De Povos Indígenas no Brasil
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“A desinformação faz grande parte do racismo”

Com a intenção de combater o racismo, Cristian Wariú, do povo Xavante, criou no Youtube o canal Wariu. Com o fenômeno global dos vlogs, milhões de jovens assistem diariamente às opiniões dos influenciadores digitais. A juventude indígena ocupa a internet e as redes sociais, e com o YouTube não foi diferente. Em seus vídeos, Cristian busca, em tom didático, divulgar informações que contestam o preconceito contra os povos indígenas no Brasil.


Tseremeywa, youtuber xavante da aldeia Três Marias, da Terra Indígena Parabubure (MT), durante o Acampamento Terra Livre de 2018, em Brasília (DF). Foto: Isadora Favero/ISA, 2018. 
Tseremeywa, youtuber xavante da aldeia Três Marias, da Terra Indígena Parabubure (MT), durante o Acampamento Terra Livre de 2018, em Brasília (DF). Foto: Isadora Favero/ISA, 2018.


Meu nome é Cristian, eu sou indígena xavante, com descendência guarani. Ou seja: minha mãe é Guarani, meu pai é Xavante, mas por questões culturais e patriarcais eu sou considerado Xavante. Eu sou da Terra Indígena Parabubure, Aldeia Três Marias, perto do município de Campinápolis (MT). Eu tenho um canal com o meu nome indígena, que é Wariu. Ele é um canal proveniente de um edital do Ministério da Cultura em que eles selecionavam dezesseis canais para estar recebendo apoio e estar desenvolvendo um canal com temática cultural. E eu fui um desses selecionados, e acabei sendo até o primeiro colocado neste edital. Então assistam, ele é bem interessante... Eu falo sobre a forma errada em que o indígena é visto, e eu tento, da minha forma, estar mostrando a verdade.


ISA: Qual a importância do seu trabalho enquanto youtuber indígena - a importância de ter indígenas na internet e nas mídias?

A importância do indígena não é só no meio midiático, como em qualquer outro. É importantíssimo porque hoje o indígena busca o protagonismo, tanto nas universidades quanto na política e, hoje, na mídia, é muito importante o indígena ser dono da sua própria informação porque, até o presente momento, o que era divulgado, o que era espalhado, era uma ideia do indígena de quinhentos anos atrás. E hoje o indígena é muito diferente do indígena do passado. Hoje tem as misturas dos povos, como no meu caso tem a mistura do povo Guarani com o povo Xavante, tem a questão dos indígenas estando nas cidades, estudando, buscando realmente, como eu disse, o protagonismo. Então essa é a grande importância de estar na frente, de estar falando da sua etnia, do seu povo por você mesmo, e não esperar que outras pessoas falem.

Inclusive, [vou] até comentar um evento um pouco chato, que seria um exemplo do que vem sendo espalhado: é que teve uma informação que eu fui buscar na internet sobre minha etnia, e lá as informações estavam totalmente trocadas. No caso, tem os dois clãs xavante, e um clã representa a Lua, e o outro clã representa o sol, e lá as informações estavam trocadas, isso acabou chamando atenção de uma menina que tava fazendo uma parceria comigo no canal e falou "ó, achei essa informação, queria confirmar com você" e eu falei "não, tá errado", e provavelmente essa informação na internet foi escrita por alguém que não é indígena, então teve esse erro aí. Eu inclusive até fiquei meio assim: "será que é?". Aí e fui consultar com meu pai e não, tá errada, essa informação tá totalmente errada. É importante o indígena ser dono da sua própria informação.


ISA: No YouTube, quem vê o seu canal: somente indígenas ou tem não indígenas assistindo também? Qual você imagina que seja o alcance do seu trabalho?

O que eu tenho observado por meio das ferramentas que o YouTube oferece, como comentários, visualizações, estatísticas, é que grande parte das pessoas que me assistem são indígenas, indígenas que buscam representatividade. E outra parte são de pessoas que não são indígenas mas que têm no seu passado, na sua árvore genealógica, algum momento em que teve algum indígena ali, presente na sua genética. Eu observei por meio do meu canal que as pessoas que me assistem têm afinidade com o indígena, então acabo percebendo que o meu canal é uma casa, um espaço na internet tanto para indígenas e tanto para as pessoas que têm um apego pelo mundo indígena, e que se sentem representadas em alguma etnia ou em algum povo.


ISA: Qual recado você daria às pessoas que não te assistem? E qual recado a quem continua tendo preconceito, pensando no indígena de quinhentos anos atrás?

Falando um pouco do meu canal: no começo, quando eu comecei a produzir, eu esperava um público... não esse público que eu tenho agora — um público que realmente é fiel, que assiste aos vídeos, um público que se representa indígena ou é indígena. Eu esperava mais um público, digamos, na linguagem atual da internet, os haters. Eu esperava muito que seria grande parte esse público e acabou não sendo. Tem um público muito bom, com comentários realmente relevantes, com histórias muito interessantes.

O conteúdo que eu produzo pro canal não é um conteúdo de ataque, ele é um conteúdo informativo. No canal, eu tento mostrar o que são os povos indígenas, o que estão fazendo os povos indígenas e como eles estão agora. Então, toda vez que eu produzo um vídeo, eu sempre revejo. Ele nunca é gravado uma vez, ele é gravado até mesmo seis, sete vezes. Por conta de eu estar lá falando alguma coisa no vídeo, eu percebo uma certa entonação que talvez pareça que eu esteja atacando e eu vou lá e retiro essa parte e refaço o vídeo, para que o vídeo tenha o foco de informar e não atacar ninguém. Mas já aconteceu.

Já aconteceu de alguém chegar no meu Instagram e falar "pô, ao invés de você estar no movimento indígena você virou youtuber", meio que ali tirando sarro. Aí eu respondi "os que eu considero youtuber, eles estão ali a postos para um conteúdo relevante, um conteúdo que esteja em alta, para buscar o máximo de visualizações e, dessa forma, conseguirem a renda deles." Eu, por outro lado, tento formatar meu vídeo, formatar meu canal de forma que eu possa informar sem atacar ninguém, sem mostrar ódio nem nada porque, no meu pensamento, o ódio não leva a nada. Então esse cara que acabou comentando no meu Instagram, eu aposto que ele não viu os vídeos. Aí eu respondi dessa forma pra ele, que os youtubers procuram estar relevantes. Eu estou ali usando o meu jeito de ajudar os povos indígenas, porque, na minha visão, grande parte do preconceito é por parte da desinformação. Tanto que, durante a minha vida, várias das pessoas que eu conheci tinham ali um certo preconceito, por desconhecimento. Mas depois de conversar comigo, de terem a convivência comigo tanto na escola, curso, esses lugares que são sociais, eles têm a vontade de conhecer mais e saber mais e acham bem interessante. Então, na minha visão, a desinformação faz grande parte do racismo. E a minha forma de estar fazendo parte do movimento indígena é dessa forma:, estar comunicando a verdade.

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A entrevista acima foi registrada em 2018 durante o 15º Acampamento Terra Livre, em Brasília (DF), por Beatriz Murer, Isadora Fávero e Mario Brunoro.