UMA FOTO, UMA HISTÓRIA: Anna Terra Yawalapiti
A imagem de uma mulher indígena fazendo frente a um cordão policial durante o 14º Acampamento Terra Livre, em frente ao Congresso Nacional, viralizou nas redes sociais em abril de 2017: foram mais de 6000 compartilhamentos no Facebook, alcançando mais de 100 mil pessoas. A mulher em questão era Anna Terra Yawalapiti.
Filha do chefe Pirakumã Yawalapiti, que faleceu em 2016 e é lembrado como uma das prestigiosas lideranças do Parque Indígena do Xingu (TIX), Anna Terra repetiu, inconscientemente, o gesto de seu pai durante a Mobilização Nacional Indígena de 2013, clicado pelo fotógrafo André D’Elia.
Neste depoimento sobre a fotografia de Pirakumã, ela conta o que viveu em 2013, quando o líder pedia calma aos policiais após ter sido agredido com cassetetes e spray de pimenta, revela o que a moveu na direção dos policiais na mobilização de 2017 e explica a importância do diálogo para a política xinguana.
“A única arma que eu tenho é a minha boca”
por Anna Terra Yawalapiti
A gente sempre foi parceiro em todos os lugares: na cidade, na aldeia. Eu estou nessa por causa dele; ele que me puxou por esse caminho. Aqui foi o dia que ele levou também spray de pimenta, mas ele era muito guerreiro, ele não fugiu. Ele levou spray, mas ficou ali. E essa imagem, ela... penso nesse dia... Ali deixou de ser somente pai para mim. A partir dali, comecei a ver ele como meu guerreiro, meu protetor, meu cacique. O nosso embaixador do Xingu.
Eu estava junto, porque se for para ele morrer, eu também vou morrer junto do meu pai. Eu não vou fugir e deixar ele sozinho. Uma vez, também, aconteceu na aldeia que nossa casa pegou fogo e ele foi salvando as coisas. Ele queria ser o último, a última pessoa a sair. Eu fiquei com ele e ele me mandava embora: ‘Vai embora, vai embora!’. E eu: ‘Não pai, eu vou ficar aqui. Só vou embora se você sair’. Quando ele viu que a casa estava desabando e que eu não ia embora, ele saiu. Mas a gente sempre foi companheiro. Quando ele era vivo, sempre fomos. Essa imagem marcou muito para a gente, para a família, até agora. A gente tem esse banner até hoje, e com ele que eu carrego toda a esperança. Eu sinto que ele está comigo através desse banner.
Essa imagem pra mim significa a força indígena: a gente nunca vai desistir. Que nem ontem... Eu fui, não porque eu queria aparecer. Se for pra morrer, eu vou. Quando eu percebi que uma das meninas do nosso grupo não tinha voltado do local, a responsabilidade estava na minha mão e eu voltei. Foi um momento tão rápido, que eu não estava com aquela ideia de ir lá e parar aquilo. Aquilo tudo veio do desespero de pensar que uma das meninas do nosso grupo estava ali. Ou estava na água, ou então tinha sido levada para dentro. Assim aconteceu. Quando vi, já estava ali conversando com eles. Nem parei pra pensar que eles poderiam jogar gás de pimenta, bomba, sei lá… [fazer] qualquer coisa comigo. Não parei. Eu só fui chegando, fui gritando, pedindo para eles pararem. Quando fui ver eu já tava lá.
Nós, os povos do Alto Xingu, entre nós, não temos essa cultura de guerrear. Somos nove etnias. A nossa governança sempre foi através de diálogo. A gente nunca anda com arco e flecha, com faca... a gente não faz isso. A gente vai na mata, assim, só se for para caçar. Se for para pegar algum remédio, a gente leva um facão só para tirar um remedinho mesmo. Mas a gente nunca andou armado, nem nada disso. Então, a gente geralmente usa só o diálogo para poder resolver as coisas.
Ele e o Raoni [Metuktire] sempre fizeram um diálogo com policiais, com autoridades, para permitirem que todos os índios entrassem naquele local. Então, é o que eu usei também. Eu falei: ‘A única arma que eu tenho é a minha boca’. Agora... a gente já teve vários diálogos com eles. Até nós, que somos mansinhos, também já estamos começando a ficar com raiva. Então, se for pra gente guerrear, a gente não vai desistir não! Não é uma pimentinha no olho que vai fazer a gente desistir”.
O depoimento acima é parte da série “Uma foto, uma história” e foi registrado em 2017 durante o 14º Acampamento Terra Livre, em Brasília (DF), por Letícia Leite, Mario Brunoro e Rafael Monteiro Tannus.
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