Uruhe'i e Maripyaipok
por Dona Maria Trindade Lopes - Vida Feliz, rio Andirá (AM), 1996
Existiram dois irmãos que iam descendo quando o Imperador o chamou para descer para fora: Uri era o nome da mulher, mas como quando iam descer ela cochichou ['he´i-´he´i] ao ouvido do irmão que ela tinha esquecido uma coisa: o seu banco, foi chamada de Urihe´i: Uri cochichou: Urihe´i-he´i. O irmão dela chamava Mari, mas como ele voltou, também a causa do apelo da irmã, chamaram ele Mari-aipok: Mari voltou: Mari py aipok: [Mari pé voltou].
Uri era o nome de Eva em língua sateré. Dela surgiram todos os Sateré.
Toran
O Imperador dos Sateré-Mawé, por Alba Lucy Giraldo Figueroa
Relatos antigos [sehay poot´i] colhidos em diversas localidades da Área Indígena Andirá-Marau referem-se à epopéia de um deus mítico que os Sateré-Mawé reconhecem como seu ancestral. Numa dessas versões, o nome atribuído ao demiurgo pelos narradores é o de Imperador. O termo Imperador foi utilizado no contexto da língua sateré-mawé, sendo Imperador a única palavra em português do relato original, que tanto para o narrador quanto para os demais ouvintes, todos homens adultos, era considerada uma palavra de sua própria língua. Acrescentaram que o seu nome completo era "Imperador Dom Pedro". Em outros contextos, ocorre a utilização do apelativo morekuat, nome genérico para "chefe", hoje reservado principalmente aos funcionários públicos.
O relato, em suas diversas versões, é fundamental para a compreensão de como se configuram diversos temas entre os Sateré-Mawé, tais como o da identidade étnica, o lugar e o papel atribuído à categoria social dos brancos (karaiwa) na suas representações sobre o mundo e naquelas referentes às relações de poder com as instituições do Estado brasileiro. Fundamentam, por outro lado, o sentimento religioso embutido no senso de territorialidade e na prática política dos Sateré-Mawé. Um ponto comum a todas as versões do relato é o consentimento explicitado pelo Imperador diante da opção da parte dos índios de ficarem nas suas terras.
Os brancos são associados a dois tipos de sapos esbranquiçados: um chamado kaingkaing [não identificado] e outro manka'i [Hyla venulosa - cunauaru]. Também são feitas outras associações: uma com o macaco wahue: "caiarara" [Cebus albitrons unicolor], por ser ele "todo branco e sem-vergonha". A outra é com o tiapu ou tiapii [Cacicus cela], "japiin", [pássaro da família dos Icterideos, Psarocolius]. Neste último caso, o traço destacado é aparentemente, o hábito de habitação coletiva e numerosa, bem como a grande versatilidade canora demonstrada por esse pássaro. Alguns narradores apontam para justificar essa associação a característica multi-instrumental da música ocidental.
Os brancos são, assim, representados como descendentes daqueles que seguiram o Imperador e os Sateré-Mawé como descendentes dos que ficaram. A palavra toran, pronunciada com ênfase pelos narradores depois de uma pausa final, cada vez que narram um mito, demarca uma seqüência temporal durante a qual espera-se que a atitude dos presentes seja de reverente silêncio diante das sehay pot'i: palavras antigas, tidas pelos homens idosos como palavras de bem e de beleza.