De Povos Indígenas no Brasil

News

 Vida do Xingu, vida e cidadania dos seus povos

24/06/2008

Autor: Ana Paula Santos Souza e Jean Pierre Leroy

Fonte: Coiab - www.coiab.com.br



No ginásio de Altamira, arquibancadas lotadas de estudantes e pessoas pertencentes a movimentos e organizações da cidade, do Xingu e da Transamazônica e de outras regiões e estados da Amazônia brasileira, quadra ocupada por 600 índios, com pinturas e adornos de cerimônia, representando os 14 povos da bacia do Xingu e mais representantes dos povos do Tapajós e o Tocantins, desfilando seus cantos e suas danças e participando dos debates. Os membros da mesa falariam de Belo Monte. Ao lado do engenheiro Paulo Fernando, estávamos nós dois, uma coordenando, outro esperando para intervir a seguir, quando desabou sobre ele a fúria contida dos Kaiapó. Há consenso que não queriam matar, mas a passagem do esfregar do terçado em 1989 para a violência deste dia, qualquer que fossem as motivações da pessoa que feriu o engenheiro, manifestava uma escalada considerável no simbolismo que expressa a profunda insatisfação do povo Kaiapó.

A condenação a essa ato foi unânime, mas também os presentes que convivem com os Kaiapó sublinharam a profunda situação de abandono que eles sofrem. O atendimento à saúde e a educação que recebem são uma calamidade. Beneficiam-se de projetos do governo federal, mas a falta de acompanhamento faz com que esse dinheiro é desperdiçado sem que lhes traga benefícios efetivos. Porém, para além de uma situação específica, o episódio de Altamira traz uma grave advertência. A Constituição de 1988 e a Convenção da OIT, assinada pelo Brasil, resgataram uma dívida histórica do Brasil para com seus povos originários. Através do reconhecimento dos seus direitos, eles ascenderam em tese à cidadania. Em tese, pois a cidadania efetiva lhes está sendo negada, não só e nem tanto porque são mal tratados pelo Estado, mas porque continuam sendo invisíveis. A Amazônia continua sendo vista como "uma terra sem homens", como dizia o general Médici. Não se manda mais para ela "homens sem terra", mas sim a moto-serra, as chamas e as máquinas do "desenvolvimento". E os seus habitantes, povos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores são ignorados quando não perseguidos, expulsos e assassinados se estiverem no caminho.

A vontade do estado de construir uma ou várias hidroelétricas no rio Xingu poderia ser uma oportunidade para os sucessivos governos mostrar que levam a sério o que foi assinado e que exige que os povos indígenas sejam consultados antes de qualquer empreendimento que possa afetá-los. Do projeto de Kararaô ao de Belo Monte, passaram-se 20 anos e empresas estatais e o governo continuam não enxergando os povos indígenas e a população do Xingu. Nem foram feitos os Estudos e relatórios de Impacto Ambiental - EIA/Rima - que vão dizer se pode ou não ser construída a obra e essa já é apresentada como fato consumado, ao arrepio da lei. Fizemos um estudo sobre como o empreendedor público levou em conta a população ao longo dessas duas décadas e como esta, através das suas organizações, avaliou a sua participação.

Constata-se que o que chega à população é propaganda que desinforma, pois somente apresenta de maneira ufanista o projeto do dia. Nas raríssimas vezes em que houve informação, esta chegou sob a forma de shows pirotécnicos, mapas, gráficos e comentários eminentemente técnicos destinados a mostrar a grandeza do projeto e a imensa sabedoria dos técnicos e da Eletronorte e assim humilhar os assistentes e impedir que façam perguntas. Em aplicação ao ditado "dividir para reinar", realizam-se reuniões setoriais fechadas em que a cooptação é mais fácil. Grupos indígenas já sucumbiram a esse canto da sereia, causando ainda mais desgosto a seus parentes.

Quem são os atingidos potenciais? O empreendedor fala tranquilamente dos bilhões necessários para construir uma obra de viabilidade econômica duvidosa. Se a vazão do rio durante o verão já é reduzida, o que será dentro de dez anos com o ritmo de devastação na sua bacia? Quando se trata da população atingida, os números são minimizados, para economizar os poucos milhões que lhe serão destinados. O II Encontro dos povos do Xingu mostrou que os habitantes tradicionais da bacia se consideram desde já atingidos e não querem barragens no seu rio. Eles sentem e interpretam o Xingu, seus afluentes e a floresta da bacia como um único ser vivo e que lhes dá a vida. Disse um ribeirinho: "Considero o rio Xingu como meu pai e minha mãe. Sem o Xingu, o que será de nós?". Apesar do infeliz acidente, o magnífico e emocionante Encontro dos Povos do Xingu convida quem pensou que pode se fazer qualquer coisa na Amazônia, a respeitar povos, seu rio e suas matas milenares, sem os quais o Brasil de amanhã e o mundo serão mais pobres.
 

The news items published by the Indigenous Peoples in Brazil site are researched daily from a variety of media outlets and transcribed as presented by their original source. ISA is not responsible for the opinios expressed or errors contained in these texts. Please report any errors in the news items directly to the source