De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
O fim chegou em Salsipuedes
12/09/2009
Autor: LÉO GERCHMANN
Fonte: Zero Hora - http://migre.me/6XnO
Pesquisador uruguaio encontra documentos que provam o extermínio do povo charrua em 1831. Os poucos sobreviventes se misturaram aos brancos, e algumas crianças e mulheres foram obrigadas a trabalhar como criadas de ricos em Montevidéu
Os charruas, grupo indígena cultuado na Argentina, no Rio Grande do Sul e no Uruguai - que usa seu nome quase como um gentílico -, foi dizimado em 11 de abril de 1831, nos descampados de Salsipuedes. Poucos escaparam do genocídio premeditado, restando posteriormente os mestiços, chamados de gaúchos, nome emprestado ao homem do Pampa. Dos sobreviventes charruas puros, crianças e mulheres foram levadas para Montevidéu, onde famílias abastadas daqueles tempos de fertilidade e fartura as tomaram como criadas.
A triste história, que esta edição do Cultura antecipa, se tornará pública na próxima terça-feira em Montevidéu, por meio do lançamento solene da pesquisa de quatro anos realizada pelo uruguaio Eduardo Picerno. O livro resultante da investigação foi editado pela Biblioteca Nacional do Uruguai. Depois da consulta a 229 documentos históricos (muitos deles inéditos), Picerno chegou a algumas conclusões novas - e algumas delas se relacionam com o Brasil.
- Tenho um documento do presidente Rivera (do Uruguai) no qual ele pede às autoridades brasileiras que exterminem todos os charruas que escapassem do Uruguai. Não se esqueça: não havia limites territoriais, há vários charruas que estiveram em Passo Fundo, por exemplo, e deixaram descendentes. Mas, dos que foram atacados em 1831, poucos sobreviveram - conta Picerno, ao Cultura.
Os tentáculos brasileiros da repressão uruguaia aos charruas aparecem no seguinte documento: em 10 de setembro de 1832, o presidente Fructuoso Rivera (militar e primeiro mandatário constitucional uruguaio) enviou carta a Bento Manuel Ribeiro, militar brasileiro responsável pela fronteira, em Alegrete. E pediu:
"Solicitamos cooperar com seus militares para a total destruição do resto dos charruas, como também contra militares sediciosos que poderiam se refugiar ultrapassando a fronteira."
Se - e como - o Brasil cooperou com tal pedido, poderia até se tratar de um novo capítulo ou até de um livro. O uruguaio não chegou a conferir o resultado da carta.
- Entre 1831 e 1834, os charruas que sobreviveram se esconderam ou se misturaram com os brancos. Como mulheres sobreviveram mais que homens e se misturaram aos europeus forjando o gaúcho, existem descendências espalhadas pelos nossos países. Houve um grupo de 50 pessoas que fugiu para o Brasil e retornou 20 anos depois ao Uruguai. Foram mortos, então, de várias maneiras. Outros ficaram no Brasil. Charruas, puros, não sobreviveram. Passaram a ser mestiços e foram chamados de gaúchos (o famoso personagem pampiano que deu origem ao gentílico sul-rio-grandense) - diz Picerno.
A matança, que o pesquisador não titubeia em definir como genocídio, ficou encoberta pelo oficialismo da história. Houve um "pacto de silêncio, implícito ou ordenado pelo governo", de acordo com Picerno, que é um psicólogo de formação apaixonado pelo destino dos charruas - e pelo passado uruguaio.
O livro, que terá o nome de El Genocidio de la Población Charrúa e cuja capa não pôde ser divulgada com antecipação, cruzou 14 versões diferentes dos fatos para chegar a uma conclusão. E a conclusão recebeu o beneplácito de historiadores uruguaios como José Joaquín Figueira.
- Sejam quais forem as motivações, o certo é que se julgou conveniente destruir os charruas. O livro é uma contribuição importante para um esclarecimento definitivo - diz Figueira.
E os motivos fomentam a polêmica: uns dizem que os charruas, liberados para caçar, carneavam bois dos proprietários rurais, a elite da época. Eles não entendiam a lógica da propriedade privada. Outros sustentam que eles apoiavam Artigas, inimigo de Rivera. A causa, então seria meramente política.
O trabalho está dividido em 23 capítulos e cinco partes, e chama a atenção para o atentado aos direitos humanos - já consagrados na época - perpetrado pelos uruguaios. Curiosamente, justamente no ano anterior, havia sido aprovada a Constituição uruguaia de 1830, inspirada nos princípios dos direitos humanos e na Revolução Francesa.
Na primeira parte, concentram-se documentos históricos do período entre 2 de novembro de 1811 e 31 de dezembro de 1830, com intrigas políticas da época, já mostrando as intenções de Rivera, que pretendia eliminar os charruas e os adversários políticos - ele era colorado, inimigo dos nacionalistas, e teve boa parte dos seus últimos anos vividos no exílio brasileiro. Na segunda parte, é detalhada a estratégia de Rivera para dizimar os charruas, que resultou na ação de 11 de abril de 1831. Depois, nas três partes seguintes, há dados sobre Rivera, compilação de documentos e um CD.
Um dos documentos mais pungentes é o aviso oficial de 29 de abril de 1831, que previa a repartição de crianças e mulheres charruas. Os interessados deveriam se dirigir ao Cuartel de Dragones. Seriam atendidos pelo comandante Felipe Caballero, que definiria a entrega dos futuros criados.
Depois, documentos que tratavam do repasse de seres humanos como se fossem objetos. Como este, de 3 de maio de 1831:
"O sr. comandante do esquadrão número 1, encarregado dos índios e índias charruas, os colocará à disposição de Don Juan Cora, a quem se encomendou sua distribuição entre as pessoas que solicitaram, à exceção dos caciques e demais varões que passem dos 15 anos, tomando recibo."
Ou o recibo, referindo-se a meninas charruas e assinado pelo mesmo Juan Cora, no mesmo 3 de maio:
"Recebi, do sr. comandante don Felipe Caballero, 79 charruas (...) distribuídas pelas listas e ordens existentes em meu poder; e para que conste em forma, onde e como convenha o presente que me ordenam."
Ou uma carta de Rivera ao senador Julián de Gregorio Espinosa, seu amigo, no dia 15 de abril de 1831, em que avisa estar lhe enviando objeto dos índios dizimados quatro dias antes:
"Meu estimado Julián. O entregador lhe dará uma lança, um arco e flechas (...). Conserva essas memórias dessa tribo selvagem que já não existe. Não tenho outra coisa a oferecer-te, amigo (...)."
Os charruas, grupo indígena cultuado na Argentina, no Rio Grande do Sul e no Uruguai - que usa seu nome quase como um gentílico -, foi dizimado em 11 de abril de 1831, nos descampados de Salsipuedes. Poucos escaparam do genocídio premeditado, restando posteriormente os mestiços, chamados de gaúchos, nome emprestado ao homem do Pampa. Dos sobreviventes charruas puros, crianças e mulheres foram levadas para Montevidéu, onde famílias abastadas daqueles tempos de fertilidade e fartura as tomaram como criadas.
A triste história, que esta edição do Cultura antecipa, se tornará pública na próxima terça-feira em Montevidéu, por meio do lançamento solene da pesquisa de quatro anos realizada pelo uruguaio Eduardo Picerno. O livro resultante da investigação foi editado pela Biblioteca Nacional do Uruguai. Depois da consulta a 229 documentos históricos (muitos deles inéditos), Picerno chegou a algumas conclusões novas - e algumas delas se relacionam com o Brasil.
- Tenho um documento do presidente Rivera (do Uruguai) no qual ele pede às autoridades brasileiras que exterminem todos os charruas que escapassem do Uruguai. Não se esqueça: não havia limites territoriais, há vários charruas que estiveram em Passo Fundo, por exemplo, e deixaram descendentes. Mas, dos que foram atacados em 1831, poucos sobreviveram - conta Picerno, ao Cultura.
Os tentáculos brasileiros da repressão uruguaia aos charruas aparecem no seguinte documento: em 10 de setembro de 1832, o presidente Fructuoso Rivera (militar e primeiro mandatário constitucional uruguaio) enviou carta a Bento Manuel Ribeiro, militar brasileiro responsável pela fronteira, em Alegrete. E pediu:
"Solicitamos cooperar com seus militares para a total destruição do resto dos charruas, como também contra militares sediciosos que poderiam se refugiar ultrapassando a fronteira."
Se - e como - o Brasil cooperou com tal pedido, poderia até se tratar de um novo capítulo ou até de um livro. O uruguaio não chegou a conferir o resultado da carta.
- Entre 1831 e 1834, os charruas que sobreviveram se esconderam ou se misturaram com os brancos. Como mulheres sobreviveram mais que homens e se misturaram aos europeus forjando o gaúcho, existem descendências espalhadas pelos nossos países. Houve um grupo de 50 pessoas que fugiu para o Brasil e retornou 20 anos depois ao Uruguai. Foram mortos, então, de várias maneiras. Outros ficaram no Brasil. Charruas, puros, não sobreviveram. Passaram a ser mestiços e foram chamados de gaúchos (o famoso personagem pampiano que deu origem ao gentílico sul-rio-grandense) - diz Picerno.
A matança, que o pesquisador não titubeia em definir como genocídio, ficou encoberta pelo oficialismo da história. Houve um "pacto de silêncio, implícito ou ordenado pelo governo", de acordo com Picerno, que é um psicólogo de formação apaixonado pelo destino dos charruas - e pelo passado uruguaio.
O livro, que terá o nome de El Genocidio de la Población Charrúa e cuja capa não pôde ser divulgada com antecipação, cruzou 14 versões diferentes dos fatos para chegar a uma conclusão. E a conclusão recebeu o beneplácito de historiadores uruguaios como José Joaquín Figueira.
- Sejam quais forem as motivações, o certo é que se julgou conveniente destruir os charruas. O livro é uma contribuição importante para um esclarecimento definitivo - diz Figueira.
E os motivos fomentam a polêmica: uns dizem que os charruas, liberados para caçar, carneavam bois dos proprietários rurais, a elite da época. Eles não entendiam a lógica da propriedade privada. Outros sustentam que eles apoiavam Artigas, inimigo de Rivera. A causa, então seria meramente política.
O trabalho está dividido em 23 capítulos e cinco partes, e chama a atenção para o atentado aos direitos humanos - já consagrados na época - perpetrado pelos uruguaios. Curiosamente, justamente no ano anterior, havia sido aprovada a Constituição uruguaia de 1830, inspirada nos princípios dos direitos humanos e na Revolução Francesa.
Na primeira parte, concentram-se documentos históricos do período entre 2 de novembro de 1811 e 31 de dezembro de 1830, com intrigas políticas da época, já mostrando as intenções de Rivera, que pretendia eliminar os charruas e os adversários políticos - ele era colorado, inimigo dos nacionalistas, e teve boa parte dos seus últimos anos vividos no exílio brasileiro. Na segunda parte, é detalhada a estratégia de Rivera para dizimar os charruas, que resultou na ação de 11 de abril de 1831. Depois, nas três partes seguintes, há dados sobre Rivera, compilação de documentos e um CD.
Um dos documentos mais pungentes é o aviso oficial de 29 de abril de 1831, que previa a repartição de crianças e mulheres charruas. Os interessados deveriam se dirigir ao Cuartel de Dragones. Seriam atendidos pelo comandante Felipe Caballero, que definiria a entrega dos futuros criados.
Depois, documentos que tratavam do repasse de seres humanos como se fossem objetos. Como este, de 3 de maio de 1831:
"O sr. comandante do esquadrão número 1, encarregado dos índios e índias charruas, os colocará à disposição de Don Juan Cora, a quem se encomendou sua distribuição entre as pessoas que solicitaram, à exceção dos caciques e demais varões que passem dos 15 anos, tomando recibo."
Ou o recibo, referindo-se a meninas charruas e assinado pelo mesmo Juan Cora, no mesmo 3 de maio:
"Recebi, do sr. comandante don Felipe Caballero, 79 charruas (...) distribuídas pelas listas e ordens existentes em meu poder; e para que conste em forma, onde e como convenha o presente que me ordenam."
Ou uma carta de Rivera ao senador Julián de Gregorio Espinosa, seu amigo, no dia 15 de abril de 1831, em que avisa estar lhe enviando objeto dos índios dizimados quatro dias antes:
"Meu estimado Julián. O entregador lhe dará uma lança, um arco e flechas (...). Conserva essas memórias dessa tribo selvagem que já não existe. Não tenho outra coisa a oferecer-te, amigo (...)."
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