De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
O sonho dourado dos xetás
08/03/2005
Autor: Guilherme Voitch e Érica Busnardo
Fonte: Gazeta do Povo-Curitiba-PR
Indigenistas temem uma longa batalha jurídica para estabelecer uma reserva indígena para o grupo, em sua terra de origem
Plantações de cana-de-açúcar, fazendas de gado, áreas de reflorestamento de pínus e pequenas propriedades. Essa é a paisagem atual entre Ivaté e Douradina (Noroeste do Paraná), nas terras onde nasceram Kuein, Tuca, Tikuein, Aãn, Tiqüem, Maria Rosa e Ana Maria e onde os xetás foram um povo.
Para reagrupar os sobreviventes e seus filhos e netos na região onde viviam os xetás há cerca de cinqüenta anos, a Fundação Nacional do Índio (Funai) terá de travar uma longa negociação com os atuais proprietários. O projeto de reagrupamento, de autoria da antropóloga Carmen Lúcia já chegou a Funai, mas o caminho a ser percorrido promete ser espinhoso. "Se a Funai aceitar a proposta, abre-se o período para o contraditório, onde todos que se sentirem prejudicados pelo projeto podem reclamar", explica Edívio Batistelli, assessor especial para assuntos indígenas do estado do Paraná.
Os técnicos da Funai ainda nem deram seu parecer sobre o relatório, mas o trabalho de Carmen já é motivo de tensão. A simples menção ao caso já faz as linhas telefônicas da Funai de Guarapuava, que dá suporte ao grupo de trabalho, tocarem diariamente.
Entre os atuais donos da terra estão bancos, usinas de cana, juízes, grandes e pequenos fazendeiros, diz Carmen, que faz questão de não tratar os proprietários como vilões da história. "Eles só têm de entender que os xetás não são um inimigo. Os índios, assim como boa parte deles, foram vítimas. A solução para eles é procurar o estado, que tem de repará-los."
Para a batalha jurídica que pode ser criada, os xetás e aqueles que assumem sua causa contam com dois argumentos: a Constituição Federal, que garante e regulamenta a posse de terra para os povos indígenas, e a memória do grupo. "Eles não vão apontar uma terra que não é deles. Quem viveu lá e lembra dessa época, como Kuein e Tuca, vai dizer exatamente onde os xetás habitavam", explica o indianista João Rozzo de Menezes, que chegou a integrar o grupo de estudo de reagrupamento da terra xetá mas se afastou do projeto. João é contrário à tese, mas defende uma indenização do estado para os sobreviventes xetás. "Há muito pouco tempo eu também estava descrente que esse reagrupamento desse certo. Hoje estou plenamente convicto de que é possível", opina Batistelli.
Em seu favor, os xetás contam com um precedente. Recentemente, os xavantes conseguiram delimitar sua terra na Região Centro-Oeste do país, depois de dez anos de batalhas jurídicas. Sem papéis ou documentos, os xavantes conseguiram sua terra pela memória.
Ao que parece é o suficiente. Kuein por exemplo, mesmo longe, demonstra em seus relatos uma riqueza de detalhes quando lembra da época em que os xetás habitavam a serra. "Em uma das caminhadas que tivemos na região, não estávamos conseguindo encontrar um pequeno riacho, indicado por um mapa cartográfico. O Kuein colocou a mão na cintura, olhou bem e foi nos levando, direto, até o riacho", conta Carmen. A memória viva dos sobreviventes já foi motivo de sofrimento para os mesmos. Em um dos primeiros retornos à região, Carmen lembra da tristeza de Kuein, Tuca e de Tikuien. "Eles choravam, reclamavam na língua, dizendo que o branco tinha comido tudo: índio, bicho, mato".
A tristeza dos índios tem razão de ser. A Serra dos Dourados não é mais fonte inesgotável de tucanos, macacos, antas e até cobras, que faziam parte da dieta do grupo. Nas florestas não se encontram as palmeiras jerivá e macaúba, nem as bananas de macaco também utilizadas para a alimentação. Para viver, os xetás terão de plantar. Dos sobreviventes, porém, apenas Tikuein e os filhos trabalham com agricultura - isso embora o soldado Tiqüem tenha feito um curso de técnico agrícola. "O Tikuien, de São Jerônimo, é o único que tem condições de se dar bem com a terra", confirma o indianista João Rozzo de Menezes.
O reagrupamento é sem dúvida, um desafio. Mas é a única solução para evitar o fim de um povo, a extinção de uma cultura única.
O escritor e intelectual Caio Prado Júnior escreveu que o índio foi o problema mais complexo que a colonização teve que enfrentar. Referia-se a resistência cultural e até física com que os povos indígenas lutaram contra o processo de aculturação e desestruturação promovido pelos colonizadores. Os sobreviventes xetás, continuam de certo modo sendo um "problema" para a sociedade dos brancos.
"O branco nos tirou da terra e nunca nos ajudou. Agora precisamos dessa ajuda. Queremos estar juntos no nosso lugar", diz Tikuein. Ele quer voltar a viver na Serra dos Dourados. Os xetás querem voltar a ser um povo.
Plantações de cana-de-açúcar, fazendas de gado, áreas de reflorestamento de pínus e pequenas propriedades. Essa é a paisagem atual entre Ivaté e Douradina (Noroeste do Paraná), nas terras onde nasceram Kuein, Tuca, Tikuein, Aãn, Tiqüem, Maria Rosa e Ana Maria e onde os xetás foram um povo.
Para reagrupar os sobreviventes e seus filhos e netos na região onde viviam os xetás há cerca de cinqüenta anos, a Fundação Nacional do Índio (Funai) terá de travar uma longa negociação com os atuais proprietários. O projeto de reagrupamento, de autoria da antropóloga Carmen Lúcia já chegou a Funai, mas o caminho a ser percorrido promete ser espinhoso. "Se a Funai aceitar a proposta, abre-se o período para o contraditório, onde todos que se sentirem prejudicados pelo projeto podem reclamar", explica Edívio Batistelli, assessor especial para assuntos indígenas do estado do Paraná.
Os técnicos da Funai ainda nem deram seu parecer sobre o relatório, mas o trabalho de Carmen já é motivo de tensão. A simples menção ao caso já faz as linhas telefônicas da Funai de Guarapuava, que dá suporte ao grupo de trabalho, tocarem diariamente.
Entre os atuais donos da terra estão bancos, usinas de cana, juízes, grandes e pequenos fazendeiros, diz Carmen, que faz questão de não tratar os proprietários como vilões da história. "Eles só têm de entender que os xetás não são um inimigo. Os índios, assim como boa parte deles, foram vítimas. A solução para eles é procurar o estado, que tem de repará-los."
Para a batalha jurídica que pode ser criada, os xetás e aqueles que assumem sua causa contam com dois argumentos: a Constituição Federal, que garante e regulamenta a posse de terra para os povos indígenas, e a memória do grupo. "Eles não vão apontar uma terra que não é deles. Quem viveu lá e lembra dessa época, como Kuein e Tuca, vai dizer exatamente onde os xetás habitavam", explica o indianista João Rozzo de Menezes, que chegou a integrar o grupo de estudo de reagrupamento da terra xetá mas se afastou do projeto. João é contrário à tese, mas defende uma indenização do estado para os sobreviventes xetás. "Há muito pouco tempo eu também estava descrente que esse reagrupamento desse certo. Hoje estou plenamente convicto de que é possível", opina Batistelli.
Em seu favor, os xetás contam com um precedente. Recentemente, os xavantes conseguiram delimitar sua terra na Região Centro-Oeste do país, depois de dez anos de batalhas jurídicas. Sem papéis ou documentos, os xavantes conseguiram sua terra pela memória.
Ao que parece é o suficiente. Kuein por exemplo, mesmo longe, demonstra em seus relatos uma riqueza de detalhes quando lembra da época em que os xetás habitavam a serra. "Em uma das caminhadas que tivemos na região, não estávamos conseguindo encontrar um pequeno riacho, indicado por um mapa cartográfico. O Kuein colocou a mão na cintura, olhou bem e foi nos levando, direto, até o riacho", conta Carmen. A memória viva dos sobreviventes já foi motivo de sofrimento para os mesmos. Em um dos primeiros retornos à região, Carmen lembra da tristeza de Kuein, Tuca e de Tikuien. "Eles choravam, reclamavam na língua, dizendo que o branco tinha comido tudo: índio, bicho, mato".
A tristeza dos índios tem razão de ser. A Serra dos Dourados não é mais fonte inesgotável de tucanos, macacos, antas e até cobras, que faziam parte da dieta do grupo. Nas florestas não se encontram as palmeiras jerivá e macaúba, nem as bananas de macaco também utilizadas para a alimentação. Para viver, os xetás terão de plantar. Dos sobreviventes, porém, apenas Tikuein e os filhos trabalham com agricultura - isso embora o soldado Tiqüem tenha feito um curso de técnico agrícola. "O Tikuien, de São Jerônimo, é o único que tem condições de se dar bem com a terra", confirma o indianista João Rozzo de Menezes.
O reagrupamento é sem dúvida, um desafio. Mas é a única solução para evitar o fim de um povo, a extinção de uma cultura única.
O escritor e intelectual Caio Prado Júnior escreveu que o índio foi o problema mais complexo que a colonização teve que enfrentar. Referia-se a resistência cultural e até física com que os povos indígenas lutaram contra o processo de aculturação e desestruturação promovido pelos colonizadores. Os sobreviventes xetás, continuam de certo modo sendo um "problema" para a sociedade dos brancos.
"O branco nos tirou da terra e nunca nos ajudou. Agora precisamos dessa ajuda. Queremos estar juntos no nosso lugar", diz Tikuein. Ele quer voltar a viver na Serra dos Dourados. Os xetás querem voltar a ser um povo.
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