De Povos Indígenas no Brasil

“O povo brasileiro esqueceu quem são os povos indígenas”

por Maurício Ye’kwana

Um pedacinho foi entregue para nós morarmos com tranquilidade, alegria e saúde. E esse pedacinho hoje está sendo afetado por essa grande invasão ilegal de garimpo dentro da Terra Indígena Yanomami. Nosso território era para ser preservado, era para ser moradia para todos nós, não era para existir essa invasão ilegal à TI Yanomami. O território é uma área que já está demarcada, já foi entregue para a gente, para que a gente possa viver tranquilo, para que outras pessoas não possam entrar.

E tem pontos que a gente não consegue entender, por exemplo a questão dos quartéis. São três locais que têm bases militares: na região de Auaris; tem no meio, que é Surucucu; e tem no Amazonas, que é Maturacá. São três bases militares próximas à fronteira com a Venezuela, mas a gente vê que eles não conseguem fazer o papel delas. Não conseguem fazer fiscalização e impedir a entrada de invasores nesse pedacinho que foi entregue para a gente dentro do nosso território. E a gente não entende o motivo de estarem lá naquela região. Que tipo de papel estão fazendo, sendo que há essa invasão ilegal dentro do território, dentro da TI Yanomami? Então, nossa questão é nesse sentido, porque quando a gente fala para eles “Olha, tem um garimpo ilegal aqui, vocês podem fazer algo?”, a gente só escuta: “Não. Tem de haver ordem dos superiores em Brasília”. E não conseguem fazer.

A TI Yanomami é o foco principal, porque tem uma riqueza muito grande dentro dela, então estão focando nisso. Tanto a TI Raposa Serra do Sol quanto a TI Yanomami têm riqueza em minérios. E tem muitos requerimentos minerários, que vão afetar muito isso. E é por isso que nós estamos em Brasília, para poder impedir. A união da força dos povos indígenas do Brasil contra esse Projeto de Lei (PL) nº 191/2020, que vai impactar a cultura dos povos indígenas, a vida dos povos indígenas, vai levar a doença para os povos indígenas.

Isso cria um problema dentro da comunidade, especialmente para as mães. Os jovens vão ser recrutados e retirados das mães, e elas vão sofrer grande impacto mental, porque o filho saiu da comunidade e foi para a cidade com o garimpo. Então, isso é um grande impacto que vai haver, não só na TI Yanomami, mas também em outras Terras Indígenas. Eu acho que isso é um impacto que nós precisamos mostrar para reivindicar e tentar barrar esse PL, que está tentando ser votado com maior urgência, e quer criar um garimpo artesanal, garimpo indígena. Apesar de que há outros povos indígenas que são a favor, que são minoria, e querem fazer garimpo indígena dentro das Terras Indígenas. Mas essas pessoas não pensam nas famílias.

Pensam: “Ah, eu vou ser rico!”. Mas qual é o ponto de vista de ser rico? Rico em dinheiro? Rico de você viver numa cidade luxuosa? Isso é você ser rico? Ou ser rico é ter saúde, com tranquilidade, com harmonia, sem doença, sem outros tipos de dependência? Qual realmente é rico? Então, essas pessoas, os próprios indígenas que estão querendo garimpo dentro da Terra Indígena, têm uma ilusão. É uma ilusão que eles têm. Eles nunca vão ficar ricos! Eles nunca vão enriquecer. Eles estão levando destruição para dentro das comunidades, dentro da Terra Indígena. Não vai ser benéfico para eles, e eles serão afetados com isso. Vai haver sofrimento para essas pessoas também.

Garimpo artesanal nunca vai haver. No meu entendimento, o garimpo artesanal seria o garimpo manual. Mas as pessoas viram hoje como é fácil usar máquina, máquina que estraga, máquina que chupa a terra. Então nunca vai ter esse garimpo artesanal, com os indígenas trabalhando. Sempre vai haver alguém não indígena, sempre vai haver influência de alguém da cidade, e esses indígenas vão ser enganados. Não vai beneficiar em nada, vai ser só destruição, porque aí ele vai comprar bebida alcoólica da cidade etc. O cara vai se transformar em outra pessoa, porque quando você tem dinheiro ou tem algo de valioso, a pessoa muda totalmente. Muda completamente. Então esse vai ser um impacto muito grande com esse negócio de garimpo artesanal ou garimpo indígena.

E aí os caras vão chegar lá e dizer: “Está liberado o garimpo para a gente”. Se o garimpo for liberado realmente, vai ter uma invasão, como aconteceu nos anos 1970, nos anos 1980 e nos anos 1990 dentro da TI Yanomami. Vai ter muita morte, uma doença muito grande dentro da TI. Porque eles só estão esperando a liberação do garimpo, e então praticamente toda a cidade de Boa Vista vai entrar na TI Yanomami, como aconteceu antigamente. Vão chegar 40 ou 50 mil, até 80 mil garimpeiros dentro da terra yanomami.

Quem paga o preço dessa economia é a vida dos povos indígenas, por isso a gente fez essa campanha: “Fora!” Agora na Conferência das Partes (COP), também na Inglaterra, em Glasgow, na Escócia, a gente está fazendo uma campanha para não comprarem minério exportado do Brasil, como joias. Não comprem, pois há sangue yanomami nisso daí. Tem de investigar de onde estão vindo esses minérios, se tem autorização para vendê-los.

Eu acho que tem de buscar alguma estratégia também para poder impedir a venda. O estado de Roraima agora é um ponto de deslocamento dessa extração. Agora, o que está sendo extraído é o minério, não só o ouro. Tem ouro e minério, então está chamando ainda mais atenção das pessoas para invadirem.

E a TI Yanomami será invadida com certeza se esse PL nº 191/2020 for aprovado. Mas estamos confiantes de que o Supremo Tribunal Federal (STF), o Poder Judiciário, tentará barrar isso ou arquivar isso também. Porque eles estão ali, o Legislativo e o Judiciário também, para estudar essa questão e tentar barrar. A gente confia muito na decisão desses 11 ministros que estão aí.

Nesse ponto, a primeira coisa que eu vejo é a questão da educação. Eu acho que o conhecimento indígena tem que ser aplicado nas universidades. Há muitas pessoas que se especializaram em antropologia. Tem muitos antropólogos que estudam a questão indígena e estão publicando livros. Mas para onde estão indo esses livros?

Eu acho que esses livros teriam que se movimentar dentro das universidades, dentro desses grupos, e com isso você consegue mostrar a riqueza da cultura dos povos indígenas, porque o povo brasileiro esqueceu quem são os povos indígenas, a riqueza dos povos indígenas! Não sabem que há povos indígenas nem o grande valor que há nisso.

Depoimento registrado por Tainá Aragão em abril de 2022, durante o 18º Acampamento Terra Livre

Fora garimpo!

por Tainá Aragão (jornalista do ISA)

Maurício Ye'kwana é o atual diretor financeiro da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e também foi um dos porta-vozes da campanha #ForaGarimpoForaCovid. Vive com um pé na aldeia e outro na cidade, pois é uma liderança atuante na frente contra garimpo em TIs e compõe a aliança contra o garimpo, que reúne os povos Yanomami, Munduruku e Kayapó.