From Indigenous Peoples in Brazil
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.
News
Dane-se o mundo, a vida, o planeta
04/06/2017
Autor: HARAZIM, Dorrit
Fonte: O Globo, Opinião, p. 18
Dane-se o mundo, a vida, o planeta
Departamento de Defesa já manifestou repetidas vezes considerar a degradação ambiental uma ameaça à segurança nacional
Dorrit Harazim
"O homem em si mesmo não é nada. Ele é apenas uma oportunidade infinita", escreveu Albert Camus no segundo tomo de seus Cadernos. "Mas ele é o responsável infinito por essa oportunidade."
O homem Donald Trump, no exercício da Presidência dos Estados Unidos, acaba de desperdiçar a oportunidade dele ao retirar o país do acordo climático de Paris. Não o fez por convicção, visão mundial ou ideologia, mas por despeito, ignorância, necessidade imediata ou estratégia pessoal - talvez tudo isso somado. "A necessidade de ter razão sinaliza um espírito vulgar", apontou também o mesmo Camus em outro escrito.
Não que o rompimento com o acordo assinado em 2015 por 192 países (mais a União Europeia e a Autoridade Palestina) tivesse sido uma surpresa ou traição para o eleitorado do presidente. Ao contrário, esta havia sido uma das promessas de campanha mais constantes do pacote republicano de "Tornar os Estados Unidos grande novamente".
Mas ela sempre causou menos empolgação do que bordões como "Hillary na cadeia!"ou "Construa o muro!". Uma pesquisa realizada pelas universidades de Yale e George Mason, da Virgínia, após a vitória de Trump, traduziu o mesmo sentimento. Para a maioria de eleitores em cada um dos 50 estados americanos, sem exceção, o país deveria manter sua participação no Acordo de Paris.
Vale a pena listar alguns detalhes dessa pesquisa, pois eles parecem não ter merecido atenção da Casa Branca: quase metade dos eleitores do presidente (47%) se declarou a favor da participação americana, 28% foram contra. Entre eleitores republicanos moderados/liberais (ou seja, não trumpianos), 74% foram a favor do Acordo; essa maioria salta para 61% entre independentes e 86% entre democratas. Somando-se o universo todo: sete em cada dez eleitores americanos registrados veem com simpatia a participação do país nesse esforço global de encararmos quem somos e o que fazemos com o planeta.
Trump tem excelentes motivos para desdenhar de pesquisas - afinal, chegou à Casa Branca triturando as previsões feitas por todas elas. O problema é seu entrincheiramento no poder, cercado de assessores subservientes, intimidados e/ou em disputa por sua pouca atenção.
Uma amostra da diplomacia do governo Trump foi dada na noite de quinta feira, no restaurante francês Diplomate, poucas horas após o fatídico anúncio feito pelo presidente. Numa mesa do concorrido bistrô de Washington estava Scott Pruitt, o diretor da agência que se intitula de Proteção do Meio Ambiente (EPA). Ele comemorava com um grupo de assessores a implosão do acordo global firmado em Paris. Deve ter calculado estar cutucando a França e Paris - sempre um afago infalível ao americano médio.
Quem escreveu o discurso lido por Trump também parece ter calculado o impacto da frase "Fui eleito para representar os eleitores de Pittsburgh, não os de Paris". Ela foi uma das mais aplaudidas pela claque sentada nos jardins da Casa Branca. Só se esqueceram de espiar no Google que Pittsburgh deu 75% de votos para a democrata Hillary Clinton em 2016, e que a cidade da Pensilvânia se reergue há três décadas do fundo do poço da indústria pesada. Ela embica, firme e forte, na economia de baixo carbono e já pode ser considerada a vitrine de uma mudança possível.
"Nós éramos a cidade que a China é hoje, onde a fumaça era tão espessa que a iluminação das ruas precisava ficar acesa 24 horas ininterruptas", lembrou o atual prefeito Bill Peduto, do Partido Democrata, em entrevista à CNN. Estava indignado com a ignorância da citação à cidade que comanda. "Deve ter sido a primeira cidade começando com a letra 'P' que lhes veio à mente..."
De todo modo, em menos de 24 horas, um ímpeto pró-defesa do acordo rompido pôs-se em marcha na contramão da Casa Branca. Ela tem várias facetas. Numa das frentes citadas pelo "New York Times", o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg , bilionário mais sólido do que Donald Trump, coordena um grupo que já conta com 30 prefeitos, três governadores, 80 reitores de universidades e 100 empresários para negociar diretamente com as Nações Unidas uma forma de cumprir o compromisso assumido por Barack Obama em nome dos Estados Unidos. Considerando-se que três desses estados representam um quinto da população e do PIB americanos, pouca coisa não é.
O próprio Departamento de Defesa já manifestou repetidas vezes considerar a degradação ambiental uma ameaça à segurança nacional. Uma amostra de memorandos e relatórios militares citados pela newsletter "Foreign Policy" sublinham um mesmo ponto: "A mudança climática impacta a instabilidade em regiões do mundo onde nossas tropas operam "... "Muitos países vão enfrentar convulsões geradas pelo clima, capazes de testar sua capacidade de resposta..." "Impactos gerados pelo clima também vão contribuir para aumentar a imigração, que pode ser particularmente destrutiva se, por exemplo, houver demanda de comida e abrigo que exceda os recursos disponíveis"...
Quando, sobretudo, acionistas da própria indústria petroleira começam a analisar os riscos de se opor ao Acordo de Paris e votam a favor de uma análise mais aguda de seus interesses, como foi o caso de 62% dos votantes da ExxonMobil esta semana, talvez Donald Trump também passe a olhar e ouvir um pouco o mundo fora do Salão Oval da Casa Branca.
"A partir de quando os Estados Unidos começaram a ser desconsiderados? A partir de quando começaram a rir de nós, como país?... Não queremos mais que outros lideres e outros países riam de nós, e não vai mais ser assim, não vai", garantiu o presidente em seu discurso.
Trump estava errado. Não era do país que outros se permitiam rir. Era dele.
A partir de agora, só mesmo chorando. Pelo planeta. É que poluição, carbono e degradação ambiental não respeitam fronteiras. Nem muros.
O Globo, 04/06/2017, Opinião, p. 18
https://oglobo.globo.com/opiniao/dane-se-mundo-vida-planeta-21431527
Departamento de Defesa já manifestou repetidas vezes considerar a degradação ambiental uma ameaça à segurança nacional
Dorrit Harazim
"O homem em si mesmo não é nada. Ele é apenas uma oportunidade infinita", escreveu Albert Camus no segundo tomo de seus Cadernos. "Mas ele é o responsável infinito por essa oportunidade."
O homem Donald Trump, no exercício da Presidência dos Estados Unidos, acaba de desperdiçar a oportunidade dele ao retirar o país do acordo climático de Paris. Não o fez por convicção, visão mundial ou ideologia, mas por despeito, ignorância, necessidade imediata ou estratégia pessoal - talvez tudo isso somado. "A necessidade de ter razão sinaliza um espírito vulgar", apontou também o mesmo Camus em outro escrito.
Não que o rompimento com o acordo assinado em 2015 por 192 países (mais a União Europeia e a Autoridade Palestina) tivesse sido uma surpresa ou traição para o eleitorado do presidente. Ao contrário, esta havia sido uma das promessas de campanha mais constantes do pacote republicano de "Tornar os Estados Unidos grande novamente".
Mas ela sempre causou menos empolgação do que bordões como "Hillary na cadeia!"ou "Construa o muro!". Uma pesquisa realizada pelas universidades de Yale e George Mason, da Virgínia, após a vitória de Trump, traduziu o mesmo sentimento. Para a maioria de eleitores em cada um dos 50 estados americanos, sem exceção, o país deveria manter sua participação no Acordo de Paris.
Vale a pena listar alguns detalhes dessa pesquisa, pois eles parecem não ter merecido atenção da Casa Branca: quase metade dos eleitores do presidente (47%) se declarou a favor da participação americana, 28% foram contra. Entre eleitores republicanos moderados/liberais (ou seja, não trumpianos), 74% foram a favor do Acordo; essa maioria salta para 61% entre independentes e 86% entre democratas. Somando-se o universo todo: sete em cada dez eleitores americanos registrados veem com simpatia a participação do país nesse esforço global de encararmos quem somos e o que fazemos com o planeta.
Trump tem excelentes motivos para desdenhar de pesquisas - afinal, chegou à Casa Branca triturando as previsões feitas por todas elas. O problema é seu entrincheiramento no poder, cercado de assessores subservientes, intimidados e/ou em disputa por sua pouca atenção.
Uma amostra da diplomacia do governo Trump foi dada na noite de quinta feira, no restaurante francês Diplomate, poucas horas após o fatídico anúncio feito pelo presidente. Numa mesa do concorrido bistrô de Washington estava Scott Pruitt, o diretor da agência que se intitula de Proteção do Meio Ambiente (EPA). Ele comemorava com um grupo de assessores a implosão do acordo global firmado em Paris. Deve ter calculado estar cutucando a França e Paris - sempre um afago infalível ao americano médio.
Quem escreveu o discurso lido por Trump também parece ter calculado o impacto da frase "Fui eleito para representar os eleitores de Pittsburgh, não os de Paris". Ela foi uma das mais aplaudidas pela claque sentada nos jardins da Casa Branca. Só se esqueceram de espiar no Google que Pittsburgh deu 75% de votos para a democrata Hillary Clinton em 2016, e que a cidade da Pensilvânia se reergue há três décadas do fundo do poço da indústria pesada. Ela embica, firme e forte, na economia de baixo carbono e já pode ser considerada a vitrine de uma mudança possível.
"Nós éramos a cidade que a China é hoje, onde a fumaça era tão espessa que a iluminação das ruas precisava ficar acesa 24 horas ininterruptas", lembrou o atual prefeito Bill Peduto, do Partido Democrata, em entrevista à CNN. Estava indignado com a ignorância da citação à cidade que comanda. "Deve ter sido a primeira cidade começando com a letra 'P' que lhes veio à mente..."
De todo modo, em menos de 24 horas, um ímpeto pró-defesa do acordo rompido pôs-se em marcha na contramão da Casa Branca. Ela tem várias facetas. Numa das frentes citadas pelo "New York Times", o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg , bilionário mais sólido do que Donald Trump, coordena um grupo que já conta com 30 prefeitos, três governadores, 80 reitores de universidades e 100 empresários para negociar diretamente com as Nações Unidas uma forma de cumprir o compromisso assumido por Barack Obama em nome dos Estados Unidos. Considerando-se que três desses estados representam um quinto da população e do PIB americanos, pouca coisa não é.
O próprio Departamento de Defesa já manifestou repetidas vezes considerar a degradação ambiental uma ameaça à segurança nacional. Uma amostra de memorandos e relatórios militares citados pela newsletter "Foreign Policy" sublinham um mesmo ponto: "A mudança climática impacta a instabilidade em regiões do mundo onde nossas tropas operam "... "Muitos países vão enfrentar convulsões geradas pelo clima, capazes de testar sua capacidade de resposta..." "Impactos gerados pelo clima também vão contribuir para aumentar a imigração, que pode ser particularmente destrutiva se, por exemplo, houver demanda de comida e abrigo que exceda os recursos disponíveis"...
Quando, sobretudo, acionistas da própria indústria petroleira começam a analisar os riscos de se opor ao Acordo de Paris e votam a favor de uma análise mais aguda de seus interesses, como foi o caso de 62% dos votantes da ExxonMobil esta semana, talvez Donald Trump também passe a olhar e ouvir um pouco o mundo fora do Salão Oval da Casa Branca.
"A partir de quando os Estados Unidos começaram a ser desconsiderados? A partir de quando começaram a rir de nós, como país?... Não queremos mais que outros lideres e outros países riam de nós, e não vai mais ser assim, não vai", garantiu o presidente em seu discurso.
Trump estava errado. Não era do país que outros se permitiam rir. Era dele.
A partir de agora, só mesmo chorando. Pelo planeta. É que poluição, carbono e degradação ambiental não respeitam fronteiras. Nem muros.
O Globo, 04/06/2017, Opinião, p. 18
https://oglobo.globo.com/opiniao/dane-se-mundo-vida-planeta-21431527
The news items published by the Indigenous Peoples in Brazil site are researched daily from a variety of media outlets and transcribed as presented by their original source. ISA is not responsible for the opinios expressed or errors contained in these texts. Please report any errors in the news items directly to the source