De Povos Indígenas no Brasil
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"Dizem que a Terra Yanomami é muito grande e tem pouco índio. Mas o ‘pouco índio’ está protegendo todo o planeta"

O xamã Davi Kopenawa destaca as ameaças à Terra Indígena Yanomami (AM/RR) e fala sobre a importância da floresta em pé aos brancos, o “povo-mercadoria”

Davi Kopenawa durante reunião da Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, 2020. Foto: Antonio Oviedo/ISA
Davi Kopenawa durante reunião da Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, 2020. Foto: Antonio Oviedo/ISA


Vou primeiro apresentar quem eu sou: não sou caboclo, sou Yanomami. Também não sou “índio”, sou Yanomami. Moro dentro da Amazônia. Sou nascido e crescido lá. Conheço tudo da floresta.

Vocês entendem minha língua? É por isso que vocês não conhecem meu povo. Não conhecem os povos indígenas no Brasil. Porque o governo não indígena, ele não se considera amigo do “índio”. E então vocês não conhecem a nossa língua, a nossa fala. Só por nome. Agora a raíz… Até hoje vocês não conhecem.

Se é problema do político, da capital, conhecem. Mas o povo da cidade — gente grande, mulher, estudante, criança — não conhece a floresta. Até gente grande não conhece a Amazônia! Amazônia real eles não conhecem. Só o nome — eles estão longe, mas todo mundo conhece o nome da Amazônia. Conhecem, mas não reconhecem a Amazônia na ponta do Brasil. Na base. As poucas pessoas que andam por aqui no Brasil, que andam pela Amazônia, que pesquisam, estudam... Eles, sim, conhecem. Mas a maioria, povo da cidade, não conhece. Um grupo que gosta de defender a natureza, que ama a alma da terra, eles conhecem. Mas outros, como deputado, senador, governador, Governo Federal... Não conhecem. Só o mapa. Tem o mapa, mas tem a realidade, com gente, com tudo. Essa eles não conhecem.

Muitos ficam de olho na Amazônia. Muita gente quer pegar, meter a mão nela e arrancar a riqueza da terra. Assim como a floresta, tem a saúde do meu povo. Vou contar para você: a saúde dos povos indígenas no Brasil, a saúde do povo yanomami e ye’kwana, está tudo contaminado. Faz tempo que estamos contaminados. Em parte, estamos protegidos com a vacina. Se não tivesse vacina, nós, povos da terra, já teríamos morrido fazia tempo. Se eu contar toda a história, acho que vocês vão ficar muito tristes. Então falo uma parte, para ficarmos juntos, defendendo a floresta amazônica.

Para mim, é muito importante divulgar os problemas da nossa terra destruída. Eu tenho uma mensagem para vocês, sobre a terra invadida. Nosso Brasil é tão grande — muito grande! — e uma pessoa só quer todo o Brasil para ficar poderoso. Para todo mundo gostar dele. Os invasores e garimpeiros não têm terra. Garimpeiro não tem emprego para plantar, cuidar dos filhos, criar os filhos. Como eles não têm emprego, eles invadem as nossas Terras Indígenas.

Os madeireiros, que gostam de desmatamento para fazer dinheiro, derrubam a floresta para vender. Ou para fazer uma mesa, fazer uma casa, fazer isso aqui [aponta para cadeira de madeira]. Outro: o fazendeiro. Os fazendeiros — um ou dois homens — querem toda a terra para eles. Só dois homens ricos [são] os fazendeiros. E os pobres ficam tomando conta das casas, dos sítios, para cuidar.

Desmatamento: quem é que está desmatando a floresta amazônica? O boi. O boi manda. Porque boi precisa se alimentar. O boi precisa de capim. Então é por isso que fazendeiro desmata a floresta amazônica. Aqui, ao redor de Brasília, está tudo pelado. Onde eu ando, estou enxergando tudo. Não tem nenhuma floresta em pé; está tudo pelado. Pouco boi [já significa] muito desmatamento. Mas outras pessoas têm muito boi. E eles continuam a desmatar. Porque boi precisa de campo grande para comer.

A mineração... O nosso povo yanomami e ye’kwana, povo indígena do Brasil, nunca viu a grande mineração. Aquela pesada, que derruba as árvores, vai empurrando tudo, tirando a pele da terra. Colocam a grande máquina para fazer buraco. Nós, povos indígenas, não conhecemos isso. Para nós índios, que não estamos preparados para aceitar a mineração em Terra Indígena, vai estragar tudo. Vai estragar nossos rios, matar peixe, poluir. Assim aumentam os problemas, as brigas. Bebida, droga, prostituição, doença… A mineração não vai trazer benefício para os povos indígenas no Brasil. E a barragem? Eles fecham a água e matam milhares de árvores. Milhares de árvores ficam podres. Árvore morre afogada porque não tem respiração.

Vocês não são índios. Vocês são napë [não yanomami, estrangeiro, "branco"], criados na cidade, criados no capital, na cidade iluminada... Cheia de ar condicionado, de água gelada. Isso é bom para vocês. É melhor para vocês. E para nós? Será que a mineração vai trazer melhoria para nós? Não. Vai trazer só problemas, morte.

Essa energia, que está aqui, vem de longe. Eles colocam lá na terra dos índios. Do Xingu... Belo Monte. Será que Belo Monte está fazendo bem para os parentes? Não. Não está ajudando não. Será que parente está feliz? Não. Eles não estão felizes não. Se nós, Yanomami e Ye’kwana, aceitarmos essa grande mineração, ela vai matar todo o meu povo. Vai matar todas as florestas.

A floresta morre, como nós. Ela não vai nascer mais, a terra vai ficar pelada. Não podemos deixar isso acontecer porque não precisa. Nós precisamos é de saúde. Saúde é número um. Não sou só eu, mas todo o povo yanomami e ye’kwana. E nós todos também. Viver bem, todos de barriga cheia, banho na água limpa... Esse que é o trabalho de qualidade. Os povos da terra precisam de saúde. Todos! Esse caminho os brancos não conseguem enxergar. Nele, não conseguem andar. Só conseguem ter olhos para o caminho sujo: destruição.

Eu conto tudo o que precisa ser protegido, preservado e respeitado. Porque para mim, desde pequeno encontrei a beleza da nossa ecologia. Eu cresci junto com ela. Cresci, fiquei grande, me criei comendo as frutas — buriti, açaí... —, peixe, caça, mel de abelha… Tudo isso vale para nós. Ajuda na nossa energia, cuida de nós. Então vamos conservar o coração da terra, vamos realmente cuidar. Não é para ficar falando mentira. Vamos cuidar como se cuida da nossa família, como se cuida das nossas crianças, dos nossos filhos. A floresta, ela é ligada a nós como irmão, como família.

A nossa Terra Yanomami (AM/RR) já está reconhecida, no Brasil e fora. A Terra Yanomami está homologada e registrada como uma criança, como criança que nasce de uma mulher. A Terra, nossa floresta, não nasceu. Ela foi criada com a natureza. A natureza se chama Omama. Vocês chamam de “Deus”. “Deus” já criou a terra bem feita. E agora? Vem o capitalista, para não querer que a floresta fique viva, em pé. Para acabar com tudo.

A nossa terra já foi homologada, registrada e assinada pelo Governo Federal, era o presidente [Fernando] Collor de Mello (1990-1992). A ONU (Organização das Nações Unidas) já reconheceu o trabalho, a luta — muita luta, bem forte mesmo! — para conseguir isso. Agora Bolsonaro quer diminuir a Terra Yanomami… A Raposa Serra do Sol (RR) também. Dizem que a Terra Yanomami é muito grande e tem pouco índio. Mas o “pouco índio” está protegendo todo o planeta. O “pouco índio” não é como o Governo. Ele é filho da floresta; o Governo não. O Governo não quer a floresta em pé, não quer água limpa. Precisa de desenvolvimento. Desenvolvimento, para ele, é só gado, salada, feijão, arroz, petróleo, luz… É o povo-mercadoria. Não podemos deixar esse povo mexer com a Terra Yanomami. Que ela seja respeitada! Porque Yanomami é gente, Yanomami sabe falar, Yanomami sabe cuidar. O povo antigo já cuidou fazia tempo. O branco chega lá, só quer arrancar a riqueza da terra para negociar com outro país.

Você tem que aprender com nós, Yanonami, awei [entendeu]? Tem gente passando fome na rua, e o homem branco não está preocupado. Só está preocupado com sua própria família, com sua mãe, seu pai. Para nós não é assim. Estamos preocupados com todos. Vocês têm que aprender com a gente. O napë demorou muito para nos ouvir… “Olha, napë, vamos cuidar nosso pulmão”. “Napë, vamos cuidar do rio, dos animais, da caça, das plantas da floresta, açaí, castanha, mel de abelha…”. Tudo isso é muito importante, já falamos. Você agora precisa passar para frente. Porque os napë estão surdos. Olham só para o brilho da terra. O brilho da floresta… Não a floresta profunda. Sem a floresta ele vai sofrer. Ele vai se arrepender.

*O depoimento acima foi coletado e editado por Victoria Franco, no dia 13 de maio de 2019, em Brasília (DF).