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Para Nobel de Economia, mundo precisa pagar para restaurar e preservar floresta amazônica

26/10/2025

Autor: HANSESN, Lars Peter

Fonte: FSP - https://www1.folha.uol.com.br/



Para Nobel de Economia, mundo precisa pagar para restaurar e preservar floresta amazônica
Estudo de Lars Peter Hansen com economistas brasileiros aponta que pagar US$ 25 por tonelada de carbono capturado pode fazer fazendeiros optarem por reflorestamento
Proposta deve ser debatida na COP30, em Belém, em novembro

26/10/2025

Fernanda Mena

Apesar do Acordo de Paris, o mundo continua aumentando suas emissões de gases de efeito estufa, o que nos coloca cada vez mais longe das metas de limitar o aquecimento do planeta de 1,5oC a 2oC.

O Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) estima que os compromissos de redução nessas emissões assumidos até agora pelos países, as chamadas NDCs (contribuições nacionalmente determinadas, na sigla em inglês), devem levar o planeta a um aumento médio de temperatura de 2,6oC até 2,8oC nas próximas décadas.

Sob este alarme, uma das principais expectativas em relação à COP30, conferência climática da ONU que começa em duas semanas, é a de que os países aumentem suas NDCs. Durante o evento em Belém, será apresentada uma proposta brasileira que aponta para as florestas tropicais como instrumentos importantes de mitigação das mudanças climáticas, por sua capacidade natural de absorção de carbono da atmosfera.

Ela é baseada num estudo de coautoria do Nobel de Economia americano Lars Peter Hansen que avaliou o uso da terra na floresta amazônica brasileira a partir do avanço do desmatamento para fins de agropecuária e o impacto que o reflorestamento dessas áreas pode ter na absorção de carbono.

"Isso é algo que ajuda o mundo todo, não apenas o Brasil. Então, o desafio aqui é como o resto do mundo pode ajudar a incentivar o Brasil a preservar e restaurar sua floresta tropical", disse Hansen à Folha, durante sua passagem por São Paulo, na última semana, para uma conferência no Insper. A iniciativa é parte de sua parceria com o Instituto Becker Friedman de Pesquisa Econômica da Universidade de Chicago, onde o Nobel é professor há mais de 40 anos.

Realizado em conjunto com os economistas brasileiros Juliano Assunção (Climate Policy Initiative e PUC-Rio) e José Alexandre Scheinkman (Universidade Columbia, EUA), além do cientista da computação americano Todd Munson (Argonne National Laboratory), o estudo calculou que o pagamento de US$ 25 (cerca de R$ 135) por tonelada de carbono capturado seria economicamente competitivo a ponto de favorecer que fazendeiros trocassem a atividade pecuária pelo reflorestamento e a preservação.

"Este é um custo relativamente baixo -ou muito baixo pelos padrões de medição dos custos das mudanças climáticas- e capaz de fazer a floresta amazônica deixar de emitir e passar novamente a capturar uma quantidade importante de carbono", explica Hansen, laureado com o Nobel em 2013 por estudo sobre valores de ativos financeiros. Para se ter uma ideia, o custo do carbono no mercado europeu é de cerca de US$ 75 (R$ 405) por tonelada.

Hoje, na amazônia brasileira, o avanço da fronteira agropecuária fez triplicar sua área desmatada, que alcançou o tamanho do estado do Texas. Com isso, a floresta passou a emitir mais carbono do que consegue absorver. Ainda assim, estima-se que ela tenha armazenada a mesma quantidade de carbono emitida pelos EUA desde a Revolução Industrial.

Para Hansen, o mundo precisa pagar para que o Brasil mantenha e recupere sua floresta tropical. "São necessárias transferências internacionais para o Brasil, e o país precisa estruturar políticas que realmente incentivem os agricultores a mudar o uso da terra", destaca.

"Não é a única solução, mas é uma das mais importantes que podem ser abordadas no curto prazo e nos dar algum tempo", avalia ele, para quem a ausência dos EUA nas negociações do Acordo de Paris pede uma nova liderança, e a COP30 será um momento oportuno para que propostas como essa venham à mesa.

Como atribuir valor econômico a recursos naturais que capturam carbono, como florestas?
Medir qual é o custo de emitir carbono na atmosfera e quais são os benefícios para capturá-lo é um desafio para economistas. No caso da amazônia, nosso estudo mede os custos das emissões de carbono.

Agora, a amazônia está emitindo carbono por meio da agropecuária. O que mostramos é que recompensas econômicas relativamente baixas pela captura de carbono -ou muito baixas pelos padrões de medição dos custos das mudanças climáticas- são capazes de fazer a floresta deixar de emitir e passar novamente a capturar uma quantidade importante de carbono.

Isso é algo que ajuda o mundo todo, não apenas o Brasil. Então, o desafio aqui é como o resto do mundo pode ajudar a incentivar o Brasil a preservar a floresta tropical. É aí que o desafio político se torna bastante complicado.

Como resolver este desafio político sem ameaçar a soberania brasileira?
As pessoas que agora se dedicam à agropecuária [em territórios desmatados] não podem simplesmente perder seu meio de vida. É preciso dar-lhes outras oportunidades e convencê-las de que esta outra maneira de usar a terra irá recompensá-las.

Nosso estudo mostra que a quantidade de recursos necessários para potencialmente fazer isso é pequena. Mas então como fazer essa mudança? A estruturação de políticas se torna desafiadora porque temos que criar incentivos para que as pessoas façam compromissos de longo prazo, e para que as pessoas atualmente envolvidas no desmatamento sejam realmente incentivadas a realocar a terra para o reflorestamento.

Isso significa que é possível fazer com que fazendeiros tenham ganhos maiores se voltarem seus territórios para o reflorestamento?
Você teria que reestruturar as coisas para que esses agricultores sejam recompensados pelo reflorestamento. Hoje essas recompensas privadas simplesmente não existem. E o Brasil não é incentivado a fornecer essas recompensas sozinho.

É um caso em que você precisa de transferências internacionais para o Brasil, e o país precisa estruturar políticas que realmente incentivem os agricultores a mudar o uso da terra. Há pessoas explorando maneiras viáveis de fazer isso. Espero que, com a influência na COP30 do meu colega José [Alexandre Scheinkman, coautor do estudo e conselheiro da COP30], seja possível começar a abordar algumas dessas questões de maneira significativa.


O que o estudo revelou sobre essa troca econômica entre a pecuária e a preservação da floresta?
A alocação de terra ao longo do tempo, em um cenário de manutenção da dinâmica atual, resulta num aumento do uso agropecuário daqui para frente, mesmo que esta seja uma atividade de baixa produtividade nessas terras.

Por outro lado, o que eu chamo de um aumento modesto no preço do carbono muda dramaticamente esta dinâmica ao longo de dez ou 15 anos.

Precisaremos do setor privado para isso? Como incentivo, basta o entendimento de que a mudança climática é uma ameaça para seus negócios?
Sim. É parte do incentivo, mas provavelmente não é suficiente para nos ajudar a abordar o problema.

Investimentos em entidades como a [ONG] Nature Conservancy podem torná-las mais produtivas. Indivíduos privados podem fazer doações sérias a essas entidades, que podem aconselhar governos sobre como usar recursos de transferências de maneira eficiente.

Como a política ambiental brasileira poderia, a partir deste estudo, tornar a conservação florestal economicamente viável?
A questão não é tanto a quantidade de recursos que teriam que ser transferidos para o Brasil, porque isso por si só não é um número enorme. O verdadeiro desafio é que pessoas de fora do Brasil não vão entregar dinheiro a um governo brasileiro a menos que haja alguma maneira credível de abordar esse problema.

Não será algo como: "Aqui está um monte de dinheiro, conserte isso".

O Brasil tem de descobrir maneiras estruturais de ajudar na alocação desse dinheiro para uma reestruturação dos incentivos na alocação de terras na amazônia brasileira -como essas transferências podem chegar aos participantes relevantes desses processos, que são as pessoas que de certa forma perdem oportunidades econômicas, ao sair da agropecuária, e têm que ser incentivadas a fazer outra coisa, como restaurar e preservar.

O reflorestamento é tido por alguns como uma bala de prata para as mudanças climáticas. Quão realista é pensar que podemos plantar nossa saída do aquecimento global?
Preservar a floresta é apenas parte da solução. Não vamos resolver as mudanças climáticas apenas com soluções baseadas na natureza para a captura de carbono, mas elas são parte da solução, e podem ser uma parte significativa, o que não quer dizer que não devemos pensar em outras abordagens para enfrentar as mudanças climáticas.

Pessoalmente, quando olho para a arena política mundial, acho muito desafiador que todos os países concordem com uma maneira de abordar as mudanças climáticas. Por isso, o desenvolvimento de tecnologias limpas economicamente viáveis me parece ser nossa melhor aposta.

Como comparar essas tecnologias com as soluções baseadas na natureza quanto a seu potencial contra mudanças climáticas?
No momento, é um desafio tornar o armazenamento de carbono economicamente viável em grande escala. A vantagem das soluções baseadas na natureza é que são algo que temos a capacidade de abordar imediatamente, e as soluções tecnológicas são coisas que nos ajudarão mais adiante.

Você precisa ter ambas as coisas acontecendo: abordagens de curto prazo que possam nos dar mais tempo e abordagens de longo prazo que, esperamos, nos darão fontes de energia limpa.

A COP30 pode ser uma plataforma a discussão deste tipo de política pública?
Eu a vejo como uma oportunidade para colocarmos na mesa as soluções baseadas na natureza, tais como o reflorestamento, como parte da solução para as mudanças climáticas.

Estritamente falando, acho que muitas das COPs não realizaram muito, mas o fato de haver economistas de ponta envolvidos nos aconselhamentos desta edição pode gerar algo muito produtivo na COP30.

Qual é a sua visão sobre os mercados de carbono e a crítica de que eles correm o risco de se tornarem uma licença para poluir?
Eles podem e devem ser parte da solução. O ponto-chave sobre os mercados de carbono é garantir que você esteja negociando algo realmente significativo. Evitar coisas como greenwashing, evitar um monte de ações simbólicas que, na verdade, não representam mudanças significativas.

Para fazê-los funcionar, é preciso ter uma definição bem clara do que está sendo negociado. Você precisa ter uma contabilidade de carbono muito boa e garantir que você está estruturando as coisas de modo que, quando uma pessoa afirma estar comprando créditos de carbono e similares, seu dinheiro esteja indo para algo útil.

De que maneira a economia global está se reformulando a partir da ameaça das mudanças climáticas?
Parte da discussão dentro da comunidade econômica tem a ver com externalidades. O fato de as externalidades serem objetos que os mercados não abordam. É aquela mão invisível do mercado, de que falou Adam Smith, e sob a qual os mercados podem estabelecer uma alocação de recursos que satisfaz alguns problemas de eficiência.

Externalidades são esses fatores que trabalham contra o funcionamento perfeito desse mecanismo de mercado. Eu vejo as mudanças climáticas como um exemplo de externalidade -o fato de que, quando usamos energia suja, ela não é paga pela economia de mercado. Então, este é um exemplo em que a mão invisível não funciona muito bem.

Nesse sentido, à medida que o desmatamento transforma parte da amazônia de sumidouro de carbono em fonte de carbono, deveríamos repensar o que significa terra produtiva?
Sim. Acho que o importante é como pegamos essa chamada externalidade e damos a ela um preço. Se eu sou um proprietário de terras, sei que posso criar vacas e vendê-las. Se eu cultivo árvores, o que eu ganho com isso?

É preciso reformular a visão que se tem da opção de cultivar árvores e garantir que quem o faz seja recompensado por isso.
 

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