De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Egon Heck, 1982

Deni

Autodenominação
Jamamadi
Onde estão Quantos são
AM 2064 (Siasi/Sesai, 2020)
Família linguística
Arawá
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Os Deni estão entre os grupos indígenas da região dos rios Juruá e Purus que, na década de 1940, sofreram os impactos do segundo ciclo da borracha, que atraiu milhares de migrantes. Com estes, vieram doenças, violentas disputas territoriais e exploração da mão-de-obra indígena. Desde então, os Deni tiveram que esperar décadas até terem seus direitos territoriais assegurados, sendo preciso iniciar uma campanha de audemarcação das terras, com apoio de algumas Ongs, para então conseguir a demarcação oficial, que só foi concluída em agosto de 2003. Ainda enfrentam, contudo, os problemas advindos de invasões recorrentes para atividades clandestinas como pesca e extração de madeira.

Nome e Língua

Os Deni do rio Xeruã se autodenominam "Jamamadi-Deni", enquanto os Deni do rio Cuniuá se autodenominam "Madihá-Deni". Tal diferenciação é resultado da influência exercida pela missão Novas Tribos do Brasil, que atua na região do rio Cuniuá desde 1982.*

A língua Deni pertence à família lingüística Arawá. Poucos estudos existem sobre o Arawá, que inclui, além da língua Deni, as seguintes línguas: Paumari, Jamamadi, Banawa–Yafi, Jarawara, Kulina e Suruwahá, sendo todas essas etnias habitantes da área etnográfica do Juruá-Purus (Melatti, 1998). Segundo o lingüista Aryon Rodrigues, as línguas da família Arawá são muito semelhantes entre si, sendo a língua Paumari um pouco diferenciada das demais (Rodrigues, 1986:71). Dixon denomina Madi à língua falada pelos Jarawara, Jamamadi e Banawa-Yafi, pois afirma que são mutuamente inteligíveis e partilham o vocabulário em 95%. Segundo o autor, Madi tem forte semelhança gramatical e lexical com as línguas Deni e Kulina (Dixon, 1999: 292-306).

* Nota da Edição

A respeito dessa observação, o missionário da MNTB, Vladmir Cunha, enviou o seguinte comentário:

"Os Deni se auto- denominam "Madiha", não por influência da MNTB. Conhecendo a língua, pode se perceber facilmente que é esse o nome que eles dão para si próprios. O termo "Jamamadi" era atribuído no passado aos Deni, mas nunca foi bem aceito pelo povo por sua semelhança fonética com "zama madi" = pessoa selvagem (de comportamento típico de um animal), assim como o termo "índio" é rejeitado por ser semelhante a "izu" = excremento. Consultei os Deni do rio Xeruã sobre a origem dessa informação e eles me disseram que eles nunca gostaram de ser chamados por uma palavra usada para xingamento. Já o termo "Deni", usado oficialmente pela maioria das ONGs e por OGs, é apenas um sufixo pluralizador de alguns subtantivos da língua e tem sido bem aceito pelo povo. Atualmente quando um Deni quer se referir a eles próprios usando o termo Deni (para eles uma palavra portuguesa) no plural eles falam "Denideni" = os Deni."

Localização e população

Vista parcial da aldeia Visagem, localizada à margem direita do rio Cuniuá. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1999.
Vista parcial da aldeia Visagem, localizada à margem direita do rio Cuniuá. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1999.

Os índios Deni habitam uma extensa região compreendida entre os rios Juruá e Purus, nos municípios de Itamarati, Lábrea e Tapauá, no Estado do Amazonas. Segundo o relatório ambiental elaborado por Pezzuti, a área indígena pertence à bacia hidrográfica do Solimões e é drenada por um afluente do Juruá, o Rio Xeruã, e pelo Canaçã e Cuniuá, afluentes do Tapauá, que por sua vez deságua no Purus. A Terra Indígena Deni está inserida na região que separa a bacia de drenagem destes dois grandes rios de água branca (o Juruá e o Purus).

Para fins de análise, a Terra Indígena pode ser dividida em duas porções: a Ocidental e a Oriental. Na porção ocidental existem quatro aldeias, situadas no rio Xeruã e em alguns de seus afluentes. São elas: Rezemã, Morada Nova, Boiador e Itaúba. O Xeruã é afluente do rio Juruá. Na porção oriental existem mais quatro aldeias, todas situadas à margem do rio Cuniuá, afluente do rio Purus: Cidadezinha, Marrecão, Visagem e Samaúma.

Não há ligação fluvial entre o Xeruã e o Cuniuá; por via terrestre existe um varadouro (caminho pela mata) que liga a aldeia Itaúba à antiga aldeia Kumarú Novo. A viagem dura em média três dias. Para as outras aldeias, a viagem pode se estender por uma ou duas semanas. Existem diversos varadouros que interligam as aldeias e locais de caça, coleta e pesca.

Em maio de 1999, constatamos que 666 índios habitavam a Terra Indígena em 116 residências distribuídas por nove aldeias. Dados atualizados em 2002 pelas ONGs Greenpeace, CIMI e OPAN indicaram um crescimento da população para 736 pessoas, em oito aldeias. Em 2010, a população Deni alcançou 1.254 pessoas, segundo os dados da FUNASA.

Histórico e situação territorial

As primeiras intervenções do Estado que objetivavam a regularização fundiária da Terra Indígena Deni e demais terras indígenas da área etnográfica Juruá-Purus datam da década de 1930. O auxiliar do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), José Santana Barros, participou da viagem de inspeção ao rio Tapauá e seus afluentes entre 18 de março e 24 de abril de 1930. Apresentou relatório de viagem, no qual cita e discorre sobre diversas etnias que habitavam a região. Era uma primeira tentativa de identificar áreas habitadas pelos índios no Juruá-Purus, à qual seguiram-se outras expedições do SPI na década de 1940. Infelizmente, nenhuma proposta de regularização fundiária foi apresentada, não obstante os relatórios apresentarem dados bastante interessantes.

Muitos anos depois, através da portaria n.º 1813/E, de 07/01/85, foi criado o grupo técnico (GT) para proceder os estudos de identificação e levantamento ocupacional visando a definição dos limites da Área Indígena Deni. Foram designados cinco técnicos, que deveriam realizar os trabalhos de campo em 30 dias. O relatório antropológico, de responsabilidade da pesquisadora Therezinha de Barcellos Baumann, nunca foi apresentado. Desse GT, foi produzido apenas o memorial descritivo de delimitação e uma informação de duas páginas sobre o número de ocupantes não-índios e população Deni aproximada. A Área Indígena Deni foi definida com superfície de 998.400 ha e perímetro de 750 Km.

Em 21/01/1992, a Comissão Especial de Análise (CEA), criada pela Funai objetivando aproveitar os trabalhos anteriores ao decreto nº 22/91 e adequá-los às novas exigências, credenciou os indigenistas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Gunter Kroemer e Terezinha Weber para averiguar a possibilidade de anuência aos limites definidos em 1985. O procedimento de anuência ocorreu no dia 05 de junho de 1992 na aldeia Kumarú, ocasião na qual os índios manifestaram seu desacordo com a proposta, pois a área delimitada não contemplava a totalidade das terras tradicionalmente ocupadas por eles.

Em 1995, foi apresentado relatório por Kroemer visando subsidiar a definição dos limites da terra indígena. Entretanto, como na reunião com a comunidade indígena em 1992 ficara claro que os Deni não concordavam com o resultado dos estudos de 1985, fizeram-se necessários novos estudos de identificação e delimitação.

No mesmo ano de 95, uma equipe de saúde da Funai se deslocou ao rio Xeruã para vacinar e dar tratamento de saúde aos índios, que ainda se recuperavam do devastador surto de sarampo de 1992. O antropólogo Eduardo Vieira Barnes acompanhava a equipe, pois fora contratado para prestar serviços de consultoria para realização de estudos etnológicos com o objetivo de identificar e delimitar a Terra Indígena Deni. Entretanto, após seu retorno a Brasília, o antropólogo solicitou rescisão do contrato. Outro Grupo de Trabalho foi designado, sob coordenação de Rodrigo Padua Rodrigues Chaves (autor deste verbete). O trabalho de campo foi realizado em duas etapas: de 23 de novembro de 1998 a 05 de janeiro de 1999 e de 10 de abril de 1999 a 28 de maio de 1999, totalizando 93 dias. De acordo com o relatório do GT, aprovado pela Funai em fevereiro de 2001, a Terra Indígena Deni foi identificada com a extensão de 1.530.000 ha. Em dezembro do mesmo ano foi declarada de posse permanente indígena pelo Ministério da Justiça e, em maio de 2003, demarcada.

Campanha e demarcação oficial

[Editado pela Equipe Povos Indígenas no Brasil]

O processo de demarcação da terra foi precedido de um movimento protagonizado pelo Greenpeace. Em 1999, esta ONG investigava a compra de 313 mil hectares de floresta pela gigante madeireira da Malásia, WTK, que pretendia explorar madeira na região para fabricar compensados para exportação. O Greenpeace apurou que mais da metade dos 150 mil hectares adquiridos pela WTK incidiam sobre a área Deni.

O Greenpeace realizou então uma campanha junto aos clientes da WTK e a empresa acabou declarando que não iria explorar a área sobreposta à terra Deni e que não recorreria à Justiça contra o processo de demarcação.

Depois de muita negociação, em outubro de 2001 o então ministro da Justiça assinou a Portaria Demarcatória e, em maio de 2003, a demarcação oficial finalmente começou. No dia 5 de agosto, os Deni celebraram com cantos e danças a conclusão da demarcação de sua terra, depois de 18 anos de espera. Com a demarcação da terra Deni, um corredor etnoambiental de mais de 3,6 milhões de hectares de floresta amazônica será formado, ligando oito Terras Indígenas.

Cosmologia e sociedade

Foto: Egon Heck, 1985.
Foto: Egon Heck, 1985.

Segundo pesquisa de Koop (1983), o casamento preferencial se dá entre primos cruzados, ou seja, a moça casa com o filho da irmã do pai; o rapaz casa com a filha do irmão da mãe. O casamento entre primos paralelos é considerado incestuoso, tanto que os irmãos do pai são classificados como pai (abi), e as irmãs da mãe estão na mesmo categoria de mãe (ami).

A regra de residência depois do casamento tende a ser matrilocal: "quando o rapaz casa vai morar na casa da mulher", diz Hamú, patarahú (chefe) da antiga aldeia Buzina, expressando assim o ideal da matrilocalidade. O missionário Gordon Koop afirma o seguinte: “Assim que a filha se aproxima da puberdade, o homem geralmente arranja o seu casamento e o genro passa a morar na mesma casa, ou em uma casa ao lado do sogro. Durante três meses lunares, o genro nada recebe de sua mulher, além dos favores amorosos. Por outro lado, ele deve caçar, pescar, coletar frutos da floresta, e entregar tudo à sua sogra (mashudini), excetuando uma pequena porção que entrega à sua mãe. Após este período de três meses, sua mulher começa a cozinhar para ele, levando a comida no prato, como antes fazia a sogra. Então, ele passa a dividir o que caça ou pesca entre sua mulher e sua sogra, reservando uma pequena parte para sua mãe.

Geralmente, o genro mora perto do sogro no período de um ano ou mais, quando, então, trabalha com ele na maioria dos seus projetos, como construção de casas ou derrubada da mata... também, ele caça e pesca juntamente com o sogro. O genro pode mudar-se para longe, desde que consiga o consentimento do sogro” (KOOP, 1983:18).

A despeito da matrilocalidade, a descendência pelo lado paterno constitui a base da organização social. Homens que compartilham o mesmo pai ou cujos pais têm um pai comum (primos), constituem uma parentela que geralmente vive próxima, compartilha o mesmo trabalho coletivo e arranja os casamentos de suas filhas e filhos. Se um grupo de irmãos possui três ou mais homens adultos com mulheres e filhos, eles podem se afastar da casa do sogro e construir suas casas próximas. Assim, os vínculos estruturais da família extensa são aqueles entre um grupo de irmãos ou entre o sogro (hedi) e seus genros (hirubadi).

Com o levantamento populacional nas oito aldeias Deni, constatou-se a presença dos seguintes sub-grupos:

Seruvá Kudé Deni
Povo do Xeruã, como os Deni do Cuniuá os denominam
Upanavá Deni
Vieram do outro lado do rio Purus, atravessaram o Purus, depois o rio Pauni, subiram os rios Mamorea e Aruá, até alcançar o rio Cuniuá. São majoritários na aldeia Marrecão – Beira Rio
Bukuré Deni
Vieram do rio Aruá, afluente do Cuniuá. São majoritários nas aldeias Visagem e Samaúma
Kunivá Deni
Provenientes do baixo rio Cuniuá, são majoritários na aldeia Boiador
Varasá Deni
Provenientes do rio Xeruã, são majoritários na aldeia Cidadezinha
Minú Deni
Provenientes do igarapé Curabi, afluente do rio Xeruã. São majoritários na aldeia Morada Nova
Katú Deni
Havá Deni
Povo do patauá. São majoritários na aldeia Rezemã e na Terra Indígena Deni
Tamakuri Deni
São majoritários na aldeia Marrecão-Pista de Pouso.
Mei Vessé Deni
Povo da taioba branca.
Makui Deni
São majoritários na aldeia Itaúba.
Zumahé Deni
Povo da onça, do qual existe apenas um representante na terra indígena.
Putavi Deni
Também possui apenas um representante.

Organização política

Tradicionalmente, os membros da aldeia com posição política proeminente são os chefes (patarahú) e os xamãs (zupinehé). Antigamente, uns e outros tinham várias mulheres. Não há tradução literal para patarahú, a mais próxima seria "chefe do grupo doméstico". Nos últimos anos, com a influência da Funai e dos missionários que atuam na região, o papel do patarahú passou a ter maior importância e hoje é sinônimo de tuxaua, ou seja, chefe da aldeia. Já os homens mais idosos da aldeia geralmente são os Imabuté, contadores de histórias.

Segundo Koop, os principais critérios de escolha de um chefe da aldeia é que seja um homem maduro (com filhos em idade suficiente para correr), de preferência que o pai tenha sido chefe e, sobretudo, que tenha espírito de liderança e características pessoais que o qualifiquem para o cargo.

O chefe, contudo, não pode tomar decisões arbitrariamente, mas antes discuti-las com os homens adultos da aldeia (com filhos que já podem correr e que participam da aspiração de rapé, shina). Em reuniões que ocorrem pouco antes de amanhecer, as intenções são apresentadas e debatidas. De sua rede, o chefe ou alguém que deseja se pronunciar começar falar em voz alta. Comentários ecoam através da praça central vindos de homens em suas respectivas redes. Assim, as decisões e projetos para o dia são feitos coletivamente (Koop, 1983).

Mobilidade e moradia

Foto: Egon Heck, 1982.
Foto: Egon Heck, 1982.

O histórico de ocupação da Terra Indígena pelos Deni indica que a média de ocupação de uma aldeia geralmente não excede cinco anos. Vários fatores determinam a desocupação de uma aldeia. Além da própria dinâmica de criação e subdivisão de grupos domésticos, um dos fatores refere-se às doenças levadas pelos “brancos” e que ocasionaram altas taxas de mortalidade, como a tuberculose, o sarampo e a pneumonia, dentre outras. As epidemias implicam no abandono da aldeia e na dispersão dos sobreviventes.

Sahavi, patarahú da aldeia Morada Nova, relata os primeiros contatos com os brancos: “antigamente não tem branco, só índio. Depois branco entrou aí...teve sarampo, teve catapora, teve gripe. Mas antigamente não sabia, quem pegava catarro morre, não tinha remédio, morre, morre, morre. Aí o resto vai correndo, espalhando, pra onde fica não tem. Quando ele pega doença, ele morre, antigamente vai ficar muito longe pra não pegar gripe. Morreram, mataram, morreram, morreram, morreram, morreram. Vai pra cima de novo, mais pra cima, os brancos também vão atrás. Por isso diminuiu Deni, por causa de doença. Agora está aumentando de novo.”

Casa deni. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1999.
Casa deni. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1999.

Outro fator diz respeito à disponibilidade de recursos para a subsistência da população da aldeia, pois os Deni são exímios caçadores e a caça é uma atividade altamente valorizada entre eles. Após alguns anos morando no mesmo local, a caça fica escassa, levando os caçadores a gastar cada vez mais tempo e energia para conseguir cada vez menos carne. Isto os influencia na mudança para um local de maior disponibilidade de recursos.

As casas Deni, em geral, não possuem paredes, sendo construídas a uma altura que varia entre 1,5 e 3 metros do chão para evitar a presença de animais. Os esteios e a base da casa são feitos com madeiras resistentes, como o jatobá, matá-matá, acapú, acariquara, dentre outras. O assoalho é construído com troncos de paxiúba e a cobertura é feita com folhas de caranaí, as quais são trançadas sobre tiras do tronco de paxiúba. As casas Deni têm duração média de três anos. A cozinha geralmente está localizada junto à construção principal ou anexa a esta.

Doença e morte

Saravi mostra um sepulcro nas proximidades da aldeia Buzina. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1998.
Saravi mostra um sepulcro nas proximidades da aldeia Buzina. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1998.

A sociedade indígena Deni sofreu um decréscimo populacional intenso, principalmente a partir de 1940, com a intensificação do contato com as frentes extrativistas, o que levou à desarticulação e posterior reorganização de diversos sub-grupos Deni. Foram identificados diversos surtos de tuberculose, pneumonia e sarampo ao longo da história do contato com a sociedade envolvente. A reprodução física e cultural dos índios Deni foi ameaçada e, no início da década de 1990, esta sociedade indígena alcançou o pico máximo de depopulação.

Em 1992, particularmente, ocorreu um surto de sarampo que resultou na morte de 67 índios no período de 12 meses. A taxa de mortalidade naquele período foi de 12%. Foram feitas várias denúncias à época e medidas emergenciais e bastante simples, como a vacinação contra sarampo, foram tomadas. Iniciou-se uma lenta recuperação do grupo na última década. Não obstante, os Deni ainda enfrentam sérios problemas na área de saúde, contando apenas com o apoio eventual de organizações não governamentais (ONGs) e governamentais, como a Funasa.

Devido ao altíssimo nível de mortalidade Deni, os cemitérios são muito numerosos e distribuem-se por toda a terra indígena. A forma de sepultamento obedece ao mesmo padrão em todas as aldeias: o morto é envolto em uma rede e disposto na cova, que possui cerca de dois metros de profundidade. A rede é atada dentro da cova, que não é preenchida com terra. Por cima da cova colocam ripas feitas com tronco de paxiúba e sobre a paxiúba colocam terra. Finalmente, é construída uma pequena casa no estilo Deni sobre a sepultura.

Segundo Sahavi Deni, quando o patarahú (chefe do grupo doméstico) morre, o corpo permanece perto da residência do morto e todos o pranteiam durante quatro dias. Fazem fogo embaixo da rede para não apodrecer. Todas as aldeias vêm chorar o morto. Enterram-no perto da casa e do roçado.

Xamanismo e rituais

Atualmente, o xamanismo é cada vez mais raro entre os Deni. Tradicionalmente, os xamãs (zupinehé) são preparados para exercer o cargo desde os três anos de idade. De acordo com o que levantou Koop (1983), a diferença fundamental entre os xamãs e os outros homens é a presença de uma substância chamada Katuhe em seus corpos, e a habilidade de comunicar-se pessoalmente com espíritos (tukurime). Katuhe é uma cera amarela e densa extraída de colméias na floresta. O xamã mastiga essa substância antes de ter visões e comunicar-se com os espíritos. Ele pode ficar enjoado, mas depois de aproximadamente duas semanas de mastigação, vomitando e dormindo em sua rede, ele afirma que voa até o céu, onde escuta o tukurime.

A principal atribuição do xamã da aldeia é ter visões e uma interlocução com o mundo espiritual, de modo que possa identificar as causas de doenças e mortes, assim como orientar a população a prevenir-se contra essas adversidades.

Ainda segundo Koop, quando um Deni morre, o xamã busca conversar com seu espírito para determinar a causa da morte. Para isso, mastiga katuhe até ter uma visão na qual ele cria asas, voa até o céu e vê os espíritos de índios (abanu) e espíritos perigosos. Ele então desvenda o que acontecera com o espírito da pessoa morta ou quem a agredira. A partir dessa informação, o povo decide se deve mudar-se para outro lugar ou fazer algo para evitar futuras agressões.

Além de tratar de pessoas enfermas, tradicionalmente o xamã tem ainda algumas responsabilidades políticas. Assim como o chefe da aldeia, ele pode convocar todos para uma festa. Em todas as festas, o xamã era o cantador por excelência. Após uma noite de festa, os homens reuniam-se na praça da aldeia de braços dados, com o xamã próximo ao centro. Depois das mulheres se alinharem na frente dos homens, o xamã iniciava cada canção e os outros o seguiam cantando, dançando, primeiro para frente, depois para trás ao redor do círculo (Koop, 1983). Hoje em dia a função de cantador pode ser desempenhada por outras pessoas. De todo modo, em todas as festas, o cantador – hiridé – desempenha papel fundamental. Todos os Deni cantam e muitos têm músicas próprias, algumas de muito sucesso.

Em 1999, tive a oportunidade de observar um ritual de cura na aldeia Marrecão. Sivirivi, da aldeia Cidadezinha, tinha alergia a carne de porco-do-mato (anubezá) e, toda vez que a consumia, tinha problemas digestivos. No dia 25/04/1999, Sivirivi estava passando muito mal e me pediu para levá-lo à aldeia Marrecão para o zupinehé rezar, pois, segundo ele, essa era a única forma de se curar. Chegamos ao Marrecão e fomos até a casa de Zutihári, que colocou o doente deitado sobre uma prancha de madeira. O zupinehé passou então a retirar a doença sugando os locais afetados (estômago e intestino) e cuspindo em seguida. Ao mesmo tempo, ele massageava a região afetada. O trabalho de cura demorou oito minutos, ao final do qual foram retiradas duas pedras da barriga de Sivirivi. Pouco tempo depois o doente disse se sentir aliviado e finalmente desapareceram os sintomas do mal-estar.

Festas e jogos

As festas ocorrem com freqüência durante todo o ano, principalmente o ima amusinahá, literalmente definido como “prolongamento da boa conversa”. Mas é durante o verão amazônico que os Deni passam grande parte do tempo preparando e participando delas. Nessa época de fartura, ocorrem celebrações que duram vários dias.Por exemplo, Sahavi discorreu sobre a festa de verão (banivá danará), que dura até 30 dias. Os Deni passam três meses caçando diariamente, na preparação para a festa. Antigamente, esse tipo de ritual era mais freqüente. Nele, o chefe da aldeia conta histórias o dia todo e sua casa vive cheia de gente.

Existem diversos tipos de brincadeiras, dentre elas uma na qual os participantes seguem por uma trilha na floresta preparada especialmente para a ocasião. Cada aldeia tem seus representantes, que devem correr com uma flecha, passando para seus companheiros, com objetivo de saber quem corre mais e chega antes à aldeia anfitriã. Ao chegarem na aldeia, todos vão comer caça e banana e tomar caiçuma.

Uma outra brincadeira é a da cana, na qual homens e as mulheres se enfrentam e que pode ocorrer em qualquer época do ano. Os homens vão buscar cana-de-açúcar no roçado e, ao chegarem na aldeia, deixam a cana no terreiro. A comunidade fica lá reunida e os homens ficam circulando com pedaços de cana, que devem ser tomados pelas mulheres. Na primeira vez, os homens deixam-nas pegar sem oferecer resistência. A partir de então, as mulheres têm que tirar a cana deles à força, iniciando-se uma verdadeira batalha campal, onde vale tudo. A brincadeira termina quando todos os pedaços de cana estão em poder das mulheres. Do mesmo modo, quando são as mulheres que vão colher a cana na roça, os homens têm que tomar a cana delas.

Koop testemunhou um ritual semelhante quando esteve entre os Deni (1983), mas no caso os homens traziam mandioca para as mulheres comerem. O autor comenta que as mulheres vaiavam, riam e saíam das casas para comer pequenas porções, todo o tempo comentando sobre os homens para todos ouvirem. Depois disso, o chefe trazia uma grande travessa de alumínio, um caldeirão de mandioca e uma tigela de carne ou peixe para o centro da praça. Após verter a mandioca sobre a travessa, ele chamava as pessoas para festejarem. Um por um, cada grupo doméstico trazia mandioca e carne ou peixe. Homens e meninos formavam então um círculo; mulheres e meninas formavam outro. Cada pessoa tinha sua própria tigela ou prato com uma porção de mandioca e carne. Entre aqueles do mesmo sexo, homens e mulheres adultos passavam carne e peixe de um prato a outro, sendo comum que um pedaço de carne passasse por muitas pessoas antes de ser ingerido.

Comumente essa refeição começava ao anoitecer e se estendia até alta noite. Então a dança continuava e podia prosseguir até o amanhecer. Na manhã seguinte, homens e mulheres podiam lutar na praça. As mulheres freqüentemente lutavam entre si por frutas ou pedaços de cana-de-açúcar. Às vezes, porém, desafiavam os homens. O evento terminava com todos sujos e cansados, mas geralmente felizes (Koop, 1983).

Contato com não-índios

Foto: Egon Heck, 1985.
Foto: Egon Heck, 1985.

Os relatos dos Deni indicam que seu contato intensivo com os cariú (brancos) data da década de 1940. No início do contato, nas décadas de 40 e 50, os índios comercializavam peles de animais, como onça (cuja pele trocavam por espingarda nova e munição), lontra, maracajá, caititu, queixada, anta, jibóia e veado. Na década de 50, alguns índios já se encontravam engajados na extração de látex. Nas décadas de 60 e 70, passaram a extrair sorva e madeira e desde a década de 80 os Deni trabalham na extração de óleo de copaíba e madeiras nobres.

O contato intensivo e a conseqüente depopulação foram os desdobramentos do novo ciclo de exploração da borracha, na década de 40, graças à demanda oriunda da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto, a região do Juruá-Purus foi literalmente “invadida” por milhares de brasileiros. Ainda na década de 80 (1985), havia várias famílias de ocupantes não-índios no rio Xeruã (31) e no rio Cuniuá (22). Destas, em 1999, restavam apenas sete no Xeruã e uma família no rio Cuniuá.

Desde o início, as relações econômicas entre os Deni e os brancos foram marcadas pela exploração, sendo reproduzido o sistema de aviamento até os dias atuais. Neste sistema, o comerciante (patrão) vende mercadorias a prazo em troca de produtos extrativistas. Hoje em dia desapareceu a figura do patrão, sendo substituído pelo regatão. Comerciante que utiliza o barco como meio de transporte, moradia e comércio ambulante, o regatão negocia com as populações que moram em rios e igarapés do interior da Amazônia, muitas vezes sendo o único elo econômico destas pessoas com o mercado nacional.

No rio Cuniuá, o regatão foi diversas vezes apontado pelos Deni como responsável pela falta de alimentos em algumas aldeias, pois trocava produtos como sal e açúcar por farinha, pagando um valor insignificante pela farinha e cobrando valores acrescidos de até 400% por seus produtos, gerando uma dívida que os índios nunca poderiam pagar. No rio Xeruã os índios têm a possibilidade de comercializar alguns produtos na cidade de Itamarati, que fica a dois dias de viagem da aldeia Itaúba.

Diversos Deni estavam trabalhando fora da terra indígena, na extração de copaíba, madeira e outros serviços. Outros teriam ido para Manicoré, no rio Madeira. Um pequeno grupo estaria morando em Manaus.

É bastante comum a prática de crimes ambientais na Terra Indígena Deni. Isto se deve, em grande parte, à total ausência de fiscalização e assistência da Funai. Tampouco o Ibama é capaz de coibir tais práticas. Todos os anos, nos meses de outubro a dezembro, dezenas de barcos pesqueiros (regionalmente conhecidos como peixeiros) concentram-se na confluência do rio Xeruã com o rio Juruá. A maior parte vem de Cruzeiro do Sul (AC), Eirunepé, Manaus e Carauari (AM). No rio Cuniuá, o problema é parecido, dezenas de barcos peixeiros sobem o rio com o objetivo de pescar matrinxã. A pesca de espécies ameaçadas de extinção é outro problema que os Deni não conseguem coibir. As espécies mais procuradas são o peixe-boi, o pirarucu e os quelônios. Os índios começam a se organizar de forma a impedir tais crimes.

Outro crime bastante comum é a extração ilegal de madeira da terra indígena. As espécies mais cobiçadas são: andiroba, cedro, jacareúba, copaíba, louro, saboeiro, samaúma, dentre outras. O pau rosa foi intensamente explorado nas décadas de 80 e 90, o que praticamente ocasionou sua extinção na região. Na região do rio Xeruã, a exploração é realizada principalmente por madeireiros vindos de Itamarati e Carauari. Nos rios Cuniuá e Tapauá os exploradores são oriundos da Foz do Tapauá; estes, porém, são meros intermediários dos madeireiros de Manaus, para onde toda a madeira ilegal é transportada.

Atividades produtivas

Os Deni encontram na floresta a maioria dos alimentos que necessitam para sua subsistência. A mobilidade é condição fundamental para sua sobrevivência.

Caça

Índios Deni levam produtos da floresta para vender na cidade de Itamarati. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1999.
Índios Deni levam produtos da floresta para vender na cidade de Itamarati. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1999.

A atividade de caça ocupa um lugar de destaque no sistema produtivo deni. É uma atividade tipicamente masculina, sendo altamente valorizada pelo grupo. As caçadas são realizadas basicamente de duas maneiras: seguindo as trilhas na mata, procurando avistar os animais ou sinais dos mesmos. Bandos de queixadas, que podem chegar a conter mais de 300 indivíduos, deixam trilhas conspícuas na mata com sua passagem e são denominadas Rizama Raviné.

Caititus, antas e veados também deixam rastros, que podem ser seguidos por um dia inteiro. Neste tipo de caçada, os cães são de fundamental importância, pois rasteiam e acuam a caça; e a outra maneira é caçar nos barreiros, que são pontos alagadiços específicos constantemente visitados por uma grande variedade de animais, que deixam o solo totalmente removido e, na sua maior parte, nu. Na maioria das vezes, os barreiros estão associados às cabeceiras de igarapés.

Os Deni criam vários animais silvestres, como os macacos barrigudo, guariba e prego, jacamim, jacu e jabuti. Além dos animais silvestres, criam também animais domésticos: cachorros, patos, galinhas e porcos.

Pesca

Índios da aldeia Kumarú Novo maceram o veneno Vekamã na floresta, antes da pescaria. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1999.
Índios da aldeia Kumarú Novo maceram o veneno Vekamã na floresta, antes da pescaria. Foto: Rodrigo Padua Rodrigues Chaves, 1999.

Assim como a caça, a atividade de pesca também ocupa lugar destacado na obtenção dos produtos que compõem a dieta alimentar dos Deni. Trata-se de uma importante fonte protéica, sobretudo durante o verão amazônico, quando o peixe se torna mais abundante.

A pesca é uma atividade diversificada e envolve o emprego de várias técnicas: o arco e flecha, o veneno de peixes vekamá, a linha e o anzol. As pescarias longas, que demandam vários dias de viagem e a construção de acampamentos, são realizadas somente pelos homens e rapazes maiores. As pescarias com veneno envolvem toda a comunidade, desde a colheita das folhas de Vekamá, a preparação do veneno e a pescaria até o preparo do pescado.

A pesca também é variada em relação ao tipo de ambiente em que ela é praticada. Todos os ambientes aquáticos da terra indígena são utilizados para pescarias. Segundo o biólogo Juarez Pezzuti, "lagos (Kurizá), ressacas, canos, a própria calha principal dos rios e a floresta alagada ou igapó, todos são explorados para a obtenção de peixes e quelônios. A variação sazonal no nível da água influencia decisivamente na distribuição da fauna aquática e, conseqüentemente, nos locais onde a pesca acontece em cada período do ano. Quando a água está no seu nível mais baixo, os peixes estão concentrados nos corpos de água remanescentes, o que facilita a atividade. Na medida em que a água sobe, os peixes vão invadindo habitats novamente disponíveis na floresta alagada à procura de alimento e os pescadores acompanham este movimento selecionando novos pesqueiros. Esta dispersão aumenta a dificuldade de obtenção de pescado, tanto na terra indígena como na bacia amazônica de uma maneira geral. A cheia é o período de escassez. (...)

A técnica de pescaria com anzol foi aprendida com o branco. Possivelmente a maior parte da proteína animal consumida pelos Deni é obtida através da pesca de anzol iscado com minhocas (Sumi), cuja utilização também foi aprendida com brancos. Além de anzóis iscados com peixes e minhocas, observamos a utilização de alguns frutos como isca, como o Araçá” (PEZZUTI, 1999).

O veneno vekamá também é utilizado para pescar piau, de forma bastante engenhosa. Os índios misturam o veneno com as larvas de uma espécie de caba (vespa) e um pouco de farinha de mandioca. Fazem uma bolinha com a mistura e utilizam-na como isca. O peixe come a isca e logo aparece boiando asfixiado, sendo então facilmente arpoado.

Os Deni da aldeia Cidadezinha deslocam-se por grandes distâncias para pescar e coletar ovos de quelônios. Pescam por todo o rio Cuniuá até o igarapé São Luís e o rio Canaçã. Coletam ovos de quelônios nos rios Cuniuá e Canaçã durante o verão amazônico e pescam tartaruga e tracajá em excursões que duram até oito dias, no rio Canaçã. Pegam os quelônios quando estes vão respirar, utilizando flechas com ponteira de ferro. Como a pesca é apenas para o consumo, pegam no máximo cinco tartarugas cada um.

Agricultura

Ralando mandioca. Foto: Egon Heck, 1982.
Ralando mandioca. Foto: Egon Heck, 1982.

A importância dos produtos agrícolas para os Deni se explica pelo fato de que a principal fonte alimentar de origem vegetal e de carboidratos provem da roça. Alguns roçados, divididos em roças familiares, têm até 15 hectares e, a cada ano, se plantam roças novas. As áreas de roças das aldeias antigas são exploradas por até 15 anos, tanto para a coleta de frutos quanto para caçar, pois são locais de concentração de animais.

É comum que se prepare nova roça no local da antiga, nos roçados adjacentes às aldeias, diminuindo a necessidade de construção de roças novas cada vez mais distantes das casas. Roças a partir de quatro anos são rebatidas, requeimadas e replantadas, em alguns casos por mais de uma vez. Este reaproveitamento ocorre quando a aldeia está localizada em uma área onde terras mais altas são escassas, e também quando existe demanda maior de roça nova para o plantio de macaxeira e mandioca. O trabalho de roçar e brocar é obviamente mais fácil do que se fosse feito na mata primária, mas por outro lado é provável que o rendimento nestas segundas e terceiras roças seja menor, devido ao esgotamento do solo, que é pobre em nutrientes.

Aspirando rapé. Foto: Egon Heck, 1982.
Aspirando rapé. Foto: Egon Heck, 1982.

A seguir apresento uma listagem dos vegetais produzidos nas roças dos Deni: mandioca, macaxeira, vários tipos de carás, taioba, pimenta de cheiro, pimenta malagueta, banana (onde observamos variedades denominadas tumumu, biriharu, putaharu, vesevi, napinipana, katumi, arazu, bisasa e kasia ba), ananás, cana, algodão, tingui (vekama), urucum, pupunha, batata doce, caju, mamão, graviola, araticum, biribá, cubiu, cupuaçu, milho, abacate, tabaco (duas qualidades)” (Pezzuti, 1999:25-26).

O tabaco é bastante cultivado, mas não atende à demanda dos índios, pois é a base do rapé, produto extremamente apreciado pelos Deni. O rapé, de acordo com Pezzuti, é obtido, “através da mistura de folhas de tabaco pulverizado com as cinzas da casca do Pupuí (Theobroma sp.), que contém a substância estimulante Teobromina (Anderson Guimarães, comunicação pessoal). Este rapé é amplamente utilizado por homens e mulheres nas diversas atividades diárias (...), e também durante a noite, antes de dormir. Pode ser inalado diretamente ou através de um inalador, o Piri, confeccionado com os ossos da ulna do macaco Humu (Ateles sp.). Pode também ser colocado na boca entre os dentes e as bochechas, ou simplesmente engolido.” (Pezzuti, 1999:29).

A primeira etapa para se fazer um roçado consiste na derrubada da mata nativa, trabalho realizado comunitariamente. Em geral, a derrubada ocorre em abril e no mês de agosto ocorre a queima e a coivara. Cerca de duas semanas após a coivara iniciam o plantio.

Artesanato

A produção de artesanato pelos Deni não representa uma alternativa como fonte de renda, em larga medida, devido à dificuldade em se escoar a produção. Não obstante, os índios produzem diversos tipos de artesanato para uso do grupo: redes de algodão, cestaria, recipientes de barro, colares, pulseiras, anéis, esculturas em madeira, brinquedos, arcos, flechas, zarabatanas etc. Existem diversas ceramistas no rio Cuniuá, sendo apontadas duas como as principais: Taisá, da aldeia Marrecão e Amanihú, da aldeia Cidadezinha.

Extrativismo

O óleo de copaíba (karumã) é um dos principais produtos comercializados pelos Deni. A maneira como é extraído, entretanto, indica que é um recurso que se tornará cada vez menos rentável, pois é cada vez mais escasso e difícil de ser obtido. Isso porque os índios extraem o óleo utilizando o machado, com o qual sulcam o caule da árvore, o que acaba ocasionando sua morte. Os índios têm noção de que a exploração é predatória e que não é a melhor alternativa. Solicitaram que a FUNAI lhes fornecesse trados (instrumento utilizado para furar o caule da árvore, por onde é coletado o óleo), de forma que a copaibeira possa ser utilizada várias vezes.

Existem pelo menos dois tapiris (acampamentos) no rio Canaçã que os índios das aldeias Cidadezinha, Marrecão e Visagem utilizam quando vão extrair óleo de copaíba. Tais locais são também utilizados durante as expedições de caça ou pesca. Um varadouro liga estes locais à aldeia Cidadezinha, sendo o percurso vencido em um dia de caminhada.

A extração de madeira ocorria com bastante freqüência na terra indígena e os Deni eram utilizados como mão-de-obra. Os "brancos" os ludibriavam sempre na hora do pagamento, o que fez com que os Deni se desinteressassem por essa atividade. Assim, hoje em dia a extração de madeiras ocorre sem o consentimento dos índios e mesmo contra sua vontade.

Além de trabalharem para não índios na exploração madeireira dentro da Terra Indígena Deni, alguns índios estavam trabalhando para madeireiros da foz do Tapauá no igarapé Coatá. Deixam suas famílias na terra indígena e passam meses fora, retornando depois sem dinheiro e sem mercadorias.

Os Deni coletam vários frutos silvestres, como patauá, açaí, bacaba, buriti, pupunha etc. Diversas excursões de coleta são organizadas em diferentes épocas do ano.

A casca macerada da árvore amapá é denominada batú e é utilizada pelas mães para carregar seus bebês. A cinza da entrecasca da árvore caripé é utilizada para endurecer a argila utilizada na confecção de recipientes de barro. O tsubicutsu (caripé) é utilizado para fabricação de cerâmica, sendo a casca queimada e moída. A cinza resultante (Kununé) dá liga quando misturada com o barro.

Os Deni também coletam mel. Entretanto, essa atividade não é sistemática e sua freqüência depende da disponibilidade do recurso. O mel é proveniente das seguintes espécies de abelhas: jandaira (Rizi Tereré), Abi Itsúi, arapuá (Rizi Vaká), uruçu (Rizi Vesevi), Zumahê, abelha pimenta (Abi Kashi), dentre outras.

Etnofarmacologia

Os Deni coletam diversas espécies de cipós e outras plantas: o veneno karatunahú, utilizado para caça (com zarabatana ou arco e flecha) é preparado a partir da mistura de dois cipós, o irrá e o bekú (Curarea tecunarum); inupupu (jurubeba), é utilizada como anestésico para dor de dente; do patsi aproveitam as raízes, que são maceradas e ingeridas na forma de chá para aliviar dor de dente. O mapidzú é anestésico local para picada de arraia; do unuvana rebeberi, utilizam as folhas em emulsão para diminuir a febre; o cipó tsudá kumani tem o mesmo uso que unuvana rebeberi, amenizar febre em criança; teterú é um pião feito com o fruto do Anthodiscus amazonicus; o Avi kuburi, em mistura da folha macerada com água provoca vômito e acaba com o desânimo; zuká é um cipó cujo mingau é ingerido até provocar vômito, deixa a pessoa que o ingere forte e “esperta”; burinú é um cipó que deixa o caçador “marupiara”, com sorte na caçada. A coleta e preparação dessas plantas obedecem a critérios rígidos, de forma que possam trazer resultados benéficos para a pessoa. Os zupinehé (pajés) são os maiores conhecedores dessas plantas, o que não impede que qualquer outro Deni saiba como utilizá-las.

Fontes de informação

  • CHAVES, Rodrigo Padua Rodrigues. Relatório circunstanciado de identificação e delimitação da Terra Indígena Deni. Brasília : Funai ; Unesco, 2000. 102 p.
  • CIMI. Agonia do povo Deni : dossiê. Brasília : Cimi, 1995. 86 p.
  • DIXON, R. M. W. Arawá. : DIOXN, R. M. W.; AIKHENVALD, Alexander Y. (Eds.). The amazonian languages. Cambridge : Cambridge University Press, 1999.
  • KOOP, Gordon; LINGENFELTER, Sherwood G. Os Dení do Brasil Ocidental : um estudo de organização sócio-política e desenvolvimento comunitário. Dallas : Museu Internacional de Cultural, 1983.
  • --------. The Dení of Western Brazil : a study of sociopolitical organization and community development. Dallas : SIL/Museum of Anthropology, 1980. 92 p. (Museum of Anthropology Publication, 7).
  • MELATTI, Julio Cezar. Índios da América do Sul : Áreas etnográficas. v. 2. Brasília : UnB, 19987.
  • PEZZUTI, Juarez Carlos Brito. Relatório de levantamento ambiental da Terra Indígena Deni. Manaus : Univers. do Amazonas, 1999. 51 p.
  • PRANCE, Ghillian T. The poisons and narcotics of the Dení, Paumari, Jamamadí and Jarawara indians of the Purus river region. Rev. Brasileira de Botânica, s.l. : s.ed., v.1, p. 71-82, 1978.
  • RODRIGUES, Aryon dall’Igna. Línguas brasileiras : para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo : Loyola, 1986.