“O nosso território é o ponto central dessa conjuntura política”
por Maial Paiakan
“Terra” significa p’ká. P’ká é o nosso pertencimento, onde está nossa cultura, onde estão nossos conhecimentos, nossa tradição; então nossa relação com a terra vem dos nossos ancestrais. Hoje em dia, a gente carrega essa luta pela continuidade da nossa terra, da floresta, por causa da luta dos antigos, por uma conexão entre a nossa história e a terra a que pertencemos, que é a Terra Indígena Kaiapó.
Nossa história baseia-se nesse pertencimento, no nosso lugar, que é sagrado, que tem locais por onde nossos antepassados passaram, então são locais com história, com valores não financeiros, mas valores de conhecimento e espirituais. Então, nossa ligação com a terra é uma ligação espiritual, uma conexão que a gente tem com nosso território de pertencimento.
É ali que estão nossas raízes, ali que está nosso conhecimento. Eu posso estar estudando na cidade, mas minha memória, minha língua, minha infância, tudo está ali, baseado ali, na aldeia, na nossa comunidade, no nosso povo. Nossa história existe, está viva, e é exatamente por isso que a gente defende tanto a nossa terra.
Nosso território é o ponto central dessa conjuntura política, que está ligada a retirar o direito que nossos antepassados conquistaram. Meu pai, meus avós conquistaram a demarcação da Terra Indígena Kaiapó, mas hoje em dia nossa terra está sofrendo muita invasão, principalmente de garimpeiros, atrás do lucro, da economia, do capitalismo, desse avanço acelerado de desmatar e destruir por lucro. Nos últimos anos tem aumentado muito, na verdade tem descontrolado bastante, pois tivemos um governo que não colaborou com a proteção das Terras Indígenas, pelo contrário, trabalhou contra as Terras Indígenas e seus povos.
Tanto os órgãos ambientais quanto os órgãos competentes para estar ao nosso lado, defendendo nossos direitos, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), na proteção à nossa terra, proteção ao nosso território, estão totalmente sem braços, sem pernas. A gente acaba tendo que lutar sozinho na aldeia contra esse avanço do garimpo, contra as mineradoras, contra todo tipo de destruição que existe hoje, que é um pacote de violências e de crimes.
Hoje em dia a conjuntura política é esta: com as bancadas do agronegócio, dos evangélicos e outras, que se reuniram realmente para tentar destruir a nossa terra. Por outro lado, nós também estamos nos reunindo e criando alianças para defender nossa terra, então também estamos articulados, estamos procurando estratégias para continuar lutando, para defender nossa terra como os antigos fizeram.
Há o Projeto de Lei (PL) nº 191 tramitando, o PL nº 490 também, o Marco Temporal e tantos outros projetos que afetam nossas Terras Indígenas e não nos dão nenhuma boa opção. É cada um pior que o outro! Não tem um diálogo, não tem uma abertura para a gente falar isso que estou falando e ser compreendido, porque, se eu chegar para falar isso para uma pessoa que defende o garimpo, ela vai dizer: “Não, você é que não quer ganhar dinheiro.” Mas nossa relação com a terra é diferente, é espiritual; não é uma ligação econômica, não é uma relação de ganhar dinheiro. A gente não tem o conhecimento do capitalismo, esse capitalismo que corrói, que destrói. A gente quer, sim, trabalhar nossas terras conforme nossa cultura, nossa tradição
Para mim, saúde é o território, é a terra indígena. Não existe saúde sem terra. Como vamos aplicar uma saúde de qualidade para um povo que está sofrendo violência para demarcar sua terra? Então as duas coisas estão interligadas. A gente tem que ter terras demarcadas, saúde de qualidade e educação de qualidade.
A saúde passa por proteção à terra, perpassa a cultura, fala sobre a saúde mental dos povos indígenas, pois a gente tem um índice alto de suicídio. A gente tem um índice alto de violência obstétrica, mas isso não é registrado. Então a saúde indígena perpassa por um longo caminho dentro da nossa sociedade, dentro da nossa terra, e isso precisa ser observado, mas isso não é muito dialogado com o povo. O que é saúde para o povo indígena?
Nesse momento a gente sente a dor de perder um ente querido, de perder uma pessoa especial. E aí a gente ouve que um ministro, durante uma reunião, falou: “Vamos aproveitar para passar a boiada”. “Vamos aproveitar esse momento de morte!” Se aproveitar da morte de povos indígenas e de toda a sociedade por lucro? A nossa vida vale dinheiro? Como é? A nossa vida é isso?
Depoimento registrado por Tainá Aragão em abril de 2022, durante o 18º Acampamento Terra Livre
Demarcação política
por Tainá Aragão (jornalista do ISA)
Maial Paiakan é do povo Mebêngôkre Kayapó, do estado do Pará, ativista de direitos humanos e de direitos indígenas, já atuou na saúde indígena, acompanhando as lideranças do meu povo e também a comunidade em todos os processos relativos à articulação. Ela disputou as eleições em 2022 como candidata à deputada federal pelo estado do Pará. É uma indígena mebêngôkre fazendo parte de uma nova política, de um novo olhar sobre a inclusão e a diversidade, principalmente de mulheres indígenas.