sua origem e descendência. Esse é o caso do mito de cobra Unuratu: popularmente conhecido pelos povos da região, Unuratu é filho do caso extraconjugal de uma mulher (casada) com um homem-cobra. Depois de viajar até Manaus e Brasília, cobra Unuratu volta como um submarino para a região onde nasceu (no médio Uaupés, próximo à comunidade de Loiro), carregado de riquezas e tecnologias, que estão hoje na cidade invisível dos waimahsã, chamada Witoriro.
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Algumas (das poucas) fontes etnográficas sobre os Arapaso apontam que estes se referem à cobra Unuratu como sendo seu avô – termo comumente aplicado aos ascendentes de um grupo. Os próprios Arapaso, porém, pontuam que esse mito ocorreu antes que os ancestrais chegassem na região via canoa de transformação. Ainda assim, Witoriro – onde fica a maloca na qual Unuratu é concebido e para onde retorna depois de descer para as cidades –, fica na região do território Arapaso, bem próximo à comunidade de Loiro, e a complexa relação entre a gente arapaso (que, no Lago de Leite, também eram waimahsã) e esses seres que prefiguram a humanidade, oferece um terreno fértil em analogias de descendência e ancestralidade. Um dos caminhos possíveis de desdobramento dessa relação seria através da associação entre o rio e a cobra grande, muito comum entre os povos Tukano. Os Arapaso, de nome ritual Diá Mahsã (gente do rio), referem-se à sua origem como “filhos do rio” e, analogamente, “filhos da cobra”.
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Para contar sobre a história de seu povo, explicar a relação com seu território e ensinar sobre a conformação de seus sibs, os Arapaso, no entanto, voltam-se para os mitos que relatam desde a chegada de seus ancestrais, vindos na cobra-canoa de transformação.
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Segundo contam os antigos, ao emergirem de um buraco nas pedras da cachoeira de Ipanoré, os humanos primordiais foram desembarcando um por um. Do povo arapaso desembarcaram três ancestrais: Dyako, Dyawii e Kore’i Ma’ku, que ocuparam o território entre Urubuquara até as proximidades da Ilha de São João, no rio Uaupés. Dyako, enquanto mais velho e, portanto, chefe, fez sua maloca nas proximidades de Ipanoré. Dos outros dois, um foi para onde hoje é a comunidade de Santa Cruz do Cabari, no igarapé Japu, e o outro para Aracú Ponta, onde construiu sua maloca no interior da floresta. Apesar dos conflitos interétnicos, dos infortúnios e dos impactos coloniais que vivenciaram ao longo desse tempo, os Arapaso se orgulham de terem permanecido até hoje em seu território originário.
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Entre essas adversidades, o mito do suicídio coletivo arapaso no buraco de breu derretido é digno de destaque. Nele, contam como os Arapaso, então um grupo numeroso e muito bravo, estavam sempre em conflito com outros povos da região (em algumas versões, identificados como os Wanano e os Desana). Nessa época, um dos grande guerreiros arapaso era chamado Umuheri, descrito pelos antigos como um homem alto, muito forte e com uma doença de pele. Umuheri ficava na beira do rio, com seus cabelos longos amarrados em um coque no qual caíam todas as flechas atiradas por seus inimigos. Umuheri, então, tirava essas flechas do cabelo e as lançava de volta, derrotando-os.
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A versão do mito do suicídio arapaso relatada a seguir é oferecida por Valentim, da comunidade de São José:
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De Urubuquara até bem próximo da ilha de São João, essa terra é dos Arapaso. Desde a canoa de transformação já decidiram a terra de cada povo. Antigamente tinha muitos arapasos, o pessoal da região sabe bem. Pra cima era dos Tukano e pra baixo, ali pra São Gabriel, era dos Baré.
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Os cunhados tukano e piratapuya estão aqui com a nossa autorização, em Juquira, Marabitana... Os Hup’däh, esses do Japu, vieram na canoa de transformação também, só que acompanhando os Arapaso. Eles sempre acompanhavam os Arapaso, só que são outra raça um pouco.
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Em Urubuquara tinham várias malocas, e onde hoje é Santa Cruz do Cabari, no igarapé Japu, também. Em Aracú a maloca ficava mais pra dentro, mais ou menos uma hora de caminhada .
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Os Arapaso eram muito valentes. Brigavam muito e os outros [de outros povos] começaram a ficar com raiva deles por não os deixarem passar pelo território, por roubarem as mulheres, afundarem as canoas, essas coisas. Começaram então a fazer feitiço para os Arapaso só terem filhas mulheres, assim que meu pai contava.
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Acho que estragaram mais com o pessoal de Urubuquara, onde o próprio Tuxawa  mandou buscar toneladas de breu – porque naquele tempo era tempo da fartura mesmo –, mandou cavar um buraco, mandou fazer uma festa com todos os parentes, até lá de cima do rio. Daí ele próprio enfeitiçou os parentes e começaram a dançar o kaapi wayá  [dança do kaapi, bebida alucinógena de uso ritual e tradicionalmente proibida a mulheres e crianças ] ao meio dia . À noite, no meio da dança, as pessoas mesmo já iam pulando dentro do buraco de breu derretido.
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O chefe mandou colocar jauari [palmeira de tronco espinhoso] em volta da maloca, cercando ela e o buraco, que estava do lado de fora . Mas um resolveu escapar com sua dama. Ficou disfarçando que estava bebendo e às nove da noite falou que ia mijar e saiu com um pau (não sei onde ele conseguiu o pau), desviando dos espinhos. Mas não foi pra longe, ficou ali perto assistindo eles dançando em volta do buraco, e de um em um iam pulando pra dentro do breu derretido. Quando deu a madrugada todos já tinham pulado dentro do buraco.
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Foi triste. É triste essa história.
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Então ele ficou em Urubuquara um tempo, mas sentia muita tristeza e pensava muita coisa, então foi subindo até ficar em um lago, logo abaixo de Marabitana. Ele tinha três filhos, lá eles começaram a assar o peixe e descuidaram e o peixe queimou. Quando respeita, a natureza respeita... daí veio tipo cobra, o rio encheu e matou todos, só sobrou um. Morreu o pai, a mãe e os dois irmãos.
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Daí ele foi subindo e conseguiu uma mulher. Ficou lá para um igarapezinho que sai do Yuricayá [igarapé na frente de Loiro]. Lá teve três filhos e conseguiu arrumar mulher pra eles. Teve netos, cada casal teve cinco filhos. Daí viu que estavam muitos e não dava para ficar numa só maloca, e mandou um filho para Paraná-Jucá, um para Loiro e um para São José.  São nossos irmãos maiores, os de Paraná-Jucá e de Loiro.
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Não sei se foi aí [referindo-se a toda a história do suicídio] que perdemos nossa língua, isso foi antes da colonização. Aqui em São José tinha muita gente! No tempo que aqui enchia já começou a construção da cidade de Belém. Vieram bandeirantes e foi nesse período que começaram a sair. Seringa, piaçava, cipó...daí veio escravidão.
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(Transcrição resumida do mito relatado em português pelo arapaso Valentim, no dia 27 de março de 2019, na comunidade de São José, no rio Uaupés – v. Pederneiras, 2020).
  
Os grupos Tukano são patrilineares e exogâmicos, isto é, os indivíduos pertencem ao grupo de seu pai e falam a sua língua, mas devem se casar com membros de outros grupos, idealmente falantes de outras línguas. Externamente, os grupos são equivalentes mas distintos; internamente, cada um consiste em um número de clãs hierarquicamente ordenados. Os ancestrais desses clãs eram os filhos do primeiro ancestral Anaconda e a sua ordem de nascimento, que corresponde à ordem de emergência do corpo de seu pai, determina a sua classificação: os clãs de posição mais alta são coletivamente considerados "irmãos maiores" para aqueles de posição mais baixa. A posição do clã é associada a uma hierarquia, sendo ainda frouxamente correlacionada a residência: os clãs de mais alto grau tendem a viver em lugares mais favoráveis nas partes mais baixas dos rios, enquanto os clãs de menor grau freqüentemente vivem nas áreas de cabeceiras ou as partes mais altas dos rios. A classificação do clã também tem os seus correlatos rituais: os clãs de posição mais alta, as "cabeças da Anaconda", são "chefes" que patrocinam os principais rituais e controlam os ornamentos de dança do grupo e os ''Yurupari''; os clãs de posição mediana são especialistas de danças e cânticos; abaixo deles são os xamãs; e o grau mais baixo é ocupado pelos clãs servos, a "cauda da Anaconda", que por vezes são identificados com os semi-nômades Maku que vivem nas zonas interfluviais.
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==Ritual e xamanismo==
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No que diz respeito às práticas e reponsabilidades de caráter cosmológico, os Arapaso compartilham a mesma estrutura que os demais povos Tukano, dividindo-se de acordo com seus conhecimentos e especialidades. Segundo o modelo proposto por Stephen Hugh-Jones, tais divisões se orientam virtualmente em duas direções: uma daqueles conhecimentos e poderes transmitidos “verticalmente”, ou seja, passados patrilinearmente, de geração a geração, e que envolvem as especialidades tradicionais de cada sib, assim como as relações hierárquicas entre eles. E outra, daqueles conhecimentos e poderes adquiridos “horizontalmente”, no sentido de serem não-hereditários e, portanto, de envolverem relações simétricas entre afins, como é o caso da formação dos pajés (termo também utilizado pelos Arapaso).
|Índios Wanana. Foto: Curt Nimuendaju, década de 1930.
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Orientando-nos por esse modelo, entendemos enquanto “vertical” os conhecimentos, práticas e funções transmitidos do pai ou tio paterno para seus filhos ou sobrinhos agnáticos. Seguindo a especialidade de cada sib, o menino aprenderá uma gama de conhecimentos e técnicas que exercerá para manter o equilíbrio cósmico e o bem estar de sua família e comunidade. O poder de cada especialista, portanto, respalda-se em sua conexão com seus ancestrais paternos – e nesse sentido, de derivação vertical. A mesma direção aparece na relação entre os sibs, que são escalados hierarquicamente.
|http://img.socioambiental.org/d/209284-1/uaupes_8.jpg
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As funções e especialidades de cada sib são imprescindíveis em rituais como os de nomeação e os de iniciação masculina. Trata-se de importantes ritos para a conformação dos laços de consanguinidade, nos quais são fortalecidas as relações com os ancestrais tanto espiritualmente – através da nomeação, crucial para a proteção da alma frente aos espíritos da floresta, e para os eventuais processos de cura xamânica, quanto fisicamente – através de restrições alimentares, pinturas corporais e provações físicas que formam o corpo do iniciado enquanto parente. De certa maneira, a presença dos instrumentos do Jurupari nos rituais de iniciação masculina explicita esse propósito de fortalecimento dos laços agnáticos do ritual ao interditar, por um período, a presença das mulheres (expressamente proibidas de ver os instrumentos).
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Dentre as especialidades “verticais”, destaca-se as atuações do kumu, mesmo termo utilizado pelos Arapaso. Traduzido para o português como “benzedor”, o kumu é um grande conhecedor dos mitos e de sua efetividade em situações do cotidiano, sendo responsável pela proteção e pela cura dos membros de sua comunidade. Através da recitação de fórmulas míticas, o kumu cria barreiras espirituais protetivas em volta de pessoas e casas (referidas como paris), transfere poderes curativos para plantas, bebidas e cremes utilizados no tratamento de doenças, e neutraliza os potenciais patogêncos dos alimentos. Reconhecido por seu vasto conhecimento, o kumu costuma pertencer aos sibs mais altos e assume uma posição de destaque nos ritos de passagem.  
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Complementarmente aos conhecimentos “verticais”, a formação “horizontal” da qual derivam os pajés, é permeada por relações de afinidade. Associados muitas vezes à onça (yaí, em Tukano) e ao trovão (buhpó), os poderes do pajé são transmitidos por meio de um intenso treinamento físico conduzido por um outro pajé (que não precisa ser necessariamente seu parente) e requer pagamento. Durante seu treinamento, o jovem aprendiz vive isolado com seu mestre e, através de jejuns, vômitos, abstinências sexuais e o uso de alucinógenos, recebe fisicamente seus poderes – muitos dos quais são inclusive transferidos diretamente do mestre para o aprendiz.  
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Diferentemente do kumu, que adquire seus poderes através de um treinamento mais “reflexivo” (decorando exaustivamente os mitos, plantas e animais referentes a cada cura), e via relações de consanguinidade (por meio de sua linhagem paterna), os poderes do pajé lhe são transferidos substancialmente (transformando fisicamente seu corpo), e através de outras formas de relação que não apenas de consanguinidade – relações entre aprendiz e mestre e entre o pajé e os espíritos da floresta, muitas das vezes, são referidas em termos de afinidade, por exemplo.
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Ainda assim, de modo complementar (embora não sem eventuais tensões), o pajé também é responsável por muitas práticas de cura: utilizando-se de drogas como um tipo de rapé fortemente alucinógeno, ele examina o corpo do paciente e identifica a causa da doença, algumas vezes recorrendo à ajuda de outros espíritos, através do transe ou de sonhos. Depois de feito o diagnóstico, o pajé dá início à técnica de cura, seja recuperando o espírito perdido, ou sugando objetos do corpo do doente e vomitando-os, ou mesmo usando uma técnica que consiste em jogar água no paciente e com isso extrair dele resíduos alimentares (geralmente peixe ou caça) que causaram a doença.
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Embora tenha grande importância na manutenção da saúde e do bem estar da comunidade, o pajé é muitas vezes visto com desconfiança.  Enquanto o kumu costuma gozar de certo reconhecimento e status (especialmente se pertencente a sibs mais altos), a figura do pajé está envolta de ambiguidade – decorrente de sua tendência a ser mais isolado socialmente (vivendo sozinho em locais mais afastados) e à percepção de que seus poderes usados em favor da comunidade podem ser usados também contra ela. Segundo contam os antigos, muitos pajés no passado tornaram-se líderes em guerras entre grupos, utilizando de seus poderes como armas, e é especialmente temida suas habilidades de enviar raios às comunidades apenas com a força de sua mente.
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Essa desconfiança que envolve a figura do pajé também pode ser analisada à luz da orientação “horizontal” em seu poder. Em contraponto às relações hierárquicas de consanguinidade que formam as técnicas do kumu, os poderes do pajé se fundamentam nas relações simétricas entre afins potenciais. Sua proximidade com os espíritos e animais da floresta, inclusive, faz com que uma de suas especialidades seja também a de prover caça e peixes, recursos comumente associados às festas de caxirí e ao dabucurí – ambas celebrações envolvem relações simétricas de afinidade, seja através do compartilhamento da tradicional bebida fermentada de mandioca (o caxiri) entre cunhados e vizinhos; seja por meio do oferecimento ritual de bens como peixes e carnes ao grupo convidado (também composto geralmente de cunhados), como ocorre nas festas de dabucurí (em tukano, po’osé). Eventualmente, o grupo que foi convidado para o dabucurí retribuirá com um convite para um novo dabucurí no qual será sua vez de lhes oferecer bens, fazendo as vezes de anfitrião. Nesse sentido, as celebrações do dabucurí podem também ser analisadas como trocas rituais, ainda que estas estejam espaçadas no tempo.  
  
Essa hierarquia de papéis especializados e privilégios rituais fica muito evidente durante os rituais coletivos em que se recitam as genealogias e enfatizam-se as relações hierárquicas e de respeito. De modo mais sutil, essa hierarquia reflete-se também na vida cotidiana. Os habitantes de uma maloca comumente correspondem a um grupo de homens estreitamente aparentados, como os filhos do mesmo pai ou de dois ou mais irmãos, que vivem juntos com as suas esposas e filhos. Quando uma mulher se casa, ela deixa a sua maloca natal e vai morar junto com seu marido.
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==Aspectos contemporâneos e ameaças==
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Os Arapaso, assim como grande parte dos grupos Tukano dos rios Negro e Uaupés, atualmente se identificam majoritariamente como católicos. A presença de uma capela em cada comunidade ao longo desses rios é quase uma constante, e a organização das missas, batismos e crismas são articuladas anualmente com as autoridades salesianas da região. Algumas festividades cristãs em especial, provocam ainda um grande deslocamento dos indígenas das comunidade para os polos urbanos de Iauaretê e São Gabriel da Cachoeira, onde são realizadas grandes festas e muitas danças, e que são lembradas pelos Arapaso com muita alegria.
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A relação entre comunidade e cidade, porém, não se resume apenas a eventos festivos. Desde que se tornou o ponto de apoio do governo para a implementação de programas oficiais de desenvolvimento, a cidade de São Gabriel da Cachoeira vem vivendo uma reestruturação demográfica de consequências notáveis. O grande fluxo de indígenas em direção às cidades, onde ficam geralmente por semanas ou meses na tentativa de conseguirem documentos, aposentadoria, auxílio Bolsa Família, ou ainda renovar seus contratos de professores das escolas indígenas, torna-os mais expostos a doenças (como parasitoses, malária, etc.), ao alcoolismo e a conflitos violentos. Além disso, os índices de afogamento na cidade, especialmente nos períodos de maior aglomeração, são notoriamente altos. Outra ameaça que acompanha essa relação comunidade-cidade é o que o Márcio Meira chama de “aviamento eletrônico” (2017: 102) – trata-se de uma reciclagem do sistema de endividamento que levou um grande contingente de indígenas ao trabalho forçado no passado, e que hoje se reproduz também através do controle dos comerciantes de cartões de banco e do Bolsa Família de indígenas que vivem em comunidades.
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Ainda assim, devido à grande distância que separa as comunidades Arapaso de São Gabriel da Cachoeira, as visitas à cidade são mais raras. Portanto, atualmente os Arapaso vivem majoritariamente da produção tradicional de alimentos (da pesca, da caça, da colheita e da roça) – não sendo raro fazerem comparações que evidenciam sua preferência pelo beiju com quinhampira (prato de peixe com pimenta) em detrimento do arroz e macarrão industrializados.
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No entanto, os indígenas da região vêm apontando cada vez mais mudanças ambientais, que interferem diretamente em suas atividades substanciais nos últimos anos. A diminuição do número de peixes, o aumento das invasões de caititus nas roças, a redução dos animais de caça, a maior presença de pássaros nos arredores das comunidades e as alterações na dinâmica pluvial (e, consequentemente, fluvial) são algumas das percepções trazidas pelos Arapaso e seus vizinhos que indicam os efeitos da crise climática em seu modo de vida.
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Tais observações, minuciosas e bem descritivas, graças à intimidade e ao conhecimento profundo dos Arapaso de seu território, vão ao encontro dos levantamentos feitos pelo projeto de monitoramento das alterações climáticas no Noroeste Amazônico. Fruto da colaboração entre pesquisadores indígenas e não-indígenas, o projeto, iniciado em 2005 com a parceria entre o Instituto Socioambiental (ISA) e a FOIRN, realiza um monitoramento constante das condições e transformações ambientais de várias áreas da bacia do rio Negro. Com o cruzamento de seus relatórios, ficam evidentes as alterações climáticas que a região vem sofrendo nos últimos anos e como elas repercutem diretamente no modo de vida dos povos humanos e não humanos que nela vivem (ver Cabalzar, 2018).
  
Simbolicamente, a maloca reproduz em miniatura o universo e seus habitantes constituem tanto uma réplica quanto um precursor do ideal de organização clânica acima descrita. Assim, o pai da comunidade que habita a maloca seria o ancestral-Anaconda do grupo inteiro e seus filhos seriam os ancestrais dos clãs que dela se originaram. Seguindo essa lógica, o filho mais velho e irmão maior é geralmente o chefe da maloca, e não raro os seus irmãos menores são dançarinos, cantadores ou xamãs, cujos papéis costumam corresponder à ordem de nascimento. Mas poder e posição social dependem de energia e iniciativas pessoais, que não se baseiam apenas em organização formal, parentesco ou ordem de nascimento.
 
{{#miniatura: left
 
|Confecção de banco tukano. Foto: Rosa Gauditano, 2002
 
|http://img.socioambiental.org/d/209287-1/uaupes_9.jpg
 
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A maioria dos rituais e da vida religiosa tukano está centrada em objetos (como ornamentos plumários e as flautas ''Yurupari'') e substâncias sagradas - como a pintura vermelha carayuru, cera de abelha, cera de breu (resina vegetal), epadu (feito com variedades de coca), tabaco e ayahuasca -, assim como em bens menos tangíveis, na forma de nomes, cerimoniais, encantações e cantos. Tais itens são propriedade do grupo e constituem expressões de seus poderes espirituais. Em um nível coletivo e estrutural, os rituais que envolvem tais itens podem ser vistos como expressões formais da identidade do grupo e das relações inter-grupais. Ao mesmo tempo, esses rituais constituem expressões das relações políticas em dada conjuntura. Assim, malocas vizinhas são interligadas por intermédio de líderes carismáticos, que comandam a organização de festas e coordenam o trabalho coletivo para a construção de casas maiores que funcionam como centros cerimoniais. Esses líderes são indivíduos que possuem um grande conhecimento esotérico e se mobilizam para manter e aumentar os bens sagrados de sua maloca, podendo disponibilizar os recursos necessários para patrocinar os rituais. Tais capacidades rituais prestam-se a fortalecer sua posição política.'''
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== Fontes de informação ==
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É sabida a intensa produção etnográfica acerca dos povos do Noroeste Amazônico. Desde os anos 1960 até os dias de hoje, a região tem recebido considerável atenção, com trabalhos que contemplam grande parte de seus povos – Tukano, Aruaque e Nadehupe –, e que examinam suas articulações sistêmicas de trocas materiais e matrimoniais, seu compartilhamento de práticas rituais e narrativas míticas, e suas estruturações unilineares e hierárquicas.
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Stephen Hugh-Jones|Stephen Hugh-Jones]]. -->
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Nos últimos anos, essa produção se intensificou ainda mais com trabalhos sendo desenvolvidos pelos próprios indígenas, quer dentro ou fora da academia, trazendo novas contribuições e perspectivas para e sobre os conhecimentos antropológicos. Esse seria o caso das pesquisas de alunos indígenas desenvolvidas em diversas universidades pelo Brasil, assim como dos livros da coleção “Narradores Indígenas do Rio Negro” (viabilizada pela FOIRN), que reúnem relatos míticos de diferentes etnias da região (Tukano, Desana, Tariano, Baniwa, etc.)  
 
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Em meio a tão densa produção, é de se surpreender que não haja muitos trabalhos sobre os Arapaso. Um dos motivos talvez esteja relacionado ao tamanho do grupo, pequeno se comparado a seus vizinhos tukano, tariano e pira-tapuya. Os indicativos de grande perda populacional ao longo dos séculos XVIII e XIX levaram alguns pesquisadores a encarar os Arapaso como um grupo a caminho da extinção, ou ainda, da aculturação (devido à perdas culturais como a de sua língua original). Esta é a visão presente nos relatos do início do século XX compilados no livro A civilização indígena do Uaupés, do pe. Alcionílio Bruzzi (1962).
== Os Tukano e os Maku ==
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Na passagem do século XIX para o XX, a figura do profeta Vicente Cristo serve como um importante catalisador de informações sobre os Arapaso desse período. Dentre essas, temos os relatos de Henri Coudreau (1887-9) sobre a atuação do pajé na conformação do núcleo missionário em Ipanoré, onde outros arapasos foram aldeados. Foi acompanhando o séquito do profeta que Stradelli (2009) também nos oferece uma das primeiras descrições da região do igarapé Japu, no território arapaso compartilhado com os Hup’däh.
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na área da etnologia, entre os poucos trabalhos voltados especialmente para os Arapaso estão dois artigos produzidos por Janet Chernela (1988 e 2002), que esteve com eles nos anos 1970. Os temas da perda (de sua língua e de sua história) e da ameaça de extinção são tratados em ambos os textos, que se voltam para o problema da identidade arapaso enquanto um grupo que não mais fala sua língua em um contexto de exogamia linguística (caso do sistema de casamentos uaupesiano, de acordo com a autora).  
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Ademais, esses dois artigos de Chernela trazem o mito da cobra Unurato como principal fonte de análise. Segundo ela, a continuidade e a integridade do povo Arapaso se sustentaria pela identificação que estes fazem da cobra Unurato como seu ancestral comum (indicada ao referenciarem-se à cobra como “avô”). Por meio de sua análise do mito, Chernela também destaca certos aspectos que fariam referência a conflitos históricos vividos pelos Arapaso durante o encontro colonial – a semelhança entre o trajeto feito por Unurato, descendo o rio em direção à cidade dos brancos, e as práticas dos “descimentos” forçados, aos quais os Arapaso foram submetidos no século XVIII.
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Atualmente, para além da pesquisa etnográfica que está sendo desenvolvida com o grupo (desdobramento de Pederneiras, 2020), os Arapaso estão envolvidos com projetos de pesquisa e manutenção da região, como na construção dos PGTAs (Programa de Gestão Territorial e Ambiental), por exemplo, e atuam ativamente nas organizações indígenas locais.
  
Os povos das famílias lingüísticas Tukano Oriental e Maku convivem mais intensamente na região de interflúvio entre os rios Tiquié e Papuri e, em menor escala, entre o Papuri e o Médio Uaupés (trecho entre Iauareté e a foz do Querari). Nesta área, desenvolveram uma estratégia de complementaridade, uma vez que tradicionalmente ocupam espaços distintos e adotam práticas de manejo do meio ambiente específicas. Distintamente dos Tukano, que vivem nos rios maiores, os Maku preferem os igarapés menores, mais no centro da floresta. São bons caçadores, coletores de frutas silvestres e conhecem muito bem os caminhos na mata. Os Tukano, por sua vez, são agricultores dedicados e pescadores; mesmo quando caçam, preferem fazê-lo de canoa, surpreendendo pacas e antas que vão até a beira do rio beber água.
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* Andrello, Geraldo. (2006) Cidade do índio. Transformações e cotidiano em Iauaretê. São Paulo: Editora Unesp: ISA; Rio de Janeiro: NuTI.
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* Barreto, João Paulo Lima. (2013) Wai-Mahsã: Peixes e Humanos: Um ensaio de Antropologia Indígena. (Dissertação de mestrado PPGAS/UFAM).
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* Bruzzi, Alcionilio (Pe.) (1962) A Civilização Indígena do Uaupés. São Paulo: Centro de Pesquisas de Iauareté. Missão Salesiana do rio Negro.
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* Cabalzar, Aloísio. (2008) Filhos da cobra de pedra. Organização social e trajetórias tuyuka no rio Tiquié (noroeste amazônico). São Paulo: Editora Unesp: ISA; Rio de Janeiro: NuTI.
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* _____________. (2018) “Annual Cycles in Indigenous North-Western Amazon: A Collaborative Research Towards Climate Change Monitoring” In. D. Nakashima, I. Krupnik, & J. Rubis (Eds.) Indigenous Knowledge for Climate Change Assessment and Adaptation (pp. 41-57). Cambridge: Cambridge University Press.
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* Chernela, Janet. (1988) “Righting History in Northwest Amazon” In. Jonathan Hill (ed) Rethinking History and Myth. Indigenous South American Perspectives on the Past. Urbana and Chicago: University of Illinois Press.
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* ____________. (2002) "As perdas da história: identidade e violência num mito Arapaço do Alto Rio Negro." In. Alcida Ramos, Bruce Albert (orgs) Pacificando o branco. São Paulo: Unesp.
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* Coudreau, Henri. (1887/89) La France équinoxiale. Voyage à travers les Guyanes et l’Amazonie. Paris: Challamel Aine.
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* Hill, Jonathan (ed.) (1988) Rethinking History and Myth: Indigenous South American Perspectives on the Past. Urbana and Chicago: University of Illinois Press.
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* Hugh-Jones, Christine. (1979) From the Milk River. Spatial and temporal processes in Nortwest Amazonia. Cambridge: Cambridge University Press.
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* Jackson, Jean (1983) Fish People.Linguistic exogamy and Tukanoan identity in Northwest Amazonia. Cambridge: Cambridge University Press.
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* Lasmar, Cristiane. (2005) De volta ao lago de leite.Gênero e transformação no Alto rio Negro.São Paulo: Editora Unesp: ISA; Rio de Janeiro: NuTI.
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* Meira, Márcio Augusto Freitas de. (2017) A persistência do aviamento: colonialismo e história indígena no Noroeste amazônico. (Tese de doutorado, PPGMS/UFRJ).
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* Marques, Bruno. (2015) Os Hup’dah e seus mundos possíveis: transformações espaço-temporais do Alto rio Negro (tese de doutorado, PPGAS/UFRJ).
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* Neves, Eduardo Goés. (2015) “Uma rede de fios milenares: um esboço da história antiga do rio Negro” In. Marina Herrero e Ulysses Fernandes (orgs) Baré. Povo do rio. São Paulo: Edições Sesc São Paulo.
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* ___________________. (2012) “A história dos Tariano vista pela oralidade e pela arqueologia” In. Geraldo Andrello (org) Rotas da criação e transformação. Narrativas de origem dos povos indígenas do rio Negro. São Paulo: ISA; São Gabriel da Cachoeira: FOIRN.
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* Pãrõumu, Umusi e Kehíri, Tõrãmu. (1980 [2019]) Antes o mundo não existia. Mitologia Desana-Kehíripõrã. 3ª edição revista. Rio de Janeiro: Dantes Ed.
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* Pederneiras, Maria Bonome. (2020) “A incógnita arapaso: estudo sobre um povo do Alto rio Negro” (Dissertação de mestrado PPGAS/MN).
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* Reichel-Dolmatoff, Gerardo. (1985) “Tapir avoidance in Colombian Northwest Amazon” in. G. Urton (ed) Animal myths and metaphors in South America. Salt Lake City: University of Utah Press.
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* Stradelli, Ermanno (2009). Lendas e notas de viagem – A Amazônia de Ermanno Stradelli. São Paulo: Martins, 2009.
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* Sztuman, Renato. (s/d) "Mitologiafluvial, civilização submersa"
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* Vidal, Silvia. (1999) “Amerindian groups of northwest Amazonia. Their regional system of political-religious hierarchies” Anthropos, vol. 94.
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* Viveiros de Castro, Eduardo. (2002) “Atualização e contraefetuação do virtual: o processo do parentesco” In. Viveiros de Castro, E. A Inconstância da alma selvage. São Paulo: Cosac Naify.
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* _______________________. (2008) “Xamanismo transversal, Lévi-Strauss e a cosmopolítica amazônica” In. Rubem Caixeta Queiroz e Renarde Freire Nobre (orgs.) Lévi-Strauss: leituras brasileiras. Belo Horizonte: UFMG.
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* Wright, Robin. (1992) "História indígena do Noroeste amazônico: hipóteses, questões e perspectivas" In: M. Carneiro da Cunha (org.), História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
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* ___________.(2005) História indígena e do indigenismo no Alto rio Negro. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: ISA.  
  
Do ponto de vista dos Tukano, os Maku formam uma categoria sui generis, na medida em que se diferenciam tanto dos afins quanto dos parentes de mesma descendência, pois não são casáveis e não são assimilados a eles através da terminologia de parentesco. Os Maku representam uma referência central no sistema conceitual tukano, estando associados às categorias hierárquicas mais baixas.
 
 
Os Maku mantêm com os Tukano relações de troca e colaboração intermitentes. Em geral, grupos domésticos maku tomam a iniciativa de se associar a grupos domésticos tukano, sendo também eles que decidem quando devem ir embora para seus sítios ou mudar de "patrão" tukano. Eles podem permanecer apenas uma semana ou vários meses com os Tukano, mas existem casos em que a relação é mais estável e certos Maku se acostumam a prestar serviços para grupos domésticos tukano específicos, mantendo a colaboração através de gerações. Mesmo nestes casos, a convivência é interrompida quando os Maku resolvem cuidar de suas próprias casas e roças ou viajar.
 
 
Os Maku procuram trabalho quando estão passando por momentos de maior privação (suas roças são em geral insuficientes e há períodos pouco propícios para a caça). Nestas situações, oferecem seus serviços aos Tukano: as mulheres trabalham nas roças e no processamento da mandioca e os homens caçam, fazem ipadu ou pegam alguma empreitada (troca da cobertura de uma casa, derrubada da mata para roça etc.). Em troca, os Tukano pagam com parte da produção da cozinha (farinha, beiju etc.), os homens recebem ipadu e fumo e ainda roupas usadas, ferramentas, redes, entre outros.
 
 
Quando a família maku é muito grande e o custo, em termos de exploração da roça, é alto para a grupo doméstico tukano que os recebeu, este pode expulsá-los. Mais freqüente, porém, é que os próprios Maku se sintam fartos e desfavorecidos, retirando-se para seu assentamento por conta própria e levando consigo um suprimento de farinha e tapioca. Nesses casos, os Tukano reclamam de que eles saem sem dizer nada, de uma hora para outra.
 
 
O que mais marca a relação entre estes dois grupos é a grande autonomia dos Maku, que os Tukano não podem violar. Os Maku procuram os Tukano visando suprir necessidades imediatas de alimentos; os Tukano aceitam os Maku e lhes encarregam de vários serviços. Algumas vezes os Maku também participam dos multirões para derrubar ou plantar roça promovidos pelos Tukano, quando é oferecido caxiri. Mas nessas ocasiões as relações são distantes e frias, não envolvendo intimidade. De modo geral, os Maku quase nunca comem junto com os Tukano ou se sentam próximos, a não ser nas manhãs em que há refeição comunitária e alguns Maku estão presentes.
 
 
A distância social é marcada pelas atitudes. Quando um Tukano conversa com um Maku, este se posiciona a certa distância, olhando para outro lado. Em outro exemplo, ao devolver um cigarro que um Tukano pediu para “rezar” (para cortar alguma dor que um filho ou a própria pessoa está sentido), o homem Maku, ao invés de entregá-lo na mão, agacha-se próximo e joga o cigarro no chão, perto daquele que o solicitou.
 
 
A relação entre os Tukano e os Maku é celebrada em grandes dabucuris (rituais de oferecimento), realizados na época de coleta de certas frutas do mato (como ingá, cunuri, buriti e açaí silvestre). Nestas ocasiões, os Tukano preparam muito caxiri e ipadu para receber os Maku, que chegam ainda de madrugada, antes do alvorecer, tocando trompetes, pequenos tambores e fazendo muito barulho. Trazem grandes quantidades de frutas que, inicialmente, deixam na beira do rio, para depois conduzi-las para dentro da casa de festa, no momento propício do ritual (quando há um diálogo cerimonial entre um par de homens Tukano e outro Maku). Conjuntos de tocadores de flautas pã maku se revezam ao longo da festa com conjuntos formados por homens e rapazes tukano. Eles formam pares de dança com as mulheres, sejam elas tukano ou maku, indistintamente. A mesma cerimônia também pode ser feita com o oferecimento de carne de caça moqueada; os papéis também podem ser invertidos, passando os Tukano a oferecer beiju e farinha aos Maku. Em geral a festa ocorre no povoado tukano.
 
 
O distanciamento que caracteriza a relação entre os Tukano e os Maku é derivado da forma como os Maku são concebidos. Os Tukano os descrevem como diferentes, estranhos e, em certo sentido, inferiores. Alguns aspectos para os quais os Tukano chamam a atenção:
 
 
<ul>
 
<li>moram em pequenos tapiris improvisados, como os que se faz em viagens na floresta e na roça;</li>
 
<li>nunca se acomodam em um lugar, estando sempre indo e vindo, inquietos;</li>
 
<li>são agricultores displicentes e, além disto, não sabem manejar o cultivo, não esperam o tempo mais produtivo da mandioca, arrancando logo tudo para fazer caxiri; os homens fazem o mesmo com os pés de coca, desfolham sem controle e acabam tendo que apelar para os Tukano para conseguir ipadu (que é uma necessidade diária);</li>
 
<li>são vistos com desconfiança, não raro acusados de saquearem as roças tukano e ainda disfarçarem o roubo fincando a haste da maniva no solo depois de arrancar o tubérculo; também lhes são atribuídos o sumiço de ferramentas, roupas e outros;</li>
 
<li>a endogamia local e a constante transformação na constituição dos grupos locais são mau vistos pelos Tukano, que ainda enfatizam certos casamentos incestuosos, como se não houvesse regras definidas de casamento;</li>
 
<li>os Tukano também dizem que eles não têm higiene, não se limpam nem penteiam o cabelo e andam maltrapilhos, com roupas velhas e encardidas.</li>
 
</ul>
 
 
Esta visão dos Maku tem alguns desdobramentos práticos, por exemplo, o casamento com eles é expressamente proibido e uma pessoa que tenha alguma ascendência maku (seja por parte do pai ou da mãe) é estigmatizada. Contudo, o casamento de um homem tukano com uma mulher maku é mais aceitável do que o casamento de um homem maku com uma tukano, que é impraticável. Com o contato, representado pela intensificação do comércio, da catequização e da educação escolar, ocorreram mudanças na relação entre esses povos.
 
 
Os Tukano passaram a intermediar a entrada e troca de mercadorias industrializadas. Ao passo que os Tukano aderiram à prática, hoje muito valorizada e difundida, de mandar seus filhos para a escola até o final do ensino fundamental e, menos freqüentemente, para o ensino médio na cidade, os Maku jamais se adaptaram ao sistema escolar e as tentativas promovidas pelos missionários foram todas fracassadas. Mesmo as escolas criadas nos povoados Maku, com professores tukano, raramente dão bons resultados.
 
 
Atualmente, a intensa migração dos Tukano para os centros missionários ou urbanos, como as cidades de São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel, tem levado a um processo de esvaziamento de algumas áreas. Isto tem propiciado o estabelecimento de povoados maku no curso principal dos rios, como é o caso do Tiquié.
 
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Aloisio Cabalzar|Aloisio Cabalzar]]. -->
 
 
== Aspectos cosmológicos ==
 
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|Índios Tukano. Foto: Márcio Meira, 1990.
 
|http://img.socioambiental.org/d/209289-1/uaupes_10.jpg
 
}}
 
 
Como princípio básico, a cosmologia tukano combina perspectiva móvel, replicação da organização social em diferentes escalas da existência - corpo, communidade, casa e cosmos, e organização análoga entre níveis diferentes da experiência. O universo é feito de três camadas básicas: céu, terra e "mundo inferior". Cada camada é um mundo em si, com seus seres específicos e podendo ser entendidos tanto em termos abstratos como concretos. Em contextos diferentes, o "céu" pode ser o mundo do sol, da lua e das estrelas, ou o mundo dos pássaros que voam alto, ou os topos achatados dos tepuis (topos achatados das montanhas) dos quais descem as águas ou o mundo dos topos das árvores da floresta, ou mesmo uma cabeça enfeitada com um cocar de penas vermelhas e amarelas de arara, que são as cores do sol. Do mesmo modo, o "mundo inferior" pode ser o Rio dos Mortos debaixo da terra, o barro amarelo debaixo da camada do solo onde enterram-se os mortos, ou o mundo aquático dos rios subterrâneos.
 
 
De toda forma, o que define o "céu" ou o "mundo inferior" depende não somente da escala e do contexto, mas também da perspectiva: à noite o sol, o céu e o dia ficam debaixo da terra e o escuro mundo inferior fica acima. Há uma história sobre um homem que encontra o cadáver de uma mulher-estrela que caiu na terra quando fora enterrada por sua família no céu: para seus parentes ela está morta no mundo inferior; para o homem, ela está viva na terra. O homem casa com a mulher-estrela e vai com ela visitar sua família no céu. Para o homem, as estrelas são os espíritos dos mortos que vivem à noite; para as estrelas, ele que é um espírito, e o dia para ele corresponde à noite para elas.
 
 
Os diferentes grupos tukano também participam desse esquema. Assim, por exemplo, os Bará são Povo de Peixe (ou da Água), os Barasana são Povo da Terra e os Tatuyo estão na categoria de Povo do Céu. Cada um desses grupos tem um ancestral-Anaconda, mas anacondas na água são outra versão de jaguares na terra ou de harpias no céu (harpy-eagles?) - em um mundo transformacional e perspectivista, os maiores predadores do céu, da terra e da água são equivalentes e complementares. Assim como pessoas que estão na mesma "camada" são do mesmo tipo (from the same level are of the same kind) e não podem casar entre si, os casamentos entre diferentes grupos exogâmicos possuem dimensões cósmicas. Os Barasana, por exemplo, tendem a casar-se com os Bará, e estes também costumam casar-se com os Tatuyo. É possível vislumbrar esse sistema em um mito barasana que tematiza sua origem. Yeba, ou "Terra", o ancestral Barasana em forma de jaguar, casa-se com ''Yawira'', uma mulher -peixe guaracu, filha da Anaconda Peixe, o ancestral dos Bará. ''Yawira ''então abandona seu marido ''Yeba ''e foge com ''Yuka'', o urubu-rei que é uma manifestação do ancestral Tatuyo, que é também a Anaconda do Céu e Jaguar (Eagle-Jaguar). Outros grupos tukano têm diferentes versões para esse mito, nas quais os nomes dos personagens podem mudar, mas a lógica é a mesma.
 
 
Em termos simbólicos, a maloca é o universo e o universo é uma maloca. O teto de palha é o céu, os esteios de suporte são as montanhas, as paredes são as cadeias de serras que parecem cercar a paisagem visível na beira do mundo, e sob o chão corre o Rio dos Mortos. A maloca tem duas portas: uma no leste que é a dos homens, ou a "porta da água"; outra das mulheres a oeste, com uma longa cumeeira que corre ao longo do teto da casa entre as duas portas, que é "o caminho do Sol". Nessa região equatorial, os rios subterrâneos correm do oeste para o leste, ou da porta das mulheres para a porta dos homens; completando um circuito fechado da água, o Rio dos Mortos corre do leste para o oeste.
 
 
A maloca tanto é o universo, como também é um corpo, ao mesmo tempo o "corpo canoa" do ancestral-Anaconda e os corpos de seus filhos nele contidos. Esses filhos são os habitantes da casa, réplicas do ancestral original, receptáculos de futuras gerações e, eles mesmos, futuros ancestrais. Mas, se a maloca é um corpo humano, sua feição também é uma questão de perspectiva. Do ponto de vista masculino, a frente pintada da maloca é um rosto de homem, a "porta dos homens" é sua boca, a viga mestra e as laterais são a sua coluna e costelas, o centro da casa é seu coração, e a porta das mulheres o seu ânus. Do ponto de vista das mulheres, a coluna, as costelas e o coração permanecem os mesmos, mas o resto do corpo é invertido: a porta das mulheres é a sua boca, a porta dos homens a sua vagina e o interior da casa o seu ventre.
 
 
De tais princípios de replicação e transformação dão-se uma série desdobramentos. Se os rios correm através da casa-universo e o corpo é uma espécie de casa, segue-se que as tripas e os genitais humanos são "rios"; e, ainda, que os vermes parasitas são "anacondas". Há uma história divertida que descreve o universo do ponto de vista de um verme: quando o seu hospedeiro humano bebe caxiri (cerveja de mandioca), a chuva fica grossa e pegajosa; quando ele ingere farinha, chove pedras; e quando ele come beiju, chove grandes rochas. Essa narrativa ilustra um ponto importante: por vezes os mitos explicitam a cosmologia, mas com mais freqüência a cosmologia simplesmente está subentendida ou implícita e as pessoas devem pô-las em prática por conta própria. Especialistas religiosos são aqueles que possuem maior habilidade para "ler" o que está por trás das narrativas sagradas.'''
 
'''
 
=== Saiba mais ===
 
<htmltag href="http://books.google.com.br/books?id=7Kh-BgAAQBAJ&amp;printsec=frontcover&amp;hl=pt-BR&amp;source=gbs_ge_summary_r&amp;cad=0#v=onepage&amp;q&amp;f=false" tagname="a">''Antes o mundo não existia: Mitologia dos antigos Desana-Kêhíripõrã''</htmltag>, coletânea de narrativas míticas desana, por Tõrãmũ Kêhíri e Umusí Pãrõkumu
 
<!-- Seção escrita por [[Usuário:Stephen Hugh-Jones|Stephen Hugh-Jones]]. -->
 
 
== O ciclo da vida ==
 
{{#miniatura: left
 
|Índia Tuyuka com seu filho em um evento cultural em São Paulo. Foto: Miguel Chaves, 1998.
 
|http://img.socioambiental.org/d/209292-1/uaupes_11.jpg
 
}}
 
 
Tendo em mente os princípios cosmológicos sintetizados no item anterior, podemos começar a perceber como alguns processos vitais são elaborados em termos cosmológicos e como se relacionam a práticas rituais associadas ao ciclo de vida.
 
 
A digestão, evacuação, decomposição e morte envolvem um fluxo passivo do alto para o baixo, de rio acima para rio abaixo, do Oeste para o Leste. A vida em si é um movimento, às vezes uma luta, de acordo com esse fluxo: as plantas crescem em direção ao sol e as pessoas devem crescer para cima enquanto amadurecem. O Sol, ou ''Yeba Hakü'' (na língua barasana), o "Pai do Universo", fonte de luz e da vida, move-se constantemente contra a corrente, subindo os rios da terra do Leste para o Oeste durante o dia e subindo o rio do "mundo inferior" durante a noite, para aparecer de novo no Leste. O ancestral-Anaconda que trouxe a humanidade para o mundo também viajou como o Sol, no sentido Leste para o Oeste, parando quando alcançou o meio do universo. Esse mesmo movimento de Leste a Oeste foi também uma ascensão da água para a terra.
 
 
O ancestal-Anaconda, um ser aquático, é o próprio rio no qual ele viajou, e os seres em seu interior somente assumiram a forma humana quando emergiram na terra firme; antes disso, eram "gente peixe", espíritos na forma de ornamentos de penas. Os animais são chamados ''wai-bükürã'', "peixes maduros"; e, logicamente, entre eles estão os seres humanos, seres que estão a meio-caminho entre os "peixes-espíritos" que eram antes e os "espíritos-pássaros" que se tornarão.
 
 
A história do ancestral-Anaconda é uma narrativa sagrada sobre os primórdios e, provavelmente, uma versão das migrações históricas dos povos Tukano. Também pode ser entendida como uma história sobre a ecologia, sobre as migrações anuais rio acima de peixes amazônicos que vêm desovar nas cabeceiras; e uma história sobre a reprodução humana, que também envolve uma penetração ascendente, no sentido "Leste-Oeste", rumo a uma "porta da água", num fluxo ascendente de sêmen, e uma passagem do mundo aquático do ventre para o mundo seco da existência humana na terra. Não é de se admirar então que "nascer" é ''hoe-hea'' (em barasana), que significa "atravessar rumo a um nível mais alto". Mas o nascimento também envolve um movimento de descida pelo canal do corpo feminino - cosmologicamente um movimento do Oeste para o Leste e, em termos sociais, um movimento da mãe para o pai ou das mulheres para os homens.
 
 
Para entender esses movimentos, porém, é preciso começar pela morte. Alguns índios do Uaupés, os Kubeo em particular, encenam rituais elaborados de luto em que dançarinos com máscaras pintadas e feitas de casca de árvore se tornam peixes, animais, e outros seres da floresta para dar boas-vindas à alma do morto no mundo dos espíritos. Mas o enterro tukano em si é um evento simples: a cova é o chão da maloca e o caixão uma canoa cortada ao meio. Esse sepultamento simples é o prelúdio para um futuro nascimento.
 
 
Os tukano compartilham uma noção de reencarnação segundo a qual, quando uma pessoa morre, um aspecto de sua alma volta para a "casa de transformação", local de origem do grupo. Depois, a alma volta ao mundo dos vivos encarnada em um recém-nascido que recebe o seu nome. As pessoas recebem o nome de um parente recentemente falecido do lado paterno, o avô paterno para um menino ou a avó paterna para uma menina. Cada grupo possui um conjunto limitado de nomes pessoais que vão sendo retransmitidos a cada geração. O aspecto visível dessas "almas-nomes" são os cocares de penas usados pelos dançarinos, que também são enterrados com os mortos. O rio do "mundo inferior" é descrito como repleto de ornamentos, assim como na história de origem os espíritos dentro da canoa-Anaconda tiveram a forma de ornamentos de dança.
 
 
Sepultadas em canoas, as almas dos mortos caem para o rio do "mundo inferior". De lá, são levadas pela correnteza do rio subterrâneo para o Oeste e às regiões rio acima deste mundo. As mulheres não dão à luz na maloca, mas numa roça no interior da floresta, rio acima e atrás da casa - também ao Oeste. O recém-nascido é primeiramente lavado no rio e depois levado para dentro da maloca pela porta traseira, a "porta das mulheres". Confinado dentro da casa por cerca de uma semana com seu pai e mãe, ele é então banhado de novo no rio e recebe um nome. Assim, em termos cosmológicos, os bebês de fato vêm das mulheres, da água, do Oeste.
 
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== Pessoas, animais e objetos ==
 
 
Um componente crucial das idéias religiosas tukano são as relações entre os seres humanos, os animais e a floresta.
 
 
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|Índio Tukano no Rio Uaupés. Foto: Acervo Museu do ìndio, 1928.
 
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''Masa'' (em barasana), a palavra para "gente", é um conceito relativo. Pode se referir a um grupo em contraposição a outro, a todos os tukano em contraste a seus vizinhos, a índios ''versus ''brancos, a seres humanos ''versus ''animais e, finalmente, a coisas vivas, inclusive árvores, ''versus ''objetos inanimados. Em discursos míticos e xamânicos, os animais são gente e habitam mundos aparentemente semelhantes ao mundo dos seres humanos: vivem em comunidades organizadas em malocas, plantam roças, caçam e pescam, bebem caxiri, usam ornamentos, participam de festas inter-comunitárias e tocam seus próprios Yurupari (flautas sagradas que representam os primeiros ancestrais).
 
 
Todas as criaturas que podem ver e ouvir, que se comunicam com os do seu grupo e que agem intencionalmente são "gente" - mas gente de espécies diferentes. São diferentes porque têm corpos, costumes e comportamentos diferentes e vêem as coisas de perspectivas corporais distintas. Assim como as estrelas vêem os humanos como espíritos mortos, os animais vêem themselves as humans and see os humanos como animais. Aos olhos do urubu, quando os humanos vão pescar, eles pescam cadáveres apodrecendo e fisgam tapuru (conhecido como "bicho de pau"); aos olhos do jaguar, os humanos são predadores perigosos que bebem sangue como se fosse caxiri; para os peixes, para quem a água é seu "ar", é impressionante que os humanos não saibam respirar "debaixo da água". Os humanos, por sua vez, logicamente vêem as coisas de outra perspectiva.
 
 
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|Índios Bara no Alto Papuri. Foto: Jean Jackson, 1969.
 
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Se o denominador comum de todas essas "gentes" é a sua subjetividade e para elas, na condição de sujeitos, seu próprio modo de vida é aquele da cultura humana, as diferenças entre tais "gentes" repousam em seus diferentes corpos: em sua forma, cor, sons, hábitos corporais e dieta.
 
 
Essas diferenças estão culturalmente representadas em diferentes gêneros alimentícios de uso ritual, tais como coca, tabaco e a ayahuasca, bem como tintas corporais distintas, ornamentos e roupas, ou como diferentes armas e equipamento ritual. Os índios se referem a todos esses itens como ''küni-oka'', "armas ou escudos", idéia que faz lembrar os uniformes de exército com seus brasões - ao mesmo tempo identidade, vestimenta e arma de defesa. Nessa lógica, as diferenças entre os grupos humanos são representadas como naturais e inerentes. Conceitualmente, os vários grupos tukano constituem tantas "espécies" diferentes quanto as múltiplas espécies animais são "povos" diferentes.
 
 
Na vida cotidiana, as pessoas enfatizam sua diferença dos animais, mas no mundo dos espíritos, ao qual se tem acesso pelos rituais, pelo xamanismo, pelos sonhos e pelas visões de ayahuasca, as perspectivas se fundem, as diferenças são abolidas, o passado é presente, e pessoas e animais voltam a ser um. Isto tem importantes repercussões práticas, pois, onde os animais são pessoas, caçá-los e ingerir sua carne é equivalente à guerra e canibalismo. Muitas doenças são assim diagnosticadas como a vingança dos animais que os humanos matam e comem. O risco advindo dos animais é proporcional a seu tamanho e habitat: as antas são mais perigosas do que os macacos, os animais terrestres são mais perigosos do que os peixes, e peixes grandes mais perigosos do que os pequenos.
 
 
O perigo também está relacionado ao contato com o domínio metafísico. Um nascimento neste mundo provoca ressentimento entre os espíritos-animais - para eles, representa uma morte. Os bebês humanos, recém-migrantes do mundo dos espíritos, não estão ainda firmemente ancorados a seus corpos e, portanto, precisam ser protegidos das antas ciumentas que ameaçam ingeri-los através de seus ânus - um nascimento ao avesso. Enquanto visitantes do mundo dos espíritos, as mulheres menstruadas e os homens que tomam parte nos rituais ganham temporariamente ''status ''de criança e devem restringir sua dieta, evitando alimentos perigosos. Para cozinhar o peixe ou a carne com segurança, um xamã deve primeiro soprar encantações para remover os seus "escudos de proteção" ou "armas" (tintas, peles, dentes, espinhos, escamas e outros atributos corporais identificados aos animais ou peixes) que podem comprometer a identidade especificamente humana do consumidor.
 
 
As qualidades de personificação, subjetividade e intencionalidade que os índios aplicam aos animais e os peixes também se estendem ao cosmos como um todo. Os mitos dos povos do Uaupés também são mitos sobre a paisagem, cujos traços distintivos - as serras e montanhas, os rios, as rochas e cachoeiras -, têm nomes que evocam as histórias de sua criação ancestral. Viajar por terra ou canoa é seguir essas histórias e compartilhar os atos de criação descritos por elas. Muitas histórias contam sobre as antigas migrações, atribuindo à paisagem uma dupla dimensão - a dos atos primordiais de criação e a dos atos mais recentes, como a construção de casas e abertura de roças.
 
 
Os poderes de criação ancestral incutidos na paisagem se estendem às plantas, peixes, animais e seres humanos que a habitam e também aos objetos confeccionados a partir dos materiais que dela provêm. Nos mitos, os objetos cotidianos tais como canoas, bancos, cestos e potes, emergem como seres animados e autônomos - como visto, do mesmo modo que os animais podem ser gente, as malocas podem ser os corpos dos ancestrais ou daqueles que as construíram. Os objetos confeccionados condensam dois tipos de potência: os poderes de sua matéria-prima e as habilidades e intenções de seus fabricantes. Conseqüentemente, o processo de fabricação dos objetos tem uma importante dimensão religiosa. Durante os ritos de iniciação, os homens e mulheres jovens são sistematicamente treinados na confecção de artesanato, um treinamento que é a um só tempo intelectual, espiritual e técnico. Fazer artesanato é concomitantemente confeccionar a si mesmo e o mundo, numa forma de meditação que traz à tona as interconexões entre objetos, corpos, casas, e o universo.
 
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== Especialistas religiosos ==
 
 
Entre os Tukano, a religião não é concebida como um domínio discreto, mas sim como uma dimensão de todo conhecimento, experiência e prática. Isso também se explica porque a vida numa paisagem impregnada de poderes ancestrais e onde a vida cotidiana tem uma dimensão extraordinária e metafísica é potencialmente perigosa. Para sobreviver e prosperar, bem como assegurar o bem-estar de si e de sua família, todos os adultos precisam de alguma habilidade para manejar e controlar as forças de criação e destruição que os cercam. Os conhecimentos técnicos e metafísicos não possuem fronteiras precisas. Os homens adultos devem conhecer tanto os recursos naturais do território quanto suas propriedades espirituais, combinando afazeres rotineiros com procedimentos rituais, com competência tanto para caçar e pescar quanto para fazer encantações para que a carne e o peixe possam ser comidos com segurança. De modo semelhante, as mulheres, "mães da alimentação" cujos tubérculos de mandioca são "filhos", devem controlar a esfera material e espiritual de produção e reprodução de suas roças, cozinhas e corpos, como uma totalidade integrada.
 
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|Índios Tukano. Foto: Renato Aguirre, 1988.
 
|http://img.socioambiental.org/d/209298-1/uaupes_14.jpg
 
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Na Amazônia, freqüentemente se referem aos especialistas rituais com poderes especiais e acesso a conhecimentos esotéricos como "xamãs", rótulo que pode tanto confundir como revelar. Como indicado, para agir com êxito todos os homens adultos devem ser em alguma medida xamãs. Aqueles que são reconhecidos publicamente como tal têm maior conhecimento ritual e uma habilidade especial para "ler" o que está por trás das narrativas sagradas, optando por desenvolver habilidades e conhecimento em favor dos outros, sendo reconhecidos como especialistas. Assim, os "xamãs" são aqueles que se destacam dos demais - mas sempre há outros esperando nos bastidores.
 
 
Um segundo aspecto está relacionado ao gênero. Com raras exceções, os especialistas rituais são homens - mas a capacidade das mulheres de menstruar e gerar filhos é considerada como o equivalente feminino ao poder dos homens sobre os ornamentos de penas e os ''Yurupari''. Assim, é possível dizer que se os homens adquiram as suas habilidades xamânicas através da cultura, as mulheres já são "xamãs" por natureza. Não é de se admirar então que, na mitologia tukano, o Povo do Universo, os heróis ancestrais que abrem o caminho para a criação da humanidade, sejam gerados por uma divindade feminina que os Barasana chamam de ''Romi Kumu'' ou "Mulher Xamã"; conhecida como "A Velha da Terra" (''Ye'pa Büküo, Yeba Büro'') em Tukano e Desana.
 
 
Finalmente, o rótulo "xamã" nubla uma distinção importante entre dois especialistas rituais, os ''yai ''e os ''kumu''. Os ''yai ''correspondem ao xamã típico da Amazônia ou o pajé. Suas principais tarefas envolvem lidar com as pessoas e o mundo dos animais e da floresta. Ele desempenha um papel importante na caça por soltar os espíritos dos animais das suas casas nas serras, atividade potencialmente perigosa, que pode demandar compensações no mundo humano como a conversão da vida em morte. O pajé é um especialista na cura de moléstias causadas pela feitiçaria de criaturas vingativas e seres humanos ciumentos, doenças que tipicamente se manifestam como espinhos, cabelo, e outros objetos alojados no corpo. A cura se dá jogando água sobre o corpo do paciente ou soprando-lhe fumaça de tabaco e depois manipulando-o com as mãos, mas sempre envolvendo a sucção de objetos ou substâncias do corpo do paciente.
 
 
''Yai ''significa "jaguar", termo que dá alguma indicação do status do pajé na sociedade tukano. O Jaguar é um animal poderoso e potencialmente perigoso, assim como aqueles que têm poder e conhecimento para agir contra a feitiçaria podem também praticá-la. Um pajé é considerado "bom" ou "mal" dependendo se ele é um parente ou vizinho de confiança. O termo ''yai ''também tem conotação de selvageria e descontrole, que alude à posição marginal de muitos pajés e ao caráter individual e idiossincrático de seus poderes, freqüentemente associados ao uso de alucinógenos.
 
 
Embora tanto o ''yai ''como o ''kumu ''sejam especialistas, o ''kumu ''é mais um sábio e sacerdote do que propriamente um xamã. Seus poderes e autoridade são baseados no conhecimento exaustivo da mitologia e dos procedimentos rituais, resultado de anos de treinamento e prática. Conseqüentemente, aqueles que são reconhecidos como ''kumu ''geralmente são homens mais velhos, cujos pais ou tios paternos muitas vezes tinham o mesmo status.
 
 
Como homem experiente e sábio, o ''kumu ''comumente é também um líder político de sua comunidade e com autoridade considerável sobre uma área mais ampla. Comparados ao yai, figura por vezes moralmente ambígua, o ''kumu ''goza de um status mais alto e um maior grau de confiança, fundamentada em seu papel ritual proeminente.
 
 
O ''kumu ''desempenha um papel importante na prevenção de doenças e infortúnio. Ele é um especialista na arte de soprar encantações sobre a carne de peixe e animais para converter a sua substância em uma forma similar ao vegetal. Tem papel proeminente nos ritos de passagem, realiza as principais cerimônias por ocasião do nascimento, iniciação e morte, transições que asseguram a socialização do indivíduo e a passagem das gerações, assim como ordena as relações entre os ancestrais e seus descendentes vivos. É o ''kumu ''que nomeia os bebês recém-nascidos e é ele que conduz os ritos de iniciação, públicos e coletivos, para os jovens e os ritos mais individuais e privados realizados quando moças atingem a idade de puberdade. Tais transições envolvem um contato necessário e potencialmente benéfico entre os vivos, os espíritos e os mortos. Esse contato pode ser perigoso e é o ''kumu ''que assume a responsabilidade de proteger as pessoas. Para aqueles que gozaram da proteção de um ''kumu ''durante o seu nascimento ou iniciação, ele é seu guu ou "tartaruga", em alusão à carapaça dura e protetora desse animal.
 
 
A outra importante função do ''kumu ''é presidir as festas de dança, as festas de caxiri e intercâmbios cerimoniais, e de conduzir e supervisionar os rituais em que se tocam os instrumentos de ''Yurupari'', rituais que envolvem um contato direto com os ancestrais mortos. Aqueles que participam desses rituais colocam as suas vidas nas mãos do ''kumu ''e é somente os mais sabidos e respeitados que são encarregados desse papel. Do mesmo modo, patrocinar tais rituais significa reivindicar reconhecimento como ''kumu''.
 
 
Como "gente" e parte integrante de um cosmo vivo, os seres humanos, os animais, as plantas e os peixes participam de um mesmo sistema, que é engajado e revitalizado durante os rituais de ''Yurupari''. Esses rituais fomentam a reprodução das plantas e dos animais, asseguram o ordenamento normal das estações e a fertilidade contínua da natureza. Ao supervisionar e promover esses rituais, os ''kumus'' mais importantes chegam a incorporar os poderes e identidades de Yeba Hakü, o "Pai do Universo", de ''Romi Kumu'', "''Kumu ''Mulher" e de ''Yurupari'', fonte e espírito da vida vegetal. Como mestres do ritual, eles mesmos se tornam criadores.
 
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== Ritual ==
 
 
O ciclo anual é pontuado por uma série de festas coletivas, cada uma com seus cantos, danças e instrumentos musicais apropriados, que marcam eventos importantes do mundo humano e natural - nascimentos, iniciações, casamentos e mortes, a derrubada e o plantio de roças e a construção de casas, as migrações dos peixes e pássaros, e a disponibilidade de frutas silvestres e outros alimentos colhidos. Essas assembléias rituais são denominadas "casas", termo que significa ao mesmo tempo um evento ritual, um grupo de pessoas e um mundo simbólico.
 
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|Índios Tukano. Foto: Curt Nimuendaju, década de 1930.
 
|http://img.socioambiental.org/d/209301-1/uaupes_15.jpg
 
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As festas assumem três formas básicas: caxiris (festas de cerveja), dabukuris ou intercâmbio cerimonial, e os ritos de ''Yurupari ''envolvendo flautas e trombetes sagrados. Os caxiris são fundamentalmente ocasiões sociais quando uma comunidade convida os seus vizinhos a dançar e beber caxiri, às vezes como um agradecimento pela sua ajuda na abertura de uma roça ou na construção de uma casa nova, às vezes para marcar a nomeação de uma criança, o casamento de uma mulher, ou a etapa final de iniciação dos meninos, e às vezes somente por divertimento e reforço dos laços sociais. Os convidados são os principais dançarinos, e em troca de suas danças, os anfitriões lhes oferecem grandes quantidades de caxiri preparado pelas suas mulheres.
 
 
Com cocares de penas e outros ornamentos, os dançarinos dançam a noite inteira em volta do recipiente (cuja forma é semelhante a uma canoa) de caxiri, que constitui o foco central da celebração; é uma questão de honra que todo o caxiri seja consumido antes dos visitantes partirem pela manhã. Há dois tipos de danças, ou relativamente lentas, no caso de danças formais em que os homens se dispõem em uma linha entrecruzada por mulheres, ou danças mais rápidas e menos formais em que cada dançarino dança sozinho, tocando um conjunto de flautas de pã como parte de um coro, e competindo com os outros para atrair a parceira de sua escolha. Entre essas sessões de dança, os anfitriões e convidados se sentam frente a frente e trocam presentes como coca e charutos, enquanto recitam as suas genealogias em cânticos coletivos conduzidos por um especialista. O kumu se senta à parte, soprando encantações sobre cuias de coca, tabaco e ayahuasca; então as oferece aos participantes para protegê-los e permitir aos dançarinos que vejam e experimentem em suas danças as viagens dos primeiros ancestrais e os eventos míticos que os seus cantos e cântico relatam.
 
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|Dabukuri entre os tukano. Foto: Renato Aguirre, 1988.
 
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Os caxiris podem envolver comunidades de irmãos e cunhados, já os dabukuris são, sobretudo, ocasiões que celebram e reforçam os laços de matrimônio e afinidade. As dádivas são dadas em nome de um homem para seu cunhado ou sogro: no mito barasana da origem do dabukuri, cujos personagens são Yeba Yamira (ver item "Aspectos cosmológicos"), a dádiva era do Yeba para seu sogro Anaconda Peixe. O ritual começa com a chegada dos convidados ao anoitecer. Tratados como estranhos e inimigos potenciais pelos seus anfitriões, eles não entram na maloca, dançando e cantando por iniciativa própria do lado de fora. De manhã, eles desfilam dentro da maloca vestidos com elegância e soprando trombetes de cerâmica ou embaúba. Apresentam suas dádivas aos seus anfitriões e então iniciam uma dança que continuará o dia inteiro e a noite também. Os anfitriões se mantém distantes, continuam lhes servindo caxiri, mas enquanto o dia vai se passando, eles se misturam cada vez mais com os convidados, dançando e cantando junto com eles, quebrando assim as barreiras que foram estabelecidas, de forma dramática, no começo do ritual. Pela manhã, quando a dança termina, convidados e anfitriões comem em uma enorme refeição comunal, como se fossem uma comunidade única e integrada.
 
 
Esses intercâmbios têm uma dupla lógica e movimento: a curto prazo, os convidados dançam e oferecem peixe ou carne em troca do caxiri fornecido pelos anfitriões; a longo prazo, as comunidades trocam um tipo de produto por outro - peixe por carne ou carne por peixe - e alternam os papéis de anfitrião e convidado. Ambos os casos estão relacionados a matrimônio, o primeiro refletindo a troca de carne ou peixe por produtos de mandioca (o beiju e o caxiri) entre marido e mulher; o segundo refletindo a troca de diferentes tipos de mulheres entre os grupos ligados por inter-casamentos. Em termos cosmológicos, essas trocas estão intimamente ligadas aos ciclos de procriação e à disponibilidade sazonal de espécies de peixes e animais. As danças remetem não apenas às dramatizações e movimentos relativos a peixes e pássaros migrantes, como garantem a fertilidade continuada da natureza e a disponibilidade de espécies das quais dependem.
 
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|Dabukuri entre os tukano. Foto: Renato Aguirre, 1988.
 
|http://img.socioambiental.org/d/209307-1/uaupes_17.jpg
 
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Os rituais envolvendo os instrumentos musicais sagrados de ''Yurupari ''são a expressão mais plena da vida religiosa dos índios, pois englobam e sintetizam vários temas-chave: ancestralidade, descendência e identidade grupal, sexo e reprodução, relações entre homens e mulheres, crescimento e amadurecimento, morte, regeneração e integração do ciclo de vida humano com o tempo cósmico. Em relação de complementariedade com os dabukuris, esses rituais são concernentes à identidade masculina e às relações intra-grupais em oposição ao casamento e às relações inter-grupais; do mesmo modo, dizem respeito à fertilidade das árvores e plantas em oposição aos ciclos de vida dos animais.
 
 
As flautas e os trombetes de tronco de palmeira pertencentes a cada grupo são uma entidade ao mesmo tempo única e múltipla: o ancestral do grupo e seus ossos aos pares, que são também seus filhos; e os ancestrais dos clãs componentes do grupo. Quando os instrumentos estão juntos e são tocados, o ancestral volta à vida, de modo que aqueles que os tocam assumem as identidades dos ancestrais clânicos e entram em contato direto com seus respectivos pais (originários). Esse processo anula a separação vigente entre passado e presente, mortos e vivos, ancestrais e descendentes, restabelecendo a ordem primordial dos mitos de origem. Os ritos normalmente envolvem um clã ou o segmento de um clã, que age como um grupo isolado e assim pode estabelecer a sua identidade enquanto unidade coletiva indiferenciada em contraposição ao mundo de fora, mas segmentada internamente por uma hierarquia ordenada.
 
 
Os instrumentos ''Yurupari ''somente podem ser vistos e manuseados pelos homens adultos. De acordo com os mitos, originalmente eram as mulheres quem possuíram as flautas enquanto os homens se encarregavam do processamento da mandioca e outras tarefas femininas. Os mitos acrescentam outro detalhe importante: quando as mulheres tinham a posse das flautas, os homens menstruavam e, quando tiraram as flautas delas, fizeram com que as mulheres menstruassem. Esses mitos, e os rituais que os dramatizam, podem ser entendidos como um discurso complexo e ambíguo sobre os respectivos poderes e capacidades de homens e mulheres, tal como aquele que se refere aos poderes xamânicos femininos, já mencionados. Isso implica que os órgãos reprodutivos e as capacidades reprodutivas complementares de homens e mulheres, isto é: as suas "flautas", são simultaneamente idênticas e opostas, iguais e desiguais, invertidas e equivalentes.
 
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|Índios Bara no Alto Papuri. Foto: Jean Jackson, 1969.
 
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Há dois tipos de ritual de ''Yurupari'', um evento anual mais sacralizado e elaborado que marca o começo do ano, e o outro realizado periodicamente durante o ano para marcar a maturação de diferentes espécies de frutos de árvores. No segundo, os homens de uma comunidade presenteiam os de uma outra - geralmente os seus irmãos - com grandes quantidades de frutos silvestres, trazendo-os para o interior da casa acompanhados dos sons berrantes dos trombetes enquanto as mulheres e crianças permanecem atrás de telas nos fundos. Ao anoitecer, as telas são removidas e as mulheres voltam a se juntar aos homens. Eles dançam a noite inteira até amanhecer e então distribuem os frutos entre os presentes.Os mais grandiosos ritos de ''Yurupari'', quando instrumentos diferentes e mais sacralizados são tocados, estão vinculados aos movimentos do sol e da constelação de Plêiades, realizando-se no final do verão e começo da estação chuvosa, que é a época em que abundam os frutos do mato. Eles elaboram ainda mais os temas de crescimento, maturação e periodicidade, bem como a integração entre os ciclos temporais humanos e cósmicos, mas aqui o enfoque imediato está no crescimento e amadurecimento de jovens que passam por um processo de iniciação que os conduz a sua integração como adultos no grupo.
 
 
No começo do ritual, os meninos são apartados de suas mães e trazidos para a extremidade masculina da casa, longe da vista das suas mães, que são confinadas na parte traseira. Sob o cuidado de guardiões rituais e um kumu oficiante, recebem ayahuasca para beber e são-lhes mostrados os instrumentos ''Yurupari ''pela primeira vez, enquanto eles ficam sentados imóveis e agachados como fetos no chão. À medida que os instrumentos são tocados sobre as suas cabeças, corpos e genitais, os rapazes são chicoteados pelos kumu nos seus corpos e pernas, ações que transmitem a vitalidade e as forças espirituais dos ancestrais e fazem com que os meninos cresçam resistentes, fortes e viris. Os homens dão então um banho nos meninos junto com os instrumentos no rio, despejando água das flautas sobre as cabeças dos iniciados. Essa ação alude ao ancestral Anaconda vomitando as primeiras pessoas da sua boca - e também ao primeiro banho dos bebês depois de nascer, como descrito anteriormente. Mas dessa vez o nascimento é um renascimento orquestrado pelos homens mais velhos e, como o ancestral Anaconda que entrou no mundo através da "porta da água" no Leste, os iniciandos renascidos agora entram na casa pela porta dos homens. No final do ritual, os iniciandos permanecem em reclusão por um mês em um compartimento especial longe da vista das mulheres. Rigidamente supervisionados pelo kumu, eles tomam banho todos os dias, observam uma dieta rigorosa e aprendem a fazer cestos. A reclusão termina com uma grande dança. Como sinal de que estão prontos para se tornarem maridos e pais, os iniciandos presenteiam com os seus cestos as suas parceiras femininas, que pintam os corpos deles com tinta vermelha em retribuição.
 
 
Como muitos ritos de iniciação, este é repleto de símbolos de morte, renascimento e regeneração. No começo do ritual, os meninos são pintados de preto e ritualmente "mortos" com doses de rapé de tabaco; após seu renascimento no rio, são mantidos em reclusão como bebês recém-nascidos, então emergem para serem pintados de vermelho. No mito associado ao ritual, ''Yurupari'', na forma de anaconda, engole os iniciandos, os digere dentro de sua barriga (cujo equivalente no ritual é o período de reclusão), então os devolve a seus pais, vomitando-os como ossos. Para puni-lo, os pais incendeiam ''Yurupari ''para que ele morra. Mas ele não morre: sua alma sobe ao céu e de suas cinzas nasce uma palmeira, protótipo das frutas da floresta e matéria-prima dos instrumentos ''Yurupari''.
 
 
Como na agricultura de coivara, na qual a fertilidade e a vida humana vêm da queima anual da floresta, esse conjunto de mito e ritual significa que vida e morte se sucedem como as estações, que os humanos mortais alcançam a imortalidade através de seus filhos, que a periodicidade das mulheres é como a das estações, que o crescimento dos homens e das árvores resultam de um único processo, e que, no final das contas, a fertilidade dos seres humanos e do cosmos estão interligadas em um grande sistema. Ao expandir a maloca a proporções cósmicas, ao abolir as separações entre os seres humanos e o mundo dos espíritos, e ao articular as capacidades reprodutivas de homens e mulheres, os rituais de ''Yurupari ''englobam e colocam em movimento boa parte da cosmologia acima esboçada.
 
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== Missionários, colonos e a modernidade ==
 
 
A história de contato dos povos do Uaupés com os não indígenas é muita antiga, bem anterior ao grande auge da borracha na virada do século XX, remetendo às incursões maciças dos portugueses em busca de escravos na primeira metade do século XVIII. Embora o impacto desses raptores e o contato traumático e duradouro com os seringalistas, esses comerciantes estavam mais interessados nos corpos dos índios do que nas suas almas; em termos religiosos, e talvez em termos sociais também, foram os missionários que provocaram as maiores transformações.
 
 
A penetração efetiva dos missionários começou ao final do século XIX, com a chegada dos Franciscanos. Estes, e os Salesianos que os seguiram, viram a cultura dos povos do Uaupés através das lentes de suas próprias categorias religiosas: as malocas dos índios eram consideradas "antros licenciosos e promíscuos", as suas festas de dança ocasiões de "indecência e embriaguez", os pajés eram "charlatões" que aliciavam o povo, e o culto de ''Yurupari ''nada mais era do que o "culto ao Diabo" em pessoa. Sem conhecer e sem a mínima intenção de saber o quê essas coisas realmente significavam, os missionários começaram a destruir uma civilização em nome de outra, queimando as malocas dos índios, destruindo os seus ornamentos de penas, quebrando seus recipientes de caxiri, perseguindo os pajés e expondo os ''Yurupari ''às mulheres e crianças reunidas na igreja.
 
 
Enquanto os padres atacavam os fundamentos da cultura indígena, transformaram as suas sociedades, encurralando as pessoas em vilas com casas rigidamente ordenadas, uma para cada família, e removendo à força seus filhos para serem educados nas escolas ou internatos. Sob o regime estrito dos internatos, as crianças foram ensinadas a rejeitar os valores e os modos de vida dos seus pais, incentivadas a casar-se dentro de seus próprios grupos, e proibidas de falar as línguas que lhes conferiam identidades múltiplas e interligadas. Para os missionários, somente uma identidade importava, a identidade indígena genérica, que impedia o progresso da "civilização".
 
 
Como reação inicial contra a exploração pelos comerciantes, as pressões dos missionários e as epidemias que dizimaram a população indígena, irrompeu uma série de movimentos milenaristas na região do Uaupés durante a segunda metade do século XIX. Vestindo-se de padres e identificando-se com Cristo e os santos, os pajés-profetas conduziram o povo na "Dança da Cruz", uma fusão dos rituais de caxiri e dabukuri tradicionais com elementos do catolicismo, que prometiam a libertação da opressão dos brancos e o alívio dos "pecados" que acreditavam ser a causa das epidemias.
 
 
Se os missionários foram rechaçados por seus ataques contra a cultura indígena, também foram bem recebidos como fonte de bens manufaturados, como defensores dos índios contra os piores abusos dos seringalistas e como provedores da educação que as crianças indígenas precisariam para se sair bem nas novas circunstâncias. Dos anos 1920 em diante, os Salesianos estabeleceram uma cadeia de missões pela região no lado brasileiro da fronteira, alcançando o alto Tiquié no começo dos anos 40 e destruindo a última maloca nos anos 60. Hoje, a despeito do número crescente de evangélicos, a maioria dos índios do Uaupés se considera católico. Enquanto aumenta cada vez mais o número de pessoas que estão deixando suas aldeias para ir a São Gabriel em busca de educação e emprego, a vida nas malocas e a rica diversidade ritual que a acompanhava persiste agora somente na memória dos mais velhos.
 
 
Nos povoados, um centro comunitário substituiu a maloca como foco de atividades coletivas. O centro serve ao mesmo tempo para as orações matutinas conduzidas por um Capitão e catequista, e para as refeições comunitárias, caxiris e dabukuris que marcam eventos importantes nas vidas dos aldeões: expedições de pesca, trabalho coletivo em projetos comunitários, os dias de santo do calendário católico, formaturas escolares, eventos esportivos, reuniões políticas etc. Transformações das antigas festas, esses caxiris e dabukuris de hoje em dia ainda incluem danças e bebidas - mas as danças não são mais acompanhadas pela música nativa e as flautas de pã, mas sim pelo forró e, ao invés da relativa moderação do passado, a cachaça é livremente consumida e seu freqüentemente consumo leva a discussões e brigas. Com níveis crescentes de alcoolismo, a embriaguez que os missionários imaginavam ver nas festas tradicionais hoje tem se tornado uma realidade cruel da civilização que os missionários trouxeram consigo.
 
 
No lado colombiano, sob o regime dos Monfortianos, o policiamento e a inserção dos missionários foram muito parecidos às dos Salesianos mas, no final dos anos 50, os Monfortianos foram substituídos pelos mais liberais Javerianos. Estes eram identificados com a nova Teologia da Libertação, que pregava a tolerância com a cultura indígena e acomodação com seus valores e crenças; isto, junto com o isolamento da região, explica porque os habitantes do Pira-Paraná ainda conseguem conservar boa parte da sua religião tradicional e do seu modo de vida. No lado brasileiro, a mudança foi mais lenta, mas, depois que a os Salesianos foram denunciados no Tribunal Russell em 1980 pelo crime de etnocídio, eles finalmente começaram a adotar uma linha mais liberal e progressista.
 
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Gain Panan : e a origem da pupunheira. Dir.: Luiz Fernando Perazzo. Filme Cor , 35 mm, 9 min. e 36 seg., 1995. Prod.: Laboratório de Animação/CPM da Escola de Comunicação da UFRJ.
 
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Edição das 19h33min de 18 de agosto de 2020

Os Arapaso são um povo da família linguística Tukano Oriental localizados na no Médio Uaupés, na região do Alto rio Negro, Noroeste amazônico. Em consonância com o padrão de organização social característico dos povos Tukano da região, os Arapaso são um grupo exogâmico, casando-se majoritariamente com membros do povo Tukano, e de descendência unilinear, sendo seus filhos e filhas pertencentes à etnia do pai. A mito-história arapaso é marcada por conflitos interétnicos e coloniais que ameaçaram mais de uma vez o grupo de extinção – e levaram, inclusive, à perda de sua língua original. Atualmente, são falantes da língua tukano, a mesma da maioria de suas esposas e cunhados. Embora sua presença na bibliografia etnográfica da região seja residual, os Arapaso guardam conhecimentos míticos e históricos caros ao sistema multiétnico rionegrino, e são lembrados por seus vizinhos e cunhados como um importante grupo de antigos guerreiros, e dominavam um extenso território do rio Uaupés.


Nome

Segundo o mito de origem dos Arapaso, ao chegar nas cachoeiras de Ipanoré, no rio Uaupés, a grande cobra-canoa de transformação (Pamuri-Yukese, em tukano), que trazia a primeira humanidade como num submarino, deparou-se com uma parede de pedra que a impedia de emergir. Então, o antepassado dos Arapaso, munido de uma longa lança, furou a pedra para que a canoa pudesse passar. Por esse ato, o grupo recebeu o apelido de “arapaçu”: nome de uma família de pássaro, mas que em tukano refere-se ao pica-pau. Em tukano, língua franca da região, também são comumente chamados por seu apelido de pássaro: Ko’réa. Porém, em seus mitos e rituais, os Arapaso geralmente são referidos por seu nome de origem: Diá Mahsã (diá: rio, mahsã: gente).

Línguas

Crianças tuyuka. Foto: Aloisio Cabalzar, 2002.
Crianças tuyuka. Foto: Aloisio Cabalzar, 2002.

A língua arapaso não é falada há pelo menos um século, e sobre a mesma restou apenas o conhecimento de pouco mais que algumas palavras avulsas, tais como: mái (pai); e ihyõ (mãe). Tais palavras são lembradas até hoje pelos Arapaso e conferem com os registros do início do século XX apresentados por Alcionílio Bruzzi (1962). Dentre os possíveis fatores que teriam levado a língua arapaso à extinção, destacam-se as guerras interétnicas pré-coloniais (com forte presença nas tradições orais desse povo), e o impacto cultural e demográfico dos conflitos coloniais e da exploração da mão de obra forçada indígena durante os séculos XVIII e XIX. Atualmente, os Arapaso falam majoritariamente o tukano, não apenas por ser a língua franca da região do rio Uaupés, mas também por ser aquela de suas esposas, grande parte das quais da etnia Tukano. Muitos arapasos também falam o português e há ainda alguns que falam o nheengatu. Além disso, os Arapaso compartilham da estrutura social que caracteriza o sistema multiétnico rionegrino, na qual os casamentos costumam se dar entre pessoas de grupos diferentes que, na maioria das vezes, falam inclusive línguas distintas. Dessa maneira, as famílias arapaso são tradicionalmente multiétnicas e multilinguísticas, sendo comum seus membros falarem duas ou mais línguas.

Organização social e política

Os Arapaso fazem parte do mosaico de etnias que compõem o sistema do Alto rio Negro, no qual estão reunidos aproximadamente 27 povos distribuídos entre as famílias linguísticas Tukano Oriental, Aruaque e Nadehup. Trata-se de um emaranhado de relações de trocas materiais, matrimoniais e mítico-rituais que desenham um padrão cultural e de organização social partilhado por grande parte desses povos.

Para saber mais informações sobre o Noroeste Amazônico acesse o verbete especial sobre a região

Os Arapaso não fazem exceção a esse padrão. Assim como os demais, são um grupo exogâmico, o casamento entre membros do mesmo povo sendo tradicionalmente considerado incestuoso, assim como o casamento com certos povos considerados seus irmãos, como é o caso dos Pira-Tapuya. Apesar de haver exceções a essa regra, maior parte das trocas matrimoniais arapaso é feita, efetivamente, com membros do povo Tukano e Tariano, e se organizam de acordo com a terminologia dravidiana de parentesco – segundo a qual, idealmente, um arapaso deveria casar-se com uma de suas primas cruzadas, ou seja, com a filha do irmão de sua mãe ou a filha da irmã de seu pai (MBD e FZD, respectivamente). Tais trocas matrimoniais ordenam-se tradicionalmente de maneira virilocal, ou seja, as mulheres deixam suas casas para irem viver na comunidade de seus maridos. Por se tratar de povos patrilineares, os filhos e filhas desse matrimônio pertencerão, pois, à etnia do pai. Temos, portanto, que toda comunidade arapaso é multiétnica e, a princípio, composta principalmente de um grupo de irmãos agnáticos arapaso, vivendo com suas esposas (provenientes de outros povos) e suas irmãs solteiras (que, eventualmente, deixarão sua comunidade para morarem na de seus maridos). Ainda em conformidade com o padrão cultural dos povos da região, os Arapaso se subdividem em diferentes sibs dispostos hierarquicamente. Ou seja, cada grupo de irmãos agnáticos forma uma unidade com denominação, função e localização espacial próprias. Esses sibs se organizam hierarquicamente e analogamente à relação entre irmãos – o primogênito cumpre a função de chefe e assume a posição mais alta, enquanto o mais novo cumpre a função de servo e tem a posição mais baixa. Esta ordem também é associada à origem mítica de cada sib: seus ancestrais, que viajavam dentro do ventre de uma cobra-canoa, ao chegarem no rio Uaupés desembarcaram um por vez. O primeiro a descer foi o chefe e irmão mais velho, e assim por diante, até sair o caçula, ancestral do sib mais baixo. Embora atualmente a estrutura social dos Arapaso não corresponda termo a termo a esse modelo, ela segue muitas de suas orientações e princípios. Devido a acontecimentos mítico-históricos, alguns sibs arapaso se extinguiram, outros surgiram, e outros ainda se mudaram para longe da região. Além disso, a ordem, a origem e os conhecimentos de cada sib são assuntos que envolvem muitas controvérsias e podem variar consideravelmente da perspectiva de um grupo para outro. Até 2019, foram registrados ao menos 8 nomes de sibs arapaso: Siripid’rí; Kore’i Ma’ku; Umuheri; Dyau’ri; Ye’pama’ã; Ye’pami’í; Pinó Ku’tiro; e Diamo (ou Patupuri). Destes, o sib Pinó Ku’tiro foi declarado extinto após uma geração inteira ter tido apenas filhas mulheres – cujos descendentes, dado o sistema de descendência patrilinear, pertencerão à etnia do marido (ver Pederneiras, 2020). Tendo em vista os acontecimentos do último século, como a chegada dos missionários salesianos, o crescimento das cidades de São Gabriel da Cachoeira e Iauaretê, a instalação de militares do Pelotão de Fronteiras os grupos locais arapaso sofreram consideráveis mudanças estruturais, que infletiram em sua organização tradicional. A unidade local, que correspondia anteriormente à maloca – grande casa de arquitetura tradicional que comportava uma média de 10 a 12 famílias – foi transformada em comunidade multi-residencial, composta por casas familiares separadas, uma casa cerimonial compartilhada e, geralmente, uma capela cristã. Atualmente o líder de cada comunidade é chamado de capitão (herança do período militar) e a ele é atribuído o papel de intermediador, tanto das relações internas quanto externas ao grupo. Sua nomeação, todavia, não necessariamente respeita a ordem dos sibs, e depende do consenso de toda a comunidade. Em alguns casos, mudam periodicamente a pessoa responsável pelo cargo, como é o caso da comunidade arapaso de Loiro. Além do capitão, atualmente as comunidades arapaso tem um membro responsável por ministrar as missas católicas, legitimado pela autoridade salesiana local, e ainda outros que assumem o papel de representantes da comunidade nos movimentos indígenas (organizados em coordenadorias regionais da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN). Mesmo assim, não se deve inferir dessas transformações que a organização tradicional dos sibs arapaso tenha se tornado obsoleta, muito pelo contrário. A nova configuração das comunidades – com a introdução de autoridades relacionadas à igreja católica, com o estabelecimento da figura do capitão, e com a participação nos movimentos indígenas –, embora interfira diretamente na estrutura social e política desse povo, não se sobrepõe por completo às relações, funções e especialidades de seus sibs. Acontecimentos como os rituais tradicionais, por exemplo, são especialmente ilustrativos da coexistência desses diferentes planos de organização dos Arapaso.

População, localização e território

Fonte: Instituto Socioambiental.
Fonte: Instituto Socioambiental.

Segundo o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) de 2017, cerca de 200 arapasos viviam na área das terras indígenas do Alto e Médio Rio Negro, homologadas em 1998 e compartilhadas com mais outras 22 etnias das famílias Tukano, Aruaque e Nadehupe. A grande maioria dos Arapaso habita as comunidades de Paraná-Jucá, Loiro, Jibari e São José, na região do Médio rio Uaupés. Há ainda algumas famílias morando atualmente nos arredores das cidades de Iauaretê e São Gabriel da Cachoeira, e algumas poucas vivendo em Manaus. Segundo relatos mítico-históricos, os Arapaso foram um dos primeiros habitantes da região do Médio Uaupés e lá se mantiveram desde então, apontando das cachoeiras de Ipanoré até a Ilha de São João como seu território originário. Por sua paisagem são reconhecidos elementos e lugares sagrados, memorados em seus relatos míticos – como o buraco na pedra das cachoeiras de Ipanoré, por onde emergiu a cobra-canoa de transformação carregando a primeira humanidade; e a montanha-maloca invisível dos waimahsã, chamada wi'í turiro, onde uma mulher se envolveu com a cobra Bohsé Pinó e concebeu como filho a cobra Unurato. Por meio desses caminhos míticos desenhados na paisagem, os povos Tukano guardam sua memória social, relatam sua mito-história e reproduzem seu conhecimentos cosmológico, como se fizessem a vez da palavra escrita.

Atividades socioeconômicas

O profundo conhecimento dos Arapaso a respeito dos elementos da fauna e flora de seu território, transmitido por gerações, é cotidianamente colocado em prática e aprimorado na coleta de recursos da floresta, no cultivo da mandioca, na pesca e, mais eventualmente, na caça – atividades que compõem a rede de subsistência tradicional desse povo. As técnicas de pesca arapaso consistem principalmente no uso da malhadeira, do facheio e do cacurí (armadilha tradicional). Já a sua atividade venatória, que ocorre com menor frequência, consiste principalmente na caça com espingarda a caititus, queixadas, pacas e antas. O cultivo, majoritariamente de mandioca brava, envolve o manejo das capoeiras e a abertura de roças por meio de derrubada de árvores e da coivara. Cada família costuma administrar simultaneamente ao menos três roças: aquela na qual as manivas foram recém-plantadas estão em fase de crescimento; aquela na qual as manivas já foram plantadas há cerca de um ano e estão prontas para a colheita; e aquela recém-aberta e coivarada, onde está sendo feito o plantio das manivas. Em 2010, esse sistema de saberes e práticas de manejo dos espaços de cultivo dos povos do rio Negro, apresentado aqui de maneira muito resumida, foi reconhecido enquanto Patrimônio Cultural Brasileiro pelo IPHAN (Inscr. nº 20, de 11/05/2010). A dinâmica cotidiana arapaso envolve uma divisão do trabalho fortemente marcada pelo gênero, cabendo aos homens a pesca e a caça, enquanto as mulheres ficam encarregadas da roça e do preparo dos alimentos. Muitos indígenas apontam o arrefecimento dessa divisão nos últimos anos; porém, ainda que marido e mulher compartilhem mais dos trabalhos, a divisão de responsabilidades se mantém, evidenciada inclusive pela perceptível (e pontuada) diferença de seus conhecimentos em cada “área” – o reconhecido traquejo das mulheres no cultivo da mandioca, por exemplo, fazem delas indiscutivelmente as “donas da roça”. Além disso, alguns interditos orientados por gênero são vistos como essenciais à saúde do coletivo e ao bem-estar social. A menstruação feminina, por exemplo, torna as mulheres mais vulneráveis a doenças e a outros ataques dos seres da floresta, o que as torna mais suscetíveis aos perigos que espreitam as atividades de caça e pesca. Já a participação masculina em atividades femininas, em especial no preparo dos alimentos, é percebida como prejudicial para seu aprendizado de mitos e benzimentos (tradução do basesehé para o português, referente a uma série de práticas tradicionais de proteção e cura), imprescindíveis no cuidado de seus familiares.

Histórico de contato

Maloca na região do Uaupés. Foto: Acervo Museu do Índio, 1931.
Maloca na região do Uaupés. Foto: Acervo Museu do Índio, 1931.

A dificuldade em precisar o momento no qual os Arapaso vivenciaram o primeiro impacto do contato com os brancos provém, principalmente, do extenso sistema interétnico no qual participavam quando chegaram os colonizadores. Através de dados históricos e pesquisas arqueológicas, projeta-se uma enorme rede de relações que conectavam vários povos indígenas, da região do rio Negro até o Orinoco e Japurá-Solimões – rede esta evidenciada, inclusive, nos relatos acerca dos índios Manao do Baixo rio Negro que, no embate com os portugueses no final do século XVII, já se encontravam munidos com instrumentos e armas espanholas adquiridas via essa rede comercial que se estendia até as Guianas. Nesse sentido, quando estourou a guerra contra os Manao, no início do século XVIII, antes mesmo que os portugueses alcançassem a região do Médio Uaupés, os Arapaso já teriam testemunhado os impactos coloniais pela desarticulação do sistema do qual faziam parte. Especula-se, ainda, que o próprio grupo Arapaso teria se formado tal como é hoje (uma unidade exogâmica pertencente à família Tukano) nesse período de rearticulação do sistema multiétnico rionegrino, durante o qual muitos indígenas subiram o rio Negro para se refugiar da guerra contra os portugueses, ao mesmo tempo em que as redes de trocas estabelecidas com espanhóis e holandeses geravam conflitos internos aos grupos. Os primeiros relatos da entrada efetiva dos colonizadores portugueses no rio Uaupés, no entanto, diziam respeito às chamadas “tropas de resgate”: expedições do século XVIII que visavam, principalmente, a captura de escravos indígenas. Além desses “exploradores”, também chegaram os missionários carmelitas que, à sua maneira, se somaram às forças de deslocamento dos indígenas da região, ao impor os aldeamentos forçados. Os Arapaso, enquanto um dos primeiros grupos com os quais os colonizadores se depararam ao entrar no Uaupés, foram fortemente afetados por esses processos, que também recebem o nome de “descimentos” – em razão do trajeto traçado rio abaixo em direção às cidades ou entrepostos comerciais. Aqueles arapasos que conseguiam evitar o trabalho escravo eram levados para aldeias, onde eram submetidos também ao trabalho e à conversão católica. O fim do Diretório Pombalino, no final do século XVIII, e a passagem da Colônia para o Império, deixou um vazio legal na região do Alto rio Negro que demorou a ser preenchido. A primeira metade do século XIX no Médio Uaupés foi marcada pela ausência do Estado e o crescimento do endividamento dos povos da região – prática implicada no sistema de aviamento, que consistia em adiantar mercadorias à população indígena em troca de quantidades absurdas de produtos da floresta. Sempre endividados, os indígenas trabalhavam ininterruptamente para seus patrões, podendo, eventualmente, ser “vendidos” (ou seja, vender suas dívidas) para outros. A exploração forçada da mão-de-obra indígena no Médio Uaupés atingiu seu ápice durante o ciclo da borracha, no final do século XIX. As práticas de sequestro de familiares no meio da noite, de ataques às malocas, dentre outras tantas violências que marcaram esse período, são capitalizadas na figura de Manduca: popularmente lembrado como grande mandatário dessas atividades na região. As histórias arapaso sobre esse período são várias, e testemunham a constante ameaça de captura sob a qual viviam seus antigos, o que os levou a abandonar as margens dos grandes rios para viver em malocas no interior da floresta, onde não seriam facilmente encontrados por seringueiros. Nesse contexto de grande exploração e violência, que coincidiu com o abandono das missões carmelitas na região, eclodiram movimentos messiânicos que marcaram a segunda metade do século XIX no Alto rio Negro. Dentre eles, destaca-se o do profeta arapaso Vicente Cristo, conhecido como o pajé dos pajés. Ainda em Ipanoré, em meados do séc. XIX, Cristo aparece nos relatos de Henri Coudreau como grande influente na consolidação do núcleo missionário franciscano nesse local. Em 1883, porém, essa mesma missão foi interrompida violentamente com a expulsão dos freis pelos indígenas locais. Segundo relata Coudreau, os três freis da missão exibiram em púlpito das máscaras rituais do Jurupari, expressamente proibidas de serem vistas pelas mulheres. O profeta Vicente Cristo será mencionado novamente nos relatos do italiano Ermanno Stradelli (2009), dessa vez já em meados da década de 1880. Nesse período, o movimento encabeçado pelo pajé, agora estabelecido em uma grande maloca no interior do igarapé Japu, viveu seu maior esplendor. Além de ser reconhecido como um poderoso curandeiro, o profeta dizia falar com Tupana (referindo-se ao Deus cristão), a quem pedia a saída dos comerciantes da região, a libertação das dívidas, o fim do trabalho forçado e o envio de novos missionários. Por meio de sua palavra, Vicente Cristo liderou um enorme séquito na região do Médio Uaupés, inclusive um grande número de indígenas da etnia Hup’däh. Com o fim do ciclo da borracha no início do século XX, emergia uma nova fase “civilizadora”: a chegada dos missionários salesianos na região foi marcada pelo internato das crianças, a condenação das práticas tradicionais e a destruição das malocas, reconfiguradas em comunidades multi-residenciais. A rigidez do regime salesiano é rememorada nos relatos arapaso transmitidos por gerações, que contam sobre a proibição do uso de sua língua em prol do ensino do português nos internatos, a condenação de suas práticas de casamento (incentivando uniões consideradas tradicionalmente incestuosas) e a demonização dos conhecimentos e práticas dos antigos. O internato das crianças também implicou na interrupção da transmissão dos conhecimentos tradicionais, passados cotidianamente dos mais velhos para os mais novos e associado a cuidados que preparam o corpo para receber esses saberes. Esse descompasso geracional acarretou perdas até hoje muito sentidas pelos Arapaso. As imposições do regime salesiano durante seus primeiros anos na região tiveram profundos impactos na sociologia arapaso, que ainda não haviam se recuperado dos impactos populacionais e culturais das políticas de exploração dos séculos XVIII e XIX. Seus efeitos são perceptíveis nos relatos sobre eles datados do início do século XX: “Uma pequena tribo, em caminho de extinção, e até já perdeu o próprio idioma, falando exclusivamente o dos Tukano, é conhecida por Arapasu, termo da língua geral que indica um pequeno pica-pau” (Bruzzi, 1962: 26-7, baseando-se em relato da década de 1920). A partir dos anos 1960, o internato salesiano de Iauaretê começa a perder lugar para instituições nacionais, até ser completamente fechado no final da década de 1970, após cerca de 50 anos de existência. Apesar do enfraquecimento de sua autoridade e de reconhecer a violência embutida em muitas de suas práticas do passado, a ordem salesiana continua fortemente ativa na região, e goza do respeito e confiança de muitos dos povos uaupesianos, inclusive dos Arapaso.

O Projeto Calha Norte e as mudanças na legislação indigenista ocorridas na década de 1980 promoveram novas articulações que reestruturaram a região. Os militares do 1º Pelotão de Fronteira se instalaram em Iauaretê, e na mesma década começaram a surgir as primeiras organizações indígenas do Alto rio Negro – tais como a Unidi (União das Nações Indígenas de Iauaretê) e a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), criadas em 1988.

Saiba Mais sobre as Organizações Indígenas do Rio Negro Povo:Etnias_do_Rio_Negro#Terras_e_organiza.C3.A7.C3.B5es_ind.C3.Adgenas

Mitologia

Piutr Jaxa, antigo habitante de Pari-Cachoeira, no Uaupés, e que atualmente vive na Terra Indígena Balaio. Foto: Piort Jaxa, 1993.
Piutr Jaxa, antigo habitante de Pari-Cachoeira, no Uaupés, e que atualmente vive na Terra Indígena Balaio. Foto: Piort Jaxa, 1993.

Os primeiros Arapaso, assim como os ancestrais dos demais povos Tukano, chegaram nas cachoeiras de Ipanoré, onde desembarcaram do ventre da cobra-canoa de transformação. Provindos do Lago de Leite (que equivale, provavelmente, ao oceano), a chamada “gente de transformação” viajou pelos rios submersa, navegando a canoa de transformação como um submarino. Ao longo desse trajeto, foram parando em várias malocas, nas quais entravam, dançavam, cantavam e faziam cerimônias através das quais iam se transformando em humanidade. Essas chamadas “malocas de transformação” também estavam debaixo d’água, tanto que a humanidade veio como waimahsã (gente peixe, em tukano). Atualmente, são referidos por waimahsã aqueles seres que ainda habitam essas malocas, distribuídas por toda paisagem rionegrina mas invisíveis aos olhos, exceto aos do xamã. Os waimahsã podem assumir variadas formas (de animais, vegetais ou mesmo rochas), e muitas das dores e doenças que afligem as pessoas são causadas por flechas ou dardos invisíveis lançados por eles. As histórias míticas dos Arapaso podem ser diferenciadas entre aquelas pré e aquelas pós-emergência da cobra-canoa de transformação. Os mitos da era pré-humanidade são povoados por waimahsãs, narrando histórias de corpos celestiais e de seres antropomórficos em um mundo subaquático. Em contrapartida, as narrativas míticas pós-canoa de transformação falam de um mundo no qual a ordem social e a ordem cósmica já estão estabelecidas e dizem respeito principalmente às histórias dos antigos, seus sibs e grupos de descendência. Embora essa diferenciação não seja de todo definitiva e muito menos bem delimitada, ela é importante para o entendimento de algumas nuances que perpassam as explicações e especulações míticas arapaso, especialmente aquelas referentes à sua origem e descendência. Esse é o caso do mito de cobra Unuratu: popularmente conhecido pelos povos da região, Unuratu é filho do caso extraconjugal de uma mulher (casada) com um homem-cobra. Depois de viajar até Manaus e Brasília, cobra Unuratu volta como um submarino para a região onde nasceu (no médio Uaupés, próximo à comunidade de Loiro), carregado de riquezas e tecnologias, que estão hoje na cidade invisível dos waimahsã, chamada Witoriro. Algumas (das poucas) fontes etnográficas sobre os Arapaso apontam que estes se referem à cobra Unuratu como sendo seu avô – termo comumente aplicado aos ascendentes de um grupo. Os próprios Arapaso, porém, pontuam que esse mito ocorreu antes que os ancestrais chegassem na região via canoa de transformação. Ainda assim, Witoriro – onde fica a maloca na qual Unuratu é concebido e para onde retorna depois de descer para as cidades –, fica na região do território Arapaso, bem próximo à comunidade de Loiro, e a complexa relação entre a gente arapaso (que, no Lago de Leite, também eram waimahsã) e esses seres que prefiguram a humanidade, oferece um terreno fértil em analogias de descendência e ancestralidade. Um dos caminhos possíveis de desdobramento dessa relação seria através da associação entre o rio e a cobra grande, muito comum entre os povos Tukano. Os Arapaso, de nome ritual Diá Mahsã (gente do rio), referem-se à sua origem como “filhos do rio” e, analogamente, “filhos da cobra”. Para contar sobre a história de seu povo, explicar a relação com seu território e ensinar sobre a conformação de seus sibs, os Arapaso, no entanto, voltam-se para os mitos que relatam desde a chegada de seus ancestrais, vindos na cobra-canoa de transformação. Segundo contam os antigos, ao emergirem de um buraco nas pedras da cachoeira de Ipanoré, os humanos primordiais foram desembarcando um por um. Do povo arapaso desembarcaram três ancestrais: Dyako, Dyawii e Kore’i Ma’ku, que ocuparam o território entre Urubuquara até as proximidades da Ilha de São João, no rio Uaupés. Dyako, enquanto mais velho e, portanto, chefe, fez sua maloca nas proximidades de Ipanoré. Dos outros dois, um foi para onde hoje é a comunidade de Santa Cruz do Cabari, no igarapé Japu, e o outro para Aracú Ponta, onde construiu sua maloca no interior da floresta. Apesar dos conflitos interétnicos, dos infortúnios e dos impactos coloniais que vivenciaram ao longo desse tempo, os Arapaso se orgulham de terem permanecido até hoje em seu território originário. Entre essas adversidades, o mito do suicídio coletivo arapaso no buraco de breu derretido é digno de destaque. Nele, contam como os Arapaso, então um grupo numeroso e muito bravo, estavam sempre em conflito com outros povos da região (em algumas versões, identificados como os Wanano e os Desana). Nessa época, um dos grande guerreiros arapaso era chamado Umuheri, descrito pelos antigos como um homem alto, muito forte e com uma doença de pele. Umuheri ficava na beira do rio, com seus cabelos longos amarrados em um coque no qual caíam todas as flechas atiradas por seus inimigos. Umuheri, então, tirava essas flechas do cabelo e as lançava de volta, derrotando-os. A versão do mito do suicídio arapaso relatada a seguir é oferecida por Valentim, da comunidade de São José:

De Urubuquara até bem próximo da ilha de São João, essa terra é dos Arapaso. Desde a canoa de transformação já decidiram a terra de cada povo. Antigamente tinha muitos arapasos, o pessoal da região sabe bem. Pra cima era dos Tukano e pra baixo, ali pra São Gabriel, era dos Baré. Os cunhados tukano e piratapuya estão aqui com a nossa autorização, em Juquira, Marabitana... Os Hup’däh, esses do Japu, vieram na canoa de transformação também, só que acompanhando os Arapaso. Eles sempre acompanhavam os Arapaso, só que são outra raça um pouco. Em Urubuquara tinham várias malocas, e onde hoje é Santa Cruz do Cabari, no igarapé Japu, também. Em Aracú a maloca ficava mais pra dentro, mais ou menos uma hora de caminhada . Os Arapaso eram muito valentes. Brigavam muito e os outros [de outros povos] começaram a ficar com raiva deles por não os deixarem passar pelo território, por roubarem as mulheres, afundarem as canoas, essas coisas. Começaram então a fazer feitiço para os Arapaso só terem filhas mulheres, assim que meu pai contava. Acho que estragaram mais com o pessoal de Urubuquara, onde o próprio Tuxawa mandou buscar toneladas de breu – porque naquele tempo era tempo da fartura mesmo –, mandou cavar um buraco, mandou fazer uma festa com todos os parentes, até lá de cima do rio. Daí ele próprio enfeitiçou os parentes e começaram a dançar o kaapi wayá [dança do kaapi, bebida alucinógena de uso ritual e tradicionalmente proibida a mulheres e crianças ] ao meio dia . À noite, no meio da dança, as pessoas mesmo já iam pulando dentro do buraco de breu derretido. O chefe mandou colocar jauari [palmeira de tronco espinhoso] em volta da maloca, cercando ela e o buraco, que estava do lado de fora . Mas um resolveu escapar com sua dama. Ficou disfarçando que estava bebendo e às nove da noite falou que ia mijar e saiu com um pau (não sei onde ele conseguiu o pau), desviando dos espinhos. Mas não foi pra longe, ficou ali perto assistindo eles dançando em volta do buraco, e de um em um iam pulando pra dentro do breu derretido. Quando deu a madrugada todos já tinham pulado dentro do buraco. Foi triste. É triste essa história. Então ele ficou em Urubuquara um tempo, mas sentia muita tristeza e pensava muita coisa, então foi subindo até ficar em um lago, logo abaixo de Marabitana. Ele tinha três filhos, lá eles começaram a assar o peixe e descuidaram e o peixe queimou. Quando respeita, a natureza respeita... daí veio tipo cobra, o rio encheu e matou todos, só sobrou um. Morreu o pai, a mãe e os dois irmãos. Daí ele foi subindo e conseguiu uma mulher. Ficou lá para um igarapezinho que sai do Yuricayá [igarapé na frente de Loiro]. Lá teve três filhos e conseguiu arrumar mulher pra eles. Teve netos, cada casal teve cinco filhos. Daí viu que estavam muitos e não dava para ficar numa só maloca, e mandou um filho para Paraná-Jucá, um para Loiro e um para São José. São nossos irmãos maiores, os de Paraná-Jucá e de Loiro. Não sei se foi aí [referindo-se a toda a história do suicídio] que perdemos nossa língua, isso foi antes da colonização. Aqui em São José tinha muita gente! No tempo que aqui enchia já começou a construção da cidade de Belém. Vieram bandeirantes e foi nesse período que começaram a sair. Seringa, piaçava, cipó...daí veio escravidão.

(Transcrição resumida do mito relatado em português pelo arapaso Valentim, no dia 27 de março de 2019, na comunidade de São José, no rio Uaupés – v. Pederneiras, 2020).

Ritual e xamanismo

No que diz respeito às práticas e reponsabilidades de caráter cosmológico, os Arapaso compartilham a mesma estrutura que os demais povos Tukano, dividindo-se de acordo com seus conhecimentos e especialidades. Segundo o modelo proposto por Stephen Hugh-Jones, tais divisões se orientam virtualmente em duas direções: uma daqueles conhecimentos e poderes transmitidos “verticalmente”, ou seja, passados patrilinearmente, de geração a geração, e que envolvem as especialidades tradicionais de cada sib, assim como as relações hierárquicas entre eles. E outra, daqueles conhecimentos e poderes adquiridos “horizontalmente”, no sentido de serem não-hereditários e, portanto, de envolverem relações simétricas entre afins, como é o caso da formação dos pajés (termo também utilizado pelos Arapaso). Orientando-nos por esse modelo, entendemos enquanto “vertical” os conhecimentos, práticas e funções transmitidos do pai ou tio paterno para seus filhos ou sobrinhos agnáticos. Seguindo a especialidade de cada sib, o menino aprenderá uma gama de conhecimentos e técnicas que exercerá para manter o equilíbrio cósmico e o bem estar de sua família e comunidade. O poder de cada especialista, portanto, respalda-se em sua conexão com seus ancestrais paternos – e nesse sentido, de derivação vertical. A mesma direção aparece na relação entre os sibs, que são escalados hierarquicamente. As funções e especialidades de cada sib são imprescindíveis em rituais como os de nomeação e os de iniciação masculina. Trata-se de importantes ritos para a conformação dos laços de consanguinidade, nos quais são fortalecidas as relações com os ancestrais tanto espiritualmente – através da nomeação, crucial para a proteção da alma frente aos espíritos da floresta, e para os eventuais processos de cura xamânica, quanto fisicamente – através de restrições alimentares, pinturas corporais e provações físicas que formam o corpo do iniciado enquanto parente. De certa maneira, a presença dos instrumentos do Jurupari nos rituais de iniciação masculina explicita esse propósito de fortalecimento dos laços agnáticos do ritual ao interditar, por um período, a presença das mulheres (expressamente proibidas de ver os instrumentos). Dentre as especialidades “verticais”, destaca-se as atuações do kumu, mesmo termo utilizado pelos Arapaso. Traduzido para o português como “benzedor”, o kumu é um grande conhecedor dos mitos e de sua efetividade em situações do cotidiano, sendo responsável pela proteção e pela cura dos membros de sua comunidade. Através da recitação de fórmulas míticas, o kumu cria barreiras espirituais protetivas em volta de pessoas e casas (referidas como paris), transfere poderes curativos para plantas, bebidas e cremes utilizados no tratamento de doenças, e neutraliza os potenciais patogêncos dos alimentos. Reconhecido por seu vasto conhecimento, o kumu costuma pertencer aos sibs mais altos e assume uma posição de destaque nos ritos de passagem. Complementarmente aos conhecimentos “verticais”, a formação “horizontal” da qual derivam os pajés, é permeada por relações de afinidade. Associados muitas vezes à onça (yaí, em Tukano) e ao trovão (buhpó), os poderes do pajé são transmitidos por meio de um intenso treinamento físico conduzido por um outro pajé (que não precisa ser necessariamente seu parente) e requer pagamento. Durante seu treinamento, o jovem aprendiz vive isolado com seu mestre e, através de jejuns, vômitos, abstinências sexuais e o uso de alucinógenos, recebe fisicamente seus poderes – muitos dos quais são inclusive transferidos diretamente do mestre para o aprendiz. Diferentemente do kumu, que adquire seus poderes através de um treinamento mais “reflexivo” (decorando exaustivamente os mitos, plantas e animais referentes a cada cura), e via relações de consanguinidade (por meio de sua linhagem paterna), os poderes do pajé lhe são transferidos substancialmente (transformando fisicamente seu corpo), e através de outras formas de relação que não apenas de consanguinidade – relações entre aprendiz e mestre e entre o pajé e os espíritos da floresta, muitas das vezes, são referidas em termos de afinidade, por exemplo.

Ainda assim, de modo complementar (embora não sem eventuais tensões), o pajé também é responsável por muitas práticas de cura: utilizando-se de drogas como um tipo de rapé fortemente alucinógeno, ele examina o corpo do paciente e identifica a causa da doença, algumas vezes recorrendo à ajuda de outros espíritos, através do transe ou de sonhos. Depois de feito o diagnóstico, o pajé dá início à técnica de cura, seja recuperando o espírito perdido, ou sugando objetos do corpo do doente e vomitando-os, ou mesmo usando uma técnica que consiste em jogar água no paciente e com isso extrair dele resíduos alimentares (geralmente peixe ou caça) que causaram a doença.

Embora tenha grande importância na manutenção da saúde e do bem estar da comunidade, o pajé é muitas vezes visto com desconfiança. Enquanto o kumu costuma gozar de certo reconhecimento e status (especialmente se pertencente a sibs mais altos), a figura do pajé está envolta de ambiguidade – decorrente de sua tendência a ser mais isolado socialmente (vivendo sozinho em locais mais afastados) e à percepção de que seus poderes usados em favor da comunidade podem ser usados também contra ela. Segundo contam os antigos, muitos pajés no passado tornaram-se líderes em guerras entre grupos, utilizando de seus poderes como armas, e é especialmente temida suas habilidades de enviar raios às comunidades apenas com a força de sua mente. Essa desconfiança que envolve a figura do pajé também pode ser analisada à luz da orientação “horizontal” em seu poder. Em contraponto às relações hierárquicas de consanguinidade que formam as técnicas do kumu, os poderes do pajé se fundamentam nas relações simétricas entre afins potenciais. Sua proximidade com os espíritos e animais da floresta, inclusive, faz com que uma de suas especialidades seja também a de prover caça e peixes, recursos comumente associados às festas de caxirí e ao dabucurí – ambas celebrações envolvem relações simétricas de afinidade, seja através do compartilhamento da tradicional bebida fermentada de mandioca (o caxiri) entre cunhados e vizinhos; seja por meio do oferecimento ritual de bens como peixes e carnes ao grupo convidado (também composto geralmente de cunhados), como ocorre nas festas de dabucurí (em tukano, po’osé). Eventualmente, o grupo que foi convidado para o dabucurí retribuirá com um convite para um novo dabucurí no qual será sua vez de lhes oferecer bens, fazendo as vezes de anfitrião. Nesse sentido, as celebrações do dabucurí podem também ser analisadas como trocas rituais, ainda que estas estejam espaçadas no tempo.

Aspectos contemporâneos e ameaças

Os Arapaso, assim como grande parte dos grupos Tukano dos rios Negro e Uaupés, atualmente se identificam majoritariamente como católicos. A presença de uma capela em cada comunidade ao longo desses rios é quase uma constante, e a organização das missas, batismos e crismas são articuladas anualmente com as autoridades salesianas da região. Algumas festividades cristãs em especial, provocam ainda um grande deslocamento dos indígenas das comunidade para os polos urbanos de Iauaretê e São Gabriel da Cachoeira, onde são realizadas grandes festas e muitas danças, e que são lembradas pelos Arapaso com muita alegria. A relação entre comunidade e cidade, porém, não se resume apenas a eventos festivos. Desde que se tornou o ponto de apoio do governo para a implementação de programas oficiais de desenvolvimento, a cidade de São Gabriel da Cachoeira vem vivendo uma reestruturação demográfica de consequências notáveis. O grande fluxo de indígenas em direção às cidades, onde ficam geralmente por semanas ou meses na tentativa de conseguirem documentos, aposentadoria, auxílio Bolsa Família, ou ainda renovar seus contratos de professores das escolas indígenas, torna-os mais expostos a doenças (como parasitoses, malária, etc.), ao alcoolismo e a conflitos violentos. Além disso, os índices de afogamento na cidade, especialmente nos períodos de maior aglomeração, são notoriamente altos. Outra ameaça que acompanha essa relação comunidade-cidade é o que o Márcio Meira chama de “aviamento eletrônico” (2017: 102) – trata-se de uma reciclagem do sistema de endividamento que levou um grande contingente de indígenas ao trabalho forçado no passado, e que hoje se reproduz também através do controle dos comerciantes de cartões de banco e do Bolsa Família de indígenas que vivem em comunidades. Ainda assim, devido à grande distância que separa as comunidades Arapaso de São Gabriel da Cachoeira, as visitas à cidade são mais raras. Portanto, atualmente os Arapaso vivem majoritariamente da produção tradicional de alimentos (da pesca, da caça, da colheita e da roça) – não sendo raro fazerem comparações que evidenciam sua preferência pelo beiju com quinhampira (prato de peixe com pimenta) em detrimento do arroz e macarrão industrializados. No entanto, os indígenas da região vêm apontando cada vez mais mudanças ambientais, que interferem diretamente em suas atividades substanciais nos últimos anos. A diminuição do número de peixes, o aumento das invasões de caititus nas roças, a redução dos animais de caça, a maior presença de pássaros nos arredores das comunidades e as alterações na dinâmica pluvial (e, consequentemente, fluvial) são algumas das percepções trazidas pelos Arapaso e seus vizinhos que indicam os efeitos da crise climática em seu modo de vida. Tais observações, minuciosas e bem descritivas, graças à intimidade e ao conhecimento profundo dos Arapaso de seu território, vão ao encontro dos levantamentos feitos pelo projeto de monitoramento das alterações climáticas no Noroeste Amazônico. Fruto da colaboração entre pesquisadores indígenas e não-indígenas, o projeto, iniciado em 2005 com a parceria entre o Instituto Socioambiental (ISA) e a FOIRN, realiza um monitoramento constante das condições e transformações ambientais de várias áreas da bacia do rio Negro. Com o cruzamento de seus relatórios, ficam evidentes as alterações climáticas que a região vem sofrendo nos últimos anos e como elas repercutem diretamente no modo de vida dos povos humanos e não humanos que nela vivem (ver Cabalzar, 2018).


Fontes de informação

É sabida a intensa produção etnográfica acerca dos povos do Noroeste Amazônico. Desde os anos 1960 até os dias de hoje, a região tem recebido considerável atenção, com trabalhos que contemplam grande parte de seus povos – Tukano, Aruaque e Nadehupe –, e que examinam suas articulações sistêmicas de trocas materiais e matrimoniais, seu compartilhamento de práticas rituais e narrativas míticas, e suas estruturações unilineares e hierárquicas. Nos últimos anos, essa produção se intensificou ainda mais com trabalhos sendo desenvolvidos pelos próprios indígenas, quer dentro ou fora da academia, trazendo novas contribuições e perspectivas para e sobre os conhecimentos antropológicos. Esse seria o caso das pesquisas de alunos indígenas desenvolvidas em diversas universidades pelo Brasil, assim como dos livros da coleção “Narradores Indígenas do Rio Negro” (viabilizada pela FOIRN), que reúnem relatos míticos de diferentes etnias da região (Tukano, Desana, Tariano, Baniwa, etc.) Em meio a tão densa produção, é de se surpreender que não haja muitos trabalhos sobre os Arapaso. Um dos motivos talvez esteja relacionado ao tamanho do grupo, pequeno se comparado a seus vizinhos tukano, tariano e pira-tapuya. Os indicativos de grande perda populacional ao longo dos séculos XVIII e XIX levaram alguns pesquisadores a encarar os Arapaso como um grupo a caminho da extinção, ou ainda, da aculturação (devido à perdas culturais como a de sua língua original). Esta é a visão presente nos relatos do início do século XX compilados no livro A civilização indígena do Uaupés, do pe. Alcionílio Bruzzi (1962). Na passagem do século XIX para o XX, a figura do profeta Vicente Cristo serve como um importante catalisador de informações sobre os Arapaso desse período. Dentre essas, temos os relatos de Henri Coudreau (1887-9) sobre a atuação do pajé na conformação do núcleo missionário em Ipanoré, onde outros arapasos foram aldeados. Foi acompanhando o séquito do profeta que Stradelli (2009) também nos oferece uma das primeiras descrições da região do igarapé Japu, no território arapaso compartilhado com os Hup’däh. Já na área da etnologia, entre os poucos trabalhos voltados especialmente para os Arapaso estão dois artigos produzidos por Janet Chernela (1988 e 2002), que esteve com eles nos anos 1970. Os temas da perda (de sua língua e de sua história) e da ameaça de extinção são tratados em ambos os textos, que se voltam para o problema da identidade arapaso enquanto um grupo que não mais fala sua língua em um contexto de exogamia linguística (caso do sistema de casamentos uaupesiano, de acordo com a autora). Ademais, esses dois artigos de Chernela trazem o mito da cobra Unurato como principal fonte de análise. Segundo ela, a continuidade e a integridade do povo Arapaso se sustentaria pela identificação que estes fazem da cobra Unurato como seu ancestral comum (indicada ao referenciarem-se à cobra como “avô”). Por meio de sua análise do mito, Chernela também destaca certos aspectos que fariam referência a conflitos históricos vividos pelos Arapaso durante o encontro colonial – a semelhança entre o trajeto feito por Unurato, descendo o rio em direção à cidade dos brancos, e as práticas dos “descimentos” forçados, aos quais os Arapaso foram submetidos no século XVIII. Atualmente, para além da pesquisa etnográfica que está sendo desenvolvida com o grupo (desdobramento de Pederneiras, 2020), os Arapaso estão envolvidos com projetos de pesquisa e manutenção da região, como na construção dos PGTAs (Programa de Gestão Territorial e Ambiental), por exemplo, e atuam ativamente nas organizações indígenas locais.

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