From Indigenous Peoples in Brazil
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Chimpanzé argentina ganha habeas corpus e vai para santuário em SP
06/04/2017
Fonte: FSP, Ciência+saúde, p. B7
Chimpanzé argentina ganha habeas corpus e vai para santuário em SP
Phillippe Watanabe
Às 19h18 desta quarta-feira (5), Cecilia, uma fêmea de chimpanzé argentina que vivia no zoológico de Mendoza, chegou em sua nova casa: o Santuário de Grandes Primatas, em Sorocaba (a 100 quilômetros de São Paulo).
A mudança de país não é banal. A primata é o primeiro animal não humano do mundo a usufruir na prática do direito de viver em um santuário concedido por meio de um habeas corpus.
O pedido foi feito pela ONG argentina Afada (sigla em espanhol para Associação de Funcionários e Advogados pelos Direitos dos Animais) à Justiça do país, com argumentos de que a chimpanzé é um sujeito de direito, e não um objeto, e que se encontrava em condições de cativeiro muito ruins no zoológico.
A primata vivia sozinha desde a morte de seus companheiros, os chimpanzés Xuxa (sua irmã) e Charly, nos últimos dois anos.
O "estado de saúde mental e físico [de Cecília] está profundamente deteriorado e piora dia a dia, com evidente risco de morte", afirmou Pablo Buompadre, presidente da ONG Afada, no habeas corpus.
Buompadre argumentou ainda que a chimpanzé se encontra "ilegalmente privada de sua liberdade" -já que a "prisão" não teria sido decretada por uma autoridade competente- "sendo uma clara prisioneira e escrava".
O processo correu por mais de um ano até que a juíza Maria Alejandra Maurício, de Mendoza, concedeu o pedido e determinou a transferência de Cecilia para o santuário.
"O chimpanzé não é uma coisa, não é um objeto do qual pode se dispor, como se dispõe de um automóvel", diz a juíza na decisão. "Não se trata aqui de outorgar os direitos que seres humanos possuem, mas de aceitar e entender de uma vez que esses são seres vivos sensíveis, que são sujeitos de direito e que têm direito de nascer, viver, crescer e morrer no meio que lhes é próprio segundo sua espécie."
A juíza também cita artigos da declaração universal do direito dos animais, da Unesco que dizem que a) todo animal selvagem tem o direito de viver livre em seu próprio habitat, terrestre, aéreo ou aquático, e se reproduzir, e b) todo privação de liberdade, inclusive para fins educativos, vai contra esse direito.
Considerando que não era mais possível dar um bom tratamento à chimpanzé, segundo a juíza, e que o habeas corpus é um mecanismo constitucional que garante -aparentemente agora também para primatas- o direito de ir e vir, a Justiça de Mendoza autorizou a vinda para Sorocaba, onde ela conviverá com cerca de 50 primatas.
Do ponto de vista da ONG, a opção de Cecília de vir para o santuário no Brasil não é indiscutivelmente positiva, já que o ideal seria seu habitat natural, o que não é possível. "Cativeiro é cativeiro", diz Pedro Ynterian, 77, proprietário do santuário. Contudo, ele afirma que essa é a melhor saída possível para Cecília.
Após a chegada no santuário -onde não há visitação do público nem estudos com os bichos-, a chimpanzé passará por um período de quarentena, no qual ficará em observação. "Quando ela for inserida, vamos ficar sabendo na hora. Os chimpanzés lá de baixo vão começar a avisar", diz a cuidadora Suzy Penha, 49.
Ela e Rosemar Pereira, 35, são responsáveis pela alimentação, observação e limpeza de alguns grupos de chimpanzés que habitam o local -entre eles, o casal Martim e Mônica que, curiosos com a agitação incomum na porta do santuário, por conta da espera por Cecilia, sobem ao ponto mais alto do seu recinto e observam a movimentação.
Segundo Ynterian, o processo de vinda para o Brasil só ganhou impulso com a ajuda do secretário de ambiente de Mendoza e com uma nova diretoria no zoo, que bancaram os custos da viagem. Agora, há um processo de transformação do zoológico da província em um ecoparque, no qual não são aceitos novos animais e não há visitação.
No santuário de Sorocaba há animais vindo de circos, zoológicos e também os "da casa", que nasceram no local. Após a quarentena, Cecilia poderá socializar com os animais que vivem em volta do recinto que ela ocupará. Uma dos possíveis parceiros é o simpático Billy, 15, que gosta de fazer bico com a boca e contar com os dedos.
QUEM É CECILIA
Nascimento
> 28 de junho de 1996 (20 anos de idade), no zoo- lógico de Mendoza, Argentina
Trajetória
> Passou a vida toda no zoológico onde nasceu. Nos últimos anos, viveu junto dos chimpanzés Xuxa (morta em janeiro de 2015 e Charly (morto em julho de 2014)
> Depois da morte dos companheiros, ficou muito deprimida e sua saúde começou a se deteriorar
Casa nova
> Um pedido de habeas corpus foi feito pela ONG argentina Afada à Justiça do país, com argumentos que a chimpanzé é um sujeito de direito, e não um objeto, e que se encontrava em condições de cativeiro muito ruins no zoológico
> A juíza Maria Alejandra Maurício concedeu o pedido e determinou a transferência de Cecilia para o Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba (SP). Nesta quarta (5), Cecilia chegou ao Brasil
OUTROS CASOS DE HABEAS CORPUS
EUA
> Em 2013, A ONG Non Human Rights Project apresentou-se a três tribunais do Estado de Nova York para pedir que quatro chimpanzés atualmente enjaulados pudessem ser transferidos para um santuário
> A Justiça de Nova York rejeitou o pedido para que eles fossem considerados legalmente como pessoas e amparados pelos direitos humanos
BRASIL
> A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio negou o pedi- do de habeas corpus para o chimpanzé Jimmy, do Zoonit (jardim zoológico de Niterói)
> Em 2005, a chimpanzé Suíça, que vivia no Jardim Zoológico de Salvador, mor- reu antes que seu pedido de habeas corpus fosse julgado
Decisão é fruto de décadas de articulação política internacional
Reinaldo José Lopes
A decisão judicial em favor da fêmea de chimpanzé Cecilia é fruto de décadas de articulação política internacional. Em última instância, o objetivo dessa aliança entre primatologistas, filósofos, advogados e ativistas é que as nações da Terra adotem uma espécie de "Declaração Universal dos Direitos Não Humanos", segundo a qual os parentes mais próximos do Homo sapiens (e talvez outros animais também) deixem de ser classificados legalmente como coisas e passem a ser vistos como pessoas.
O primeiro grande marco desse plano veio em 1993, com a criação do GAP (sigla inglesa de "Projeto Grandes Macacos"). Capitaneado pelo filósofo australiano Peter Singer e por sua colega italiana Paola Cavalieri, o GAP recebeu ainda a adesão da mais célebre especialista em chimpanzés do mundo, a britânica Jane Goodall, e de um conterrâneo ainda mais famoso dela, o biólogo Richard Dawkins. O braço brasileiro do GAP é responsável pelo santuário de Sorocaba.
Lançando mão de décadas de descobertas científicas de peso sobre os grandes macacos, os membros do GAP e de outros grupos ativistas argumentam que chimpanzés, orangotangos e gorilas possuem várias das características mentais tradicionalmente usadas para descrever a "pessoalidade" supostamente única dos seres humanos.
Entre esses atributos estão a consciência de si próprio (associada à capacidade de se reconhecer no espelho, coisa muito rara no resto do reino animal), o planejamento de ações futuras e a complexidade cultural e social.
A consequência lógica do reconhecimento dessas características nos bichos seria conceder a eles ao menos alguns direitos básicos: o direito à vida, o direito à liberdade e o direito de não ter sua integridade física violada.
Concessões de habeas corpus -ou seja, a garantia de liberdade diante de uma prisão considerada ilegal- são bem mais raras porque dão a entender que o primata seria um indivíduo com status legal semelhante ao de um humano, o que nenhuma legislação do planeta chegou a determinar com todas as letras.
A Argentina tem sido pioneira nesse ponto: em 2014, a fêmea de orangotango Sandra foi beneficiada por uma decisão judicial muito semelhante à que se refere a Cecilia. Nos EUA, por outro lado, diversas ações tentaram obter habeas corpus para os chimpanzés Tommy e Kiko desde 2015, sem sucesso por enquanto.
Os grandes macacos são o alvo mais frequente dessas iniciativas, mas outros animais inteligentes e de vida social complexa, como elefantes, baleias e golfinhos, têm sido colocados em patamar muito semelhante pelos especialistas. O fluxo constante de novas descobertas sobre a inteligência animal tem tudo para ampliar cada vez mais essa lista.
FSP, 06/04/2017, Ciência+saúde, p. B7
http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/04/1873048-chimpanze-argentina-ganha-habeas-corpus-e-vai-para-santuario-em-sp.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/04/1873046-habeas-corpus-de-primata-e-fruto-de-decadas-de-articulacao-politica.shtml
Phillippe Watanabe
Às 19h18 desta quarta-feira (5), Cecilia, uma fêmea de chimpanzé argentina que vivia no zoológico de Mendoza, chegou em sua nova casa: o Santuário de Grandes Primatas, em Sorocaba (a 100 quilômetros de São Paulo).
A mudança de país não é banal. A primata é o primeiro animal não humano do mundo a usufruir na prática do direito de viver em um santuário concedido por meio de um habeas corpus.
O pedido foi feito pela ONG argentina Afada (sigla em espanhol para Associação de Funcionários e Advogados pelos Direitos dos Animais) à Justiça do país, com argumentos de que a chimpanzé é um sujeito de direito, e não um objeto, e que se encontrava em condições de cativeiro muito ruins no zoológico.
A primata vivia sozinha desde a morte de seus companheiros, os chimpanzés Xuxa (sua irmã) e Charly, nos últimos dois anos.
O "estado de saúde mental e físico [de Cecília] está profundamente deteriorado e piora dia a dia, com evidente risco de morte", afirmou Pablo Buompadre, presidente da ONG Afada, no habeas corpus.
Buompadre argumentou ainda que a chimpanzé se encontra "ilegalmente privada de sua liberdade" -já que a "prisão" não teria sido decretada por uma autoridade competente- "sendo uma clara prisioneira e escrava".
O processo correu por mais de um ano até que a juíza Maria Alejandra Maurício, de Mendoza, concedeu o pedido e determinou a transferência de Cecilia para o santuário.
"O chimpanzé não é uma coisa, não é um objeto do qual pode se dispor, como se dispõe de um automóvel", diz a juíza na decisão. "Não se trata aqui de outorgar os direitos que seres humanos possuem, mas de aceitar e entender de uma vez que esses são seres vivos sensíveis, que são sujeitos de direito e que têm direito de nascer, viver, crescer e morrer no meio que lhes é próprio segundo sua espécie."
A juíza também cita artigos da declaração universal do direito dos animais, da Unesco que dizem que a) todo animal selvagem tem o direito de viver livre em seu próprio habitat, terrestre, aéreo ou aquático, e se reproduzir, e b) todo privação de liberdade, inclusive para fins educativos, vai contra esse direito.
Considerando que não era mais possível dar um bom tratamento à chimpanzé, segundo a juíza, e que o habeas corpus é um mecanismo constitucional que garante -aparentemente agora também para primatas- o direito de ir e vir, a Justiça de Mendoza autorizou a vinda para Sorocaba, onde ela conviverá com cerca de 50 primatas.
Do ponto de vista da ONG, a opção de Cecília de vir para o santuário no Brasil não é indiscutivelmente positiva, já que o ideal seria seu habitat natural, o que não é possível. "Cativeiro é cativeiro", diz Pedro Ynterian, 77, proprietário do santuário. Contudo, ele afirma que essa é a melhor saída possível para Cecília.
Após a chegada no santuário -onde não há visitação do público nem estudos com os bichos-, a chimpanzé passará por um período de quarentena, no qual ficará em observação. "Quando ela for inserida, vamos ficar sabendo na hora. Os chimpanzés lá de baixo vão começar a avisar", diz a cuidadora Suzy Penha, 49.
Ela e Rosemar Pereira, 35, são responsáveis pela alimentação, observação e limpeza de alguns grupos de chimpanzés que habitam o local -entre eles, o casal Martim e Mônica que, curiosos com a agitação incomum na porta do santuário, por conta da espera por Cecilia, sobem ao ponto mais alto do seu recinto e observam a movimentação.
Segundo Ynterian, o processo de vinda para o Brasil só ganhou impulso com a ajuda do secretário de ambiente de Mendoza e com uma nova diretoria no zoo, que bancaram os custos da viagem. Agora, há um processo de transformação do zoológico da província em um ecoparque, no qual não são aceitos novos animais e não há visitação.
No santuário de Sorocaba há animais vindo de circos, zoológicos e também os "da casa", que nasceram no local. Após a quarentena, Cecilia poderá socializar com os animais que vivem em volta do recinto que ela ocupará. Uma dos possíveis parceiros é o simpático Billy, 15, que gosta de fazer bico com a boca e contar com os dedos.
QUEM É CECILIA
Nascimento
> 28 de junho de 1996 (20 anos de idade), no zoo- lógico de Mendoza, Argentina
Trajetória
> Passou a vida toda no zoológico onde nasceu. Nos últimos anos, viveu junto dos chimpanzés Xuxa (morta em janeiro de 2015 e Charly (morto em julho de 2014)
> Depois da morte dos companheiros, ficou muito deprimida e sua saúde começou a se deteriorar
Casa nova
> Um pedido de habeas corpus foi feito pela ONG argentina Afada à Justiça do país, com argumentos que a chimpanzé é um sujeito de direito, e não um objeto, e que se encontrava em condições de cativeiro muito ruins no zoológico
> A juíza Maria Alejandra Maurício concedeu o pedido e determinou a transferência de Cecilia para o Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba (SP). Nesta quarta (5), Cecilia chegou ao Brasil
OUTROS CASOS DE HABEAS CORPUS
EUA
> Em 2013, A ONG Non Human Rights Project apresentou-se a três tribunais do Estado de Nova York para pedir que quatro chimpanzés atualmente enjaulados pudessem ser transferidos para um santuário
> A Justiça de Nova York rejeitou o pedido para que eles fossem considerados legalmente como pessoas e amparados pelos direitos humanos
BRASIL
> A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio negou o pedi- do de habeas corpus para o chimpanzé Jimmy, do Zoonit (jardim zoológico de Niterói)
> Em 2005, a chimpanzé Suíça, que vivia no Jardim Zoológico de Salvador, mor- reu antes que seu pedido de habeas corpus fosse julgado
Decisão é fruto de décadas de articulação política internacional
Reinaldo José Lopes
A decisão judicial em favor da fêmea de chimpanzé Cecilia é fruto de décadas de articulação política internacional. Em última instância, o objetivo dessa aliança entre primatologistas, filósofos, advogados e ativistas é que as nações da Terra adotem uma espécie de "Declaração Universal dos Direitos Não Humanos", segundo a qual os parentes mais próximos do Homo sapiens (e talvez outros animais também) deixem de ser classificados legalmente como coisas e passem a ser vistos como pessoas.
O primeiro grande marco desse plano veio em 1993, com a criação do GAP (sigla inglesa de "Projeto Grandes Macacos"). Capitaneado pelo filósofo australiano Peter Singer e por sua colega italiana Paola Cavalieri, o GAP recebeu ainda a adesão da mais célebre especialista em chimpanzés do mundo, a britânica Jane Goodall, e de um conterrâneo ainda mais famoso dela, o biólogo Richard Dawkins. O braço brasileiro do GAP é responsável pelo santuário de Sorocaba.
Lançando mão de décadas de descobertas científicas de peso sobre os grandes macacos, os membros do GAP e de outros grupos ativistas argumentam que chimpanzés, orangotangos e gorilas possuem várias das características mentais tradicionalmente usadas para descrever a "pessoalidade" supostamente única dos seres humanos.
Entre esses atributos estão a consciência de si próprio (associada à capacidade de se reconhecer no espelho, coisa muito rara no resto do reino animal), o planejamento de ações futuras e a complexidade cultural e social.
A consequência lógica do reconhecimento dessas características nos bichos seria conceder a eles ao menos alguns direitos básicos: o direito à vida, o direito à liberdade e o direito de não ter sua integridade física violada.
Concessões de habeas corpus -ou seja, a garantia de liberdade diante de uma prisão considerada ilegal- são bem mais raras porque dão a entender que o primata seria um indivíduo com status legal semelhante ao de um humano, o que nenhuma legislação do planeta chegou a determinar com todas as letras.
A Argentina tem sido pioneira nesse ponto: em 2014, a fêmea de orangotango Sandra foi beneficiada por uma decisão judicial muito semelhante à que se refere a Cecilia. Nos EUA, por outro lado, diversas ações tentaram obter habeas corpus para os chimpanzés Tommy e Kiko desde 2015, sem sucesso por enquanto.
Os grandes macacos são o alvo mais frequente dessas iniciativas, mas outros animais inteligentes e de vida social complexa, como elefantes, baleias e golfinhos, têm sido colocados em patamar muito semelhante pelos especialistas. O fluxo constante de novas descobertas sobre a inteligência animal tem tudo para ampliar cada vez mais essa lista.
FSP, 06/04/2017, Ciência+saúde, p. B7
http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/04/1873048-chimpanze-argentina-ganha-habeas-corpus-e-vai-para-santuario-em-sp.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/04/1873046-habeas-corpus-de-primata-e-fruto-de-decadas-de-articulacao-politica.shtml
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