De Povos Indígenas no Brasil
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Notícias
Álcool combustível do Brasil para o mundo
30/01/2005
Fonte: O Globo, Economia, p. 38-39
Álcool combustível do Brasil para o mundo
Alta do petróleo e exigências ambientais do Protocolo de Kioto devem elevar consumo mundial em 70% até 2010
A disparada nos preços do petróleo e as preocupações ambientais dos países ricos se tornaram um bom negócio para o Brasil. Maior produtor da tecnologia mais antiga e eficiente de combustível renovável do mundo - o etanol - o país viu suas exportações triplicarem no ano passado, quando, pela primeira vez, vendeu para o exterior o álcool carburante. Até então, o Brasil exportava só o tipo industrial. Ao todo, foram US$433 milhões e 2,3 bilhões de litros, dos quais 60% tiveram como destino motores de automóveis de países como EUA, Índia, Japão e Suécia.
Também não é para menos: em 2004, os preços do petróleo subiram 30%. E, no próximo dia 16, entra em vigor o Protocolo de Kioto. Assinado por 180 países, o tratado internacional prevê que as nações industrializadas - das quais só os EUA e a Austrália não são signatários - reduzam em 5,2% suas emissões poluentes até 2012.
Segundo projeções da consultoria americana F.O. Licht's, a demanda mundial por etanol deve crescer 70% até 2010, dos atuais 35 bilhões de litros para 60 bilhões. O Brasil é o maior fornecedor, consumidor e exportador - com mais de 40% do mercado global - e também o único capaz de ampliar, de forma competitiva, sua produção. O litro de etanol brasileiro tem custo de produção de US$0,21, contra US$0,33 do americano e US$0,56 do europeu.
- No mundo inteiro, o álcool brasileiro é visto com admiração e apreensão - resume Anfred Szwarc, consultor da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única).
Índia, Suécia e Japão já usam etanol como combustível
Ele explica que muitos países hesitam em introduzir o álcool em sua matriz energética porque temem ficar dependentes do Brasil. Mesmo assim, Índia, Japão, Suécia e Tailândia já começam a usar o combustível.
Para lidar com essa restrição, governo e iniciativa privada estão atacando em várias frentes. Uma das estratégias, explica Ângelo Bressan Filho, diretor do Departamento do Açúcar e do Álcool do Ministério da Agricultura, é oferecer contratos de longo prazo aos compradores. O Japão, por exemplo, quer financiar projetos em solo brasileiro para seu abastecimento.
O Brasil também tenta incentivar outros países a produzirem álcool, lembra Szwarc, da Única. É o caso de Colômbia e Peru, que podem se tornar fornecedores para a Ásia graças à sua saída para o Pacífico. As parcerias tecnológicas, diz Szwarc, são outra alternativa.
Brasil dribla sobretaxa americana via Caribe
O diretor técnico da Única, Antônio de Pádua Rodrigues, lembra que os produtores brasileiros vão investir US$3 bilhões nos próximos cinco anos em 40 novos projetos, que vão desde a plantação até a construção de destilarias. Nos últimos cinco anos, a produção de álcool cresceu a um ritmo de 10% anuais. E pelo menos dois grupos brasileiros vão fincar o pé no exterior já em 2005, de olho no mercado dos EUA.
A Crystalsev, em parceria com a gigante americana Cargill, vai construir uma unidade em El Salvador. E a Coimex vai montar uma destilaria na Jamaica, com a estatal Petrojam. A empresa comprará álcool hidratado brasileiro, que, depois de desidratado, será revendido como tipo anidro para os EUA.
O gerente da Divisão de Álcool da Coimex, Nélson Ostanello, explica que os EUA aplicam uma sobretaxa de US$140 por cada mil litros de álcool importado. Mas têm um acordo especial com países de Caribe e América Central, para comprar até 900 milhões de litros sem sobretaxa.
Setor se recupera em Pernambuco
Indústria sucroalcooleira responde por 40% das exportações do estado
Depois de enfrentar um período difícil, em que 18 das 43 usinas e destilarias fecharam, reduzindo de 240 mil para 100 mil o número de trabalhadores rurais, a indústria sucroalcooleira começa a respirar outra vez em Pernambuco. O setor responde por 40% das exportações do estado, mas a briga por uma fatia no mercado externo do álcool ainda está começando. O Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco estima que apenas 10% da produção sejam exportados. O volume é cinco vezes maior do que há um ano, mas empresários do setor acreditam que os efeitos gerados a partir do aumento da demanda internacional pelo produto, por pressão da legislação ambiental, vão demorar.
Não é difícil observar a importância da indústria na economia dos municípios. Em Camutanga, cidade a 113 quilômetros de Recife, a prefeitura atribui à Usina Olho D'Água peso de 90% na arrecadação de ICMS e também forte participação na absorção da mão-de-obra sem especialização do local. A empresa é a maior produtora de açúcar e de álcool do estado: 140 mil toneladas de açúcar e 36 milhões de litros de álcool na atual safra, dos quais 9 milhões são exportados, principalmente para o Canadá.
- Dos postos de trabalho gerados no município, 70% devem-se à parte industrial ou aos engenhos da usina - afirma o prefeito de Camutanga, Armando Pimentel da Rocha (PSDB).
Trabalhadores vivem na miséria durante a entressafra
Waldecir José da Silva, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Camutanga, afirma, porém, que o tempo de vacas gordas depende da moagem da cana-de-açúcar:
- Na época da moagem tem salário, emprego, mas, quando a safra acaba, 70% dos trabalhadores ficam sem trabalho, perambulando pela periferia da cidade e até mendigando.
O prefeito lembra que na entressafra - entre março e agosto - aumenta a demanda por remédios, trabalho e cestas básicas na prefeitura.
- Em anos secos, quando a safra é menor, os problemas se antecipam. O trabalhador não tem reservas financeiras ou alimentícias e passa de seis a sete meses sem renda. Isso se reflete na pobreza do município, onde 20% das casas ainda são de pau-a-pique e o déficit habitacional é grande. Encontramos de duas a três famílias morando em um só imóvel - diz Rocha.
Segundo o diretor presidente da Olho D'Água, Gilberto Tavares de Melo, a usina tem três mil empregados, que se espalham por Camutanga e municípios vizinhos, já próximos à divisa com a Paraíba. O empresário afirma que oferece escola para 600 crianças, ambulatório, casa para 350 trabalhadores permanentes em sua vila operária, ônibus para transporte do campo à cidade e clube com piscina para funcionários.
- Dizendo é tudo muito bonito. Mas eu sustento 12 pessoas, planto um roçado de inhame no meu município e ainda corto cabelo na feira. Se não for assim, o dinheiro do salário não dá nem para comer - afirma José Pedro Rodrigues, 54 anos, cortador de cana desde os 13 e contratado com carteira assinada durante seis meses por ano no engenho Zumbi.
No Nordeste, setor gera 320 mil empregos diretos
No restante do Nordeste, o setor gera cerca de 320 mil empregos diretos, de acordo com o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool, Renato Cunha. A previsão é de que seja produzido 1,8 bilhão de litros de álcool na atual safra, sendo que 10% serão exportados. Cerca de 50% do açúcar vão para o mercado externo. No Nordeste, há 5,8 empregos por tonelada de cana produzida, contra a média de 1,5 no país.
- O arranjo produtivo da cana no Nordeste está consolidado, mas o governo federal precisa desconcentrar os investimentos no Centro-Sul e no café, na borracha e no cacau - diz Cunha.
Em Alagoas, Cana dá lucro a pequenos
No interior de Alagoas, na região do município de Coruripe, um grupo de pequenos produtores rurais está pegando carona no avanço do álcool brasileiro e já exporta para o Japão. A Cooperativa Pindorama, formada por 1.160 proprietários de terra, derrubou a máxima de que cana-de-açúcar é cultivo para latifúndios e, este ano, vai obter 70% de seu faturamento do açúcar e do álcool.
Criada há 49 anos para o cultivo de frutas e a fabricação e comercialização de sucos, a Pindorama construiu no ano passado a primeira usina de açúcar cooperativada do mundo. A fabricação de álcool remonta a 1981, mas foi só na safra deste ano que o grupo fechou seu primeiro contrato de exportação: 4,5 milhões de litros, dos 35 milhões a serem produzidos pela Pindorama, serão exportados para o Japão por um pool de comercialização de Alagoas. Outros produtores do estado vão vender para a Índia.
A cooperativa, que teve um faturamento de R$52 milhões em 2004, este ano deve chegar a R$70 milhões, dos quais 40% virão do álcool e 30%, do açúcar. Além de frutas e sucos, produz laticínios e derivados de coco.
- A cana-de-açúcar é mais fácil de cultivar e negociar - explica Klécio José dos Santos, diretor-presidente da cooperativa. - Dizem que cana não é coisa para pequeno. Mas, no caso da Pindorama, açúcar e álcool são o nosso sustento - completa.
Cerca de 27 mil pessoas vivem da renda gerada pela Pindorama, que emprega 12 mil trabalhadores, diz Santos.
- Em pleno Nordeste, num dos estados com maior desigualdade de renda do país, superando toda a pressão do latifúndio, mostramos que a agricultura familiar competitiva é viável - comemora. (LR)
Sertãozinho: nome de interior, vigor de capital
Cidade distante 350 quilômetros de São Paulo é o coração industrial da região sucroalcooleira de Ribeirão Preto
O movimento de carros e pedestres que passavam pelas ruas ao redor da Praça 21 de Abril era intenso por volta do meio dia da última quinta-feira. Nada que lembrasse o clima pacato, típico da hora do almoço nas cidades do interior. Encravada no centro de Sertãozinho, distante 350 quilômetros de São Paulo, a agitação da praça era um espelho do vigor econômico que vive a cidade. Com pouco mais de 94 mil habitantes, Sertãozinho é o coração industrial da próspera região sucroalcooleira de Ribeirão Preto e colhe os frutos da forte expansão do setor.
As 35 usinas de açúcar de álcool da região estão entre as maiores e mais produtivas do país, que juntas exportaram 600 milhões de litros de álcool em 2004. Isso equivale a quase um terço de todo o álcool brasileiro exportado no ano passado, cerca de 2,2 bilhões de litros segundo estimativa da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única).
Além de sediar seis usinas - entre as quais a emblemática Santa Elisa, do grupo Biagi, fundada há 60 anos - Sertãozinho reúne cerca de 400 indústrias especializadas, que atendem os produtores de álcool e açúcar de todo o Brasil e de diversos países.
Arrecadação chegou a R$101 milhões em 2004
Pela estimativa do Centro das Indústrias de Sertãozinho e Região (Ceise), as exportações de álcool, açúcar e equipamentos para usinas renderam US$200 milhões às empresas em 2004. O açúcar ainda é o carro-chefe das exportações (quase 60% do total), e as vendas de equipamentos, como turbinas e caldeiras, respondem por mais de 30%.
A TGM Turbinas, fundada em 1991, nasceu como prestadora de serviços, passou a fabricar turbinas em 1996 e, na crise que se seguiu no setor canavieiro, passou a produzir equipamentos também para a geração de energia e outros setores como o de papel e celulose, siderurgia, petroquímica e alimentos. E hoje exporta para mais de dez países, entre eles os EUA e a Alemanha. Mas a retomada da produção nacional de álcool já engorda a sua contabilidade.
- Como diversificamos nossos mercados, a puxada atual do setor sucroalcooleiro fez crescer em 20% as nossas encomendas - diz Marcos Henrique Mussin, diretor comercial da TGM, que tem 450 empregados e está investindo numa nova fábrica de redutores para moendas, um investimento de R$15 milhões que empregará mais 150 metalúrgicos.
Reflexo do ressurgimento do ciclo da cana na região, nos últimos quatro anos a arrecadação total de Sertãozinho cresceu 87,5%, alcançando R$101,47 milhões em 2004. Somente com ICMS, a cidade arrecadou R$26,55 milhões no ano passado, 32,5% mais do que em 2003.
- Os números refletem o bom momento econômico que a cidade vive - diz o secretário de Indústria e Comércio de Sertãozinho, Marcelo Pelegrini.
No ano passado, houve um saldo de 940 novos empregos com carteira assinada na indústria local, o equivalente a 10% do número total de postos do setor, que hoje emprega 9,5 mil pessoas. No comércio, o número de postos de trabalho cresceu mais: 12,6% em 2004.
Eliane Cristina Rodrigues estava desempregada há um ano quando foi contratada para trabalhar na Coronelzinho, uma loja de roupas infantis. A loja acabara de se instalar num ponto nobre da Praça 21 de Abril, que na época ainda estava em obras, nas quais a prefeitura gastou R$1,5 milhão.
Eliane é uma das dez funcionárias contratadas pelo empresário Paulo Henrique Andrucioli, que trocou um ponto bem menor por uma loja na praça.
- A cana está em alta e as indústrias estão a todo vapor. Hoje faturo 40% mais que há um ano - comemora Andrucioli
SP ganhará 20 usinas novas em quatro anos
Novo pólo receberá investimentos de até R$3 bilhões
Maior região produtora de açúcar e álcool, com 60% de toda a cana plantada no país, o estado de São Paulo deve ganhar pelo menos mais 20 usinas em quatro anos. O novo pólo canavieiro paulista se situa na região de Araçatuba, no Oeste do estado. Movimento que representará investimentos entre R$2,5 bilhões e R$3 bilhões.
- As perspectivas para o álcool no mercado externo são decisivas para as decisões de investimento neste momento - diz Luiz Zancaner, presidente da União das Usinas do Oeste Paulista (Udope).
Os empreendimentos se somarão às 37 usinas já instaladas na região, responsável por 13% da produção do país. Segundo Júlio Maria Borges, diretor da JOB Economia e Planejamento, o Brasil precisa ampliar em 50% a capacidade de produção de álcool até o fim da década. Isso equivale a mais sete bilhões de litros anuais, com investimentos de R$25 bilhões.
- Existe uma aceleração da expansão do setor porque as perspectivas de mercado são ótimas, tanto internamente, com o advento dos veículos flexfuel, como externamente, já que, lá fora, álcool como aditivo à gasolina é uma tendência. O álcool ajuda a resolver parte dos problemas ambientais e é mais barato que o petróleo - diz Borges.
Maurílio Biagi Filho, do Grupo Biagi, observa que a produtividade no setor tem crescido a taxas de 3% a 4% nos últimos 30 anos, o que dá ao país potencial competitivo sem igual. (Ronaldo D'Ercole)
Trabalhador teme volta do proálcool
Pastoral da Terra: 35 mil sítios foram destruídos e 175 mil pessoas, expulsas
Euforia para uns, temor para outros. Enquanto os empresários aguardam com expectativa incentivos para produção e exportação de álcool, a maioria dos trabalhadores rurais de Pernambuco teme uma reedição do Proálcool. É que embora tenha gerado empregos no estado - que chegaram a 240 mil nos canaviais - o programa provocou sérios problemas sociais.
A chamada Lei do Sítio virou letra morta. Pela lei, cada família residente nos engenhos tinha direito a um pedacinho de terra no fundo da casa para cultivo de lavouras de subsistência. Com o avanço da cana - muitas chegando a poucos palmos de distância da porta dos lavradores - cerca de 35 mil sítios foram destruídos. É o que diz documento elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e entregue a entidades internacionais de defesa de direitos humanos.
- Se 35 mil sítios foram destruídos, igual número de famílias deixou o campo durante o Proálcool, o que significa que cerca de 175 mil pessoas foram expulsas da área rural da Zona da Mata e vivem hoje nas periferias - diz Marluce Melo, coordenadora regional da CPT.
Nos canaviais, há menos da metade dos trabalhadores
Coincidentemente, diz Marluce, 35 mil é o número de famílias sem terra acampadas no estado, onde a reforma agrária em toda a sua história promoveu só 12 mil assentamentos. Secretário de Política Salarial da Federação dos Trabalhadores de Agricultura e presidente da entidade nos tempos do Proálcool, José Rodrigues critica aquele programa. E teme a repetição dos problemas.
- O Proálcool piorou a situação do trabalhador, porque os sítios foram destruídos para ceder lugar à cana e eles perderam lavouras de subsistência que garantiam comida na entressafra. Agora, sem sítio, quando acaba o corte, a situação é de fome. Naquele tempo havia 240 mil pessoas trabalhando nos canaviais. Hoje esse número caiu em bem mais da metade: não passa de cem mil e na entressafra se reduz em 30%. Sem emprego, sem terra, esse povo vai comer o quê? - indaga Rodrigues.
Marluce condena:
- Pela experiência que tivemos, caso a situação se repita, podemos dizer que o álcool só é limpo do cano de escape para fora, porque socialmente é muito sujo.
Ao menos seis presidentes de sindicatos de trabalhadores rurais da Zona da Mata têm a mesma opinião, segundo depoimentos ao GLOBO. José Lourenço da Silva, de Aliança, resume o que pensam os outros:
- Esperamos que o governo tenha alguma programa melhor do que o Proálcool. Esse só foi bom para os usineiros. O trabalhador perdeu os sítios, foi expulso para as cidades e hoje vive ao Deus dará. Naquele tempo, na entressafra, o lavrador fazia um cesto de manga ou banana do sítio e enganava a fome. Hoje ele até mendiga.
'Para ter de volta um pedaço de terra'
Antônio Sérgio da Silva, de 55 anos, é um exemplo. Começou a cortar cana aos 5 anos, quando o pai morreu e passou a sustentar a mãe. Morava num engenho, mas foi para a periferia e, desde 1998, não encontra trabalho formal. Faz bicos ou corte de cana clandestino:
- Naquele tempo, além do corte de cana eu plantava macaxeira, batata, feijão. Agora, quando tenho fome, boto um anzol nas costas e vou pescar.
O mesmo ocorreu com José Nunes, de 56 anos, que mora no bairro mais pobre de Camutanga, distante 113 quilômetros de Recife. Virou sem-terra e freqüenta um acampamento do MST "para ter um pedaço de terra de volta".
Inácio Apolônio da Silva, de 28 anos, nunca ouviu falar do Proálcool, mas foi do campo para a periferia da cidade ainda criança. Trabalha como avulso, em engenhos da região, e, no último mês, conseguiu apenas oito dias de trabalho a R$10 a diária. Na semana passada, perambulava com a família por uma rodovia em Camutanga, depois de ter ido buscar inhame no roçado de uma prima. Apolônio mora em uma casa de taipa, sem luz nem água.
Ipanemão, o avião movido a álcool
A tecnologia brasileira de álcool combustível chegou, literalmente, às alturas. A Embraer entrega em março uma aeronave com motor 100% a álcool. Fabricado pela Neiva, subsidiária da empresa, o Ipanemão é o primeiro modelo do mundo produzido em escala industrial que usa o etanol como combustível.
Voltado para a aviação agrícola, o Ipanemão custa US$259 mil, um pouco mais que os US$254 mil do similar a gasolina. A economia é no combustível: o litro de álcool custa cerca de R$1,50 e a gasolina para aviação - um dos derivados de petróleo que mais encareceram em 2004 - não sai por menos de R$5. Como muitos produtores rurais são também fabricantes de álcool, a vantagem pode ser ainda maior.
O etanol usado no avião é exatamente o mesmo dos automóveis.
A Embraer espera que, a partir de março, quando sai da linha de produção o último Ipanemão a gasolina, todas as encomendas sejam para a versão a álcool. A expectativa é vender 72 aeronaves este ano. Veículo mais tradicional da aviação agrícola no Brasil, o Ipanemão ganhou o nome em homenagem à Fazenda Ipanema, do interior paulista. (Luciana Rodrigues)
O mercado mundial
Estados Univos: Está em discussão obrigar a adição de 10% de álcool na gasolina. Nos estados de Havaí, Minnesota e Califórnia, a mistura já é compulsória. lowa estuda a medida. Nova York e Connecticut proibiram o metanol - derivado de petróleo que era adicionado na gasolina - abrindo espaço para o álcool. 0 país começa a fabricar carros flexfuel.
Índia: Obriga a adição de 5% de álcool na gasolina e, este ano, a parcela sobe para 10%. É grande produtor, mas, em 2004, uma quebra de safra e a entrada em vigor da mistura levaram o país a importar do Brasil, o que deve se repetir.
Japão: Em 2004, autorizou a adição facultativa de 3% de álcool na gasolina, o que pode levar o país a importar 1,8 bilhão de litros por ano. Em janeiro, uma missão brasileira foi ao país. 0 Banco Japonês de Cooperação Internacional quer financiar a produção no Brasil.
Tailândia: É facultativa a mistura de 5% de álcool na gasolina. 0 país já produz etanol e vai importar 300 milhões do Brasil, num contrato inicial. Estão em discussão parcerias tecnológicas para fabricar álcool e automóveis flexfuel.
China: Tem um projeto piloto para a mistura de 10% de álcool na gasolina. É o terceiro maior produtor do mundo, mas para fins industriais.
Canadá: Tem como meta que pelo menos 35% da gasolina vendida no país tenham 10% de etanol até 2010. Hoje, a mistura é de 7%.
União Européia: Te, meta facultativa de que 2% do combustível sejam de origem renovável e que essa parcela chegue a 5% em 2010. A Suécia já mistura álcool na gasolina, importa do Brasil e, este ano, terá um carro flexfuel fabricado pela General Motors.
O Globo, 30/01/2005, Economia, p. 38-39
Alta do petróleo e exigências ambientais do Protocolo de Kioto devem elevar consumo mundial em 70% até 2010
A disparada nos preços do petróleo e as preocupações ambientais dos países ricos se tornaram um bom negócio para o Brasil. Maior produtor da tecnologia mais antiga e eficiente de combustível renovável do mundo - o etanol - o país viu suas exportações triplicarem no ano passado, quando, pela primeira vez, vendeu para o exterior o álcool carburante. Até então, o Brasil exportava só o tipo industrial. Ao todo, foram US$433 milhões e 2,3 bilhões de litros, dos quais 60% tiveram como destino motores de automóveis de países como EUA, Índia, Japão e Suécia.
Também não é para menos: em 2004, os preços do petróleo subiram 30%. E, no próximo dia 16, entra em vigor o Protocolo de Kioto. Assinado por 180 países, o tratado internacional prevê que as nações industrializadas - das quais só os EUA e a Austrália não são signatários - reduzam em 5,2% suas emissões poluentes até 2012.
Segundo projeções da consultoria americana F.O. Licht's, a demanda mundial por etanol deve crescer 70% até 2010, dos atuais 35 bilhões de litros para 60 bilhões. O Brasil é o maior fornecedor, consumidor e exportador - com mais de 40% do mercado global - e também o único capaz de ampliar, de forma competitiva, sua produção. O litro de etanol brasileiro tem custo de produção de US$0,21, contra US$0,33 do americano e US$0,56 do europeu.
- No mundo inteiro, o álcool brasileiro é visto com admiração e apreensão - resume Anfred Szwarc, consultor da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única).
Índia, Suécia e Japão já usam etanol como combustível
Ele explica que muitos países hesitam em introduzir o álcool em sua matriz energética porque temem ficar dependentes do Brasil. Mesmo assim, Índia, Japão, Suécia e Tailândia já começam a usar o combustível.
Para lidar com essa restrição, governo e iniciativa privada estão atacando em várias frentes. Uma das estratégias, explica Ângelo Bressan Filho, diretor do Departamento do Açúcar e do Álcool do Ministério da Agricultura, é oferecer contratos de longo prazo aos compradores. O Japão, por exemplo, quer financiar projetos em solo brasileiro para seu abastecimento.
O Brasil também tenta incentivar outros países a produzirem álcool, lembra Szwarc, da Única. É o caso de Colômbia e Peru, que podem se tornar fornecedores para a Ásia graças à sua saída para o Pacífico. As parcerias tecnológicas, diz Szwarc, são outra alternativa.
Brasil dribla sobretaxa americana via Caribe
O diretor técnico da Única, Antônio de Pádua Rodrigues, lembra que os produtores brasileiros vão investir US$3 bilhões nos próximos cinco anos em 40 novos projetos, que vão desde a plantação até a construção de destilarias. Nos últimos cinco anos, a produção de álcool cresceu a um ritmo de 10% anuais. E pelo menos dois grupos brasileiros vão fincar o pé no exterior já em 2005, de olho no mercado dos EUA.
A Crystalsev, em parceria com a gigante americana Cargill, vai construir uma unidade em El Salvador. E a Coimex vai montar uma destilaria na Jamaica, com a estatal Petrojam. A empresa comprará álcool hidratado brasileiro, que, depois de desidratado, será revendido como tipo anidro para os EUA.
O gerente da Divisão de Álcool da Coimex, Nélson Ostanello, explica que os EUA aplicam uma sobretaxa de US$140 por cada mil litros de álcool importado. Mas têm um acordo especial com países de Caribe e América Central, para comprar até 900 milhões de litros sem sobretaxa.
Setor se recupera em Pernambuco
Indústria sucroalcooleira responde por 40% das exportações do estado
Depois de enfrentar um período difícil, em que 18 das 43 usinas e destilarias fecharam, reduzindo de 240 mil para 100 mil o número de trabalhadores rurais, a indústria sucroalcooleira começa a respirar outra vez em Pernambuco. O setor responde por 40% das exportações do estado, mas a briga por uma fatia no mercado externo do álcool ainda está começando. O Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco estima que apenas 10% da produção sejam exportados. O volume é cinco vezes maior do que há um ano, mas empresários do setor acreditam que os efeitos gerados a partir do aumento da demanda internacional pelo produto, por pressão da legislação ambiental, vão demorar.
Não é difícil observar a importância da indústria na economia dos municípios. Em Camutanga, cidade a 113 quilômetros de Recife, a prefeitura atribui à Usina Olho D'Água peso de 90% na arrecadação de ICMS e também forte participação na absorção da mão-de-obra sem especialização do local. A empresa é a maior produtora de açúcar e de álcool do estado: 140 mil toneladas de açúcar e 36 milhões de litros de álcool na atual safra, dos quais 9 milhões são exportados, principalmente para o Canadá.
- Dos postos de trabalho gerados no município, 70% devem-se à parte industrial ou aos engenhos da usina - afirma o prefeito de Camutanga, Armando Pimentel da Rocha (PSDB).
Trabalhadores vivem na miséria durante a entressafra
Waldecir José da Silva, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Camutanga, afirma, porém, que o tempo de vacas gordas depende da moagem da cana-de-açúcar:
- Na época da moagem tem salário, emprego, mas, quando a safra acaba, 70% dos trabalhadores ficam sem trabalho, perambulando pela periferia da cidade e até mendigando.
O prefeito lembra que na entressafra - entre março e agosto - aumenta a demanda por remédios, trabalho e cestas básicas na prefeitura.
- Em anos secos, quando a safra é menor, os problemas se antecipam. O trabalhador não tem reservas financeiras ou alimentícias e passa de seis a sete meses sem renda. Isso se reflete na pobreza do município, onde 20% das casas ainda são de pau-a-pique e o déficit habitacional é grande. Encontramos de duas a três famílias morando em um só imóvel - diz Rocha.
Segundo o diretor presidente da Olho D'Água, Gilberto Tavares de Melo, a usina tem três mil empregados, que se espalham por Camutanga e municípios vizinhos, já próximos à divisa com a Paraíba. O empresário afirma que oferece escola para 600 crianças, ambulatório, casa para 350 trabalhadores permanentes em sua vila operária, ônibus para transporte do campo à cidade e clube com piscina para funcionários.
- Dizendo é tudo muito bonito. Mas eu sustento 12 pessoas, planto um roçado de inhame no meu município e ainda corto cabelo na feira. Se não for assim, o dinheiro do salário não dá nem para comer - afirma José Pedro Rodrigues, 54 anos, cortador de cana desde os 13 e contratado com carteira assinada durante seis meses por ano no engenho Zumbi.
No Nordeste, setor gera 320 mil empregos diretos
No restante do Nordeste, o setor gera cerca de 320 mil empregos diretos, de acordo com o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool, Renato Cunha. A previsão é de que seja produzido 1,8 bilhão de litros de álcool na atual safra, sendo que 10% serão exportados. Cerca de 50% do açúcar vão para o mercado externo. No Nordeste, há 5,8 empregos por tonelada de cana produzida, contra a média de 1,5 no país.
- O arranjo produtivo da cana no Nordeste está consolidado, mas o governo federal precisa desconcentrar os investimentos no Centro-Sul e no café, na borracha e no cacau - diz Cunha.
Em Alagoas, Cana dá lucro a pequenos
No interior de Alagoas, na região do município de Coruripe, um grupo de pequenos produtores rurais está pegando carona no avanço do álcool brasileiro e já exporta para o Japão. A Cooperativa Pindorama, formada por 1.160 proprietários de terra, derrubou a máxima de que cana-de-açúcar é cultivo para latifúndios e, este ano, vai obter 70% de seu faturamento do açúcar e do álcool.
Criada há 49 anos para o cultivo de frutas e a fabricação e comercialização de sucos, a Pindorama construiu no ano passado a primeira usina de açúcar cooperativada do mundo. A fabricação de álcool remonta a 1981, mas foi só na safra deste ano que o grupo fechou seu primeiro contrato de exportação: 4,5 milhões de litros, dos 35 milhões a serem produzidos pela Pindorama, serão exportados para o Japão por um pool de comercialização de Alagoas. Outros produtores do estado vão vender para a Índia.
A cooperativa, que teve um faturamento de R$52 milhões em 2004, este ano deve chegar a R$70 milhões, dos quais 40% virão do álcool e 30%, do açúcar. Além de frutas e sucos, produz laticínios e derivados de coco.
- A cana-de-açúcar é mais fácil de cultivar e negociar - explica Klécio José dos Santos, diretor-presidente da cooperativa. - Dizem que cana não é coisa para pequeno. Mas, no caso da Pindorama, açúcar e álcool são o nosso sustento - completa.
Cerca de 27 mil pessoas vivem da renda gerada pela Pindorama, que emprega 12 mil trabalhadores, diz Santos.
- Em pleno Nordeste, num dos estados com maior desigualdade de renda do país, superando toda a pressão do latifúndio, mostramos que a agricultura familiar competitiva é viável - comemora. (LR)
Sertãozinho: nome de interior, vigor de capital
Cidade distante 350 quilômetros de São Paulo é o coração industrial da região sucroalcooleira de Ribeirão Preto
O movimento de carros e pedestres que passavam pelas ruas ao redor da Praça 21 de Abril era intenso por volta do meio dia da última quinta-feira. Nada que lembrasse o clima pacato, típico da hora do almoço nas cidades do interior. Encravada no centro de Sertãozinho, distante 350 quilômetros de São Paulo, a agitação da praça era um espelho do vigor econômico que vive a cidade. Com pouco mais de 94 mil habitantes, Sertãozinho é o coração industrial da próspera região sucroalcooleira de Ribeirão Preto e colhe os frutos da forte expansão do setor.
As 35 usinas de açúcar de álcool da região estão entre as maiores e mais produtivas do país, que juntas exportaram 600 milhões de litros de álcool em 2004. Isso equivale a quase um terço de todo o álcool brasileiro exportado no ano passado, cerca de 2,2 bilhões de litros segundo estimativa da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única).
Além de sediar seis usinas - entre as quais a emblemática Santa Elisa, do grupo Biagi, fundada há 60 anos - Sertãozinho reúne cerca de 400 indústrias especializadas, que atendem os produtores de álcool e açúcar de todo o Brasil e de diversos países.
Arrecadação chegou a R$101 milhões em 2004
Pela estimativa do Centro das Indústrias de Sertãozinho e Região (Ceise), as exportações de álcool, açúcar e equipamentos para usinas renderam US$200 milhões às empresas em 2004. O açúcar ainda é o carro-chefe das exportações (quase 60% do total), e as vendas de equipamentos, como turbinas e caldeiras, respondem por mais de 30%.
A TGM Turbinas, fundada em 1991, nasceu como prestadora de serviços, passou a fabricar turbinas em 1996 e, na crise que se seguiu no setor canavieiro, passou a produzir equipamentos também para a geração de energia e outros setores como o de papel e celulose, siderurgia, petroquímica e alimentos. E hoje exporta para mais de dez países, entre eles os EUA e a Alemanha. Mas a retomada da produção nacional de álcool já engorda a sua contabilidade.
- Como diversificamos nossos mercados, a puxada atual do setor sucroalcooleiro fez crescer em 20% as nossas encomendas - diz Marcos Henrique Mussin, diretor comercial da TGM, que tem 450 empregados e está investindo numa nova fábrica de redutores para moendas, um investimento de R$15 milhões que empregará mais 150 metalúrgicos.
Reflexo do ressurgimento do ciclo da cana na região, nos últimos quatro anos a arrecadação total de Sertãozinho cresceu 87,5%, alcançando R$101,47 milhões em 2004. Somente com ICMS, a cidade arrecadou R$26,55 milhões no ano passado, 32,5% mais do que em 2003.
- Os números refletem o bom momento econômico que a cidade vive - diz o secretário de Indústria e Comércio de Sertãozinho, Marcelo Pelegrini.
No ano passado, houve um saldo de 940 novos empregos com carteira assinada na indústria local, o equivalente a 10% do número total de postos do setor, que hoje emprega 9,5 mil pessoas. No comércio, o número de postos de trabalho cresceu mais: 12,6% em 2004.
Eliane Cristina Rodrigues estava desempregada há um ano quando foi contratada para trabalhar na Coronelzinho, uma loja de roupas infantis. A loja acabara de se instalar num ponto nobre da Praça 21 de Abril, que na época ainda estava em obras, nas quais a prefeitura gastou R$1,5 milhão.
Eliane é uma das dez funcionárias contratadas pelo empresário Paulo Henrique Andrucioli, que trocou um ponto bem menor por uma loja na praça.
- A cana está em alta e as indústrias estão a todo vapor. Hoje faturo 40% mais que há um ano - comemora Andrucioli
SP ganhará 20 usinas novas em quatro anos
Novo pólo receberá investimentos de até R$3 bilhões
Maior região produtora de açúcar e álcool, com 60% de toda a cana plantada no país, o estado de São Paulo deve ganhar pelo menos mais 20 usinas em quatro anos. O novo pólo canavieiro paulista se situa na região de Araçatuba, no Oeste do estado. Movimento que representará investimentos entre R$2,5 bilhões e R$3 bilhões.
- As perspectivas para o álcool no mercado externo são decisivas para as decisões de investimento neste momento - diz Luiz Zancaner, presidente da União das Usinas do Oeste Paulista (Udope).
Os empreendimentos se somarão às 37 usinas já instaladas na região, responsável por 13% da produção do país. Segundo Júlio Maria Borges, diretor da JOB Economia e Planejamento, o Brasil precisa ampliar em 50% a capacidade de produção de álcool até o fim da década. Isso equivale a mais sete bilhões de litros anuais, com investimentos de R$25 bilhões.
- Existe uma aceleração da expansão do setor porque as perspectivas de mercado são ótimas, tanto internamente, com o advento dos veículos flexfuel, como externamente, já que, lá fora, álcool como aditivo à gasolina é uma tendência. O álcool ajuda a resolver parte dos problemas ambientais e é mais barato que o petróleo - diz Borges.
Maurílio Biagi Filho, do Grupo Biagi, observa que a produtividade no setor tem crescido a taxas de 3% a 4% nos últimos 30 anos, o que dá ao país potencial competitivo sem igual. (Ronaldo D'Ercole)
Trabalhador teme volta do proálcool
Pastoral da Terra: 35 mil sítios foram destruídos e 175 mil pessoas, expulsas
Euforia para uns, temor para outros. Enquanto os empresários aguardam com expectativa incentivos para produção e exportação de álcool, a maioria dos trabalhadores rurais de Pernambuco teme uma reedição do Proálcool. É que embora tenha gerado empregos no estado - que chegaram a 240 mil nos canaviais - o programa provocou sérios problemas sociais.
A chamada Lei do Sítio virou letra morta. Pela lei, cada família residente nos engenhos tinha direito a um pedacinho de terra no fundo da casa para cultivo de lavouras de subsistência. Com o avanço da cana - muitas chegando a poucos palmos de distância da porta dos lavradores - cerca de 35 mil sítios foram destruídos. É o que diz documento elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e entregue a entidades internacionais de defesa de direitos humanos.
- Se 35 mil sítios foram destruídos, igual número de famílias deixou o campo durante o Proálcool, o que significa que cerca de 175 mil pessoas foram expulsas da área rural da Zona da Mata e vivem hoje nas periferias - diz Marluce Melo, coordenadora regional da CPT.
Nos canaviais, há menos da metade dos trabalhadores
Coincidentemente, diz Marluce, 35 mil é o número de famílias sem terra acampadas no estado, onde a reforma agrária em toda a sua história promoveu só 12 mil assentamentos. Secretário de Política Salarial da Federação dos Trabalhadores de Agricultura e presidente da entidade nos tempos do Proálcool, José Rodrigues critica aquele programa. E teme a repetição dos problemas.
- O Proálcool piorou a situação do trabalhador, porque os sítios foram destruídos para ceder lugar à cana e eles perderam lavouras de subsistência que garantiam comida na entressafra. Agora, sem sítio, quando acaba o corte, a situação é de fome. Naquele tempo havia 240 mil pessoas trabalhando nos canaviais. Hoje esse número caiu em bem mais da metade: não passa de cem mil e na entressafra se reduz em 30%. Sem emprego, sem terra, esse povo vai comer o quê? - indaga Rodrigues.
Marluce condena:
- Pela experiência que tivemos, caso a situação se repita, podemos dizer que o álcool só é limpo do cano de escape para fora, porque socialmente é muito sujo.
Ao menos seis presidentes de sindicatos de trabalhadores rurais da Zona da Mata têm a mesma opinião, segundo depoimentos ao GLOBO. José Lourenço da Silva, de Aliança, resume o que pensam os outros:
- Esperamos que o governo tenha alguma programa melhor do que o Proálcool. Esse só foi bom para os usineiros. O trabalhador perdeu os sítios, foi expulso para as cidades e hoje vive ao Deus dará. Naquele tempo, na entressafra, o lavrador fazia um cesto de manga ou banana do sítio e enganava a fome. Hoje ele até mendiga.
'Para ter de volta um pedaço de terra'
Antônio Sérgio da Silva, de 55 anos, é um exemplo. Começou a cortar cana aos 5 anos, quando o pai morreu e passou a sustentar a mãe. Morava num engenho, mas foi para a periferia e, desde 1998, não encontra trabalho formal. Faz bicos ou corte de cana clandestino:
- Naquele tempo, além do corte de cana eu plantava macaxeira, batata, feijão. Agora, quando tenho fome, boto um anzol nas costas e vou pescar.
O mesmo ocorreu com José Nunes, de 56 anos, que mora no bairro mais pobre de Camutanga, distante 113 quilômetros de Recife. Virou sem-terra e freqüenta um acampamento do MST "para ter um pedaço de terra de volta".
Inácio Apolônio da Silva, de 28 anos, nunca ouviu falar do Proálcool, mas foi do campo para a periferia da cidade ainda criança. Trabalha como avulso, em engenhos da região, e, no último mês, conseguiu apenas oito dias de trabalho a R$10 a diária. Na semana passada, perambulava com a família por uma rodovia em Camutanga, depois de ter ido buscar inhame no roçado de uma prima. Apolônio mora em uma casa de taipa, sem luz nem água.
Ipanemão, o avião movido a álcool
A tecnologia brasileira de álcool combustível chegou, literalmente, às alturas. A Embraer entrega em março uma aeronave com motor 100% a álcool. Fabricado pela Neiva, subsidiária da empresa, o Ipanemão é o primeiro modelo do mundo produzido em escala industrial que usa o etanol como combustível.
Voltado para a aviação agrícola, o Ipanemão custa US$259 mil, um pouco mais que os US$254 mil do similar a gasolina. A economia é no combustível: o litro de álcool custa cerca de R$1,50 e a gasolina para aviação - um dos derivados de petróleo que mais encareceram em 2004 - não sai por menos de R$5. Como muitos produtores rurais são também fabricantes de álcool, a vantagem pode ser ainda maior.
O etanol usado no avião é exatamente o mesmo dos automóveis.
A Embraer espera que, a partir de março, quando sai da linha de produção o último Ipanemão a gasolina, todas as encomendas sejam para a versão a álcool. A expectativa é vender 72 aeronaves este ano. Veículo mais tradicional da aviação agrícola no Brasil, o Ipanemão ganhou o nome em homenagem à Fazenda Ipanema, do interior paulista. (Luciana Rodrigues)
O mercado mundial
Estados Univos: Está em discussão obrigar a adição de 10% de álcool na gasolina. Nos estados de Havaí, Minnesota e Califórnia, a mistura já é compulsória. lowa estuda a medida. Nova York e Connecticut proibiram o metanol - derivado de petróleo que era adicionado na gasolina - abrindo espaço para o álcool. 0 país começa a fabricar carros flexfuel.
Índia: Obriga a adição de 5% de álcool na gasolina e, este ano, a parcela sobe para 10%. É grande produtor, mas, em 2004, uma quebra de safra e a entrada em vigor da mistura levaram o país a importar do Brasil, o que deve se repetir.
Japão: Em 2004, autorizou a adição facultativa de 3% de álcool na gasolina, o que pode levar o país a importar 1,8 bilhão de litros por ano. Em janeiro, uma missão brasileira foi ao país. 0 Banco Japonês de Cooperação Internacional quer financiar a produção no Brasil.
Tailândia: É facultativa a mistura de 5% de álcool na gasolina. 0 país já produz etanol e vai importar 300 milhões do Brasil, num contrato inicial. Estão em discussão parcerias tecnológicas para fabricar álcool e automóveis flexfuel.
China: Tem um projeto piloto para a mistura de 10% de álcool na gasolina. É o terceiro maior produtor do mundo, mas para fins industriais.
Canadá: Tem como meta que pelo menos 35% da gasolina vendida no país tenham 10% de etanol até 2010. Hoje, a mistura é de 7%.
União Européia: Te, meta facultativa de que 2% do combustível sejam de origem renovável e que essa parcela chegue a 5% em 2010. A Suécia já mistura álcool na gasolina, importa do Brasil e, este ano, terá um carro flexfuel fabricado pela General Motors.
O Globo, 30/01/2005, Economia, p. 38-39
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