De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Michel Pellanders, 1987

Mudanças entre as edições de "Povo:Asurini do Tocantins"

Autodenominação
Asurini
Onde estão Quantos são
TO 671 (Siasi/Sesai, 2020)
Família linguística
Tupi-Guarani
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== Língua ==
 
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Os Asuriní são falantes de uma língua da família Tupi-Guarani, estudada pelos lingüistas Carl Harrison, Robin Selly e, mais recentemente, por Velda Nicholson, Catherine Aberdour a Annette Tomkins, todos do Summer Institute of Linguistics (SIL, chamada no Brasil por Sociedade Internacional de Lingüística).
 
Os Asuriní são falantes de uma língua da família Tupi-Guarani, estudada pelos lingüistas Carl Harrison, Robin Selly e, mais recentemente, por Velda Nicholson, Catherine Aberdour a Annette Tomkins, todos do Summer Institute of Linguistics (SIL, chamada no Brasil por Sociedade Internacional de Lingüística).

Edição das 14h57min de 16 de outubro de 2017

Introdução

Os Asuriní afirmam que houve uma primeira criação do universo e depois um dilúvio, quando a terra acabou, "ficou mole". Deste infortúnio, só sobreviveu um homem, abrigado no alto de uma árvore de bacabeira. Foi, então, que Mahira chamou a anta para que o animal endurecesse a superfície da terra. Mahira também tirou sua própria costela, transformando-a em uma mulher, o que permitiu que a população humana aumentasse.

Nome

Foto: Michel Pellanders, 1987.
Foto: Michel Pellanders, 1987.

O termo Asuriní tem sua origem na língua Juruna e, desde o século passado, vem sendo utilizado para designar diferentes grupos Tupi da região entre os rios Xingu e Tocantins. Este termo começou a ser empregado para denominar este povo em particular na década de 50, pelos funcionários do SPI durante os trabalhos de pacificação.

Os Asuriní do Tocantins são conhecidos também por Asuriní do Trocará (nome da área indígena), e por Akuáwa-Asuriní. Esta última denominação foi empregada pelo etnólogo Roque Laraia na década de 60 em razão deste pesquisador considerar o termo Akuáwa como a autodenominação do grupo.

Já há vários anos, porém, este povo assumiu o termo Asuriní como sua autodenominação. Por outro lado, como verificou a antropóloga Lúcia Andrade, na década de 80, Akuáwa passou a ter uma conotação pejorativa, sendo utilizado para designar "índios do mato", "índios bravos", isto é, sem muito tempo de contato.


Língua

Família Pukará e Asuriní. Foto: Michel Pellanders, 1987
Família Pukará e Asuriní. Foto: Michel Pellanders, 1987

Os Asuriní são falantes de uma língua da família Tupi-Guarani, estudada pelos lingüistas Carl Harrison, Robin Selly e, mais recentemente, por Velda Nicholson, Catherine Aberdour a Annette Tomkins, todos do Summer Institute of Linguistics (SIL, chamada no Brasil por Sociedade Internacional de Lingüística).

Segundo Harrison (1980), existem várias diferenças dialetais entre a língua Asuriní falada pelo grupo do Trocará e pelo grupo do Pacajá. Na sua opinião, tais diferenças sugerem que os contatos entre os dois grupos, então residentes em uma única aldeia, eram anteriormente intermitentes.

Em 1962, os membros do grupo do Pacajá eram essencialmente monolíngües, enquanto os Asuriní residentes no PI Trocará já falavam português, aprendido com os funcionários do posto e suas famílias, e com os vizinhos do rio Tocantins que os visitavam esporadicamente. Já em 1973, todas as crianças a jovens Asuriní residentes no PI Trocará só falavam a língua portuguesa, enquanto que todos os membros do grupo do Pacajá falavam a língua indígena. Atualmente praticamente todos os Asuriní falam com fluência o português, sendo que os jovens e as crianças comunicam-se quase que exclusivamente nesta língua.


Localização

Os relatos do Asuriní apontam o Rio Xingu, como sua região de origem, aonde teriam vivido com os Parakanã, constituindo no passado um único povo. Estima-se que, nas primeiras décadas deste século, os Asuriní abandonaram a região do Xingu, motivados por uma série de cisões internas e conflitos com outros povos indígenas. Assim, foram deslocando-se para leste, ocupando as cabeceiras do Rio Pacajá e, posteriormente, para as proximidades do Rio Trocará, aonde encontram-se até os dias de hoje [para informações detalhadas sobre as Terras Indígenas em que atualmente vivem, veja ao lado em "Terras habitadas".

A TI Trocará é atravessada em toda a sua largura pela PA-156 que divide a área em duas partes. A aldeia e o posto da Funai ficam a leste da estrada, na porção banhada pelo Rio Tocantins. A parte situada a oeste é um retângulo de matas que constituem uma das últimas florestas virgens de certa proporção na região.

A TI Trocará está encravada na região do Projeto Grande Carajás, que abrange o Estado do Maranhão e partes do Pará e Tocantins. Este imenso programa de exploração mínero-metalúrgica, que vem acompanhado de uma série de obras de infra-estrutura (como a hidrelétrica de Tucuruí e a ferrovia que liga a Serra dos Carajás à São Luís), vem provocando mudanças radicais em toda a estrutura sócio-econômica da região habitada pelos Asuriní.

A Hidrelétrica de Tucuruí, localizada a cerca de 30 quilômetros rio acima da TI Trocará, transformou por completo o município. Sua implantação, entre os anos de 1975 e 1984, implicou a vinda de milhares de pessoas para a região. Assim, entre 1970 e 1980, o crescimento anual da cidade de Tucuruí foi 22,7%, enquanto Belém, no mesmo período, apresentava uma taxa de crescimento anual de 3,3%.

O território Asuriní não foi inundado pelo reservatório da UHE Tucuruí. Localizados à jusante da barragem, os Asuriní sofreram o que se convencionou denominar "efeitos indiretos", ou seja, as conseqüências das profundas transformações na estrutura sócio-econômica da região e dos desequilíbrios ecológicos resultantes da instalação da obra.

Dentre tais transformações está a instalação de uma série de fazendas na região. A TI Trocará encontra-se totalmente cercada por fazendas de gado, constituindo-se numa das poucas áreas de mata que ainda restam no município.

O desmatamento ao redor da reserva indígena trouxe conseqüências para a fauna do território Asuriní. Assim, os índios se queixam de que muitas espécies já não podem mais ser encontradas e que está cada vez mais difícil conseguir caça. Por outro lado, a mata da TI Trocará atrai vários caçadores que invadem constantemente o território indígena.

Outro efeito indireto da hidroelétrica e da ocupação acelerada da região foi um grande aumento na incidência de malária entre os Asuriní, que, em 1985, era o principal problema de saúde do grupo.


População

O quadro abaixo mostra como evoluiu a população Asuriní do Tocantins a partir de sua atração pelo órgão governamental indigenista.

População Asuriní do Tocantins

Ano População no Posto Fonte
1953 190 Laraia 1979
1955 66 Arnaud 1961
1961 26 Arnaud 1961
1962 35 Laraia 1979
1970 48 Trocará IP archive
1976 92 Vidal 1980
1980 106 Vidal 1980
1952 120 Andrade 1982b
1984 132 Andrade 1984b
1990 191 Funai 1990
1994 225 Funai 1994

 

Como se pode observar no quadro, a população Asuriní permaneceu abaixo de 100 indivíduos até aproximadamente 1976-1977. Parte desse crescimento deveu-se à chegada, em 1974, dos Asuriní que se encontravam no rio Pacajá. A partir desta data, verifica-se um aumento constante de população, sendo que em 1984 as crianças até 14 anos já constituíam, aproximadamente, 55% da mesma.

Na época do contato (1953) a população Asuriní era de 190 pessoas. Antes de terminar o ano, entretanto, morreram mais de 50 indivíduos vitimados pela gripe e disenteria. Após a epidemia, a maior parte dos índios retornou às matas. Em 1956, após um atrito com o funcionário encarregado, o grupo que havia permanecido no Posto também regressou à floresta. Dois anos mais tarde, os remanescentes deste grupo retornaram. No início de 1962, o grupo do Pacajá, que primeiro abandonara o PI Trocará, também retornou ao local. Eram, nessa época, cerca de 30 índios; entretanto, a gripe e a disenteria novamente dizimaram o grupo: seus 14 sobreviventes fugiram para as matas, deixando 7 órfãos no Posto.


Histórico do contato

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Os Asuriní do Tocantins aparecem nos registros históricos, no contexto do avanço da frente pioneira do início do século XX, na região acima da Cachoeira Itaboca (hoje coberta pelo reservatório da UHE Tucuruí).

A região de Marabá até Tucuruí tornou-se, a partir dos anos 20, uma importante área de exploração de castanha-do-pará. Com o objetivo de garantir o escoamento da produção de castanha de Marabá a Belém, determinou-se a construção da Estrada de Ferro Tocantins, que contornaria os doze quilômetros de corredeiras do Rio Tocantins, unindo as localidades de Tucuruí (conhecida na época por Alcobaça) e Jatobal. Esta ferrovia atravessou o território dos Asuriní e Parakanã, que reagiram veemente à invasão.

A Estrada de Ferro Tocantins foi iniciada em 1895 e parcialmente finalizada somente em 1945. Em 1935, haviam sido construídos apenas cerca de 67 quilômetros dos 117 planejados.

É no final da década de 20 que se acirram os conflitos entre os índios e os trabalhadores da ferrovia. Em 1928, após uma batida organizada pelo Engenheiro Amyntas Lemos, que resultou na morte de oito índios, os Asuriní intensificaram os seus ataques contra os regionais.

Dois anos mais tarde, os Asuriní atacaram e mataram castanheiros nas proximidades do local conhecido por Joana Peres. Em maio deste mesmo ano (1930), mataram mais duas pessoas. Já em 1933, revidaram uma diligência policial matando e saqueando no quilômetro doze da ferrovia.

No ano de 1937, os Asuriní chegaram a entrar em contato com funcionários do SPI. Logo depois, no entanto, foram atacados por trabalhadores da ferrovia e, em represália, invadiram um barracão, assassinando duas pessoas e ferindo uma terceira.

Em 1945, o diretor da Estrada de Ferro Tocantins e o delegado especial de polícia de Tucuruí organizaram uma expedição armada contra os Asuriní. O massacre só foi evitado porque os índios não foram encontrados pelos seus perseguidores. O SPI abriu um processo contra o engenheiro, mas a denúncia foi considerada improcedente pelo juiz de direito de Cametá.

Em 1948, os Asuriní entraram em contato com regionais, no lugarejo conhecido por Cachoeira de Itaboca, sendo repelidos à bala e perseguidos pela mata durante dois dias. Em 1949, os Asuriní mataram uma mulher, no Km 52 da ferrovia, e um trabalhador, no Km 18. Nesse mesmo ano, atacaram o barracão do SPI, localizado no Km 67, ferindo um funcionário.

O ano de 1949 foi um dos mais críticos do conflito. Os lavradores chegaram a abandonar as suas roças e as turmas de conservação da ferrovia só trabalhavam sob a proteção de guardas armados. É nesse ano que o SPI intensifica suas atividades para contatar os Asuriní, o que vai se efetivar quatro anos mais tarde.

O contato oficial dos Asuriní com a frente de atração do Serviço de Proteção aos Índios deu-se em março de 1953, no local conhecido por "sítio Apinajé", entre os igarapés Piranheira e Trocará, próximo à área que ocupam atualmente.

A decisão dos Asuriní de procurar o acampamento do SPI parece ter sido motivada pelos conflitos com os Parakanã. Um grande ataque Parakanã teria levado um dos grupos Asuriní a socorrer-se junto aos funcionários da frente de atração. Este grupo era formado por 190 índios que se estabeleceram junto ao posto do SPI.

No mesmo ano do contato, mais de cinqüenta índios morreram de gripe e disenteria. Este período é descrito pelos Asuriní como uma época onde não havia nem mesmo tempo para enterrar todos os seus mortos.

A maior parte dos sobreviventes à catástrofe do contato retornou às matas ainda em 1953. Apenas um pequeno grupo permaneceu junto ao SPI até 1956. Neste ano, porém, decidem deixar o posto devido a desentendimentos com os funcionários do SPI, regressando em 1958.

Já em 1962, o segundo grupo Asuriní, que havia permanecido na mata, ressurge no posto do SPI. Novamente, a gripe provoca uma série de mortes e os sobreviventes decidem voltar, mais uma vez, à região do Pacajá.

Quando o antropólogo Roque Laraia esteve entre os Asuriní, em 1962, encontrou uma população de 35 índios. Laraia observou que os Asuriní viviam uma situação de extrema dependência dos funcionários do posto Trocará atravessando, por outro lado, uma fase de profunda desorganização social em decorrência da drástica redução de sua população.

Já o grupo que havia retornado à região do Pacajá encontrava-se sem qualquer assistência do órgão indigenista, vivendo da caça, pesca, agricultura e de um pequeno comércio que mantinham com os regionais.

O grupo permaneceu na região do curso médio-alto daquele rio até 1974 quando mudou-se para o Trocará. Ao que tudo indica, os dois grupos locais do Trocará e do Pacajá mantiveram contatos intermitentes até a época de sua junção.

Em 1973, as pesquisadoras do Summer Institute of Linguistics (Nicholson e Aberdour) estiveram visitando os Asuriní do Pacajá e levaram uma fita gravada pelo grupo do Trocará, convidando-os para uma visita. O convite, somado às dificuldades advindas da falta de uma assistência do governo, levou os Asuriní do Pacajá a transferirem-se para o Trocará. Segundo seus relatos, a Funai teria mandado um barco buscá-los no ano 1974. Desde então, os Asuriní nunca mais retornaram ao Pacajá.


Caça, pesca e coleta

Atualmente, os Asuriní caçam com espingardas e durante a noite, pois dizem que de dia já não encontram mais animais. Eles têm muita dificuldade em adquirir as espingardas, a munição e as pilhas necessárias para a lanterna e, com isso, tornam-se dependentes da Funai que, esporadicamente, os presenteia de modo insuficiente com tais artigos. Em muitas ocasiões, os índios não têm carne para comer.

O alimento que os Asuriní mais apreciam e consideram mais nutritivo é a carne de caça. Eles caçam mamíferos como anta, veado, caititu e também cotia, macaco, paca, tatu e aves como nambu, tucano e mutum. A caça é uma atividade preferencialmente masculina, mas algumas mulheres também caçam.

A pesca, que poderia equilibrar a alimentação, também parece estar sendo afetada pelas mudanças ecológicas por que passa toda região. Mesmo assim, sua importância como fonte alimentar para o grupo é hoje muito maior do que no período anterior ao contato. Ela é praticada por homens adultos e, também, por mulheres e crianças, embora com menor freqüência. Pescam com anzóis, malhadeiras e tarrafas no rio Trocará, nos lagos próximos ao rio Tocantins, mas raramente neste rio.

Durante os meses de julho e agosto, até as águas baixarem completamente, a pesca nos lagos próximos à aldeia é bastante difícil e só vai melhorar em fins de setembro. Neste período, a pesca só é compensadora nos rios mais distantes da aldeia, o que envolve o deslocamento de toda a família nuclear ou extensa, que passa vários dias acampada em algum ponto distante da Terra Indígena, onde também é possível encontrar caça com mais facilidade. É nessas ocasiões, segundo os Asuriní, que comem bem e engordam.

Nos meses de janeiro a abril (época das chuvas), os Asuriní coletam produtos como açaí, bacuri e castanha-do-pará. Esta é uma atividade masculina, sendo que algumas vezes as mulheres auxiliam. Tais produtos destinam-se ao consumo próprio a à venda em Tucuruí; somente a castanha-do-pará, cuja produção é muito incipiente, não é vendida.


Aldeia

Em 2010, os Asuriní residiam em duas aldeias menores, Ororitawa, Oimotawara e em outra maior, conhecida como aldeia Trocará (dados coletados por Jackson Pantoja Lima). Anos antes, viviam em uma única aldeia, localizada a cerca de três quilômetros da margem do rio Tocantins. Em 1988, a aldeia era formada por trinta casas, que abrigavam as diferentes famílias nucleares.

As casas são construídas com madeira de paxiúba, utilizada nas paredes e assoalhos, e palha de ubim, empregada na cobertura e, às vezes, também nas paredes. A arquitetura das casas segue o padrão regional, sendo que algumas são construídas sobre palafitas. Embora mais raramente, são feitas também algumas casas de taipa. Há 4 ou 5 anos atrás foram construídas casas novas de madeira e telha por conta de uma indenização pela estrada Trans-Cametá.

As habitações estão, geralmente, divididas em três cômodos: sala, cozinha e quarto. Na parte dos fundos, encontram-se pequenas construções com as fossas sanitárias. Algumas residências têm mais de um dormitório, um para o casal e outro para os filhos, mas, na sua maioria, possuem apenas um grande quarto, onde dorme toda a família. Este cômodo é utilizado para dormir, para o descanso da tarde e, ainda, para a realização de tarefas como preparar a munição e costurar roupas, que requerem um pouco de privacidade ou distância das crianças.

Na maior parte do tempo, os moradores permanecem na cozinha-sala. Algumas casas têm a cozinha instalada a uma pequena distância, numa construção habitualmente mais aberta, sem paredes laterais. Na cozinha tem-se o jirau e o fogão, geralmente construído em uma armação de tijolos, madeira e barro. Algumas famílias, formadas por casais mais jovens, empregam o fogão a gás. O jirau é utilizado para tratar a caça, preparar a comida e lavar a louça. Eles são armados numa janela, do lado de fora da casa, de maneira que a água não caia no interior da residência.

Na cozinha, em prateleiras ou fincados na palha das paredes e teto, são guardados os utensílios domésticos: pratos, facas, talheres, copos, escovas de dente, linha de pesca, etc. Neste cômodo encontra-se o mobiliário mais sofisticado da casa: as mesas e as cadeiras. É neste local, que são realizadas as refeições e recebidos os visitantes. As visitas podem ser recebidas, ainda, no pátio em frente da casa. Como objetos domésticos, os Asuriní costumam possuir também redes (e, mais raramente, camas), armários, rádios, "eletrolas" e, em algumas casas, aparelhos de televisão.

As residências são construídas pelos homens, que, geralmente, executam esta tarefa individualmente. A construção de uma nova casa pode ser motivada pela velhice da antiga habitação ou pelo desejo de mudança de local motivado por razões como uma briga com os vizinhos.

Os igarapés próximos das casas são considerados quase como um espaço doméstico, uma continuação da aldeia. Nestes igarapés, as mulheres lavam as roupas e panelas e recolhem a água para as casas. É lá também que se toma banho. As crianças passam grande parte do dia brincando nos igarapés. Cada seção residencial utiliza um determinado ponto do curso d'água. Nas áreas entre as residências e os igarapés costumam ser cultivadas pequenas roças de milho, cará, batata, banana e abacaxi.

As habitações da aldeia alinham-se ao longo de um caminho que vai do posto da Funai até a casa de farinha - esta já localizada nos arrabaldes, ou seja, na periferia do espaço social. Ao longo desta reta principal formam-se também alguns aglomerados de casas, que costumam constituir as seções residenciais. Cada uma dessas unidades residenciais possui seu pátio de convivência, geralmente frente à habitação do casal mais velho. Cotidianamente, tais pátios marcam os espaços de interação no nível interno da aldeia.

Existe um único espaço de interação de toda a aldeia: o Tekataua - a casa cerimonial permanente. É neste espaço ritual que a aldeia se institui como uma unidade. Não existe um local pré-determinado para a instalação do Tekataua, a única determinação é que este deve ter a sua frente voltada para o leste, aonde está o Espírito-Onça. Assim, a sua localização se faz, não em referência ao Social (à aldeia), mas ao Sobrenatural.

O Tekataua é utilizado apenas nas ocasiões rituais, não constituindo um espaço da esfera do político. As decisões políticas são tomadas "informalmente" na esfera das casas, sem que a aldeia enquanto uma unidade seja acionada. A política se faz na dispersão. Eventualmente, uma reunião dos índios com algum funcionário da Funai em visita na aldeia pode ocorrer no Tekataua, mas o mais comum é que esta seja realizada na área do posto da Funai.

O posto da Funai constitui um espaço não-tradicional de interação social, com destaque para as reuniões de deliberação do órgão indigenista e a escola. Esta última implica o relacionamento de crianças de diversas seções residenciais que, no âmbito da aldeia, não teriam uma convivência cotidiana.

Outro espaço não-tradicional é a casa de farinha coletiva, construída pela Funai. Esta edificação abriga os fornos para torrar a farinha, o caititu, o ralador e os tipitis. Tradicionalmente, cada família nuclear ou seção residencial executava esta tarefa em espaço próprio. Algumas ainda o fazem desta forma, mas somente aquela farinha para subsistência. A produção de farinha para fins de comercialização tem colocado a necessidade de uso da nova infra-estrutura.

A aldeia Asuriní estrutura-se a partir de seções residenciais que têm como modelo a família extensa uxorilocal. Sua composição paradigmática seria portanto: o casal-chefe, seus filhos solteiros de ambos os sexos e suas filhas casadas que trazem para o grupo os seus maridos.

Cada seção residencial constitui uma unidade espacial, mas principalmente uma unidade econômica e política. No âmbito de tais seções, há troca regular de alimento, cooperação em atividades econômicas, convivência cotidiana, e solidariedade em momentos de crise, como doenças, brigas e divergências políticas.

A seção residencial costuma corresponder a uma configuração espacial: casas aglomeradas que compartilham de um pátio comum. Os moradores de uma seção dividem ainda os mesmos pontos de banho nos igarapés que circundam a aldeia. Este é um espaço de convivência cotidiana principalmente para as mulheres, que lá passam um bom tempo de seu dia nas tarefas de lavar a roupa e a louça.

A localização das roças costuma corresponder à das unidades residenciais. Os moradores de uma mesma seção, habitualmente, colocam suas roças próximas uma das outras. Os projetos de "roça comunitária" da Funai modificaram um pouco esta organização espacial, uma vez que, hoje, há uma única grande roça de mandioca, arroz e cacau, destinada à comercialização de tais produtos. No entanto, as roças de subsistência (dedicadas ao plantio de cará, batata, banana, abacaxi, milho) continuam a orientar-se pela lógica das seções residenciais.

A autonomia econômica e política é a marca de tais seções. Neste sentido, a aldeia Asuriní não parece ser mais que a justaposição de tais unidades residenciais que, no cotidiano, operam de forma independente. A única ocasião em que os moradores das diversas seções atuam conjuntamente é durante os rituais. É como se cada seção residencial constituísse uma aldeia própria.

Os siblings de sexo oposto têm papel importante no estabelecimento da continuidade entre as diversas seções residenciais. Mesmo pertencendo a unidades diferentes, eles mantêm uma rede de relações informais que, na prática, constituem o elo de ligação entre as seções. São estas relações que, perpassando as diversas seções residenciais, contribuem para a instituição de uma unidade maior que é a aldeia.

É importante ressaltar também que as seções residenciais são bastante fluídas; seus arranjos variam com o passar do tempo. Um dos fatores desta re-estruturação é justamente a tendência dos irmãos de ambos os sexos permanecerem unidos. Assim, se a troca de irmãs ou o casamento de grupos de siblings não institui essa situação, pode haver re-arranjos não previstos no sistema formal.

O fato do casal-chefe estar vivo ou não pesa bastante neste movimento de recomposição. Enquanto o sogro ou a sogra estão vivos, eles continuam a exercer um poder sobre os genros que se reflete na manutenção da uxorilocalidade.

As dissoluções dos casamentos, assim como os desentendimentos entre os moradores de uma seção e o desejo dos irmãos permanecerem unidos constituem os fatores mais comuns para os re-arranjos das unidades residenciais - eles instituem um movimento de dissolução da uxorilocalidade.


Ciclo de vida

Toda criança Asuriní é concebida como fruto da relação sexual de sua mãe com Mahira (herói mítico), o que ocorre durante o sonho. Quando tem um sonho como este, a mulher sabe que está grávida; deve então ter muitas relações com seu marido para que o sêmen dele faça o feto crescer. Todos os homens com quem a mulher mantiver relações neste período serão considerados pais biológicos da criança.

O parto ocorre no interior da casa onde ficam apenas as mulheres e crianças, pois os homens adultos não devem ter contato com o sangue da parturiente. A mulher conta com a ajuda de uma ou mais parteiras, geralmente sua mãe. O pai do recém-nascido só vai entrar na casa para vê-lo horas depois. A placenta e o cordão umbilical são enterrados para que nenhum animal possa comê-los, o que faria mal à criança.

O resguardo da mãe e do pai, até que o umbigo da criança caia, implica numa série de tabus alimentares, em evitar tarefas pesadas e na permanência na casa. A criança recém-nascida deve ser pintada de jenipapo para que cresça mais depressa. Por essa mesma razão, o seu pai deve cantar para ela todos os dias.

Alguns dias depois do parto, a criança recebe um nome, geralmente escolhido pelos avós que conhecem os nomes dos antigos. O nome é sempre de um morto, mas não parece estabelecer relação entre seu antigo dono e a criança. Os nomes referem-se a animais, frutas, plantas e outros. Tradicionalmente um homem tinha de três a quatro nomes. O recebimento do segundo nome estaria relacionado ao cerimonial de perfuração do lábio inferior, o que permitia ao rapaz o uso do ornamento labial e do estojo peniano. Este ritual não é praticado hoje em dia, e o pajé era o único a usar o ornamento labial.

Os jovens casam por volta dos 15 anos. São consideradas esposas preferenciais de um homem a filha da irmã de seu pai e a filha de sua irmã. A maior parte dos casamentos são monogâmicos, mas, nos anos 80, a antropóloga Lúcia Andrade verificou a existência de dois casamentos poligâmicos, contraídos ainda na década de 60.

Ao casarem, os jovens, via de regra, vão residir na casa dos pais da esposa. Caso se trate do primeiro casamento do rapaz, ele passa inclusive a morar na casa do sogro. Após um período - que parece ter como limite o nascimento do primeiro filho- o rapaz constrói sua própria casa, próxima à dos pais da esposa.

O genro deve manter uma relação de obrigação para com o sogro que implica cooperação em atividades econômicas, apoio político, bem como em distância e respeito. O relacionamento entre sogro e genro costuma ser cordial, mas formal - há uma distância que marca a hierarquia existente entre ambos.

Um genro deve colaborar com o seu sogro nas atividades econômicas como, por exemplo, no preparo da roça. É comum também que eles saiam juntos para caçadas mais prolongadas, que implicam a dormida na mata por dois ou três dias. Vale ressaltar, porém, que não se trata apenas de uma prestação de serviço do genro para o sogro, pois, normalmente, eles realizam as atividades conjuntamente. Há uma cooperação que beneficia a ambos. A diferença está no poder de convocação do sogro. Um genro dificilmente recusará a solicitação de seu sogro.

Tal poder de convocação torna-se um poder político ainda mais importante numa sociedade como a Asuriní, onde não existe, por exemplo, a instituição do pátio da aldeia, onde os homens discutem e deliberam sobre questões de ordem política e econômica. Não existe a figura do chefe com capacidade de mobilizar a aldeia como um todo.

Assim, não se verifica a existência entre os Asuriní de uma figura ou instituição que possibilite acionar toda a aldeia para deliberação e execução de decisões políticas e econômicas. O poder de convocação nesta sociedade parece restrito à relação sogro-genro; à esfera, portanto, das seções residenciais. Desta forma, o prestígio político de um homem Asuriní está diretamente ligado aos casamentos de suas filhas.

A medida em que o homem vai ficando mais velho, casando os seus filhos e cercando-se de genros, ele vai tornando-se politicamente mais influente. Quanto maior o número de genros que um homem tiver, maior o contingente que ele poderá mobilizar.

Outras fontes de prestígio são o xamanismo e, antigamente, a atividade guerreira, que combinadas poderiam fortalecer ainda mais a importância de um indivíduo.

A preparação de um homem para o xamanismo inicia-se quando ele ainda é jovem, através da participação nas "festas do tabaco". A participação nos rituais garante, inclusive, o crescimento biológico dos indivíduos. Assim, se um rapazote está custando a crescer, seus pais levam-no para a festa para que dance bastante e alcance o seu fortalecimento físico.

Os rituais contribuem para a formação biológica e social de um homem Asuriní. Um conhecimento básico sobre o xamanismo é imprescindível à formação social do homem. Não se trata de um tema apenas para especialistas. Assim, o poder de cura pode ser restrito, mas o conhecimento e o contato com o Sobrenatural são constitutivos da personalidade masculina. Desta forma, todo homem Asuriní é um pouco pajé.


Sistema ideológico

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Os Asuriní consideram que Mahira, "nosso velho avô", foi o criador dos seres humanos e o responsável pela instauração da ordem na Terra. Ele coordenou a ordenação física do mundo, endurecendo, com o auxílio da anta, a superfície da terra que era mole; separando o céu da terra; resgatando a noite que era possuída pela coruja, etc.

Também contribuiu para o estabelecimento da Cultura, transmitindo aos homens os conhecimentos básicos, como o cultivo da mandioca, a confecção das flautas e as músicas. Assim, como explicou um Asuriní: "tudo o que foi inventado pelo índio, foi ensinado por Mahira".

Na época das origens, Mahira morava na aldeia com os Asuriní. Aqui, ele tinha uma esposa e uma filha. Sua filha nunca conseguia permanecer muito tempo casada pois Mahira aborrecia-se com seus genros e, fumando seu tawari, transformava-os em animais. Este comportamento acabou obrigando Mahira a mudar-se para longe da aldeia, pois os humanos aborreceram-se muito com ele.

Por fim, os Asuriní já planejavam assassinar Mahira e ele decidiu voltar para o céu: "Deu muito temporal forte, deu muito tempo forte e ele subiu. Queria pegar no toco para não subir, em outro, até que o vento levou. Aí, abriu o braço e foi embora". Foi, após o retorno de Mahira aos céus, que surgiram entre os humanos as doenças; antes ninguém ficava doente, nem havia pajé.

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Hoje, Mahira e sua esposa, moram no céu, em um local denominado Tupana. É para este mesmo lugar que vão os mortos: "quem morre faz outra casa lá, diz que tem muito. Branco também vai para lá. Lá mora tudo caboclo que morreu". Segundo os Asuriní, neste local aonde reside Mahira, tem céu, sol, lua: "tem tudo assim como tem aqui, tem lá. Lá em cima tem caça, Mahira caça. Tem muita gente lá em cima, tem roça, tem tudo".

E lá do alto, Mahira continua acompanhado a vida dos humanos na Terra, continua desempenhando seu papel de Criador. Como já viu, Mahira é o pai de todos os Asuriní. E ele não apenas gera as crianças, mas também zela por sua criação. Assim, se uma criança é constantemente maltratada por sua mãe, Mahira deixa-a subir: faz com que ela fique doente, morra e vá para junto de si. Como ele "gosta" muito das crianças impede que continuem sendo maltratadas.

Mahira tem, portanto, poder de vida e morte sobre os humanos. E a vida destes nada mais é do que um ciclo que começa e termina em Mahira: os humanos nascem dele e a ele vão se juntar na morte.

Na concepção Asuriní, o mundo sobrenatural está dividido em duas esferas independentes: a de Mahira e a de Sawara (o espírito onça). O domínio de Mahira remete ao ciclo da vida e da morte, da reprodução biológica dos humanos, estando associado ao céu e às mulheres - as únicas que na Terra mantêm uma relação com Mahira, através de atos sexuais ocorridos nos sonhos. Já a esfera de Sawara remete ao xamanismo e a crença na possibilidade de renascimento dos pajés, estando associado à mata e ao universo masculino.

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A atividade xamanística entre os Asuriní é bastante intensa e tem grande importância. Para que um homem torne-se pajé é necessário que ele percorra, em sonhos, um caminho cheio de perigos e chegue até Sawara, o espírito-Onça. É no contato com Sawara que ele receberá o Karowara e, assim, o poder de curar os doentes.

Para que este sonho se concretize, no entanto, é necessário que o aprendiz passe por um longo processo que o capacite a lidar com as forças sobrenaturais e aprimore seus conhecimentos acerca dos mitos e das músicas.

A etapa central deste aprendizado são as festas do tabaco, onde os novatos são introduzidos no contato com o Karowara. Nestes rituais existem também momentos dedicados ao aprendizado das histórias míticas e das canções, contadas e cantadas pelo pajé. Tal procedimento complementa um processo iniciado informalmente na casa de cada indivíduo, onde é possível ouvir os pais e os avós relatando as "histórias de antigamente".

As festas de tabaco são coordenadas por um pajé. É ele quem decide o momento de sua realização, atendendo, muitas vezes, ao pedido de um ou outro homem que deseja dançar. Segundo os Asuriní, o pajé tem a preocupação de fazer com que os homens dancem de tempos em tempos para que "não se esqueçam".

O pajé é o especialista que trata das doenças provocadas pelos Karowara. A etiologia Asuriní, no entanto, congrega além desta, outra categoria de enfermidade cuja cura não está restrita ao âmbito dos pajés, muito embora eles devam dominar também a técnica destes tratamentos. Não é este conhecimento que qualifica o indivíduo para a função de pajé, mas um bom profissional deve procurar inteirar-se destes procedimentos. De outro lado, este saber é fonte de prestígio para os outros Asuriní e, geralmente, são os mais velhos que o detêm.

A etiologia Asuriní distingue duas categorias básicas de enfermidades. De um lado, estão aquelas que resultam de um contato com o Sobrenatural (as doenças de Karowara) e, de outro, as demais moléstias conhecidas. Nesta segunda classe, incluem-se aquelas classificadas como "doenças de branco/cristão" (gripe, sarampo, pneumonia, catapora, etc.), que devem ser tratadas na enfermaria da Funai ou no hospital da cidade de Tucuruí. Quando o pajé diagnostica uma moléstia nesta subcategoria, recomenda que o paciente procure a enfermaria, que, aliás, "só sabe mesmo curar este tipo de doença".

Ao lado das "doenças de branco" figuram, nesta segunda categoria, enfermidades que são curadas com plantas medicinais. Tais moléstias costumam ser diagnosticadas e tratadas, no âmbito familiar, pelo próprio doente (quando adulto) ou por algum parente próximo. O uso de tais plantas é bastante difundido, embora os velhos acumulem maiores conhecimentos nesta área.

Os Asuriní citam receitas para curar uma grande variedade de doenças, como: malária, febre, dor de dente, dor de cabeça, ferrada da formiga tocandeira, lombriga, picada de cobra, disenteria, tosse, mordida de aranha, cortes, feridas, dor de ouvido e dor de garganta. A maneira de empregar as plantas é também variada, podendo ser utilizadas as folhas, o caule ou ainda o líquido extraído do vegetal. As plantas podem ser aplicadas diretamente no local da dor. Outras vezes, prepara-se um banho com as folhas, ou ainda, cozinha-se a planta na água, devendo o paciente ingerir o líquido.

É comum que os doentes recorram a estes expedientes caseiros antes de procurar o pajé. Se a enfermidade não cessa com este tratamento, a família levanta a hipótese de uma doença de Karowara e recorre ao pajé para um diagnóstico; isto é bastante usual no caso das dores de cabeça e de febres. De outro lado, o uso das plantas medicinais não elimina o emprego simultâneo de remédios fornecidos pela Funai, especialmente se o doente é uma criança.

Os Karowara são uma importante força-sobrenatural que circula entre os humanos e os seres sobrenaturais, através de ações que envolvem cooperação ou agressão. Os Karowara são tanto a fonte de poder dos pajés (que optam por tê-lo dentro de si), como a causa de doenças.

Neste segundo caso, os Karowara são jogados nos humanos pelos Takwitimasa, uma categoria de seres sobrenaturais que reside na mata. Uma razão mencionada para este procedimento agressivo dos Takwitimasa frente aos humanos diz respeito ao seu comportamento frente aos animais. Assim, se diz que os Takwitimasa jogam Karowara nos humanos quando estes maltratam os animais.

Os pajés têm o poder de retirar os Karowara inseridos pelos Takwitimasa nos humanos, bem como o de colocá-los no seu corpo dos homens dentro do processo de formação de um pajé.

A aquisição de tal poder, como se viu, depende de uma terceira forma de recebimento de Karowara através do Espírito-onça (Sawara). A relação com este espírito, por outro lado, é o que vai conferir ao homem a capacidade de ressurreição.

Acreditam os Asuriní que, se o corpo do pajé for enterrado de acordo com determinados procedimentos, cuja execução é de responsabilidade das mulheres, ele ressuscitará. O renascimento seria o destino ideal dos homens.

Esta possibilidade não se coloca para as mulheres, que ao morrer vão necessariamente para Tupana, aonde encontra-se Mahira. A existência das mulheres obedece, assim, a um movimento cíclico que se inicia e finaliza em Mahira.


Nota sobre as fontes

Os Asuriní começaram a ser estudados na década de 60. Nesta época iniciaram-se as pesquisas da língua Asuriní por membros do Instituto Lingüístico de Verão: Carl Harrison, Robin Solly, Velda Nicholson, Catherine Aberdour e Anette Tomkins. Tais levantamentos prosseguiram até os anos 70, tendo resultado publicações, como Gramática Asuriní de autoria de Harrison (SIL, 1980) e, ainda, Emogeta: Cartilha Asuriní (1977) e Aspectos da Língua Asurini (1978), ambos elaborados por Nicholson e publicados pelo SIL.

Foi também na década de 60 que tiveram início as pesquisas antropológica por Roque Laraia e Expedito Arnaud. Nesta época, Arnaud publicou alguns artigos que trazem informações gerais a respeito do grupo, referentes ao contato, à terminologia de parentesco e às atividades de subsistência.

Roque Laraia realizou sua pesquisa junto aos Asuriní em 1962, tendo permanecido entre eles durante quatro meses. Nesta ocasião, a comunidade sofria as conseqüências de um trágico processo depopulacional, resultado de sucessivas epidemias trazidas com a "pacificação". Assim, o grupo de 190 indivíduos contatados em 1953 estava, em 1962, reduzido a 34 índios residentes junto ao posto do SPI, 10 dispersos entre não-índios e 14 na mata - estes últimos constituíam o grupo do Pacajá, com o qual Laraia não teve contato.

A enorme redução populacional dos Asuriní por um lado, e a orientação teórico-metodológica de Laraia por outro, explicam porque ele não elaborou uma monografia específica e detalhada sobre os Asuriní. Sua pesquisa incluía-se no projeto "Áreas de Fricção Interétnica", dirigido por Roberto Cardoso de Oliveira, tendo seus resultados sido apresentados no artigo A Fricção Interétnica no Médio Tocantins (1964) e no livro Índios e Castanheiros, que o autor publicou em 1967, juntamente com Roberto da Matta. Nestes trabalhos, as principais informações sobre os Asuriní são aquelas que se referem à história do contato. Os dados sobre a organização social restringem-se à terminologia de parentesco e às regras de casamento, que são analisadas pelo Autor.

Outra preocupação que norteava os trabalhos de Laraia era a perspectiva comparativa. Assim, a sua decisão de trabalhar com os Asuriní deveu-se às informações sobre a semelhança destes com os Suruí, entre os quais Laraia já desenvolvia suas pesquisas. O resultado deste estudo comparativo pode ser verificado no artigo do autor Akuáwa-Asuriní e Suruí - Análise de Dois Grupos Tupi (1972), que traz ainda informações breves, mas inéditas, sobre a cultura material, as atividades econômicas e o xamanismo Asuriní.

A perspectiva comparativa está presente também na sua dissertação de doutorado Organização Social dos Tupi Contemporâneos, apresentada em 1972 e publicada com o título Tupi: índios do Brasil atual. Como se poderia esperar de um trabalho comparativo, as informações sobre os grupos indígenas são gerais. O autor não abrange o sistema cultural dos Asuriní como um todo, como só seria possível numa monografia específica sobre este grupo. Mesmo assim, é em sua tese que Laraia oferece um maior número de dados sobre os Asuriní, abordando outros aspectos da organização social, além da terminologia de parentesco e das regras matrimoniais analisados nas obras anteriores.

Mais recentemente, na década de 80, os Asuriní foram estudados pela antropóloga Lúcia Andrade. Esta pesquisa deu-se no âmbito da renovação dos estudos dos Povos Tupi, desenvolvidos por uma série de antropólogos de diversas instituições de ensino e pesquisa junto a grupos Tupi da Amazônia, na época recém-contatados, e também a povos já conhecidos como os Asuriní.

Lúcia Andrade realizou pesquisa de campo entre 1982 a 1989 que resultou na dissertação de mestrado O Corpo e o Cosmos, Relações de Gênero e o Sobrenatural entre os Asuriní do Tocantins apresentada ao Departamento de Antropologia Social da Universidade de São Paulo, em 1992. A dissertação versa sobre dois temas centrais o xamanismo e a relação entre os gêneros, através dos quais são analisadas a cosmologia dos Asuriní e a sua noção de Pessoa.


Fontes de informação

  • ANDRADE, Lúcia Mendonça Morato de. O corpo e o cosmos : relações de gênero e o sobrenatural entre os Asurini do Tocantins. São Paulo : USP, 1992. (Dissertação de Mestrado)

 

  • ARNAUD, Expedito. Mudanças entre os grupos indígenas Tupi da região do Tocantins-Xingu (Bacia Amazônica). In: --------. O índio e a expansão nacional. Belém : Cejup, 1989. p. 315-64. Publicado originalmente no Boletim do MPEG, Antropologia, Belém, n.s., n. 84, abr. 1983.

 

  • HARRISON, Carl. Gramática Asurini. Brasília : SILK, 1980.

 

  • LARAIA, Roque de Barros. Akwáwa-Asurini e Suruí : análise de dois grupos Tupí. Rev. do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo : IEB, v. 12, p. 7-30, 1972.

 

  • --------. Tupí : índios do Brasil atual. São Paulo : USP, 1986. (Antropologia, 11)

 

  • --------; MATTA, Roberto da. Índios e castanheiros : a empresa extrativista e os índios no Médio Tocantins. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1978. 208 p. (Estudos Brasileiros, 35)

 

  • NICHOLSON, Velda. Emogeta : cartilha Asurini. Brasília : SIL, 1977.

 

  • --------. Aspectos da língua Asurini. Brasília : SIL, 1978.

 

  • SILVA, C. E.; Carvalho Junior, J.; Miller, R. P.  Avaliação de impacto ambiental e sociocultural da UHE Tucuruí na Terra Indígena Trocará – Povo Asuriní & Proposta de ação compensatória. Associação de Apoio às Atividades do Programa Parakanã - AAPP, 2006, 190 p. (relatório não publicado).

 

  • SOARES, Marília Lopes da Costa Facó. A perda da nasalidade e outras mutações vocálicas em Kokama, Asurini e Guajajara. Rio de Janeiro : UFRJ, 1979. (Dissertação de Mestrado)