De Povos Indígenas no Brasil

(Redirecionado de Povo:Dow)

Foto: Karolin Obert, 2017

Dâw

Autodenominação
Onde estão Quantos são
AM 142 (Roberto Carlos Sanches, liderança da comunidade, 2020)
Família linguística
Naduhup
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Os Dâw são um povo pequeno, de 142 pessoas, e habitam uma única comunidade chamada Waruá, localizada na margem direita do rio Negro e em frente à área urbana de São Gabriel da Cachoeira (AM), situada na outra margem. A comunidade dâw avizinha-se a outras tantas comunidades e sítios habitados por indígenas das etnias Tukano, Baré, Baniwa e Kuripako (entre outros grupos étnicos), com quem compartilham as águas do rio Negro e seus afluentes, e uma vasta área de florestas que se estende ao redor das comunidades e da cidade (ver Mapa 1, abaixo).

Localização

Mapa 1: Panorama das línguas faladas na região do alto rio Negro (Epps; Stenzel, 2013)
Mapa 1: Panorama das línguas faladas na região do alto rio Negro (Epps; Stenzel, 2013)

A região do Noroeste Amazônico é conhecida pela extensão de suas redes hidrográficas e matas interfluviais, pelos grandes e pequenos rios e elevações montanhosas que despontam em meio à floresta amazônica. Os inúmeros rios que aí se formam, recebem sua água do médio e alto curso do rio Negro, o maior rio da região e um dos principais tributários do rio Amazonas. Os rios Curicuriari, Marié, Tea e Uneiuxi, tributários do rio Negro e localizados em seu médio curso, na margem direita, são de grande importância para a história do povo Dâw.

O rio Curicuriari se destaca como um lugar fundamental para os Dâw contemporâneos, tendo sua relevância simbólica delineada por aspectos variados e que se destacam nos relatos autobiográficos dos anciões, em que o rio Curicuriari e os deslocamentos neste rio são temas recorrentes. Trata-se de um local permeado de sentidos que inspiram um certo cuidado, histórias que carregam algum peso afetivo, uma vez que foi a paisagem em que transcorreram processos intensamente traumáticos para os Dâw. Nessas narrativas, o Curicuriari é marcado como um lugar de sofrimento e de grandes perdas das mais diversas ordens, às voltas com processos vividos no tempo em que os Dâw eram explorados na extração da piaçava e de cipó. Isso se deu entre as décadas de 1950 e 1980, sendo este tempo referido como o passado recente do povo Dâw. Em meio a esse episódio trágico, temperando a complexidade simbólica do rio Curicuriari na memória dos anciões Dâw, o lugar é pontuado também como um espaço de importância vital, sendo o local de origem e de nascimento de toda uma geração de anciões vivos atualmente, e que guardam os conhecimentos deste momento de dobra histórica provocada pelos ciclos de extração de matéria-prima da floresta para fins comerciais.

Mapa 2: Suposta região de migração do povo Dâw
Mapa 2: Suposta região de migração do povo Dâw

Os demais rios mencionados também constituem importantes marcos da história e cosmologia dâw, sendo entrecortados por caminhos e lugares que narram as migrações desse coletivo até se fixarem na comunidade onde estão atualmente, e os encontros com outros grupos indígenas e não-indígenas ao longo de sua história. Epps e Obert (no prelo) e Obert e Pissolati (em prep.) investigaram os padrões de distribuição espacial e migração dos povos Dâw e Nadëb, baseando-se em documentos históricos feitos por viajantes europeus e em narrativas compartilhadas entre esses povos, comprovando o passado de interações entre Dâw e Nadëb nos interflúvios dos rios Marié, Téa e Uneiuxi (ver mapa 2). Essa região é também o local de surgimento do povo Dâw, que, segundo as histórias de seus anciões, teriam surgido no igarapé Wiç, afluente do rio Wení (ver seção Mobilidade).

Notas topográficas e a significância cultural da paisagem

Paisagem de caatinga. Caminho para um local de caça próximo ao igarapé Inebo. Foto: Karolin Obert, 2017.
Paisagem de caatinga. Caminho para um local de caça próximo ao igarapé Inebo. Foto: Karolin Obert, 2017.

Em meio às redes hidrográficas do Noroeste Amazônico, estão as zonas de florestas interfluviais formadas por três macro-tipos de vegetação: terra firme, caatinga e igapó, que variam conforme a estação seca ou chuvosa e de acordo com os níveis do rio. Além da variação relacionada ao nível da água, essas áreas podem ser distinguidas pelas espécies de plantas e animais que nelas habitam, e também, pelo solo e altura das árvores.

Essas partes distintas da floresta são fundamentais para as atividades de manejo dos Dâw. Enquanto utilizam a terra firme para fazer roças de maniva e resguardar áreas de caça de animais maiores, a caatinga e o igapó são importantes para a coleta de frutas do mato, nas diferentes estações.

Criança Dâw coletando açaí do mato. As crianças tiram as frutas de açaí do mato (kâr) do cacho no caminho do igarapé Inebo para a comunidade. Foto: Karolin Obert, 2019.
Criança Dâw coletando açaí do mato. As crianças tiram as frutas de açaí do mato (kâr) do cacho no caminho do igarapé Inebo para a comunidade. Foto: Karolin Obert, 2019.

Os Dâw ainda dividem estes ambientes conforme sua utilização, por exemplo, zonas de caatinga chamadas “florestas de pau”, de onde extraem matéria-prima para a construção de casas tradicionais - folhas de caranã (mauritia carana) para a cobertura, cipós para as amarrações, e madeiras duras encontradas nessa porção da caatinga, para a construção de esteios e pilares. Do igapó, se extrai o molongó (lacmellea aculeata), madeira utilizada para a confecção de bancos e brinquedos.

Francisco da Silva cobrindo o telhado de um barracão com folha de caranã. Foto: Karolin Obert, 2017.
Francisco da Silva cobrindo o telhado de um barracão com folha de caranã. Foto: Karolin Obert, 2017.

Essa interação com a floresta remonta ao modo de vida tradicional dos Dâw, marcado pela mobilidade e pelo conhecimento da mata , acessada por caminhos percorridos diariamente, nos quais os mais velhos estão sempre acompanhados pelas crianças, transformando as caminhadas em experiências educacionais (cf. Seção Mobilidade).

O povo Dâw circula por uma vasta rede de caminhos que conectam a comunidade com outros rios e igarapés, chamados de “varadouros” no português da região (tʉʉw soop dôo). Esses passeios representam claramente um conceito de "bem-viver", semelhante ao que descrevem Monteiro e McCalum (2013) e Ramos (2018) a respeito dos Hupd’äh, conectando felicidade e bem-estar à circulação e engajamento com a floresta. Essas caminhadas são tidas como o próprio modo de vida dos Dâw e de seus ancestrais, entrelaçando-se a lugares significativos no interior da floresta. Além dissoa região de matas interfluviais por onde circulam os Dâw, é espiritualmente carregada pela presença do “dono da floresta” (xaay dee'), que orienta as interações e comportamentos durante as caminhadas.

Na literatura antropológica sobre os povos Naduhup, pouca atenção tem sido dada ao papel da mobilidade dentro e ao redor de rios maiores. A caracterização de “índios do mato” atribuída aos Naduhup, estabeleceu o interior da floresta como o “lugar tradicional” e exclusivo de circulação e manejo desses povos (sobre essa caracterização, ver Silverwood-Cope, 1972; Reid, 1979; Pozzobon, 1991; Jackson, 1983; Athias, 1995; Marques, 2015).

Local de um sítio antigo Dâw no caminho para o ''local top xôoy dâr''. Foto: Karolin Obert, 2017.
Local de um sítio antigo Dâw no caminho para o ''local top xôoy dâr''. Foto: Karolin Obert, 2017.

No entanto, os corpos d'água são características topográficas proeminentes da região, uma vez que o nível da água pode transformar certas paisagens, expondo ou cobrindo caminhos, forçando o povo Dâw a escolher outros caminhos ou viajar de canoa; sendo, portanto, essenciais à sua territorialidade . Além disso, os corpos d’água são centrais para a história de origem e migração dos Dâw, saindo da região do rio Marié em direção à região do Alto Rio Negro. Pontos de referência centrais ao longo dessas trajetórias, as vias hídricas são também marcos de transformação - do surgimento do grupo, à transposição por diferentes territórios e ao contato com diferentes gentes. Muitas aldeias, sítios antigos e serras, por exemplo, recebem seus nomes de acordo com os rios e igarapés que se encontram em torno desses locais. Por esse motivo, os corpos d’água são elementos cruciais da paisagem e do reconhecimento de lugares sagrados no território dâw.

População

A população dâw é composta por 142 pessoas, número que expressa uma recuperação demográfica recente experienciada por essa etnia, se comparado aos dados populacionais de períodos anteriores.

Na década de 1980, os Dâw chegaram a compor uma população de apenas 50 pessoas, sobreviventes das sucessivas reduções ocasionadas pelo contato ao longo do século XX. A alta taxa de mortalidade ocasionada pela violência e doença nos piaçavais e “colocações” (pontos de estocagem dos produtos extraídos da mata) acometeu todo o coletivo, tendo sido freada após o desengajamento dos patrões e a reunião de todos os grupos dâw, até então dispersos pelo médio rio Negro, em uma única comunidade.

Em pesquisa realizada em 2001 com 10 mulheres dâw mais idosas, Assis (2006) relata que, entre as crianças nascidas nas décadas de 1960 e 1980, cerca de 80% vieram a falecer antes de completar 15 anos, por decorrência de doenças e má alimentação. A pesquisadora também aponta para a alta taxa de mortalidade entre homens adultos nesse período, o que se reflete na população idosa atual da comunidade, composta majoritariamente por mulheres.

Mulheres e crianças dâw durante a festa de dabucuri. Foto: Karolin Obert, 2017.
Mulheres e crianças dâw durante a festa de dabucuri. Foto: Karolin Obert, 2017.

A configuração comunitária possibilitou uma recuperação demográfica importante para o coletivo, sendo um marco na história dos Dâw, e referida como o “tempo da missão”. Por outro lado, a vida em comunidade promoveu rearranjos de dinâmicas territoriais, matrimoniais e sociais não menos importantes. Entre elas, uma maior incidência de casamentos interétnicos, tidos até então como atípicos pelos Dâw, cujos arranjos matrimoniais se dão preferencialmente com pessoas de outras linhagens clânicas dâw - tal como ocorre entre os demais povos Naduhup - e diferentemente dos povos Arawak e Tukano, para quem o casamento preferencial se dá entre linhagens de diferentes etnias e/ou falantes de outras línguas. Mesmo quando ocorrem tais matrimônios, e tal como se dá na exogamia clânica dâw, a linhagem patrilinear informa o pertencimento clânico de cada pessoa, ainda que a linhagem matrilinear não se apague e, em determinadas situações, prevaleça a despeito da patrilinearidade.

Nome

Similar aos outros três povos da família linguística Naduhup (Yuhup, Hup e Nadëb), o termo dâw (/dɤw/) significa “gente” e, especificamente, “gente do nosso grupo”. Isso se evidencia pelo fato de as pessoas que não pertencem a essa etnia serem chamadas de outras formas, como pelo termo buuy para “não-indígenas”, e outros termos que a língua dâw dispõe para denotar pessoas de outros grupos étnicos (p.ex. woor, ‘pessoa do povo Tukano’). O termo dâw também é usado para se referir à língua falada por esse povo, sugerindo assim uma intrínseca relação entre língua e pertencimento étnico. Em outras palavras: o conceito de “nós somos o que nós falamos” reflete um dos critérios centrais para os Dâw se distinguirem de outros grupos da região.

Por outro lado, é uma prática comum na região, porém cada vez mais contestada porque altamente depreciativa, se referir ao povo Dâw e aos demais povos dessa família linguística pelo termo pejorativo “Makú”. Frequentemente esse termo foi utilizado para se referir ao que se convencionou chamar de “índios do mato”, em oposição aos “índios do rio”, formando assim uma categoria social, ecológica e linguística que, de acordo com a literatura científica, expressariam uma assimetria contínua em relação aos “povos do rio”. Um breve olhar ao termo makú de origem arawak, que significa “gente sem fala” (Baniwa-Curripaco: ma-aku ‘negativo-falar’ cf. Epps e Bolaños, 2017, p.470), demonstra claramente o modo como são vistos por outros grupos indígenas e não-indígenas da região.

A leitura do termo “Makú”, feita por Theodor Koch-Grünberg (1906) no século passado, levou a uma reanálise dessa categoria, começando pela troca do nome da família linguística para “Naduhup”. Isso corresponde a uma demanda política desses povos, até então designados “Makú” pelos outros grupos da região e assim classificados em documentos e políticas de estado, e mesmo pela literatura científica, ignorando-se a auto-atribuição destes grupos e o reconhecimento de sua autonomia linguística e cultural. Essa mudança foi acompanhada pela classificação da família linguística mais recente feita por Epps e Bolaños (2017). Uma vez estabelecida a proximidade entre os quatro povos que falam línguas distintas, porém relacionadas, foi mais do que necessário encontrar um termo que contrastasse à suposição anterior de que essas pessoas “são gente sem fala”, ou seja, “Makú”. Epps (2008) e Epps e Bolaños (2017) sugerem por esse motivo o nome “Naduhup”, termo formado pela aglutinação de palavras para “gente” e “humanos” em cada uma das línguas da família - como uma forma de equacionar o problema da nomeação. Em resposta à demanda das lideranças dos quatro povos, para os quais o uso do etnônimo “Makú” em trabalhos linguísticos e antropológicos foi motivo de intensa crítica política, o termo “Naduhup” foi primeiramente apresentado por linguistas e antropólogos em um seminário de educação realizado em 2016, em São Gabriel da Cachoeira. Nessa ocasião, professores e lideranças desses povos explicitaram sua revolta e sugeriram aos pesquisadores, assessores e lideranças de outras etnias, que deixassem de utilizar o termo “Makú” e passassem a empregar o termo Nadëhup, Nadëhupy ou Naduhupy. As variações do nome da família linguística são resultados de discussões feitas por membros dos quatro povos e ainda estão em andamento, não havendo um consenso quanto a uma versão definitiva do termo.

A história do nome do povo Dâw apresenta ainda uma variação complementar: em sua inserção gradual na cidade de São Gabriel da Cachoeira (a qual, como afirmam, contou com o trabalho de seus antepassados para ser construída), o coletivo também foi designado pelo termo kamã. Semelhante à conotação pejorativa da categoria makú, kamã é também um termo rechaçado pelos Dâw, uma vez que está relacionado a características desabonadoras. Essa palavra também aparenta ser de origem arawak, como aponta Ramirez (2001), e designa características negativas como ‘mau-cheiro’, ‘podre’, ‘doença’, ‘demônio’, ‘embriaguez’.

Esforços recentes de elaboração de projetos de documentação e descrição da língua, cultura e território dâw fortaleceram a identidade étnica e a valorização da própria cultura pelos Dâw, principalmente entre os jovens da comunidade. Atualmente, o etnônimo Dâw é um signo de luta pelo reconhecimento das pessoas desse povo e também um meio de se fazer ouvir em suas interações com outras etnias e instituições locais.

Língua

A região do Alto e Médio Rio Negro é conhecida por sua diversidade étnica e linguística fascinantes, com mais de vinte e quatro línguas faladas, divididas entre as famílias linguísticas Tukano-Oriental, Arawak, Naduhup e Yanomami. Multilinguismo é, assim, uma característica comum aos povos dessa região e está condicionado por interações sócio-culturais e econômicas intensas e, em muitos casos, pela prática da exogamia linguística, i.e., o casamento com falantes de outra língua, fora da própria etnia (Epps e Stenzel, 2013).

Nesse contexto, a língua Dâw (ISO code: 639-33 kwa) pertence à pequena família linguística Naduhup, junto às línguas Yuhup, Hup e Nadëb. Como mencionamos na seção anterior, essas línguas foram inicialmente agrupadas pelo termo “Makú” ou “Makú Puinave”, incluindo as línguas Kakua, Nukak e Puinave. Essas suposições derivam de anotações e listas de palavras de viajantes europeus no início do século passado. A categoria “makú” ou as tais “pessoas sem fala” já se encontravam no médio e alto curso do rio Negro antes da chegada de viajantes europeus. Koch-Grünberg, em seu trabalho de 1906, faz referência aos seus predecessores (Wallace, 1853; Martius, 1867; Coudreau, 1887; Stradelli 1890; Ehrenreich, 1904) que fizeram uso dessa categoria em oposição aos grupos que demonstravam menos mobilidade. Guiado pelas anotações de outros viajantes e pelos seus anfitriões arawak e tukano, o etnólogo ([1906] 2017, p.602) nota que “[…] entende-se por este nome coletivo um número de hordas com línguas muito divergentes […]”. Da mesma maneira, Koch-Grünberg aplica a categoria “makú” para vários outros grupos não-relacionados da região que mantêm os mesmos hábitos de vida e que também falam as ditas “línguas feias” (Koch-Grünberg, 1906, p. 878). O uso indiscriminado desse termo promoveu classificações linguísticas e étnicas que não levaram em consideração as características particulares de cada grupo (Mahecha et al., 1996-1997, p.87). Não é surpreendente que as classificações das línguas da América do Sul mantiveram essa categoria para se referir a uma família linguística chamada “Makú”, “Puinave” ou “Makú-Puinave”, cujos membros se encontram espalhados entre o Noroeste Amazônico brasileiro e colombiano (veja Rivet e Tastevin, 1920; Nimuendajú, 1950; Kaufmann, 1990; Martins, 2005).

Avanços recentes na documentação e descrição dessas línguas levaram linguistas (Martins, 2005; Epps e Bolaños, 2017) a revisar as classificações existentes a fim de entender a possível afiliação filogenética entre elas. Epps e Bolaños (2017, p.477) confirmam a observação de Koch-Grünberg, dizendo que essas sete línguas compartilham características fonológicas semelhantes e que isso permite compreendê-las como línguas relacionadas, tais como, por exemplo, a preferência de raízes monossilábicas com estrutura CVC (consoante vogal consoante), o que difere notavelmente das outras línguas da região. Entretanto, as autoras demonstram claramente, através de uma comparação do vocabulário básico entre os grupos Naduhup e Kakua-Nukak, que não há evidências para poder afirmar uma relação genética entre essas duas famílias, uma vez que as formas reconstruídas nas proto-línguas não demonstram semelhanças.

Para dar alguns exemplos, as autoras (2017, p.482) reconstroem as formas *ʔã:j em Proto-Naduhup e *jad em Proto-Kakua-Nukak para a palavra ‘mulher’, ou *g’æ:d (Proto-Naduhup) e *~dɨw (Proto-Kakua-Nukak) para a palavra ‘folha’, e demonstram que apenas algumas palavras se assemelham parcialmente e que as poucas palavras que parecem cognatos podem ser provavelmente resultado do intenso contato linguístico na região (Epps e Bolaños, 2017, p.484). Da mesma maneira, as autoras (ibid., p.485) excluem a possibilidade de uma relação genética entre as línguas Naduhup e Puinave, porém, mostram uma proximidade entre Puinave e Kakua-Nukak. A argumentação das autoras mostra evidências fortes para agrupar as línguas Nadëb, Dâw, Hup e Yuhup dentro da família linguística Naduhup, mostrando que Dâw, Hup e Yuhup podem formar um subgrupo baseado nas semelhanças no nível estrutural, fonológico e lexical, enquanto Nadëb demonstra um perfil tipológico bastante distinto (Epps e Obert, no prelo). As autoras consideram o contato linguístico com povos diferentes em regiões diferentes como um dos motivos principais para as diversificações dentro dessa família linguística pequena: enquanto os Nadëb habitaram as regiões mais periféricas do Médio Rio Negro, onde mantiveram, historicamente, mais interações com povos Arawak, os Yuhup e Hup habitam a região do Alto Rio Negro/Uaupés, mantendo intenso contato com os povos Tukano. O povo Dâw tem um papel interessante nessa história das redes de interações étnico-linguísticas e na ocupação territorial, o que provavelmente levou a um certo perfil linguístico.

No passado, os Dâw migraram da região do Médio Rio Negro, onde ocuparam uma área em comum com os Nadëb e onde provavelmente também tiveram contato com falantes de línguas Arawak. Segundo as histórias dos anciãos dâw, o povo veio migrando em direção noroeste até chegar ao rio Curicuriari, onde teriam tido o primeiro contato com grupos tukano. O contato interétnico ocorrido em momentos diferentes da história do povo Dâw pode ser observado claramente em alguns vestígios de línguas Tukano e Arawak na língua Dâw, que explica também algumas semelhanças entre as línguas Dâw e Nadëb. Especialmente o caso dos Dâw mostra como língua, historicidade e outros aspectos da identidade cultural desse grupo representam sua posição particular em um sistema interativo maior e multilingue (Epps e Obert, no prelo).

Do ponto de vista linguístico, a língua Dâw apresenta vários aspectos interessantes que, por um lado, são traços que a língua compartilha com as outras línguas indígenas da região e, por outro lado, traços que a particularizam dentro da família linguística Naduhup e em comparação às demais línguas vizinhas.

Uma característica compartilhada pela língua Dâw com outras línguas amazônicas é a expressão limitada de tempo, que se dá, geralmente, por outras categorias flexionais, tais como aspecto e advérbios temporais que estabelecem a dêixis temporal (Epps e Salanova, 2012). Na língua Dâw, o que supre essa escassez de marcação de tempo é um sistema complexo de morfologia aspectual, indicando como um evento expresso por um verbo se estende no tempo.

Outra categoria verbal presente em Dâw e em várias línguas amazônicas é a evidencialidade, i.e., a expressão da fonte de informação. Apesar de existirem várias categorias de evidências, a língua Dâw faz uso frequente de apenas um tipo, que é o evidencial reportativo, indicando uma informação que o falante recebeu de segunda mão e que não foi citada literalmente.

Como a maioria das línguas da região do Alto Rio Negro, a língua Dâw também empacota eventos em predicados complexos que consistem em mais de uma raiz verbal justapostas. Uma das funções principais desse processo morfossintático é a indicação de relações semânticas entre os eventos expressos pelas raízes verbais em jogo. No caso específico da língua Dâw, os predicados complexos são principalmente usados para expressar relações de espaço, como por exemplo, eventos de movimento ou relações estáticas. No exemplo (1), abaixo, podemos observar a justaposição de um verbo de atividade, “carregar no ombro” (tôoj), e um verbo de movimento, “voltar” (yâa), expressando a simultaneidade temporal dos dois eventos. No exemplo (2), a justaposição de um verbo posicional, “pendurar” (yay), e um verbo de postura, “encostar” (dâk), causa uma descrição exata da posição e localização do macaco em relação à árvore.

Exemplo 1

dâw xut tôoj yâa
xaaw
pessoa MASC carregar.ombro voltar espingarda
‘O homem voltou carregando a espingarda’

Exemplo 2

waas ’yay’ ’dâk’
bee
rẽd
macaco estar.pendurado horiz encostar árvore em.adesão
‘O macaco está pendurado na árvore’
Lit.: ‘O macaco está pendurado na árvore de um suporte horizontal’

Em geral, a língua Dâw mostra vários pontos interessantes relacionados à codificação linguística do espaço, o que se torna visível pelo rico inventário de itens funcionais, como posposições, e itens lexicais tais como advérbios espaciais ou verbos de movimento que fazem referência a traços topográficos importantes da região. Assim, os falantes da língua Dâw proporcionam descrições detalhadas sobre trajetórias, caminhos e acontecimentos relacionados aos corpos d’água, por onde comumente circulam. A importância da água como ponto de referência topográfica e sua codificação linguística é um exemplo de como práticas culturais conectadas à ecologia local podem ser refletidas nos recursos linguísticos de uma língua.

Os contadores de histórias dâw são também mestres na arte verbal, tal como revelam no uso de dos recursos linguísticos no nível do discurso. Suas habilidades envolvem a manipulação de perspectivas distintas dos protagonistas, a captação da atenção dos interlocutores e o equilíbrio das repetições. São principalmente as repetições nas narrativas dâw, que desenham o caminho da narrativa, auxiliando o público a seguir o desenvolvimento de sua trama.

Situação sócio-linguística

Hoje em dia, a língua Dâw se mantém bastante viva entre as 142 pessoas da etnia. As crianças aprendem primeiramente a língua materna, e entram em contato com a língua portuguesa através do contato com a sociedade não-indígena e quando ingressam na escola indígena da comunidade. Os anciãos dâw mostram, na maioria dos casos, uma proficiência passiva na língua portuguesa, e são parcialmente falantes ativos de Nheengatú. Em alguns casos, conseguem entender algumas palavras em Tukano, um vestígio do contato com outras etnias durante o trabalho extrativista no século passado.

Membros da comunidade que nasceram em meados dos anos noventa são alfabetizados tanto na língua Dâw, através da ortografia prática desenvolvida por missionários, como na língua portuguesa. A ortografia utilizada e aceita pelos membros da comunidade é ensinada através de materiais didáticos desenvolvidos por missionários e, mais recentemente, por linguistas.

Desde 2013, a comunidade Waruá está envolvida em projetos de documentação e descrição da língua e cultura Dâw, apoiados por diversas instituições de pesquisa junto com linguistas e antropólogos, nos quais principalmente os jovens estão envolvidos em trabalhos de registros audiovisuais, e também trabalhos relacionados à própria língua Dâw, tais como: transcrição e tradução de textos gravados na língua; trabalho de dicionário e também a participação na análise de dados linguísticos para o desenvolvimento de mais materiais didáticos. Junto ao interesse de trabalhar com a própria língua, várias pessoas da comunidade Waruá também se envolveram em projetos de documentação do território ancestral na região do rio Curicuriari, um esforço muito importante na paisagem política atual.

O caso dos Dâw mostra como atitudes positivas frente a língua levam à sua manutenção. Porém, no contexto de perdas rápidas de línguas reportado para essa região (veja o caso do povo Baré, p. ex), a situação da língua é considerada frágil à luz de mudanças socioculturais significativas advindas da interação constante com a sociedade não-indígena.

Histórico do contato

Pesquisas arqueológicas sobre a ocupação humana na região do rio Negro estimam que a presença de povos indígenas na região remonta, pelo menos, cerca de 2500 anos até o presente. Vestígios com essa datação, como lascas de cerâmica, encontradas na região do baixo Uaupés, e estruturas arquitetônicas do século XIV como habitações e fortalezas, dão provas dessa antiguidade (ver Neves, 2011; Wright, 2005). A população indígena da região do rio Negro foi drasticamente reduzida pelo contato com a sociedade não-indígena já a partir do século XVII. No entanto, dados arqueológicos e históricos apontam que determinados traços dos grupos indígenas rionegrinos atuais teriam se mantido estruturalmente semelhantes aos dos grupos anteriores ao contato; entre essas características, o tamanho dos aldeamentos e a distribuição dos grupos falantes das três famílias linguísticas dessa região (ibid.).

A formação histórica da população do rio Negro, antes do contato colonial até o século XX, foi matéria de especulação tratada por diversos pesquisadores, entre eles Kurt Nimuendajú, cujas hipóteses se tornaram célebres e desdobradas em pesquisas posteriores. De acordo com Nimuendaju (197[1950]), as populações indígenas do rio Negro seriam formadas por três “estratos de cultura” que, ao longo do período pré-colonial até o século XX, se sobrepuseram até formar a sociedade rionegrina atual. Para Nimuendajú, os povos Naduhup teriam sido os primeiros habitantes do rio Negro, “[...] de cultura extremamente rudimentar [...]” (Nimuendajú, 1950, p.164), tendo sido posteriormente “aculturados” por grupos arawak vindos do norte e, em seguida, por grupos tukano vindos do oeste, ainda no período pré-colonial. O contato com a sociedade não-indígena iniciado no século XVII culminaria em mais um “estrato de cultura”, da “civilização européia”, sendo a composição étnica do rio Negro um amálgama de traços culturais destes três estratos.

As hipóteses de Nimuendajú, ainda pautadas pelo paradigma evolucionista e assimilacionista de sua época, foram revistas com o avanço de pesquisas arqueológicas e etnológicas na região. Entre essas hipóteses, afiguram-se as migrações dos Arawak, supostamente vindos do Norte, e dos Tukano, pelo oeste (Zucchi, 2002; Neves, 2001), assim como as noções de “estratificação”, “aculturação”, “sobreposição” e “amálgamas” do contato entre grupos indígenas e destes com a sociedade não-indígenas. Por outro lado, outras hipóteses de Nimuendajú mantiveram-se aceitas e bastante próximas às narrativas indígenas. Entre elas, o entendimento de que os povos Naduhup já habitavam as regiões interfluviais dos grandes rios quando da chegada dos não-indígenas (o que é afirmado por esses povos), e de que os grupos indígenas da região estabeleciam relações intensas por meio de redes de trocas matrimoniais, de bens, especializações técnicas e guerras, o que outros autores posteriormente chamaram de “confederações multiétnicas” existindo no rio Negro até o começo do período colonial, exercendo o controle sobre o acesso a recursos e a extensas regiões (Wright, 2005, Neves, 2011, Zucchi, 2002).

A história do contato com a sociedade não-indígena remonta aos primeiros impulsos da colonização nas Américas, ainda no século XVI, quando agentes coloniais de Espanha e Portugal, alimentados pelo imaginário ocidental sobre a existência de “lagos de ouro” na Amazônia, passam a explorar seus interiores. Já no início do século XVII, “tropas de resgate” formadas por oficiais militares da Coroa portuguesa, traficantes de escravos e missionários jesuítas adentravam o rio Negro para a captura e conversão religiosa de indígenas, nas chamadas “guerras justas”, realizadas para “salvar” os gentios de sua condição de “selvagem” e impor-lhes a servidão à Coroa, tornando-os cativos de guerra e escravos na sede das capitanias do Grão-Pará e Maranhão (Wright, 2005; Andrello, 2006).

A região onde os Dâw localizam seu território ancestral, no médio curso do rio Negro, passa a ser acessada por não-indígenas desde essa época. Como narra La Condamine, geógrafo integrante de uma das primeiras expedições científico-ocidentais às Américas, por volta de 1640, a região do Jurubaxi localizada entre o rio Japurá e o médio curso do rio Negro (onde se encontram historicamente os Nadëb), já era um local conhecido pelos invasores, “[...] onde portugueses do Pará iam velhacamente comprar escravos [...]” (2000, p.78). Os “resgates” forçados da população nativa para as sedes da colônia, onde serviriam como mão-de-obra na extração de produtos silvestres, irá permear, sob diferentes roupagens, a história do contato entre indígenas e não-indígenas dessa região por um longo período.

A despeito da presença longeva de agentes de contato na Amazônia, é somente da metade do século XVIII o primeiro registro encontrado sobre a caracterização étnica (as “nações”) da região do rio Negro (Wright, 2005, p. 33). Nesse registro, feito em um período também marcado pela intensidade das “tropas de resgate”, em plena atividade em todo o curso do rio Negro, notam-se convergências entre fontes historiográficas ocidentais e narrativas dos Dâw sobre seu território ancestral (ver seção Mobilidade). Escrito em latim pelo padre jesuíta Ignácio Szentmartonyi, então membro da comissão portuguesa responsável pela delimitação das fronteiras coloniais entre Espanha e Portugal, o Sequente Notitiate de Rio Negro (ibid.), de 1749-1755, documenta a existência de diversas “nações” ocupando os rios da região, entre elas “nações maku” em grande número ocupando os interflúvios e margens dos rios Curicuriari, Marié, Iá e Negro e, junto a elas, grupos “mallivenas” e “mepuris” (etnônimos não mais encontrados na região) falantes da língua Baré.

No período em que fazia seu relato, Szentmartonyi registrava cerca de 20.000 indígenas capturados, tornados escravos e deslocados para o baixo rio Negro. Ao final dessa mesma década de 1750, a lei do Diretório dos Índios irá extinguir formalmente a escravidão indígena nas colônias de Portugal, determinando a criação de aldeamentos a serem administrados pela Coroa, para onde os “gentios” deveriam ser “descidos” e “civilizados” através do trabalho e da religião cristã. Os registros dessa época apontam inúmeras dificuldades de diretores e governadores diante das revoltas e do esvaziamento dos aldeamentos, com retornos da população nativa para montante dos rios, provando “vazios administrativos” que irão perdurar até a metade do século XIX. Apesar da escassez de registros sobre o início e metade do século XIX na região, os poucos relatos destacam a intensidade e crueldade do regime escravista impingido aos indígenas, em vigor ainda nessa época (Andrello, 2006, pp.81-82).

É em meio ao “vazio administrativo” da região do Rio Negro no recém-formado Brasil Império que, em 1833, o viajante austríaco Johann Natterer irá elaborar uma lista de palavras dos “maku do rio Iá” bem como dos “anädoub-maku” do rio Téa, e que, tal como o relato de Szentmartnoyi, coincidem com as narrativas orais dos Dâw sobre a localização da origem de seus ancestrais na região do Médio Rio Negro. A lista de Natterer irá se somar, décadas mais tarde, às memórias do etnógrafo alemão Koch-Grünberg, em uma primeira lista de palavras de “grupos maku” distintos, distribuídos pelos rios Curicuriari, Tiquié e Papuri (ver Ramos; Obert, 2017). As palavras coletadas pelo etnógrafo alemão junto aos “Maku do Curicuriary” são palavras dâw e, ao que Koch-Grünberg indica, relacionadas ao que Natterer registrava no rio Iá décadas antes - coincidindo com a história de migração dos Dâw do rio Iá rumo ao Marié e, em seguida, ao rio Curicuriari (ver a seção Mobilidade).

Entre os registros de Natterer e Koch-Grünberg, um período que perpassa quase todo o século XIX, o rio Negro será palco de novos programas de “civilização e catequese” levados a cabo pela Diretoria dos Índios e por missões carmelitas e capuchinhas. Já a partir de 1870, consolida-se também como uma das regiões da Amazônia atingidas pelo “boom da borracha” e suas consequências. O sistema de aviamento (ou escravidão por dívidas), organizado em torno das figuras do “patrão” e do “freguês”, irá marcar profundamente a população indígena – e em meio a ela, os Dâw - pela violência dos “patrões” e pelo regime de exploração a que estiveram submetidos.

Nas regiões do Médio e Alto Rio Negro, a borracha não foi a principal matéria-prima destinada aos mercados nacionais e internacionais, o que não impediu que o trabalho compulsório de indígenas se consolidasse a partir da extração de outros produtos da mata, tais como a balata, a sorva, a piaçava, peles de animais, entre outros. Esse tipo de atividade, organizada em torno de um “patrão” que arregimenta e desloca “fregueses” para pontos de extração de matéria-prima, e vinculados por um sistema de créditos nunca saldados destinado a atender as necessidades básicas dos “fregueses” indígenas, permeou todo o processo colonial no rio Negro. Porém, teve sua estruturação consolidada (com boa parte da população indígena regional engajada a patrões grandes, médios e pequenos) no período que vai do início do século XIX até a segunda metade do século XX, com períodos de intensificação e retração da atividade extrativista (Meira, 2018). Importante mencionar, sobre a duração destes ciclos, a atuação paralela das missões religiosas, atuando como intermediadoras entre “patrões” e “fregueses” na circulação e comercialização de produtos nativos e mercadorias ocidentais. Estando presente na região por séculos, a lógica da patronagem se estabeleceu como um modo de relação entre pessoas, grupos e coisas em toda a região, atualizando-se sob diferentes formas e com reflexos que perduram até os dias de hoje. É em meio a (e sobre) esse sistema que os Dâw narram sua história de contato com os não-indígenas.

Os “patrões da piaçava” e o universo da extração dessa matéria-prima são elementos recorrentes nas histórias dos Dâw. O ambiente longínquo dos piaçavais e dos barracões, a violência dos patrões, a fome e as doenças, a cachaça e as brigas, são aspectos que marcam o “tempo dos patrões”, estendendo-se até a década de 1980. Atualmente, os Dâw encontram-se desengajados dos antigos patrões, mas ainda retêm esse período como um marco significativo da história do coletivo, narrando-o a partir de características culturais, linguísticas e geográficas próprias para contar sobre seus deslocamentos pela região do Médio Rio Negro.

Mobilidade

As histórias dos antigos contadas pelos/as Dâw mais velhos/as narram a criação do mundo e de seus seres a partir das façanhas de Keg Teh (Port.: Filho do Osso), personagem cujos parentes (mãe e irmã da mãe) são mortos pelas onças - destruição que dará origem aos animais, retirados da barriga da falecida tia, e a Keg Teh, nascido humano e poupado da morte pelas onças, sendo criado por elas após a morte de sua mãe. Buscando vingar a mãe, Keg Teh irá realizar uma emboscada à aldeia das onças (acompanhado por curupiras auxiliares) a fim de exterminá-las. Após tentativas sucessivas de realizar o intento, uma das onças sobrevive, multiplicando-se e dando origem às onças que vivem no mundo até os dias de hoje.

A história dos Dâw sobre sua origem, contada por pessoas de diferentes clãs, narra o surgimento dos Dâw no igarapé Wiiç/Wení, localizado no interflúvio entre os rios Téa e Marié, na região do Médio Rio Negro. Contam os mais velhos que, naquele tempo, os Dâw eram muitos e viviam em grupos dispersos, mudando-se frequentemente e alimentando-se apenas de mel, frutos do mato e animais diversos. Não plantavam roças nem comiam a farinha de mandioca, substituindo-a por cará do mato, pelo palmito de patauá, açaí, bacaba, entre outros alimentos da floresta.

Nesse tempo, as onças (’yãm xʉ’), os curupiras (nuux) e grupos nadëb raptavam e predavam os Dâw, emboscando-os em suas aldeias e em encontros na mata. Diante de tais ameaças, os Dâw realizam uma grande fuga, rumando para noroeste do igarapé Wiç em direção ao rio Marié, afluente do rio Negro. Após a saída do Wiiç, os Dâw narram o encontro com uma canoa de pau que, ao tentarem embarcar para atravessar o rio, revela-se uma canoa-curupira. O episódio ocasiona a morte de todos os Dâw, levados pelo curupira para o fundo d’água. Dois indivíduos dâw sobrevivem e então atravessam o rio Marié, dando início à migração pelas matas interfluviais dos rios Curicuriari e Negro.

Dâw bax xoot rid nuux dâwʉ̃ʉ̃y ‘wuum dâr ‘pun

“No surgimento dos Dâw, o curupira os alagava”. Madalena; trecho de narrativa transcrita por Pedro Dâw e Obert, 2017

Neste percurso, os Dâw travam contato com grupos tukano, passando a habitar e a trabalhar em suas áreas de roça e a obter a farinha de mandioca destes. Também encontram e se engajam com os patrões da piaçava, sobretudo não-indígenas intermediários dos produtos da mata, para quem os Dâw trabalharam por um longo período e em regime compulsório (ver seção História do Contato). Este evento da história Dâw marca uma segunda redução, sendo narrado pelos mais velhos como um período de intenso sofrimento vivenciado por todo o coletivo. Surge então a aliança com os missionários evangélicos, culminando no desengajamento aos patrões da piaçava e na reunião de todos os grupos dâw que, desde então, passam a habitar uma única comunidade.

Kleber Sanches sentado na proa da canoa no Rio Negro no caminho para uma viagem para o Rio Curicuriari. Foto: Karolin Obert, 2017.
Kleber Sanches sentado na proa da canoa no Rio Negro no caminho para uma viagem para o Rio Curicuriari. Foto: Karolin Obert, 2017.

Somam-se às histórias de surgimento e de migração pelas matas interfluviais do rio Negro, uma série de histórias dos antigos contadas pelos Dâw que narram encontros e interações com animais, plantas, espíritos e curupiras, e contam sobre um modo de vida marcado pela circulação intensa pelo interior da mata e dos rios da região, bem como pela relação com os demais habitantes humanos e não-humanos desses ambientes.

As histórias dos antigos, diferentemente dos benzimentos de cura, das falas rituais e outras atividades atribuídas a pajés e benzedores, não foram suprimidas pela conversão religiosa, mantendo-se vivas na memória e na fala dos mais velhos, estando também registradas em cartilhas e materiais pedagógicos com o auxílio de pesquisadores e instituições não-governamentais, como modo de ensino da língua e do conhecimento dos antepassados dâw aos mais jovens.

''Dâw tuuw'' (Port.: caminhos dos dâw). Mãe e filho andando em caminhos antigos para chegar no igarapé Bukaar Pêeg – local de moradia dos antigos Dâw. Foto: Karolin Obert, 2017.
''Dâw tuuw'' (Port.: caminhos dos dâw). Mãe e filho andando em caminhos antigos para chegar no igarapé Bukaar Pêeg – local de moradia dos antigos Dâw. Foto: Karolin Obert, 2017.

Atualmente, mesmo residindo em uma única comunidade, os Dâw realizam uma série de atividades que envolvem a mobilidade pela mata e pelos rios, e para isso servem-se dos caminhos abertos pelos ancestrais, os dâw tʉʉw (Port.: caminhos dos dâw), um importante elemento diacrítico da cultura e de projetos culturais dos Dâw. É frequente entre os homens a composição de “turmas” que percorrem o interflúvio dos rios Curicuriari e Negro para caçar e pescar. Estas expedições costumam ser feitas à canoa e por meio dos dâw tʉʉw abertos na mata, dando acesso a áreas de roça, de manejo, lugares de ocupação ancestral e moradas de outros seres (donos de animais, curupiras, vizinhos tukano, entre outros).

Momento de paragem durante caminhada para o sítio Belém. Na foto; Brasilino Mendes, José Araújo, Marcia de Sousa Castro, Maria Auxiliadora de Sousa Castro, Oskaar Moraes Araújo (sua filha a esquerda e filho a direita). Foto: Karolin Obert, 2018.
Momento de paragem durante caminhada para o sítio Belém. Na foto; Brasilino Mendes, José Araújo, Marcia de Sousa Castro, Maria Auxiliadora de Sousa Castro, Oskaar Moraes Araújo (sua filha a esquerda e filho a direita). Foto: Karolin Obert, 2018.

Em muitas ocasiões, pessoas mais velhas, mulheres e crianças também acompanham os homens nas caminhadas, em expedições que podem durar semanas. Os grupos dâw em viagem instalam-se em acampamentos montados com lonas, folhas e estruturas provindas da mata ao redor, na beira dos igarapés e ilhas do rio Negro. Tratam-se de locais onde os antigos também habitaram, incluindo-se entre esses locais comunidades tukano, como Inebo e Tumbira, no rio Curicuriari, cujos moradores são antigos vizinhos dos Dâw. Nessas comunidades, os visitantes montam acampamento acomodando-se nas casas de farinha disponibilizadas pelos anfitriões, visitando-os e fazendo trocas de produtos da roça e carne de caça abatida ao longo do percurso. As viagens são tidas como momentos de lazer e descontração pelos Dâw, tendo um valor significativo nas suas narrativas e nas atividades do grupo. Ao caminhar por onde trilharam os antigos, os Dâw recuperam suas histórias e as atualizam na interação com esses lugares e seus habitantes.

Acampamento temporário dâw no Sitio Belém. Foto: Karolin Obert, 2018.
Acampamento temporário dâw no Sitio Belém. Foto: Karolin Obert, 2018.

Andando pelos dâw tʉʉw, sejam eles os caminhos dos ancestrais, caminhos de roça ou de outras áreas de manejo, o povo Dâw mobiliza um grande conhecimento da flora e fauna locais, de onde também extraem matéria-prima para a elaboração de remédios e objetos tradicionais e de uso diário - como os aturás (cestos cargueiros), bancos, varas-de-pescar, canoas, remos, armadilhas para caranguejo e camarão, estruturas habitacionais, entre outros. Os aturás, especialmente, são tidos pelos Dâw como outro elemento expressivo de sua cultura, sendo a confecção deste objeto uma especialidade compartilhada com outros povos Naduhup, havendo, entre os próprios Dâw, saberes e técnicas diversas de confecção de aturás.

Construção de um abrigo temporário. Foto: Karolin Obert, 2018.
Construção de um abrigo temporário. Foto: Karolin Obert, 2018.

Outro importante marcador da cultura dos Dâw são os dabucuris, compartilhados com os demais povos do rio Negro. Atualmente, em razão da conversão à religião cristã, os Dâw modificaram seus dabucuris, não utilizando substâncias inebriantes (caxiri, carpi) e benzimentos, entre outros elementos. Por outro lado, os dabucuris dos Dâw são acompanhados de danças e músicas com flautas e adornos corporais, em que participam convidados de outras comunidades e mesmo não-indígenas, sendo realizados em períodos de fartura de frutos silvestres, após o retorno de grandes e bem-sucedidas caçadas ou em apresentações culturais para visitantes da comunidade. Ainda que realizados com menor frequência do que antigamente, e sem os mesmos instrumentos cerimoniais, os dabucuris são tidos pelos Dâw como um evento significativo, tendo a adesão e participação de toda a comunidade.

Cesto com porco defumado para a entrega durante o dabucuri. Foto: Karolin Obert, 2017.
Cesto com porco defumado para a entrega durante o dabucuri. Foto: Karolin Obert, 2017.

Entre dabucuris, aturás, caminhos e histórias dos antigos - elementos materiais e imateriais elencados pelos Dâw para expressar sua cultura - a mobilidade pelas florestas e rios da região afigura-se como o eixo articulador dessas atividades e saberes, informando também um modo de vida específico, calcado na interação, no conhecimento e cuidado com os territórios ancestrais e de outros seres.

Organização social e política

Em meados dos anos 1980, após sucessivos deslocamentos ocorridos nas décadas anteriores, os Dâw estavam distribuídos em três grupos locais, situados em pontos distintos entre os rios Curicuriari e Negro - dois deles próximos à cidade de São Gabriel, cada qual em uma margem do rio Negro, e um grupo próximo à foz do rio Curicuriari. No mesmo período, grupos e pessoas dâw se encontravam dispersos pelos igarapés e interflúvios do médio curso do rio Negro, vivendo ora em comunidades e sítios de outras etnias, prestando serviços tais como o manejo de roças, obtenção de carne de caça, entre outros; ora engajados com patrões não-indígenas na extração de produtos da mata, principalmente a fibra de piaçava, sob o regime de trabalho compulsório, habitando durante meses ou até anos os locais de extração e estocagem da piaçava.

Na mesma década, com a chegada da missão evangélica ALEM, os Dâw passam a se desvincular das dívidas com os patrões, tendo os missionários como intermediários na extração e comércio dos produtos da mata. Paralelamente à atividade religiosa, comercial e assistencial, a missão ALEM irá realizar, no ano de 1985, a aquisição de um terreno em frente à cidade de São Gabriel da Cachoeira, o sítio Waruá, tornando-se, após a atração da missão, a comunidade dos Dâw, passando então a abrigar todos os grupos locais até então dispersos desta etnia. Neste sentido, a comunidade Waruá pode ser vista como um aglomerado de grupos locais (e o único grupo regional) dâw.

A comunidade Waruá é dividida em quatro “bairros”, cada qual compondo um grupo local. Os bairros são compostos, em geral, por 3 a 12 grupos domésticos formados por um casal (ou uma pessoa viúva) e seus filhos e filhas solteiras, habitando uma ou duas casas e, muitas vezes, contando com a presença de um parente agregado ao casal (bilateral, ascendente ou descendente). Por outro lado, quanto ao vínculo de parentesco entre os grupos domésticos, os bairros têm composições variadas. Há bairros em que predomina a parentela cognática, com a presença de cunhados residindo no mesmo grupo local, e bairros em que predomina a parentela agnática, formada por homens - irmãos e pais - relacionados por descendência patrilinear, os clãs dâw (uuy dâr).

Os Dâw dividem-se, atualmente, em seis clãs nomeados. Embora hajam territórios vinculados a determinados clãs, os grupos locais/bairros dâw são multiclânicos, característica que perpassa desde a formação dos casais - sendo a exogamia clânica e a endogamia linguística prescrições matrimoniais desta etnia - até o padrão de residência pós-marital, que pode se dar tanto pela via patri quanto matrilocal, resultando na formação de espaços cognáticos, multiclânicos e, atualmente, multiétnicos.

O casamento com pessoas de outras etnias ocorre com alguma frequência, sobretudo, entre as gerações mais novas, havendo casais formados por pessoas dâw com indígenas de etnias ou não-indígenas, que então passam a viver na comunidade. Neste aspecto, Waruá se constitui como um território inclusivo dos Dâw, em que os afins são incorporados aos grupos locais, sendo poucas as pessoas dâw que saem de Waruá para viver em outros sítios e comunidades, ou mesmo na cidade.

A parentela de uma pessoa dâw pode se estender por toda a comunidade e as visitas entre as pessoas de um bairro a outro ocorrem com frequência, havendo, no entanto, a criação de um ambiente de privacidade das casas e entre os bairros. Para fora dos bairros, os encontros são propiciados por itinerários e estruturas comunitárias, entre elas as atividades escolares, reuniões no centro comunitário ou no pólo base de saúde, ajuris, cultos na igreja e, com mais frequência, os jogos de futebol. Por outro lado, a vida diária se passa no ambiente local e doméstico dos bairros, alternada a ida aos cultos, reuniões e outras atividades de âmbito comunitário.

A organização política dos Dâw pode ser vista sob diferentes níveis. No âmbito comunitário, os postos de capitã(o), presidente de associação, professor(a), agente de saúde, pastor(a), animador(a) e capitã(o) de esportes, correlatos às estruturas mencionadas acima, são ocupados por homens e mulheres dâw adultos, assim como por afins de outras etnias. O capitão e sua equipe são responsáveis por mobilizar as atividades coletivas e respondem pela comunidade frente a instituições governamentais e pessoas de fora, mas não têm são investidas de poder de mando sobre os demais, de modo que os grupos domésticos são bastante autônomos na realização de suas atividades.

Por outro lado, no âmbito das atividades cotidianas tais como as idas à roça e à cidade, à caça e à pesca, as atividades são realizadas por pequenas turmas compostas geralmente por irmãos, filhos, cunhados e outros parentes próximos, e encabeçadas por um homem experiente em tal atividade; assim como são compostas “turmas” de mulheres, irmãs, cunhadas, mães, companheiras no cuidado da roça e das crianças, na coleta e nas idas à cidade.

Aspectos contemporâneos

A comunidade Dâw está localizada dentro da Terra Indígena Médio Rio Negro I, já homologada, onde compartilham recursos e a gestão sobre o território com comunidades e sítios de outras 10 etnias.

Os Dâw são membros da Associação AHKÓ-IWÍ junto a outras cinco comunidades da região da Serra do Curicuriari (ou Serra da Bela Adormecida), com as quais compartilham o monitoramento e regulamentação do ecoturismo e da pesca esportiva na região do rio Curicuriari. A AHKÓ-IWÍ, por sua vez, está vinculada à Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (CAIMBRN-Foirn).

Os Dâw também têm iniciativas próprias de associativismo, como a Associação da Escola e Comunidade Indígena Dâw (AECID), criada em 2011, através da qual desenvolvem projetos educacionais e socioambientais, em parceria com órgãos governamentais e não-governamentais. Destacam-se, entre as realizações desta Associação, o Projeto “Entre rio Negro e rio Curicuriari - A retomada do território ancestral do povo Dâw”, realizado com o intuito de re-abrir caminhos dos antigos, cerrados pela mata, bem como instalar pontos de habitação e acampamento em seu território tradicional. O projeto busca atrelar educação dos mais jovens, valorização da cultura e história dâw, e possibilitar um maior controle territorial desta etnia sobre seu território.

Atualmente, o território dâw vem sofrendo pressões de agentes diversos, como garimpeiros e narcotraficantes atuando ilegalmente nessa região, e muitas vezes adentrando o território da própria comunidade e causando medo aos moradores. Somam-se às pressões territoriais a migração de muitas famílias indígenas provenientes de comunidades rio acima, e que ao baixar o rio Negro rumo à São Gabriel, ocupam territórios também acessados pelos Dâw. As pressões e invasões ao território dâw têm sido denunciadas à Fundanção Nacional do Índio (FUNAI) e ao Exército Brasileiro, buscando-se um esforço de cooperação mútua de controle sobre o território.

Na área da educação escolar indígena, os Dâw possuem em sua comunidade a Escola Indígena Waruá, registrada em 1994 pela Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira (AM), tendo como alunos/as jovens e crianças dâw bem como jovens de outras etnias de comunidades e sítios vizinhos. Um Programa Político Pedagógico Indígena (PPPI) para essa Escola ainda encontra-se em fase de discussão. O quadro de funcionários é composto, majoritariamente, por professores de outras etnias, algo colocado em debate pelos professores, pais e mães dâw. A Escola de Waruá é vinculada ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e muitas famílias têm o Cadastro do Agricultor Rural, abastecendo a escola com alimento oriundo das roças, da coleta e pesca dos moradores e moradoras da comunidade.

Na área da saúde, a comunidade Waruá dispõe de uma Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI), vinculada ao Polo Base Ilha das Flores (Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro (Dsei-ARN), onde médicos e outros profissionais de saúde não-indígenas prestam atendimento à comunidade local e a outras 78 localidades (entre comunidade e sítios). A UBSI Waruá possui, atualmente, 01 funcionário da etnia Dâw (técnico em enfermagem) atuando na comunidade. Além dos remédios disponibilizados pelo Pólo Base, os Dâw fazem largo uso de “remédios do mato”, cultivados em roças e hortas ou coletados no interior da floresta.

Notas sobre as fontes

Trabalhos iniciais sobre o povo Dâw e os outros povos Naduhup datam seu início nas listas de palavras feito pelos viajantes europeus como Natterer, no século XIX, e Koch-Grünberg e Tastevin no início do século XX. Quase 100 anos após a chegada desses viajantes a região do Alto Rio Negro, anteriormente conhecido como “caixa-preta linguística”, a região ainda chama a atenção de pesquisadores. Trabalhos iniciais também foram realizados por missionários brasileiros e de instituições estrangeiras cuja influência (in)direta e profunda impactou as línguas e culturas locais. Em paralelo, pesquisadores das áreas de Linguística e Antropologia de instituições não-eclesiásticas começaram seus trabalhos nas áreas de etnografia, descrição e documentação de línguas. Apesar de grandes avanços feitos tanto na descrição e documentação das línguas e etnografias nas últimas três décadas, somente uma fração das línguas da região conta hoje com boas descrições. Além de pouco conhecidas, muitas línguas da região amazônica são faladas por pequenos grupos de pessoas e encontram-se em um estado grave de extinção.

Esse mesmo cenário se aplica ao povo Dâw. Apesar de serem mencionados no início do século passado na classificação da família linguística por Theodor Koch-Grünberg (veja Seção Nome), nosso conhecimento sobre a língua e cultura dâw ainda se encontra em estado inicial, considerando a riqueza dos recursos linguísticos e de seus conhecimentos tradicionais.

Os trabalhos linguísticos pós Koch-Grünberg começaram com a descrição sobre a prosódia por V. Martins (1994) e uma descrição das características morfossintáticas feita por S. Martins (1994) que desenvolveu essa tese de mestrado em uma gramática da língua Dâw, em 2004. Trabalhos de documentação e descrição linguística se iniciaram com o projeto “Documentation of Dâw, a Naduhup language of Brazil”, em 2015, coordenado por Patience Epps (UT Austin) e Luciana Storto (USP) com apoio financeiro da Endangered Language Foundation (Londres). Esse projeto resultou em uma primeira coleção de registros audiovisuais documentando práticas culturais, conhecimento tradicional e discurso natural na língua Dâw. Isso produziu um corpus de textos parcialmente anotados, uma base de dados lexicais e materiais didáticos como livros de histórias tradicionais na língua Dâw. Além disso, foram produzidas quatro teses de mestrado na área de linguística pelos membros da equipe desse projeto sobre aspectos da nasalização (Andrade, 2014); estrutura argumental (Costa, 2014); aspecto verbal (Carvalho, 2016) e sobre glotalização (Cavalini, 2017).

Uma série de projetos interdisciplinares de documentação da língua e cultura dos Dâw e demais povos Naduhup vieram na sequência, como por exemplo:

  • 2015-2017: “Language Contact and Change in the Upper Rio Negro” (UT-FAPESP; Patience Epps & Luciana Storto, em colaboração com Danilo Paiva Ramos, Karolin Obert, Bruno Ribeiro Marques, Evani Viotti, Clariana Assis)
  • 2017-2018: “Memory and landscape – recovering the ancient territory of the Dâw people (Naduhup, Brazilian Amazon) through the documentation of oral discourse” (Firebird Foundation; Karolin Obert & Nian Pissolati)
  • 2017-2018: “Caminhos dos Naduhup: arte verbal e imagem, tecendo floresta e mundos” (Museu do Índio/ Rio de Janeiro and UNESCO; Bruno Marques, Nian Pissolati e Karolin Obert)

Os últimos dois projetos focaram-se no entendimento da codificação linguística do espaço e o engajamento do povo Dâw com seu território, paisagem e memória. Além do mais, esses projetos buscaram entender junto aos membros da comunidade e através de várias viagens pelos rios e florestas, a história do povo Dâw, suas migrações e distribuições pelo território ancestral. Essas pesquisas resultaram em uma série de mapas (ainda não publicados, mas disponíveis aos membros da comunidade), um livro de histórias sobre os locais visitados, uma tese de doutorado sobre a codificação linguística de espaço por Obert (2019) e uma série de artigos (cf. Seção Bibliografia básica). Além disso, uma grande parte dos dados coletados durante esses projetos estão parcialmente disponíveis nos seguintes acervos:

Trabalhos etnográficos realizados junto aos Dâw são mais escassos e se restringem, até o presente momento, a breves notas etnográficas de pesquisadores focados no conjunto dos povos Naduhup, e três dissertações de mestrado focadas nos Dâw, especificamente. No primeiro bloco, Pozzobon (1983) e Meira (1993) fizeram visitas e relatos breves junto aos Dâw, o primeiro pesquisador tendo registrado aspectos da organização social do grupo, e o segundo a relação dos Dâw com os patrões da piaçava. Assis, E. (2001) pesquisou a relação “patrão/freguês” no discurso e história desse povo, e Assis, L. realizou pesquisa sobre identidade e estigma entre os Dâw (2006). Santos (2015) fez pesquisa sobre transformações socioespaciais dâw e atualmente desenvolve pesquisa de doutorado focada na territorialidade desse grupo. Colaborações recentes entre Obert e Pissolati (em. prep.) e Epps e Obert (no prelo) focam nas interações históricas do povo Dâw com seu território e com outros grupos, como os Nadëb, ligados aos processos de migração da região do médio para o alto curso do rio Negro.

Fontes de informação

Bibliografia básica

  • Andrade, W. ‘’A nasalização na língua Dâw’’. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
  • Assis, E. ‘’Patrões e Fregueses no Alto Rio Negro: as relações de dominação no discurso do povo Dâw’’. Bachelor Thesis. Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2001.
  • Assis, L. ‘’Quando o fim é o começo: identidade e estigma na história do povo Dâw no Alto Rio Negro’’. 2006. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2006.
  • Carvalho, M. ‘’Aspecto Verbal na Língua Dâw’’. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2014.
  • Cavalini, L. ‘’Aspectos da glotalização na língua Dâw: um estudo de fonética experimental.’’ Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
  • Costa, J. ‘’A estrutura argumental da língua Dâw’’. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
  • Epps, P.; Obert, K. ‘’Linguistic clues to hunter-gatherer histories: the Naduhup peoples of northwest Amazonia’’. In press at ‘’Journal of Hunter Gatherer research’’.
  • Fontanelli, J. V. ‘’Figuras da Mata, ocupantes da cidade e do Rio: imaginário etnográfico e das transformações Dâw – Rio Negro (AM)’’. Dissertação de Mestrado. Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.
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Coleções em acervos

  • Epps, P.; Storto, L. Documentation of Dâw, a Naduhup language of Brazil. Endangered Languages Archive, SOAS University of London. 2013-2015.
  • Epps, P.; Obert, K.; Storto, L. The Dâw collection. Archive of the Indigenous Languages of Latin America (AILLA), University of Texas in Austin. 2014 +.

Materiais didáticos

  • Obert, K. Mapa do território ancestral com fotos e narrativas. Museu do Índio: Rio de Janeiro, 2019.
  • Obert, K. Dâw tʉʉw - Livro com narrativas e mapas com dados georeferenciados mostrando lugares antigos no território do povo Dâw, 2018.
  • Epps, P.; Obert, K.; Storto, L. Histórias de vida da comunidade Waruá – Livro com histórias de vida de alguns anciões Dâw e árvores de parentesco, 2017.
  • Assis, C.; Epps, P.; Obert, K.; Storto, L.; Ananthanarayan, S. Dicionário Dâw. (Versão preliminar do dicionário), 2017.
  • Epps, P.; Obert, K.; Storto, L. Histórias Dâw – Livro com histórias tradicionais do povo Dâw, 2017.