Ofaié
- Autodenominação
- Onde estão Quantos são
- MS 69 (Siasi/Sesai, 2014)
- Família linguística
- Ofayé
Até o início do século XX, os Ofaié eram milhares e habitavam a margem direita do rio Paraná, desde a foz do Sucuriú até as nascentes do Vacaria e Ivinhema. Sempre em pequenos grupos, viviam em constantes deslocamentos ao longo dessa região. Seu território foi ocupado por fazendas de pecuária e apenas na década de 1990, quando só restavam algumas dezenas de sobreviventes, conseguiram recuperar uma pequena porção de suas terras, as quais até hoje não foram homologadas pela presidência da República.
Nome e língua
Opaié ou Ofaié, pronunciado com uma consoante imprecisa entre o “f” e o “p”, é o nome que estes indígenas dão a si mesmos, e Xavante é o nome que receberam dos não-indígenas que, durante os primeiros séculos da colonização, exploraram o Centro-Oeste do Brasil.
Os Ofaié foram chamados e tiveram seus nomes grafados de diferentes modos: Opayé, Opaié, Ofaiê, Faiá, Faié, Fae, Faiá, Kukura, Xavante, Chavante, Shavante, Chavante-Ofaié, Chavante-Opaié, Guaxi, entre outros. Foram chamados de “Xavante” por viverem numa região de vegetação do tipo savana (šhavante, os que vivem nas savanas), com predomínio de vegetação rasteira e árvores de pequeno e médio porte, características do cerrado sul-matogrossense.
Os Ofaié nada têm em comum com seus homônimos Xavante, do rio das Mortes (os Xavante Akwen) e com os extintos Xavante de Campos Novos, do estado de São Paulo (os Xavante Oti).
O Summer Institute of Linguistics (SIL, hoje também chamada Sociedade Internacional de Lingüística), em 1958, num trabalho de análise fonêmica e morfológica realizado junto a um grupo Ofaié no Mato Grosso do Sul, enquadrou-os no tronco Jê. A língua Ofaié também foi pesquisada por Meiremárcia Guedes (1989), que pesquisou o grupo de Brasilândia (MS). O trabalho teve continuidade com a pesquisa de Marlene Carolina de Souza, O povo Ofaié: uma breve abordagem lingüística (1991), resultando na produção de uma cartilha organizada por esta última autora. Estudos mais recentes sobre a língua desse povo podem ser encontrados em trabalhos realizados por Lúcia Helena Tozzi da Silva (2002) e Maria das Dores de Oliveira (2004), cuja pesquisa ainda se encontra em curso.
Atualmente, a maioria dos adultos fala a língua Ofaié. Freqüentam a Escola Municipal Ofaié-E-Iniecheki, que funciona na própria aldeia, com uma professora não-indígena que atende uma turma multi-seriada, de cerca de 15 alunos. Até 2004 havia um professor indígena. A cartilha utilizada é a da rede municipal de ensino não-indígena (1ª a 4ª séries).
Localização e população
A Terra Indígena Ofaié-Xavante, situada no município de Brasilândia (MS), foi declarada de posse permanente dos índios em 1992. Contudo, a área estava ocupada por fazendas e foi contestada por seus proprietários. Os Ofaié tiveram então que ficar provisoriamente em outro terreno, que anos depois seria inundado para a formação da represa da Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta (ex-Porto-Primavera). Somente em 1996 as contestações à Terra Indígena foram julgadas improcedentes em despacho do Ministro da Justiça, mas até hoje a TI não foi homologada por decreto presidencial. Saiba mais sobre esse processo no item Histórico do contato.
Segundo os dados de Carlos Alberto dos Santos Dutra, em 2001, a população da TI Ofaié-Xavante era de 58 pessoas. Abaixo segue um censo realizado pelo pesquisador em 30/06/2001.
Nº | Nome não-indígena | Família nº | Nome Indígena | Parentesco | Etnia | Data Nascimento |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | Voldinei Souza | 1 | Titular | Kaiowá | 26.06.76 | |
2 | Maria Aparecida Lins Souza | Esposa | Ofaié | 26.05.87 | ||
3 | José de Souza | 2 | Kói | Titular | Ofaié (*) | 24.07.75 |
4 | Rosilei de Souza | Cunhã-tapy | Esposa | Kaiowá | 17.12.78 | |
5 | Josiel de Souza | Filho | 16.01.95 | |||
6 | Josieli de Souza | Filha | 29.08.98 | |||
7 | Severino de Souza | 3 | Ha-í | Titular | Ofaié (*) | 20.12.68 |
8 | Neuza da Silva | Teng-hô | Esposa | Ofaié (*) | 22.08.60 | |
9 | Márcio da Silva | Filho | 15.03.88 | |||
10 | Fernanda da Silva | Filha | 16.02.97 | |||
11 | Arlindo de Souza | 4 | Oti-chô | Titular | Ofaié (*) | 13.07.80 |
12 | Ruthe Martins | Esposa | Kaiowá | 12.01.76 | ||
13 | Rosalina Martins | Io-hê | Filha | 30.01.96 | ||
14 | Cleide Martins de Souza | Filha | 27.11.98 | |||
15 | Rogério Martins de Souza | Filho | 13.04.01 | |||
16 | Juracy da Silva | 5 | Titular | Ofaié | 22.11.77 | |
17 | Lídia Siqueira Manari | Esposa | Não Índio | 09.01.52 | ||
18 | Laureano Eliandes | 6 | Vera-í | Titular | Kaiowá | 09.09.70 |
19 | Hilária Isnardi | Cuña-redy-poty | Esposa | Kaiowá | 11.03.68 | |
20 | Ivani Eliandes | Chau-í | Filha | 14.05.92 | ||
21 | Zilda Eliandes | Filha | 17.10.96 | |||
22 | Ataíde Francisco Rodrigues | 7 | Xehitâ-ha | Titular | Ofaié (*) | 15.04.57 |
23 | Zenaide Benite Rodrigues | Esposa | Kaiowá | 08.01.62 | ||
24 | Ademir Francisco Rodrigues | Kregraí | Filho | 11.03.97 | ||
25 | Felipe Martins Oliveira | 8 | To-tê | Titular | Ofaié (*) | 02.01.35 |
26 | Marcos Lins Nantes | 9 | Titular | Ofaié | 13.02.80 | |
27 | Cleonice de Oliveira | Kní-i | Esposa | Ofaié (*) | 29.04.88 | |
28 | Osmar Pereira | 10 | Cha-taí | Titular | Não Índio | 03.03.51 |
29 | Joana Coimbra | Okúin-hê | Esposa | Ofaié (*) | 12.09.56 | |
30 | Ramona Coimbra Pereira | Fue-koi-fuara | Filha | 21.08.83 | ||
31 | Carlos Coimbra Pereira | Katái | Filho | 20.02.89 | ||
32 | Patrícia Coimbra Pereira | Cha-râ-a | Filha | 20.12.91 | ||
33 | Jorge Coimbra Pereira | Kokôt | Filho | 25.04.95 | ||
34 | Marcelo da Silva Lins | 11 | Titular | Ofaié | 06.06.82 | |
35 | Tatiane Rodrigues Almeida | Esposa | Ofaié | 13.05.85 | ||
36 | Maria Aparecida de Souza | 12 | Hanto-grê | Titular | Ofaié (*) | 27.09.53 |
37 | João Carlos de Souza | Can-hê | Filho | Ofaié (*) | 02.08.78 | |
38 | João Pereira | 13 | He-í | Titular | Ofaié (*) | 15.08.33 |
39 | Francisca da Silva | He-gueí | Esposa | Ofaié (*) | 06.09.38 | |
40 | Roni Eliandes | 14 | Va-verá | Titular | Kaiowá | 25.05.33 |
41 | Marilda de Souza | Chá-tâ | Esposa | Ofaié (*) | 15.04.67 | |
42 | Gilmar Eliandes | Apu-cará | Filho | 12.05.90 | ||
43 | Elizangela Eliandes | Filha | 22.03.95 | |||
44 | Léia de Souza Eliandes | Filha | 18.08.97 | |||
45 | Agenor Eliandes | 15 | Tupã-éra | Titular | Kaiowá | 02.07.68 |
46 | Luciana Lins da Silva | Chami-ri | Esposa | Ofaié | 22.07.79 | |
47 | Elissandro Eliandes da Silva | Filho | 17.01.96 | |||
48 | Wéllington Eliandes da Silva | Filho | 12.03.01 | |||
49 | Elissandro Eliandes da Silva | Filho | 17.01.96 | |||
50 | Miguel Eliandes | 16 | Verá-ruí | Titular | Kaiowá | 29.09.74 |
51 | Hélida Isnard Eliandes | Esposa | Kaiowá | 06.10.71 | ||
52 | Eliane Isnard Eliandes | Filha | 06.02.90 | |||
53 | Marinalva Isnard Eliandes | Filha | 29.05.92 | |||
54 | Regina Eliandes | Filha | 28.07.96 | |||
55 | Eliezer Isnard Eliandes | Filho | 12.03.99 | |||
56 | Márcio de Souza | 17 | Titular | Kaiowá | 11.07.82 | |
57 | Vanízia Fernandes de Souza | Esposa | Kaiowá | 07.09.86 | ||
58 | Simeire Fernandes de Souza | Filha | 26.12.00 |
Histórico do contato
A primeira referência aos Ofaié data de 1617, quando foram apontados na margem direita do rio Paraná (atualmente MS), segundo levantamento do indigenista João Américo Peret.
Entre os anos de 1716 e 1748 foi registrada a presença de grupos indígenas nos rios Tietê, Paraná, Pardo e Inhanduí até o rio Aquidauana pelas várias expedições realizadas durante o ciclo do ouro na América portuguesa. Os Ofaié localizavam-se então entre a Serra do Maracaju e o alto curso do rio Paraná.
A partir do século XIX, com a ocupação econômica do tipo pastoril na região, Joaquim Francisco Lopes (encarregado da exploração das vias de comunicação entre as províncias de SP e MT), registra a ocupação dos Ofaié nas cabeceiras dos afluentes do Paraguai (rios Negro, Taboco e Aquidauana).
Em 1864, cinco aldeias ofaié eram conhecidas nas duas margens do rio Paraná, nas barras do rio Tietê e Sucuriju – região vizinha à terras Guarani-Kaiowá, com quem as relações não eram amistosas.
A partir de meados de 1880, os fazendeiros de Miranda deslocaram-se para a Reserva de Maracaju e se estabeleceram nas vertentes do Paraná e dos campos de Vacaria. A intensidade da ocupação obrigou os Ofaié a abandonarem suas terras, indo para o sul do estado, junto ao rio Samambaia, enquanto um grupo menor refugiou-se nos brejos do rio Taboco, afluente do rio Aquidauana.
Segundo Curt Nimuendaju, os campos de Vacaria “eram justamente o centro da tribo, que daí se estendia até a divisa, seguindo pelos rios Brilhantes e Dourados. A uns 60 km da barra deste rio, a divisa subia o espigão divisor entre ele e o Santa Maria”.
Consta que os Ofaié dividiam, ao norte, terras com os Kayapó habitantes do chamado Sertão do Camapuã, no alto rio Inhanduí, além dos rios Pardo e Verde. Era comum atravessarem o Paraná, na barra do rio Santo Anastácio, para caçadas. O rio Paraná separava os territórios daqueles índios e dos Kaingang, seus inimigos.
Primeiros habitantes de Vacaria (hoje município de Brilhante), os Ofaié viveram, durante a Guerra do Paraguai, uma “trégua” em relação às perseguições e violência dos não-indígenas. Em 1886, foram novamente expulsos e se deslocaram para o leste. Passam a ocupar a Zona da Mata ao longo dos rios Samambaia, Três Barras e Equiteroy. Na divisa dos rios Inhanduí e Ivinhema passam a ser novamente perseguidos e são expulsos das terras por fazendeiros instalados em vastas áreas com pastos cercados.
Ao final do século XIX , os Ofaié são engajados como peões na economia regional de MS. Em 1903, o Gen. Rondon realizou contato pacífico com o grupo, então localizado nos campos do rio Negro e somando aproximadamente 2 mil índios.
Em 1907, a Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo fez referência à presença dos Ofaié e outros grupos, em expedição ao rio dos Peixes, afluente da margem esquerda do alto Paraná.
Em 1911, o SPI (Serviço de Proteção aos Índios) registrava a necessidade de “catequizar os Xavante” (como eram chamados os Ofaié pelos não-índios) localizados na bacia do rio Paraná e pretendia regularizar duas áreas de campo para aldeá-los entre os rios Taquarussu e Pardo e/ou entre os rios Taquarussu e Verde. No ano seguinte, a ordem dos Capuchinhos solicitou ao Congresso Estadual de São Paulo a cessão de uma área à margem esquerda do rio Paraná, no Vale do Ribeirão das Marrecas, com 14.400 ha, objetivando a “catequização” dos Ofaié e dos Kaiowá.
Em 1913, Nimuendaju relatou a presença desse grupo na Barra do Rio Verde, próximo ao sítio dos Capuchinhos, comentando que a maioria estava com malária. O etnólogo desce o rio Verde pela margem direita do Paraná a fim de contatar os Ofaié, mas não os encontra lá e sim às margens do Ivipiranga. Descendo o Paraná, encontrou vestígios de aldeamentos do grupo, cuja população foi estimada em 250 índios. A região encontrava-se invadida por fazendas de pecuária.
Nimuendaju observou ainda que no alto Paraná, em local conhecido por Boa Esperança (barra do Taquarussu), os Ofaié apareciam em uma fazenda de pecuária da empresa norte-americana Brazil Land Castle and Packing C.O. (conhecida como firma inglesa da marca Argola, que originou a atual cidade de Brasilândia).
Em atendimento ao SPI, o governo do Mato Grosso (decreto 683, de 24/11/1924) reserva duas áreas de terras devolutas de 3.600 ha cada, uma para os Ofaié e uma para os Kaiowá.
Até a década de 1950, os Ofaié remanescentes dos rios Samambaia e Ivinhema (com o fechamento dos Postos do Peixinho e Laranjalzinho em 1924), estreitam contato com o grupo que vivia no rio Verde (afluente da margem direita do Paraná) desde 1901. Fixam-se em área que se transformou na Fazenda Boa Esperança e de onde foram expulsos por fazendeiros paulistas em 1952. As terras pertenciam ao estado do Mato Grosso e foram arrendadas à Boa Esperança Comércio, Terras e Pecuária S.A (COTERP). Vencido o contrato, as terras Ofaié foram arrematadas pelo fazendeiro Arthur Hoffig, que, por sua vez, deslocou os índios para a beira do rio Verde, mas os Ofaié não se adaptaram às condições do local.
Voltaram para a região da Fazenda Boa Esperança e se alojam nos fundos do terreno. Os fazendeiros haviam colocado gado na área e plantado capim braquiaria. Com a morte de Arthur Hoffig, “dono” das terras Ofaié, os 190 mil ha foram desmembrados por seus herdeiros; a área que compreendia a aldeia principal dos índios foi comprada por terceiros, que reconhecem a presença anterior dos Ofaié na área, mas não no local que havia comprado.
No dia 6 de agosto de 1976, o jornal O Estado de São Paulo publica notícia sobre um grupo de 24 Ofaié em estado calamitoso, doentes e desterrados. A matéria atentava que a Funai jamais tinha visitado a aldeia, “constituída de seis casebres, precariamente construídos numa clareira da Fazenda Boa Esperança”, a 5 Km da estrada que liga Brasilândia ao antigo distrito de Xavantina (hoje município de Santa Rita do Pardo-MS).
Em 1978 os Ofaié são transferidos para a Reserva Indígena Kadiwéu, em Porto Murtinho-MS. Em 1983, estouram conflitos na região da serra da Bodoquena entre posseiros, fazendeiros, índios Terena e os Kadiwéu, em função dos contratos de arrendamento praticados pelos proprietários rurais. Novamente os Ofaié foram obrigados a se mudar. Em 1986, o grupo que fora transferido para a Reserva Kadiwéu retorna para Brasilândia e tenta fixar-se em sua área de origem, mas são novamente expulsos. Provisoriamente, são instalados à beira do rio Paraná pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que lhe prestou assistência com distribuição de alimentos e sementes para o plantio de feijão. Foi um período de doenças e mortes devido à insalubridade do lugar. Viviam em barracos de lona na beira da estrada, na margem do rio Paraná. Viveram por seis anos, nas palavras so ex-cacique Ataíde Xehitâ-ha, como ¨forasteiros na sua própria terra¨, trabalhando em fazendas e dispersos, havendo remanescentes deste povo espalhados ainda em Bodoquena, Brasilândia, Brilhante e Bataiporã, Nova Andradina e regiões do Ivinhema e Bataguassu e Campo Grande.
História recente
Em 1987 teve início a campanha “Ofaié Xavante – ainda estamos vivos” (liderada pelo cacique Ataíde Francisco, Cimi, UFMS, CPT, PT-MS, UNI-MS, entre outros) em prol da demarcação de suas terras, que culminou na identificação de uma área de quase 2 mil ha em 1991, a qual, no entanto, estava tomada por fazendeiros. As denúncias sobre as más condições de vida dos Ofaié (que incluíam até trabalho escravo em algumas fazendas) levaram a que vereadores de Brasilândia-MS e alguns municípios do Oeste paulista também enviassem moções de apoio aos Ofaié, pedindo à Funai uma solução para o desterro dos Ofaié. A Funai de Campo Grande-MS, em parceria com o Cimi, conseguiu então da parte do Sr. Luiggi Cantoni, proprietário da Fazenda Olympia, do Grupo Cisalpina, o arrendamento em regime de comodato de 110 hectares dentro das terras da fazenda Cisalpina para que o grupo, que nessa época contabilizava 70 pessoas, se reunisse. No entanto, em alguns anos essa área seria inundada para a formação da represa da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta (ex-Porto Primavera), de propriedade da Companhia Energética de São Paulo (CESP).
Em razão da inundação da área ocupada pelo Ofaié, a Cesp, a título de indenização aos indígenas e com a intermediaçäo do Cimi, firmou convênio com a Funai e comprometeu-se a financiar a demarcação da Terra Indígena Ofaié, incluindo a retirada dos fazendeiros, e empreender outras medidas compensatórias, entre as quais a recuperação ambiental da área identificada, que estava num estado avançado de degradação.
Em 1994, os Ofaié receberam 484 ha de área de mata nativa adquirida pela Cesp, em razão da área identificada pela Funai como Terra Indígena Ofaié, de 1937 hectares, encontrar-se sub judice (contestada por fazendeiros) e a Cesp impedida de poder avançar nas negociações com os fazendeiros que a ocupavam. Os Ofaié só foram efetivamente transferidos em março de 1997. Na área adquirida pela Cesp, que é contígua ao território imemorial dos Ofaié identificado pela Funai, foram perfurados um poço semi-artesiano de água, além da construção de um posto de saúde, uma escola, um barracão comunitário, e passaram a ser fornecidas cestas básicas durante um ano.
Porém a área, devido à ausência de córregos, deixou os Ofaié bastante insatisfeitos com a medida, e durante meses pressionaram a Funai para que assinasse o convênio que permitisse a demarcação física de suas terras, o que até hoje não ocorreu. O solo é impróprio para qualquer tipo de lavoura e por nove anos os índios dependeram do fornecimento de cestas básicas para sobreviver.
Depois de nove anos de impasse, com apoio do Ministério Público Federal, a comunidade Ofaié pôde se valer da indenização paga pela Cesp, no valor de de R$ 1.641.500, para adquirir 605 hectares correspondente a área de sete pequenas fazendas, cujos proprietários contestavam na Justiça a posse indígena, e que receberam esse valor altíssimo pelas benfeitorias feitas na área, concordando em desistirem das ações na justiça. Passaram então a ter acesso aos córregos do Sete e São Paulo. No entanto, isso corresponde a menos de 1/3 de suas terras. A maior fazenda, com 1.332 hectares, de propriedade da família Hoffig, ainda continua contestando judicialmente a posse indígena, o que pode adiar ainda por muitos anos a posse integral do território indentificado pela Funai.
Aspectos culturais
Antigamente os Ofaié viviam da caça, pesca e coleta de frutas e mel. Construíam seus acampamentos à beira dos rios, ocupando uma grande área, que ia do rio Sucuriú até as nascentes dos rios Vacaria e Ivinhema, no atual estado do Mato Grosso do Sul.
Sempre moraram em pequenos grupos, o que facilitava os deslocamentos. Suas casas eram construídas com troncos de árvores e cobertas com folhas de palmeira ou sapé. Não havia paredes, mas o telhado quase chegava ao chão. Configurando um círculo, as casas formavam no centro da aldeia um pátio, onde ocorriam os rituais.
Na época do frio, dormiam em buracos cavados no chão, forrados de capim e envoltos em peles de animais. No centro da casa também acendiam uma fogueira.
Durante a seca, os rios ficavam com pouca água, o que facilitava a pesca. Nesse período, os Ofaié mudavam-se para a beira dos rios. Com a fartura de peixe, eles realizavam grandes festas.
Com a chegada da chuva, aparecem os frutos e os animais atraídos por elas. Era portanto a época das caçadas. Nessa ocasião também se colhia o mel. Como ficavam fora da aldeia por vários dias, eles construíam abrigos provisórios para passar a noite.
Hoje essa atividade é apenas uma lembrança para os mais antigos, pois as longas distâncias que antes percorriam, e os rios fartos de peixe que freqüentavam – rios Verde, Paraná, Taquaruçu, Boa Esperança, Ivinhema, Samambaia, entre tantos –, hoje correspondem a propriedades privadas. Hoje a atividade se resume na coleta do mel, ainda disponível em colméias criadas pelos próprios indígenas em feições modernas, com acompanhamento técnico do órgão governamental e de alunos de Universidades que de quando em vez visitam a aldeia e desenvolvem algum projeto experimental.
O trabalho na aldeia é repartido entre os homens e as mulheres. Entre os homens, os jovens se encarregavam da caça e os demais cortavam e traziam a lenha do mato, faziam as casas, os arcos e as flechas. As mulheres, mesmo as meninas, realizam os trabalhos caseiros, colhem frutos e mel. Também preparavam as fibras para as cordas dos arcos. Outra atividade feminina é a preparação do cauim, que é uma bebida feita com milho fermentado e muito utilizada nas festas.
Em relação à música, seus instrumentos preferidos eram a flauta e um pequeno chocalho. O canto era formado por um coro de várias vozes, em rituais que incluíam danças e consumo de cauim. Nos dias atuais, os Ofaié não dedicam mais o seu tempo à música. As constantes mudanças de lugar a que foram forçados a praticar, certamente, não lhes deu outra alternativa nem motivos para comemorar. Uma gravação recolhida em 1981 junto a um grupo de 23 indígenas Ofaié que se encontrava na região do Tarumã (pertencente ao município de Porto Murtinho, na região oeste do Estado) pelo historiador Antonio Jacob Brand, confirma essa hipótese. O canto configura-se, sem dúvida, uma raridade: em tom de lamento, o canto traduz e externa o que pode ser chamado de perdas e o sentimento de dor vivido por um diminuto grupo vivendo distante de seu antigo território (DUTRA, 1996: 50-59).
Uma gravação desse canto foi utilizada na abertura da entrevista O último canto dos Ofaié, realizada pela jornalista Patrícia Moribe e incluído no Compact Disk duplo Pantanal e Amazônia, produzido pela Rádio Nederland, Holanda, em 2003. Também faz parte da abertura e enceramento do vídeo experimental Ofaié, dirigido por Udovaldo Lacava e Geraldo Anhaia Mello, para a Companhia Energética de São Paulo(CESP), em 1992.
A religião sempre se manifestou na reverência a um ser criador. O “Paí”, uma espécie de sacerdote, é mencionado por alguns autores, como Nimuendajú entre os Ofaié. A experiência pessoal do pesquisador Carlos Alberto Dutra há 18 anos junto aos Ofaié revela que eles demonstram reverenciar algumas vezes (raramente na presença de estranhos), o “Agachô“ (Deus criador). Este pesquisador também presenciou, após o falecimento de uma indígena, deitarem fogo sobre sua antiga casa e queimarem todos os seus pertences.
Mitologia
Um dos mitos Ofaié refere-se ao povoamento do mundo. Há muito tempo o Sol andava sempre de intriga com sua irmã gêmea, a Lua. Tudo era gente naquele tempo. O Sol sabia tudo. Ele era o chefe dos homens, mas era ruim. A Lua, ao contrário, era aliada dos homens contra o Sol.
Nesse tempo, não havia caça nenhuma. Os homens corriam pelo mato e não encontravam nada. Estava tudo bem ruim para eles. Por isso queriam matar o Sol. Chegaram no mato seco, rodearam o Sol e tocaram fogo no mato. Mas o Sol fez uma lagoa aparecer ao seu lado e mergulhou na água. Saiu rápido e entrou na aldeia antes dos homens, que ficaram bravos quando retornaram e o viram.
Ele queria que os homens virassem bichos, mas a Lua não deixava. Certa vez, o Sol chamou os homens e disse que o mato estava cheio de frutas boas. Eles estavam famintos e lá se foram. Acharam uma jabuticabeira e nela subiram para apanhar as frutas. O Sol, que estava no chão, pegou um pedaço de pau e começou a balançar a árvore, fazendo uma ventania. Os homens pegaram uma corda e se amarraram nos galhos da árvore para não caírem. Então o Sol fez com que cada homem virasse um bicho.
O que virou anta era muito pesado, caiu e saiu correndo. Outros que caíam foram virando quati, cotia... Os que não despencaram viraram macaco e, para não cair, pularam nas outras árvores. O último virou bugio. Ele começou a puxar os paus do mato e os fizeram crescer. Apareceram então as perobas e os altos cedros. Com os paus, o bugio trançou a copa das árvores, fechando o mato.
Passado algum tempo, o Sol chamou os homens para caçar outra vez e disse: “meus filhos, agora vocês podem caçar”. Os homens estavam com medo, pois o mato tinha crescido demais. Mas tinha muita caça, bandos de macacos... O Sol atraía o macaco, que chegava perto e então o Sol o flechava para ensinar os homens a caçar.
A origem do mel
No começo do mundo o lobo guará era o dono do mel. Todos os dias seus filhotes amanheciam com o peito lambuzado de mel. Apenas ele e seus filhotes conheciam o mel e ninguém mais podia provar.
Todos os animais iam pedir mel para o lobo, mas ele não dava. Quando as crianças pediam mel, o guará dava a fruta do araticum do campo, dizendo que era mel.
Um dia o jaboti disse que ia conseguir trazer o mel para todos. Foi até a toca do guará e disse: “Eu vim buscar o mel que você tem”. O guará respondeu: “Não tenho mel nenhum. Onde é que você ouvir falar isso?”. Mas o jaboti insistiu e o guará lhe disse: “Tá bom. Então deita debaixo dessa poruga e chupa o mel dela. Quando o guará viu o jaboti deitado, pediu aos filhotes que trouxessem lenha. “Agora vamos comer esse bichinho assado.” Tocaram fogo e o jaboti continuou chupando mel, sem ligar para o fogo. Depois o jaboti disse: “Agora que já provei o mel, você tem que dar o mel para meus companheiros”. O guará saiu correndo e o jaboti foi atrás dele, juntamente com outros animais dispostos a pegá-lo. O lobo foi parar num capinzal, o preá tocou fogo no capim e o fogo começou a apertar. Um dos bichos disse então: “Ora, não tem lobo nenhum, o que saiu voando foi uma perdiz”. Mas o jaboti sabia que era o guará que tinha virado perdiz, e ficou observando onde ela iria pousar. Chamou os outros animais para irem até o pau em que ela estava, mas tiveram que andar muito tempo até chegar lá. O pau ficava bem na frente da casa das abelhas, onde estava um marimbondo de cupim, que não deixava ninguém se aproximar. Os passarinhos que iam experimentar o mel eram atacados pelos marimbondos. Mas então o beija-flor disse: “Agora o mato está cheio de mel. Podem tirar quanto quiserem.”
O tatu parente
Por fim, é interessante ouvir o relato do que se passou com o etnógrafo Curt Nimuendajú: “O caso se passou comigo entre os Ofaié Chavante. A caminho para o seu acampamento, encontrei um tatu que derrubei com um golpe do verso do facão no focinho do animal, levando-o para bom assado à fogueira do acampamento. Após a euforia inicial dos índios, um deles notou de repente que o tatu tinha uma orelha furada. Consternação geral! O animal era um companheiro de tribo, pois os Ofaié também têm as orelhas furadas. Entrementes, o tatu, que apenas ficara atordoado com o golpe, começou a se mover novamente; e foi deveras comovedor ver como esses caçadores, que jamais consideram necessário dar golpe de misericórdia numa caça, colocavam o bicho em pé e procuravam fazê-lo fugir. Tiveram, literalmente, que o ajudar a se embrenhar nos protetores arbustos circunvizinhos.”
Fontes de informação
- BALDUS, Herbert. “Introdução. Opaié”. In : FREUNDT, Erich. Índios de Mato Grosso. São Paulo : Edições Melhoramentos, 1947.
- CECCATO, Ana Cláudia. (Org). Hoje e antigamente. Cói aprende a escrever sobre sua gente. (Texto e ilustrações de José de Souza, Ofaié). Araraquara : Centro de Estudos Indígenas, UNESP, 1991.
- CIMI-MS. Ofaié : o povo do mel. Campo Grande : Cimi-MS, 1991. 32 p.
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