De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Rinaldo S.V. Arruda, 1986

Rikbaktsá

Autodenominação
Rikbaktsá
Onde estão Quantos são
MT 1600 (Siasi/Sesai, 2020)
Família linguística
Rikbaktsá

Os Rikbaktsa, conhecidos como "Orelhas de Pau" ou "Canoeiros", tidos como guerreiros ferozes na década de 1960, enfrentaram um processo de depopulação que resultou na morte de 75% de seu povo. Recuperados, ainda hoje impõem respeito à população regional por sua persistência na defesa de seus direitos, território e modo de vida

Nome

Foto: Missão Anchieta, 1959
Foto: Missão Anchieta, 1959

Sua autodenominação - Rikbaktsa - significa "os seres humanos". Rik é pessoa, ser humano; bak é um reforço de sentido e tsa é o sufixo para a forma plural. Regionalmente são chamados de Canoeiros, por referência à sua habilidade no uso de canoas ou, mais raramente, de "Orelhas de Pau", pelo uso de enormes botoques feitos de caixeta, introduzidos nos lóbulos alargados das orelhas.

Língua

Seu idioma é considerado por pesquisadores do Instituto Lingüístico de Verão como uma língua não classificada em família, incluída no tronco lingüístico Macro-Jê.

Um dos aspectos interessantes da língua Rikbaktsa é o fato, comum a várias outras línguas indígenas, de haver uma diferença entre a fala masculina e a feminina, de modo que a terminação de muitas palavras indica o sexo do falante. O conhecimento e a maestria no uso da linguagem é reconhecidamente mais desenvolvido nos velhos, cujas conversas costumam ser acompanhadas com interesse pelos que querem refinar seu conhecimento da língua.

Atualmente os Rikbaktsa são bilíngües, tendo aprendido e incorporado o português. As novas gerações falam mais regularmente e melhor o português, aprendendo e utilizando a língua Rikbaktsa à medida em que crescem e ocupam um espaço no mundo adulto. Os mais velhos, por outro lado, utilizam o português com mais dificuldade e apenas no contato com os "brancos".

Localização e histórico do contato

Foto: Rinaldo S.V. Arruda, 1994
Foto: Rinaldo S.V. Arruda, 1994

Os Rikbaktsa vivem na bacia do rio Juruena, no noroeste do Mato Grosso, em duas Terras Indígenas contíguas - a TI Erikpatsa e a TI Japuíra e em uma terceira, a TI do Escondido, mais ao norte, na margem esquerda do rio Juruena.

Seu território tradicional situava-se entre os paralelos 9° e 12° latitude sul e os meridianos 57° e 59° longitude oeste, espraiando-se pela bacia do rio Juruena, desde a barra do rio Papagaio, ao sul, até quase o Salto Augusto no alto Tapajós, ao norte; a oeste expandia-se em direção ao rio Aripuanã e a leste até o rio Arinos, na altura do rio dos Peixes.

Embora isolada, a região há havia sido atravessada por expedições científicas, comerciais e estratégicas desde o século XVII. Entretanto, pouco se conhecia das matas ocupadas pelos Rikbaktsa já que, naqueles trechos do rio Juruena e Arinos, as expedições mantinham-se sempre no leito do rio ou na sua proximidade, pouco se aventurando no interior da mata. Deste modo, até a penetração dos seringueiros no final da década de 1940, nenhuma menção havia sobre os Rikbaktsa. A ausência de referências históricas anteriores e de estudos arqueológicos não permite determinar a antiguidade de sua ocupação. Entretanto, a memória tribal, as referências geográficas expressas em mitos e o extenso e detalhado conhecimento da fauna e flora que demonstram ter sobre o território e seus arredores fazem supor uma permanência bastante antiga.

Eram bem conhecidos pelos grupos indígenas vizinhos com os quais, quase sem exceção, mantiveram relações hostis. Famosos por seu ethos guerreiro lutaram com os Cinta-Larga e Suruí a oeste, na bacia do rio Aripuanã; com os Kayabi a leste e com os Tapayuna a sudeste, no rio Arinos; com os Irantxe, Paresí, Nambikwara e Enawenê-Nawê ao sul, no rio Papagaio e nas cabeceiras do rio Juruena; com os Munduruku e Apiaká ao norte, no baixo rio Tapajós. Opuseram resistência armada aos seringueiros até 1962.

Foto: Missão Anchieta, 1959
Foto: Missão Anchieta, 1959

A partir da "pacificação" dos Rikbaktsa, financiada pelos seringalistas e realizada pelos jesuítas entre 1957 e 1962, seu território tradicional passou a ser ocupado por diversas frentes pioneiras, de extração de borracha, madeireiras, mineradoras e agropecuárias. Durante e logo após a pacificação, epidemias de gripe, sarampo e varíola dizimaram 75% de uma população calculada em cerca de 1.300 pessoas. Perderam a maior parte de suas terras e a maior parte das crianças pequenas foram retiradas das aldeias e educadas no Internato Jesuítico de Utiariti, situado no rio Papagaio, a quase 200 km de sua área, junto com crianças de outros grupos indígenas também contatados pelos missionários. Os adultos remanescentes foram sendo gradativamente transferidos de suas aldeias originais para aldeias maiores e mais centralizadas sob a direção catequizadora dos jesuítas. Em 1968 tiveram demarcada cerca de 10% de seu território original - a Terra Indígena Erikpatsa - as crianças foram sendo levadas de volta para as aldeias e a atuação missionária nele se centralizou.

Na década de 70, a atuação missionária se modificou, atenuando seu autoritarismo, reconhecendo o direito dos povos indígenas à sua própria cultura e abrindo mais espaço, sempre reivindicado pelos Rikbaktsa, a uma maior autonomia. Desde o final dos anos 70 passam a lutar pela recuperação de parte de suas terras. Em 1985, conseguiram retomar a região conhecida por Japuíra. Continuaram a luta pela região do Escondido, demarcada pelo Estado brasileiro só em 1998, estando, entretanto, ainda invadida por garimpeiros, madeireiras e empresa de colonização.

População

Foto: Pe. Antonio Iasi, 1985
Foto: Pe. Antonio Iasi, 1985

Sua população em 1998 era de cerca de 909 indivíduos. Uma estimativa com base no tamanho e número das aldeias encontradas nas expedições jesuíticas destinadas a "pacificá-los" indica uma população de cerca de 1.300 pessoas no final da década de 50 do século XX. As doenças derivadas dos primeiros contatos reduziram enormemente esta cifra.

Sofreram uma perda de cerca de 75% da população da época do contato até 1969, recuperando-se em parte da década de 70 em diante. A intermediação protecionista da Missão Anchieta (MIA), apesar de produzir intensa pressão aculturativa e desarticuladora sobre o povo Rikbaktsa, foi o que ao mesmo tempo propiciou as condições mínimas para que se recuperassem fisicamente após a mortandade pós-contato. Em 1985, segundo levantamento da Missão Jesuítica, já havia uma população de 511 pessoas, sendo 153 nascidas antes do contato e 357 nascidas depois. Assim que as epidemias foram contidas e a produção alimentar regularizada, voltaram a crescer em ritmo acelerado, se comparado com as taxas nacionais, como demonstra a tabela a seguir.

Ano População % Fonte
1957 1300 ----- personal est.
1969 300 - 77% MIA/SIL
1979 380 +26% MIA/HAHN
1984 466 +22.6% MIA
1985 511 +9.65% MIA
1986 514 +0.58% MIA
1987 520 +1.16% MIA
1989 573 +10.19% MIA
1993 700 +22.16% MIA
1995 905 +29.29% MIA/ASIRIK
1997 950 +4.97% MIA/ASIRIK
1998 1025 +7.89% ASIRIK

A queda no crescimento nos anos 1985-87 parece corresponder tanto a um aumento da mortalidade quanto à diminuição de nascimentos. Isso se deve em parte ao conturbado período de luta pelo reconhecimento do Japuíra como área indígena, no qual a queda da produção alimentar, aumento da debilidade física e inadequação do atendimento à saúde parecem ter sido os responsáveis pela debilitação do povo.

De 1987 em diante, quando já tinham a posse oficial do Japuíra, acesso a mais recursos e uma perspectiva mais otimista de vida, e no qual a MIA e a Funai preocuparam-se mais concretamente com o atendimento à saúde na área, a população Rikbaktsa voltou a acentuar sua taxa média anual de crescimento.

A tuberculose e outras doenças pulmonares e as mortes por malária ainda ocorrem com certa freqüência, mas parecem estar mais controladas, permitindo uma expectativa de manutenção desses índices de crescimento populacional.

Atividades econômicas

Geraldino Muitsy Rikbaktsa, do clã Makwaraktsa. Foto: Rinaldo S.V. Arruda, 1984
Geraldino Muitsy Rikbaktsa, do clã Makwaraktsa. Foto: Rinaldo S.V. Arruda, 1984

A natureza se apresenta como o grande manancial, onde os Rikbaktsa estão imersos. O conhecimento milenarmente adquirido e oralmente transmitido sobre as espécies vegetais e animais, suas interrelações e ciclos de reprodução, aliado a técnicas adequadas de aproveitamento sempre garantiram sua reprodução biológica e social. A socialização desses conhecimentos e técnicas e o livre acesso de todos os indivíduos aos recursos do território do grupo ao qual pertencem, garantem alto índice de igualitarismo interno. Não é preciso acumular excedentes, já que estes se encontram "estocados" na mata e todos sabem retirá-los no momento em que necessitam.

A divisão do trabalho é basicamente entre homens e mulheres, aproveitando e reforçando os laços de interdependência pré-existentes ao nível da reprodução biológica.

A autonomia econômica e política dos grupos domésticos, constituídos como unidades de produção e consumo, é contrabalançada pelas relações do sistema de parentesco (socialmente criadas) e de ordem ritual. Esse sistema de relações de reciprocidade os articula na comunidade mais ampla, o povo Rikbaktsa. A quebra de reciprocidade, que por vezes ocorre, é causadora de atritos e diferencia os laços existentes entre os diversos sub-grupos Rikbaktsa.

Na perspectiva Rikbaktsa eles são muito mais caçadores e coletores do que agricultores, embora a agricultura, e as festas rituais a ela associadas, tenham um papel central no ritmo e organização da vida social.

A economia Rikbaktsa caracteriza-se pela alternância de atividades diferenciadas ao longo do ano, concentrando-se sazonalmente ora numa ora noutra atividade. A unidade de produção e consumo cotidiano é a família extensa, ou seja, dos habitantes de cada casa. Somente no decorrer dos rituais que acompanham a atividade agrícola (derrubada de roça nova e colheita do milho novo) e em poucas outras ocasiões é que ocorre uma cooperação mais ampliada.

Fazem roças de coivara, de forma arredondada, de meio a dois hectares cada, com várias espécies consorciadas de acordo com sua compatibilidade, expressas muitas vezes na linguagem de parentesco. A cada dois ou três anos abrem novas roças, abandonando a anterior ao trabalho de reconstituição espontânea da floresta. Às vezes, além dos roçados perto da aldeia, possuem outros mais ou menos distantes que, juntamente com as roças abandonadas, constituem reservas alimentares, de onde colhem esporadicamente os tubérculos e bananas que continuam a produzir por vários anos.

Plantam milho "mole" de dois tipos (um deles preto), batata-doce, cará, mandioca "mansa", inhame, arroz, feijão, fava, algodão, urucu, bananas de diversos tipos, cana-de-açúcar, amendoim e abóbora. Plantam também abacaxi, cítricos (limão, laranja, tangerina), manga e outras frutas, embora de forma mais irregular. Dizem que antigamente plantavam tabaco para fins medicinais.

As roças são do grupo doméstico, constituído pelo "dono da maloca", sua esposa, filhos solteiros, filhas solteiras e casadas, genros e netos. O homem casado e com vários filhos que se separa da maloca do sogro construindo casa própria faz também nova roça para sua família. Entretanto, em quase todos os aldeamentos, chefes de família mais empreendedores e influentes podem fazer sua derrubada com o auxílio de parentes e moradores da mesma aldeia e de outras aldeias ao redor, sediando e organizando ao mesmo tempo a realização de um ciclo ritual de festas que acompanha as atividades agrícolas anuais.

As derrubadas novas são feitas de maio a junho, quando se firma a estação seca. Nas capoeiras, isso ocorre de julho até a metade de agosto. Queimam e fazem a coivara em agosto/setembro e plantam depois da primeira chuva, no começo de outubro.

Grande parte do alimento consumido diariamente é conseguido através da caça, da pesca e da coleta, praticamente ininterruptas durante o ano todo. Mas a caça é a atividade por excelência dos homens. O papel social do caçador/guerreiro parece ser o ponto de referência central do conjunto de valores constitutivos da identidade masculina, a figura "arquetípica" do provedor de alimentos e defensor da comunidade.

Os Rikbaktsa comem quase todos os animais, com poucas exceções, como o jacaré, o tamanduá-bandeira, cobras, onças e "macaco da noite", de pêlo quase branco. Apreciam a carne de todos os tipos de macaco (com a exceção indicada), que é a caça mais freqüente. O porco do mato e o caititu são também bastante valorizados, assim como a cotia, a paca, o veado (vermelho e cinzento), o quati (que às vezes criam), a anta, vários tipos de tatu (do tatu canastra fazem pulseiras da cartilagem do rabo, usadas pelas meninas e mulheres), ariranha, irara etc. Caçam aves em quantidade e diversidade, valorizando-as pela carne e pelas penas: araras (de três tipos), ararinhas, papagaios, gavião (vários tipos), japuíra, mutum, mutum-carijó, tucano, tucaninho, garça, pato, marreco, biguá, jacamim, jacu, jacutinga, macuco, macuquinho, pomba, coruja, passarinhos de todo tipo.

Comem também todo tipo de peixe, ovas de tucunaré depositadas em galhos submersos, tracajás, ovos de tracajá ou de cágado que descobrem em grande quantidade enterrados para chocar nas praias que se formam na seca. As crianças desde os três anos de idade costumam brincar no porto da aldeia, matando peixinhos com seus pequenos arcos e flechas de três pontas. Capturam com a mão peixinhos recém nascidos na vegetação submersa da margem, comendo-os muitas vezes crus, quando são bem pequenos. Entretanto, apesar de variada e praticada o ano todo a pesca nem sempre é farta. Na época da chuva ela se torna mais rara e menos freqüente, sendo mais praticada e com melhores resultados na seca.

Na estação chuvosa, os rios inundam a floresta às vezes por uma grande extensão, já que a região é plana, com suaves ondulações no seu interior. Formam-se inúmeras lagoas e os peixes, que desovaram no final da estação seca, espalham-se pela mata, mais rica em alimentação, para crescer e engordar. Sua dispersão torna a pesca mais difícil, mas ainda assim é praticada, principalmente à flecha.

De modo geral, as pessoas estão sempre atentas ao que a natureza oferece, orientando sua alimentação, suas atividades, seus rituais, em conexão com os ritmos entrelaçados de crescimento, alternância e maturação das formas de vida animal e vegetal, recursos naturais que aproveitam intensamente na época apropriada. A coleta é atividade diária, praticada pelos homens, mulheres e crianças nas saídas freqüentes ao redor da aldeia; tiram embira para fazer corda, buscam lenha, palha, madeiras para fins diversos, plantas medicinais etc.

Além da extensa variedade de frutas silvestres, o alimento coletado que guarda maior importância na dieta Rikbaktsa é ainda hoje a castanha. De alto valor nutritivo, ela é extensamente consumida; inteira, ralada e cozida como mingau, como componente de massa de beiju, pão ou bolo e ainda para fazer óleo de fritura.

Muito consumido também é o mel de vários tipos de abelhas, usado como adoçante, misturado à água ou nos diversos tipos de chicha. Chicha é o nome genérico dado aos vários tipos de "sopas", "vitaminas" ou "sucos" que os povos indígenas costumam fazer. Os Rikbaktsa costumam fazer chicha de bananas, milho fofo, batata-doce, cará, milho com banana, patauá, inajá, buriti, buritirana, assari, seriva (pupunha), bacuri, bamy, aboho, bamy com milho e uma infinidade de outras menos freqüentes. Não há nenhuma bebida ou chicha fermentada entre eles ou, quando há, é de fermentação recente por ter sido preparada a dois ou três dias no máximo, sem teor alcoólico detectável. São gostosas, bastante nutritivas e, no clima quente local, uma boa prevenção contra a desidratação, sendo tomada por todos, homens, mulheres e crianças, com grande freqüência.

Preferem o mel ao açúcar, que atualmente também é usado em larga escala; tanto o mascavo que produzem em pequena quantidade, quanto o refinado comprado no comércio regional. O mel de jati, fino, claro e de sabor delicado é tido como o melhor para crianças, com qualidades medicinais contra tosse.

Os Rikbaktsa costumam criar vários tipos de aves, tendo-as como um estoque vivo de penas para seu enfeites, do qual lançam mão sempre que necessitam. Criam araras, ararinhas, pequenos periquitos, mutum, jacutinga, jacu etc. A mais comum é a arara (amarela, vermelha ou cabeçuda). É comum encontrar araras perambulando pelo chão ao redor das casas, dentro delas ou nas árvores próximas. Os Rikbaktsa mostram grande afeição por elas, sempre as nutrem com castanha, milho e outros alimentos, o que não impede que, de tempos em tempos, debaixo de grande alarido da arara, que deve ser bem segura pelos pés e cabeça, arranquem-lhe quase todas as penas. Em uma semana as penas começam a crescer de novo e ficam de cores cada vez mais fortes, mais "maduras" como dizem os índios. Muitos criam também galinhas, pelos ovos e carne mas também pelas longas penas do rabo de galo, incorporada aos enfeites plumários tradicionais, com um belo efeito estético. Por fim, há cães em quase todas as malocas, valiosos auxiliares na caça.

Por outro lado, incorporaram inúmeras mercadorias e utensílios produzidos pela sociedade envolvente, com a qual mantém relações comerciais, obtendo renda monetária nos últimos anos principalmente com a produção e comercialização da borracha, da castanha e do artesanato (sua arte plumária é das mais belas entre os grupos tribais brasileiros). Da produção agrícola e extrativa voltada para o mercado, realizada sob o comando dos jesuítas nas duas primeiras décadas de contato, passaram à auto- organização da produção e comercialização da borracha na década de 80, através de uma cooperativa interna, organizada em consonância com sua forma de vida social.

Nas últimas décadas o avanço do desmatamento em torno de suas terras tem prejudicado a reprodução dos animais da floresta e o crescimento da pesca comercial nos rios que limitam seu território tem prejudicado a reprodução dos peixes, afetando em parte tanto a caça como a pesca, aumentando sua dependência do mercado. Com a queda do preço da borracha, principalmente nos anos 90, apoiaram-se mais na produção e venda da arte plumária e, secundariamente, na venda esporádica de peixe, castanha e outros produtos para o pequeno comércio regional, como forma de obter alguma renda monetária.

Como alternativa econômica ao modelo de ocupação regional marcado pelo desmatamento extensivo, os Rikbaktsa desenvolvem desde 1998 um projeto de manejo sustentável não-madeireiro, centrado num primeiro momento na extração e envasamento de palmito para venda e, futuramente, também no beneficiamento e comercialização da castanha e outros produtos. É uma iniciativa pioneira, administrada pela Associação Indígena Rikbaktsa (ASIRIK, fundada em 1995), com assessoria técnica do Instituto de Estudos Ambientais (IPA) e do Instituto de Apoio ao Desenvolvimento Humano e do Meio Ambiente (TRÓPICOS), em parceria com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a Coordenadoria de Assuntos Indígenas do Mato Grosso (CAIEMT), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) e a Prefeitura do Município de Juína - MT, financiado pelo Programa de Apoio Direto às Iniciativas Comunitárias (PADIC) do PRODEAGRO e do Programa de Gestão Ambiental Integrada - PGAI/PPG7.

Estas atividades voltadas para o mercado mesclam-se e, por ora, subordinam-se às atividades econômicas tradicionais, num projeto social que tenta potencializar a renda monetária e a capacidade produtiva Rikbaktsa juntamente com a manutenção das características de organização, ritmo e diversidade da vida cotidiana.

Organização social

Foto: Rinaldo S.V. Arruda, 1986
Foto: Rinaldo S.V. Arruda, 1986

As aldeias tradicionais compunham-se de uma ou duas casas habitadas por famílias extensas (o dono da casa, sua esposa, filhos e filhas solteiras, filhas casadas, genros e netos) e uma casa dos homens ("rodeio" no português e makyry na língua Rikbaktsa) onde viviam os viúvos e jovens adultos solteiros. Em 1957, foram encontradas 42 aldeias, espalhadas por seu território, situadas no interior das matas, em locais próximos às cabeceiras de córregos, ligadas entre si por trilhas na floresta. Com a centralização imposta pelos jesuítas as aldeias tornaram-se maiores, menos numerosas e localizadas ao longo da margem direita do rio Juruena. Nas duas últimas décadas, a reconquista de partes de seu território (TI Japuíra e TI do Escondido) impulsionou a multiplicação do número de aldeias em seu porte tradicional, embora algumas dentre elas cheguem a ter mais de 10 casas.

Não há uma forma definida para as aldeias, como entre outros povos do mesmo tronco lingüístico que, a exemplo dos da família Jê, constroem aldeias circulares que refletem a organização social. Atualmente, há cerca de 33 aldeias nas áreas contíguas (TI Rikbaktsa e TI Japuíra) localizadas ao longo do rio Juruena, Sangue e Arinos, acompanhando os limites de suas fronteiras, como estratégia de vigilância de suas terras e otimização do uso dos recursos naturais. Em 1998 construíram mais uma aldeia na TI do Escondido, só agora demarcada, onde planejam a criação de mais aldeias para consumar sua reocupação.

Os Rikbaktsa dividem os seres do universo em duas séries opostas e complementares. Essa divisão, embora utilizada para os outros seres da natureza, opera mais extensamente em relação à sociedade Rikbaktsa e, configurada no sistema de parentesco, fornece o princípio classificatório mais abrangente através do qual organizam sua vida social. A sociedade Rikbaktsa é dividida em metades exogâmicas, uma associada à arara amarela (Makwaratsa) e outra à arara cabeçuda - um tipo de arara vermelha - (Hazobtisa), cada uma subdividida em vários clãs, associados a animais e vegetais.

Metades
Clãs Makwaraktsa (arara amarela) Hazobiktsa (arara cabeçuda)
- Makwaraktsa (arara amarela) - Hazobiktsa (arara cabeçuda)
- Tsikbaktsa (arara vermelha) - Umahatsaktsa (figueira)
- Bitsitsiyktsa (fruta silvestre) - Tsuãratsa (macuquinho)
- Mubaiknytsitsa (macaco aranha, quati) - Tsawaratsa (inajá)
- Zoktsa ("pau torcido", um tipo de árvore) - Bitsiktsa (tucano)
- Zuruktsa (animal feroz, mítico, aparentado à onça que hoje não existe mais) - Buroktsa (árvore, "pau leiteiro")
- Wohorektsa (uma certa árvore)
- Zerohopyrytsa (jenipapo)

Os casamentos são realizados entre as metades. Na década de 70, apesar de considerados incestuosos, realizaram-se casamentos entre membros da mesma metade de parentesco, em parte devido a dificuldades derivadas da mortalidade pós-contato, em parte induzidos pelos jesuítas no seu esforço "civilizatório". Atualmente as prescrições tradicionais são seguidas com rigor. A descendência é patrilinear e se funda na crença de que uma criança é gerada pelo pai, assemelhando-se sempre a ele e nunca à mãe. Além disso, parecem acreditar que qualquer outro homem que copular com uma mulher grávida participa da paternidade. Dizem que o filho toma o lugar do pai, dá continuidade a ele. A ligação entre pai e filho (ou filha) ultrapassa o momento da geração, sendo considerada um elo vital (mais do que social) que se estende por toda a vida. O casamento preferencial é entre primos cruzados e a regra de residência é uxorilocal, isto é, o noivo vai morar com os pais da noiva. A norma geral é a monogamia, mas a poliginia é permitida e ocasionalmente praticada. A cerimônia de casamento é bastante informal. Depois de estabelecido um acordo entre as famílias dos noivos e entre estes, o líder da aldeia retira a rede do homem de sua própria casa (ou da casa dos homens) e a amarra ao lado da rede da mulher, na casa de seu sogro, onde passa a morar nos primeiros anos de casamento, mudando-se depois de ampliar sua família para junto de seus irmãos casados. O divórcio é comum, principalmente nos primeiros anos de casamento, e é facilmente conseguido por qualquer um dos cônjuges.

Em conjunto com as relações de aliança entre grupos patrilineares criadas pelo casamento, os princípios classificatórios do parentesco determinam a distribuição das pessoas entre aldeias e estabelecem relações de prestígio e influência, constituindo-se no cerne de suas relações políticas internas. As relações entre os indivíduos, apoiadas nestes princípios, são classificadas por meio de um sistema formado por mais de sessenta termos, a maior parte constituintes de pares recíprocos.

A posição que uma pessoa vai ocupando na sociedade Rikbaktsa é definida pelo grupo de idade, o sexo, o clã e a metade. Seu sexo a coloca num lado da divisão do trabalho e define as tarefas que irá assumindo ao longo de sua vida. Esse percurso, e os papéis sociais que nele serão assumidos, é percorrido em conjunto com outras pessoas do mesmo sexo que, por passarem conjuntamente pelos rituais que marcam sua entrada na vida adulta, constituem um grupo de idade. Sua pertinência a um clã de uma metade de parentesco determinada, por outro lado, define suas possibilidades de casamento, seu papel e suas obrigações nas festas coletivas rituais, organizadas com base na reciprocidade de direitos e obrigações que as metades têm uma com relação à outra. Por outro lado, conforme o avançar da idade, as pessoas capacitam-se a assumir posições cada vez mais centrais na organização da vida social, até a chegada da velhice, que as coloca no mais alto nível de respeitabilidade.

As crianças desde cedo acompanham os pais, ajudando-os em seus afazeres. Aprendem a conhecer a floresta, seus recursos, seus segredos, através da vivência compartilhada e dos ensinamentos transmitidos no decorrer das tarefas e através dos mitos transmitidos pelos mais velhos. Dos rituais de passagem tradicionais praticam a perfuração de orelha e do nariz para os meninos, durante a grande festa final do ciclo ritual que acompanha a abertura das roças. Antigamente faziam tatuagens no rosto para as moças e no peito para os rapazes, no ritual de passagem para a idade adulta, seguidos por uma reclusão cerimonial que podia durar mais de um mês, durante o qual não podiam tomar sol, nem serem vistos por ninguém que fosse parente muito próximo. As reclusões, as tatuagens e o uso do botoque no lóbulo da orelha dos rapazes foram sendo abandonados após o contato. Antigamente os meninos passavam a viver na casa dos homens a partir dos 12 anos de idade, onde sua educação era completada por um mentor. Hoje em dia vivem com os pais até o casamento, quando mudam para a casa do sogro e este costuma completar a educação tradicional do genro.

Cada clã tem um estoque fixo de nomes, estabelecidos num passado imemorial, usados por todas as gerações mortas e portados continuamente pelas gerações vivas. Há os nomes de criança e os nomes de adultos. Uma pessoa recebe ao longo de sua vida três ou quatro nomes, deixando livre o anterior para ser usado por outra pessoa.

Os nomes são sugeridos por membros do clã do pai, mas a decisão sobre a sua adequação está na mão dos velhos, nem todos do mesmo clã, mas pertencentes a uma mesma classe de idade. Eles se reúnem antes da festa que acompanha a derrubada da mata para o plantio, quando decidem quem vai ganhar novo nome (crianças e adultos) e qual será. No decorrer da festa, no canto noturno, o "dono da festa" anuncia os nomes e as pessoas que os ganharam.

Uma criança pode receber o "nome de criança" que seu pai, avô ou irmão mais velho já usou. Ainda que seja mais comum receber nomes cujo último usuário tenha morrido bem velho, depois de uma vida plena, um homem pode receber um nome já usado por seu pai, avô ou outro membro do clã, mesmo que este ainda esteja vivo. A não ser no caso das crianças pequenas, ninguém é chamado pelo nome próprio. Os Rikbaktsa chamam-se entre si pelos termos de parentesco, por nomes cristãos, por apelidos ou referindo-se a uma relação conhecida estabelecida com uma terceira pessoa.

O nome próprio só é conhecido por seus parentes mais próximos e seus aliados, os que participam da mesma festa de derrubada, e costuma ser desconhecido pelas pessoas com as quais mantém relações mais distantes. Para os inimigos é segredo, não se diz. Mas, mesmo os que conhecem o nome do interlocutor não o pronunciam em público. Seria uma grande indelicadeza, uma invasão da privacidade, expor assim o nome de uma pessoa. Nem se diz a alguém o nome de uma pessoa que não está presente. Só o próprio dono pode revelá-lo, se sentir confiança para tal. Também não se costuma pronunciar o nome dos que morreram recentemente, referindo-se ao morto como "o falecido" e referindo-se a seu parentesco com uma terceira pessoa.

Ciclo de vida

Uma criança porta o nome que recebeu após o nascimento até receber outro, entre os 9 e 12 anos de idade. O critério não é a idade cronológica exata, mas o grau de aprendizado a que chegou. Entre os 3 e 5 anos o menino recebe um arquinho e flechas feitos por seu pai, começando a acompanhá-lo em pescarias e caçadas. Vai conhecendo a "fala" dos bichos (isto é, o modo como os animais comunicam-se entre si, os sons que produzem e o que eles indicam), o nome e as características das plantas e árvores, a geografia local. Com 8-10 anos de idade já sabe fazer seu próprio arco e flechas, ainda que menores do que os de um adulto, usando-os com alguma maestria. Quando já sabe flechar bem, aos 11-12 anos, fura o nariz na festa do milho, na estação das chuvas, e ganha seu segundo nome, um nome intermediário entre seu nome de criança e o de adulto, que portará mais tarde.

Começa a freqüentar a casa dos homens durante o dia, aprendendo sobre as festas, sobre os mitos, a respeito da utilização de ervas medicinais; aprende a tocar flauta, fazer os enfeites plumários, arcos e flechas de adultos. Ao mesmo tempo, passa a assumir mais sistematicamente as responsabilidades de provedor de sua casa e aldeia, participando de todas as tarefas adultas.

Aos 14-15 anos de idade, quando já consegue matar bichos grandes, como porco do mato, anta, capivara, veado etc., e já sabe o suficiente sobre as festas, passava pelo rito de perfuração do lóbulo das orelhas, que ocorria na festa grande, na estação da sêca, ponto culminante do ciclo ritual anual. Este rito, que hoje em dia não mais acontece, introduzia o rapaz na classe de idade dos homens feitos. Já podia casar e também participar das expedições guerreiras que regularmente moviam contra os Cinta-Larga, outros grupos vizinhos e, depois, contra os seringueiros. Nessa fase recebia seu terceiro nome, logo após a perfuração de orelha ou depois de casar.

Atualmente, mesmo sem furar a orelha, os rapazes são considerados adultos quando agregam as condições adequadas de idade e aprendizagem, recebendo então seu terceiro nome, em geral depois do casamento. Alguns homens podem trocar de nome ainda mais uma vez, recebendo um quarto nome, quando forem homens maduros, donos de maloca com filhos crescidos, família grande e influência social.

As mulheres também são nominadas da mesma forma que os homens, nas festas de derrubada, obedecendo porém a outros ritos de passagem.

Assim como os meninos, as meninas recém-nascidas recebem um nome clânico de criança. No passado, por volta dos 12 anos de idade, depois de menstruar pela primeira vez, as meninas furavam o nariz. Hoje, algumas furam e outras não. Nessa idade tomam "remédio do mato" para diminuir a dor do parto quando tiverem filhos.

Tradicionalmente, o pai decidia quando a filha iria receber as tatuagens faciais ("riscar o rosto"), o que ocorria na festa grande, na mesma ocasião em que os meninos tinham o lóbulo da orelha perfurado. A partir daí era considerada mulher feita, pronta para casar.

Depois da perfuração de nariz a moça já podia receber novo nome, em geral dado depois de riscar o rosto ou logo depois do casamento. Não há a prática de reclusão das moças, a não ser nesse curto período. Não há também cabanas menstruais, nem se percebe regras de isolamento relativas à menstruação.

Hoje em dia, esse ritual de passagem não é mais praticado, assim como a perfuração do lóbulo de orelha dos rapazes e as expedições de guerra, nas quais o caçador formado tinha sua primeira experiência como guerreiro, completando sua formação de homem adulto. A experiência de guerreiro tem sido nos últimos anos a participação ativa dos jovens nas lutas para a recuperação e manutenção de seu território.

Organização política

Foto: Rinaldo S.V. Arruda, 1987
Foto: Rinaldo S.V. Arruda, 1987

A sociedade Rikbaktsa se estrutura a partir das relações de reciprocidade estabelecidas entre os clãs pertencentes às metades de parentesco, que os articula na comunidade mais ampla. Trocam mulheres via casamento, trocam bens e trabalho nas festas que uma metade oferece à outra, em troca da ajuda na derrubada para o plantio. Essa interdependência aparece também na caça, onde o caçador sempre dá o animal caçado ao companheiro, em geral o cunhado, pertencente à outra metade de parentesco.

Porém, em princípio cada grupo doméstico se constitui como uma unidade política. Tradicionalmente não havia "chefes", ainda que tenha havido e há líderes cuja influência transcende sua própria casa ou aldeia. As chefias centralizadas impostas pelos missionários foram de curta duração e de pouca eficácia. Os líderes mais influentes, a par de sua capacidade pessoal, costumam ser os que tem o grupo de parentes e de cunhados mais numerosos. Atualmente começa aparecer também um outro tipo de líder, os jovens com mais conhecimento da sociedade envolvente, que podem oferecer respostas mais adequadas aos problemas que a situação de contato lhes impõe.

Sem chefia centralizada, os principais mecanismos de controle social são a "fofoca", a imposição do ostracismo e a evitação social.

A quebra da reciprocidade (principalmente em se tratando das obrigações familiares derivadas do casamento) é causadora de atritos e diferencia os laços existentes entre os diversos sub-grupos clânicos. Essa relação de maior ou menor solidariedade entre eles é que, a par dos critérios econômicos ou estritamente geográficos (proximidade de cursos de água, terra fértil etc.) define a localização das aldeias e as distâncias entre vizinhos.

Parece ter havido, anteriormente à situação de contato, rivalidades sérias entre os Rikbaktsa que viviam no rio Arinos com os do rio do Sangue e com os do rio Juruena. Atualmente, a luta pela sobrevivência física e cultural acentuou os laços de coesão internos, assim como permitiu uma maior aproximação e eventuais alianças com outras sociedades indígenas da região.

Visões sobre a doença, a morte e a vida

Os Rikbaktsa acreditam que há uma permutação de "almas" entre os seres do mundo físico. Assim, o destino dos mortos é diferenciado segundo a vida que tiveram como seres humanos. Alguns voltam de novo como seres humanos (até mesmo como "brancos") ou encarnados como macacos "da noite" (um dos poucos animais que eles jamais caçam); outros, que foram pessoas más em vida, voltam como animais perigosos aos homens, como a onça ou cobras venenosas. Por outro lado, os seres existentes um dia foram humanos e seus mitos registram como foram transformados definitivamente em animais. Assim, os porcos, a anta, as araras, os pássaros e até a lua já foram gente.

As centenas de histórias que formam o tecido mítico que dá forma e sentido à vida Rikbaktsa são recontados constantemente pelos mais velhos e até as crianças se orientam por eles na sua relação com o meio físico e social envolvente, procurando manter a harmonia de suas atividades com a ordem imanente do cosmos, retratada nos seus mitos.

A doença é vista como um desequilíbrio resultante da quebra de tabus (isto é, atos que ferem a harmonia ou a ordem imanente do mundo) ou como produto do feitiço, ou de envenenamento provocado por algum inimigo. As técnicas curativas tradicionais se baseiam no uso de inúmeras plantas com qualidades medicinais e em purificações rituais.

Todas as atividades de caça, coleta, pesca e agricultura se inserem nesse universo de significação e são ritualizadas no ciclo de cerimônias ritmadas pelo ano agrícola. Neles, a música, as canções e os enfeites plumários tem uma importância fundamental, expressando de forma sensível seu universo social e mítico, suas formas de sensibilidade afetiva, estética e religiosa. No processo de retomada de sua dignidade étnica, os rituais, a música e as narrativas míticas revestem-se de importância crucial, expressando e constituindo o núcleo de coesão e identidade que lhes permite enfrentar as transformações induzidas pelo contato, sem desintegrar-se como povo de cultura e história originais.

Há a festa do milho verde em janeiro, a festa da derrubada em maio e festas menores pontuando toda a seqüência de atividades anuais. O ponto alto do ciclo ocorre em meados de maio, quando as metades e os clãs aparecem com suas pinturas corporais, enfeites plumários e toques de flauta característicos. Nessa ocasião encenam-se episódios míticos e também episódios de lutas vividas na história recente por homens da comunidade.

Os Rikbaktsa são exímios tocadores de flautas e as canções tradicionais apropriadas são tocadas em todas as festas.

Nota sobre as fontes

As fontes bibliográficas sobre os Rikbaktsa são todas posteriores ao contato estabelecido pelos jesuítas. Há os trabalhos e relatórios dos próprios jesuítas no contexto da catequese e tutela e os dos membros do Instituto Lingüístico de Verão, que também atuaram entre eles, embora sem a mesma profundidade e presença que os jesuítas da Missão Anchieta. Dos escritos dos jesuítas, o mais importante, que conta as expedições de pacificação, os primeiros contatos, fornece uma descrição do contexto regional, dos Rikbaktsa e de sua situação é o do Pe. João Dornstaudter, que comandou todo o processo de pacificação. Outros trabalhos importantes como fonte de informação sobre o estilo de atuação jesuítica na época são os do Pe. Moura e do Pe. Weber.

Das primeiras descrições etnográficas sobre o povo Rikbaktsa, a melhor é a do antropólogo Harald Schultz, que lá esteve em 1962, no primeiro ano de contato pacífico, e que, além do texto preciso, produziu excelentes fotos publicadas em ambos os artigos.

Descrições etnográficas também são encontradas nos trabalhos de Joan Boswood, do Instituto Lingüistico de Verão, embora seus trabalhos estejam mais voltados para o estudo da língua, tal como os de Sheila Tremaine.

Trabalho de maior fôlego é o do antropólogo Robert Hahn, que trabalhou entre eles no início da década de 1970, produzindo a primeira tese sobre os Rikbaktsa. Voltada para a análise do sistema terminológico de parentesco, constitui a primeira etnografia extensa sobre os Rikbaktsa, abordando também a atuação dos jesuítas e as implicações da catequese religiosa sobre este povo.

Os trabalhos mais recentes sobre os Rikbaktsa, por hora, são de minha autoria. Primeiro os relatórios de avaliação de sua situação, no âmbito da avaliação do Projeto Polonoroeste, entre 1983 e 1988. Conta-se entre eles o relatório de identificação das áreas indígenas do Japuíra e do Escondido, realizados em 1985. Novo relatório de identificação da área indígena do Escondido foi realizado em 1993, redefinindo-a e constituindo a base para sua demarcação em 1998. Estes relatórios fornecem uma visão mais conjuntural, ainda que procurem sempre se apoiar numa perspectiva da história Rikbaktsa.

As pesquisas realizadas com bolsas do CNPq resultaram num relatório de 1988 e depois em minha tese de doutoramento de 1992. Nestes trabalhos procurei expor o conjunto de informações históricas e etnográficas que levantei sobre os Rikbaktsa, e analisá-las na perspectiva do campo teórico da antropologia.

Posteriormente, aprofundei alguns aspectos do seu pensamento no artigo "Mitos Rikbaktsa". Publiquei outros dois artigos mais conjunturais, voltados para suas lutas políticas e territoriais e desenvolvi mais uma pesquisa voltada para uma comparação entre o modelo regional de ocupação do espaço e uso dos recursos naturais e o modelo Rikbaktsa, além de produzir um vídeo etnográfico sobre eles.

Em 1985, no contexto da luta pela recuperação da TI Japuíra, houve uma invasão policial da área, violência física e moral sobre os índios, prisão e tortura do Pe. Balduíno Loebens, missionário que trabalhava com eles há cerca de 30 anos e outros abusos. Depoimentos sobre estes acontecimentos e o processo judicial que se seguiu, do qual os Rikbaktsa saíram vencedores, estão contidos no Dossiê Rikpaktsa, organizado por Odenir Oliveira, indigenista da Funai. Por fim, há as obras de autoria dos próprios Rikbaktsa, uma delas assessorada por Fausto Campoli, na ocasião assessor de educação da OPAN, e a outra pelo Instituto Lingüístico de Verão.

Fontes de informação

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