De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Eu sou diferente!
22/10/2004
Autor: KAINGANG, Azelene
Fonte: JB, Outras Opinioes, p.A11
Eu sou diferente!
Azelene Kaingang
Socióloga
Se o ''comum e desprotegido mortal'' que escreveu o artigo na edição do Jornal do Brasil do dia 07/10/2004 fosse um índio, e não um privilegiado brasileiro e renomado jurista, talvez não estivesse por aí fazendo essas afirmações que beiram a irresponsabilidade, porque os poucos 410 mil índios brasileiríssimos são sobreviventes de uma história de extermínio, de massacres, de chacinas e toda a sorte de discriminação e preconceito de que um povo pode ser vítima. Como diz o ''comum...'', talvez nosso exterminador também não tenha sido tão hábil e por isso ainda estamos aqui, teimosamente vivendo num país que, em pleno século XXI, ainda abriga pensamentos e conceitos tão retrógrados sobre a diferença.
Realmente o Brasil é feito de muitos Brasis, porque cada seguimento sonha com um país que o acolha, os quilombolas, os indígenas, os afrodescendentes, os homossexuais... Todos querem o seu Brasil e é natural que não se sintam incluídos num país onde uma minoria, que sempre sustentou o mito da democracia racial, tem muito e uma grande maioria não tem nada! Somos apenas 410 mil, graças a uma errônea política de extermínio adotada durante séculos e que matou milhões de nós em apenas cinco séculos. É natural que o Brasil dos homens bons, de homens e mulheres nobres que aprovaram uma Constituição que tenta minimamente reparar toda a desgraça histórica sofrida pelos Povos Indígenas, sejam hoje acusados de equivocados aos olhos do poder, da ganância e da intolerância.
Somos diferentes sim! Falamos mais de 180 línguas diferentes. É mais do que justo que o Estado que nos submeteu aos horrores do extermínio assuma a responsabilidade de proteger o que ainda restam das nossas culturas, crenças, tradições e as terras das quais usufruímos. Temos 12% do território nacional emprestados porque nenhum Povo Indígena detém o título das terras que usufruem. Foi o que nos restou dos saques que cometeram contra nossos antepassados. Por isso cabe à União proteger e, por isso, quem autoriza o acesso a essas terras é somente a Funai (Fundação Nacional do Índio), o órgão do governo responsável pela política indigenista no país. Se há algo errado nisso, não queremos ser responsabilizados.
Esses ''privilegiados senhores'', como diz o escritor do artigo, outrora donos desse país, são os grandes responsáveis por ainda haver grande riqueza nas terras a eles emprestadas, porque respeitam, preservam, cuidam, e um exemplo disso é a luta do povo Indígena Ashaninka do Acre na proteção da integridade territorial e da soberania do país na fronteira com o Peru.
É injusto querer condicionar a consolidação da democracia e da soberania nacional à supressão dos direitos dos Povos Indígenas, especialmente os direitos territoriais. A faixa de fronteira não é composta somente por terras indígenas, mas por 580 municípios e mais de 10 milhões de brasileiros que vivem nessa área. Está mais do que na hora de desmistificarmos o conceito de soberania, como se fosse apenas uma questão de fronteira física. É mais do que isso. É uma fronteira social a maior ameaça à soberania do nosso país, é a exclusão, a falta de políticas de gestão e de desenvolvimento sustentável para os Povos Indígenas, para os ribeirinhos, para os seringueiros e tantas outras populações que hoje não têm o mínimo benefício do Estado e que estão à mercê de qualquer um, estrangeiro ou não. O tráfico de drogas, de armas, as interferências do FMI na nossa economia, no nosso país, nas nossas vidas, nossas casas, estamos à mercê dos estrangeiros faz tempo e não foram os Povos Indígenas quem permitiram. Necessitamos, sim, da proteção do Estado aos nossos conhecimentos, porque as leis que estão aí não foram feitas para proteger direitos de diferentes.
Como podemos ser acusados de ameaçar a soberania, quando 64% das famílias indígenas que estão em suas terras tradicionais têm renda inferior a 1/4 de salário mínimo? Se 2/3 da população indígena vivem em situação de pobreza extrema? E quando passamos fome, tanto que a causa de morte por doenças associadas à desnutrição e à fome chega a 45% nos menores de um ano e a 75,8% nos menores de cinco anos? Esse, sim, é um caso de ameaça à soberania nacional.
É lamentável que sejamos vistos como privilegiados diante do quadro que nos afeta. O resultado final é que ser indígena nesse país significa uma alta probabilidade de se encontrar em situação de pobreza extrema. Os resultados das últimas pesquisas mostram que as populações indígenas estão entre os mais pobres entre os pobres.
Azelene Kaingáng é representante dos Povos Indígenas no Conselho Nacional de Combate à Discriminação e presidente do warã Instituto Indígena Brasileiro
JB, 22/10/2004, p. A11 (Outras Opiniões)
Azelene Kaingang
Socióloga
Se o ''comum e desprotegido mortal'' que escreveu o artigo na edição do Jornal do Brasil do dia 07/10/2004 fosse um índio, e não um privilegiado brasileiro e renomado jurista, talvez não estivesse por aí fazendo essas afirmações que beiram a irresponsabilidade, porque os poucos 410 mil índios brasileiríssimos são sobreviventes de uma história de extermínio, de massacres, de chacinas e toda a sorte de discriminação e preconceito de que um povo pode ser vítima. Como diz o ''comum...'', talvez nosso exterminador também não tenha sido tão hábil e por isso ainda estamos aqui, teimosamente vivendo num país que, em pleno século XXI, ainda abriga pensamentos e conceitos tão retrógrados sobre a diferença.
Realmente o Brasil é feito de muitos Brasis, porque cada seguimento sonha com um país que o acolha, os quilombolas, os indígenas, os afrodescendentes, os homossexuais... Todos querem o seu Brasil e é natural que não se sintam incluídos num país onde uma minoria, que sempre sustentou o mito da democracia racial, tem muito e uma grande maioria não tem nada! Somos apenas 410 mil, graças a uma errônea política de extermínio adotada durante séculos e que matou milhões de nós em apenas cinco séculos. É natural que o Brasil dos homens bons, de homens e mulheres nobres que aprovaram uma Constituição que tenta minimamente reparar toda a desgraça histórica sofrida pelos Povos Indígenas, sejam hoje acusados de equivocados aos olhos do poder, da ganância e da intolerância.
Somos diferentes sim! Falamos mais de 180 línguas diferentes. É mais do que justo que o Estado que nos submeteu aos horrores do extermínio assuma a responsabilidade de proteger o que ainda restam das nossas culturas, crenças, tradições e as terras das quais usufruímos. Temos 12% do território nacional emprestados porque nenhum Povo Indígena detém o título das terras que usufruem. Foi o que nos restou dos saques que cometeram contra nossos antepassados. Por isso cabe à União proteger e, por isso, quem autoriza o acesso a essas terras é somente a Funai (Fundação Nacional do Índio), o órgão do governo responsável pela política indigenista no país. Se há algo errado nisso, não queremos ser responsabilizados.
Esses ''privilegiados senhores'', como diz o escritor do artigo, outrora donos desse país, são os grandes responsáveis por ainda haver grande riqueza nas terras a eles emprestadas, porque respeitam, preservam, cuidam, e um exemplo disso é a luta do povo Indígena Ashaninka do Acre na proteção da integridade territorial e da soberania do país na fronteira com o Peru.
É injusto querer condicionar a consolidação da democracia e da soberania nacional à supressão dos direitos dos Povos Indígenas, especialmente os direitos territoriais. A faixa de fronteira não é composta somente por terras indígenas, mas por 580 municípios e mais de 10 milhões de brasileiros que vivem nessa área. Está mais do que na hora de desmistificarmos o conceito de soberania, como se fosse apenas uma questão de fronteira física. É mais do que isso. É uma fronteira social a maior ameaça à soberania do nosso país, é a exclusão, a falta de políticas de gestão e de desenvolvimento sustentável para os Povos Indígenas, para os ribeirinhos, para os seringueiros e tantas outras populações que hoje não têm o mínimo benefício do Estado e que estão à mercê de qualquer um, estrangeiro ou não. O tráfico de drogas, de armas, as interferências do FMI na nossa economia, no nosso país, nas nossas vidas, nossas casas, estamos à mercê dos estrangeiros faz tempo e não foram os Povos Indígenas quem permitiram. Necessitamos, sim, da proteção do Estado aos nossos conhecimentos, porque as leis que estão aí não foram feitas para proteger direitos de diferentes.
Como podemos ser acusados de ameaçar a soberania, quando 64% das famílias indígenas que estão em suas terras tradicionais têm renda inferior a 1/4 de salário mínimo? Se 2/3 da população indígena vivem em situação de pobreza extrema? E quando passamos fome, tanto que a causa de morte por doenças associadas à desnutrição e à fome chega a 45% nos menores de um ano e a 75,8% nos menores de cinco anos? Esse, sim, é um caso de ameaça à soberania nacional.
É lamentável que sejamos vistos como privilegiados diante do quadro que nos afeta. O resultado final é que ser indígena nesse país significa uma alta probabilidade de se encontrar em situação de pobreza extrema. Os resultados das últimas pesquisas mostram que as populações indígenas estão entre os mais pobres entre os pobres.
Azelene Kaingáng é representante dos Povos Indígenas no Conselho Nacional de Combate à Discriminação e presidente do warã Instituto Indígena Brasileiro
JB, 22/10/2004, p. A11 (Outras Opiniões)
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