From Indigenous Peoples in Brazil
News
De volta ao clube dos grandes do diamante
19/02/2017
Fonte: O Globo, Economia, p. 27-28
De volta ao clube dos grandes do diamante
Descoberta na Bahia estimula corrida pelo mineral. País pode subir a 11o lugar no ranking
"O país tem chance de voltar a figurar entre os líderes da produção global" Joe Burke Diretor de Marketing da Five Star
DANIELLE NOGUEIRA
danielle.nogueira@oglobo.com.br
RIO - Após a descoberta na cidade de Nordestina, no interior da Bahia, de uma reserva de diamante capaz de multiplicar a produção nacional da pedra preciosa numa escala superior a dez vezes, o país voltou a ficar na mira de investidores. Ao menos três empresas estão prospectando a pedra preciosa no país - na Bahia, em Goiás e em Minas Gerais - num movimento que deve colocar o Brasil de volta no mapa mundial dos diamantes. Um mercado seleto, com apenas 21 nações produtoras e que em 2015 movimentou US$ 13 bilhões.
O Brasil já liderou a produção global de diamante no século XVIII e, hoje, representa ínfimo 0,02% desse mercado, ocupando a 19ª posição do ranking, capitaneado pelos russos. Considerando o pico de produção na mina de Nordestina, em 2020, estimado em 400 mil quilates, o Brasil será alçado ao 11o lugar, mantida estável a produção dos demais países. Em 2015, foram produzidos 127,4 milhões de quilates de diamantes no mundo.
Paralelamente à chegada de novos investidores, está em fase final de revisão um levantamento do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão do governo federal, com áreas potenciais para exploração de diamantes.
O projeto Diamante Brasil identificou 1.344 dos chamados corpos kimberlíticos e rochas associadas, reunidos em 23 campos. É nessas áreas de nome esquisito que se encontra o diamante primário, incrustado em rochas e cuja produtividade é bem maior que a do diamante secundário, geralmente encontrado nos rios.
É sobre esse mapa da mina que as empresas estão se debruçando atrás de novas jazidas. Uma atividade cara e de risco. Estima-se que apenas 1% dos corpos kimberlíticos tenha diamantes economicamente viáveis. No mundo, pouco mais de 20 jazidas de kimberlíticos estão em produção. Até ano passado, o Brasil estava fora dessa estatística. Produzia somente diamantes secundários, muito explorados por cooperativas de garimpeiros.
A descoberta de Nordestina mudou o cenário. Em meados de 2016, deu-se início a primeira produção comercial de diamante primário no Brasil. Liderada pela belga Lipari, a produção deve alcançar este ano 220 mil quilates - em 2015, último dado fechado, a produção nacional havia sido de 31 mil quilates.
Segundo o canadense Ken Johnson, presidente da empresa, as terras onde a Lipari prospecta diamantes foram adquiridas da sul-africana De Beers, em 2005. Desde então, foram investidos R$ 214 milhões. A produção será exportada.
- O trabalho na mina é de 24 horas por dia. Temos 270 funcionários e devemos chegar a 290 empregados no fim do ano. E isso é só o começo. Estamos olhando outras áreas em Rondônia e Minas Gerais - diz Johnson.
DESCOMPASSO ENTRE OFERTA E DEMANDA
O diamante é feito de carbono e é formado na base da crosta terrestre, a pelo menos 150 quilômetros de profundidade. Para que se forme, é necessário que esteja em ambiente estável, com elevadíssimas temperaturas e determinadas condições de pressão. Com a movimentação no interior da Terra, há liberação de energia. O magma, então, busca uma válvula de escape e aproveita falhas geológicas para chegar à superfície. O diamante "pega carona" no magma.
- Quando esse percurso é feito em poucas horas ou poucos dias, o que é bastante raro, o diamante é preservado. Caso contrário, desestabiliza-se e vira grafite - explica a geóloga Lys Cunha, uma das chefes do projeto Diamante Brasil.
Ao chegar à superfície, o magma se solidifica e forma as chamadas rochas kimberlíticas. O diamante primário fica incrustado nessas rochas. Com o passar do tempo, as rochas sofrem processo de erosão e o diamante acaba sendo carregado para outras áreas, alojando-se ao longo de rios. Nesse caso, passa a ser chamado de diamante secundário. Segundo empresários e especialistas, não há diferença de qualidade entre eles. O que muda são os meios de extração empregados e a sua produtividade.
- O diamante secundário tem uma produção errática, pois fica mais espalhado. Além disso, não se costuma cavar mais de 15 metros a 20 metros de profundidade para encontrá-lo. Já o diamante primário fica mais concentrado. No processo de extração, pode-se perfurar de 200 metros a 300 metros de profundidade, o que exige uma produção bastante mecanizada e investimento bem maior. O volume de produção também é muito superior - explicou Francisco Ribeiro, sócio da Gar Mineração. - Por isso, temos a oportunidade de voltar a ocupar posição de destaque no ranking global.
A empresa, de capital nacional, atua há 60 anos no Brasil e hoje produz cerca de 3.600 quilates a 4.800 quilates por ano de diamante secundário no Triângulo Mineiro. Agora se prepara para estrear na produção de primário. Segundo Ribeiro, a companhia está em fase de qualificação das reservas, também em Minas Gerais. E a estimativa para iniciar a produção é de um a dois anos.
A história do diamante no Brasil remonta ao século XVIII. Não se sabe ao certo quando houve a primeira descoberta, mas historiadores apontam o ano de 1729 como o que o então governador da capitania de Minas Gerais, Dom Lourenço de Almeida, oficializou a existência das minas à metrópole. Até então, as descobertas da pedra preciosa corriam à boca pequena e enriqueciam quem se aventurava na clandestinidade.
Com a Coroa ciente, a produção no então Arraial do Tijuco (atual Diamantina, Minas Gerais) ganhou novo impulso e o Brasil assumiu a liderança mundial do diamante, desbancando a Índia. Durante quase 150 anos, manteve a dianteira. Em 1867, a descoberta de um diamante nos arredores de Kimberley, na África do Sul, levou a uma corrida pela pedra preciosa no país. O Brasil, então, perdeu a hegemonia e está hoje na lanterna da produção global, à frente apenas de Costa do Marfim e Camarões.
NOS EUA, PEÇA ESSENCIAL DO NOIVADO
Desde 2010, a produção mundial está estacionada na faixa dos 130 milhões de quilates. Recente relatório da consultoria Bain&Company, porém, estima que a demanda vai crescer a um ritmo de 2% a 5% ao ano até 2030, embalada pelo consumo da classe média americana e chinesa. Cobiçado por casais apaixonados, o diamante brilha com frequência em joias que os maridos americanos dão a suas esposas. Pesquisa mostra que 71% dos americanos nascidos entre os anos 1980 e 2000 consideram o diamante um elemento essencial do anel de noivado.
A oferta de diamantes, no entanto, não deve acompanhar a retomada do consumo. A consultoria projeta queda de 1% a 2% por ano na produção da pedra até 2030, devido ao esgotamento das minas. É nesse desequilíbrio que está a oportunidade para o Brasil voltar ao clube.
- O Brasil, de alguma forma, foi ignorado pelos maiores produtores e a oportunidade de identificar e desenvolver novas minas é única. Em uma recente viagem a Antuérpia, houve empolgação quanto à qualidade dos diamantes brasileiros. O país tem chance de voltar a figurar entre os líderes da produção global de novo - diz Joe Burke, diretor de Marketing da Five Star Diamond.
A empresa foi fundada por um geólogo australiano, que se associou a investidores estrangeiros e a um advogado brasileiro. Juntos, compraram áreas em diferentes regiões no Brasil para prospectar diamante. Segundo Burke, em 15 dos cerca de cem corpos kimberlíticos que a companhia tem no portfólio há grande chance de ocorrência de diamante. A Five Star já levantou US$ 7 milhões com investidores e se prepara para listar a empresa no mercado de capitais canadense. A produção no Brasil deve começar em Goiás, onde o projeto está mais avançado, no fim do ano.
BUROCRACIA E FALTA DE SEGURANÇA
A ausência de guerras civis e religiosas no Brasil é apontada por fontes do setor como um atrativo. A exploração da pedra preciosa sempre levantou polêmica porque costumava ser usada para financiar conflitos civis na África. Com o filme "Diamante de sangue", estrelado por Leonardo DiCaprio em 2006, a crueldade das guerras e a associação à produção do diamante se tornaram mundialmente conhecidos.
O diamante produzido legalmente no Brasil e em outros países, no entanto, segue o processo de certificação Kimberley, espécie de atestado de origem criado justamente para inibir o comércio ilegal. A burocracia no país para emitir os certificados, no entanto, é uma trava na expansão do mercado, alertam empresários. Antes de ser exportado, o diamante precisa ser pesado, medido e analisado. Isso é feito por um funcionário do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) em uma unidade regional do órgão.
Como o certificado precisa da assinatura do diretor-geral do DNPM e o sistema não é informatizado, ele é enviado por Sedex até Brasília, sede da instituição, e retorna ao produtor igualmente pelo correio. O processo leva de dez a 15 dias, segundo João da Gomeia Silva, da coordenação de ordenamento e extração mineral do DNPM.
Durante esse período, os diamantes ficam em cofres das próprias empresas produtoras ou de seguradoras, trazendo risco à segurança das companhias e dos funcionários. Mês passado, a Lipari foi invadida e teve parte de sua produção roubada. Se depender da agilidade do poder público, as mineradoras continuarão vulneráveis.
- O DNPM está na era digital. Até 2018, a ideia é eliminar o papel - diz Silva.
Alíquota baixa de royalty é desafio para cidades produtoras de diamantes
Municípios recebem 0,2% da receita líquida sobre a venda da pedra preciosa
Danielle Nogueira
RIO - Raro na natureza, o diamante pode ser negociado a centenas de dólares por quilate, impulsionando as exportações dos países produtores. Pouco dessa riqueza, porém, fica nos municípios. A alíquota da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (Cfem), o royalty da mineração, é de apenas 0,2% para as pedras preciosas, a mais baixa de todos os minerais. Um desafio para as cidades produtoras, que têm de lidar com a enxurrada de pessoas em busca de trabalho ou do próprio diamante, e a pressão por serviços públicos.
Um caso exemplar de como o dinheiro movimentado pela atividade não é garantia de vida melhor para os moradores é o de Juína, no Mato Grosso. Lá, o garimpo teve seu auge entre 1988 e 1993. Os diamantes eram vendidos nas praças. A produção era tal que a cidade ficou conhecida por abrigar a Bolsa de Diamantes do Brasil, numa época em que o mercado ilegal corria solto.
SEVIÇOS PÚBLICOS SOB PRESÃO
Passados mais de 20 anos do boom da atividade em Juína, a cidade ainda exibe baixos indicadores socioeconômicos. Segundo dados do IBGE, o PIB per capita de Juína era de R$ 19.667 em 2014 (último dado disponível), bem abaixo da média nacional, de R$ 28.498,21. E apenas 7,88% das residências tinham fossa ou estavam ligadas ao sistema de coleta de esgoto em 2010, pelos dados do Censo. O índice nacional era de 67% na época.
- A infraestrutura não acompanhou a expansão da cidade. A contribuição para a arrecadação municipal é irrisória. O ganho para as cidades está na geração de emprego, que é temporária, e na movimentação do comércio local - diz o prefeito de Juína, Altir Peruzzo (PT).
A alíquota da Cfem incide sobre a receita líquida com a venda dos diamantes, descontando-se despesas com outros tributos, transporte e seguro. O município fica com 65% do total. O restante é distribuído entre União e estado produtor. Apesar de ter uma fatia maior, o impacto na receita municipal é muito pequeno.
Segundo Peruzzo, a exploração de diamantes chegou a empregar cerca de 3 mil trabalhadores nos tempos áureos. Hoje, são 300 a 400 pessoas, para uma população estimada em 39.734 habitantes em 2016, no cálculo do IBGE.
O descompasso no ritmo da elevação da arrecadação e o aumento da demanda pelos serviços públicos é uma característica da atividade mineradora, lembra Bruno Milanez, um dos coordenadores do Núcleo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas) da Universidade Federal de Juiz de Fora:
- Tem aquele primeiro momento da expansão dos projetos, que cria demandas sociais. Mas o impacto sobre a receita das cidades vem apenas no futuro.
No aspecto ambiental, a exploração de diamantes provoca menos danos que a de outros minerais, como ouro, em que são usados químicos na produção.
- O impacto é físico, especialmente na produção de diamante primário, pois abre-se uma cratera no solo - diz Jurger Schnellrath, do Laboratório de Pesquisas Gemológicas do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem).
A revisão do Código Mineral, proposta no governo Dilma Rousseff, previa o aumento das alíquotas da Cfem, o que daria mais fôlego financeiro às prefeituras. A discussão, porém, está parada. Segundo Bruno Feigelson, do Lima Feigelson Advogados, a tendência é que a proposta original seja fatiada e que a Cfem seja tratada em decreto ou projeto de lei em separado.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia informou estar "em estudo e em fase de efetivação" uma série de ações para revitalizar a atividade mineral, incluindo as regras do Código Mineral, "que poderão ser separadas em temas relacionados".
No Brasil Colônia, o diamante era explorado por contrato
Naquela época, Coroa de Portugal recebia impostos da atividade
Danielle Nogueira
RIO - No Brasil Colônia, a descoberta de diamante na primeira metade do século XVIII levou a uma produção desordenada, que inundou o mercado mundial com a pedra, derrubando os preços. A Coroa Portuguesa tratou de limitar a exploração da riqueza, instituindo a figura do contratador, aquele que detinha direito de explorar o mineral.
Cada contratador podia empregar até 600 escravos na sua área de exploração e pagava à coroa um determinado valor por escravo, além dos impostos sobre a produção.
- Os contratadores tinham a função de fiscalizar e evitar os contrabandos. Mas acabavam desviando esses rendimentos e constituindo verdadeiras fortunas - lembra a historiadora Ana Rosa Cloclet da Silva, da PUC-Campinas.
Hoje, o diamante é explorado por meio de cooperativas de garimpeiros ou por empresas que empregam mão de obra assalariada. Para ter direito a explorar uma jazida, é preciso fazer um requerimento de lavra no Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), que atende aos pedidos por ordem de prioridade. Quem protocola primeiro leva.
Memória
Garimpo ilegal afeta Cinta Larga
Danielle Nogueira
Os novos investimentos na área de diamantes têm certificação, mas o garimpo ilegal continua no Brasil e afeta diretamente o povo Cinta Larga, etnia indígena com quase 2 mil habitantes, cujas terras ficam entre Rondônia e Mato Grosso. Desde o auge do conflito entre garimpeiros e índios em 2004, nada mudou, segundo o procurador Reginaldo Trindade, que fica em Rondônia e é responsável por acompanhar as questões envolvendo a etnia.
O garimpo ilegal em terras dos Cinta Larga começou por volta do ano 2000 e jamais foi contido. Em 2004, o conflito entre garimpeiros e índios provocou dezenas de mortes. No garimpo de Lajes, principal foco, há uma cratera de 11 quilômetros próxima a uma área de igarapé. Somam-se ao dano ambiental os prejuízos à cultura e à saúde dos índios, que, ao entrarem em contato com o homem branco, são contaminados por doenças antes inexistentes na região.
Embora a maioria dos Cinta Larga seja contrária à atividade, Trindade estima que cerca de 20 líderes indígenas estejam envolvidos na mineração clandestina. Para persuadir a aldeia a aceitar o garimpo na reserva, pessoas envolvidas no contrabando agem como um poder paralelo, custeando remédios e outras necessidades dos Cinta Larga.
- É um diamante sujo, diamante de sangue. O governo é omisso e só assiste à degradação da etnia. São poucos os recursos para medidas protetoras - afirma Trindade.
De acordo com a Funai, em 2016, foram destinados à Coordenação Regional de Cacoal (RO) R$ 202 mil para atender uma população de quase 3 mil índios, incluindo os Cinta Larga. Os recursos são para apoio a atividades agropastoris, extração de castanha e piscicultura. A Funai frisa que seu orçamento para atendimento a terras indígenas sofreu corte de 33%.
Para o procurador, a única forma de acabar com o garimpo ilegal em terras indígenas é regulamentar a atividade. Procurado, o Ministério de Minas e Energia informou não ter o assunto em pauta e que a mineração em terras indígenas é "ilegal e coibida por ações da Polícia Federal, sob acompanhamento de Funai, Ibama e Departamento Nacional de Pesquisa Mineral".
O Globo, 19/02/2017, Economia, p. 27-28
http://oglobo.globo.com/economia/brasil-pode-chegar-ao-11-lugar-em-producao-de-diamantes-20948551
http://oglobo.globo.com/economia/aliquota-baixa-de-royalty-desafio-para-cidades-produtoras-de-diamantes-20948583
http://oglobo.globo.com/economia/no-brasil-colonia-diamante-era-explorado-por-contrato-20948723
http://oglobo.globo.com/economia/garimpo-ilegal-de-diamante-afeta-povo-cinta-larga-20948752
Descoberta na Bahia estimula corrida pelo mineral. País pode subir a 11o lugar no ranking
"O país tem chance de voltar a figurar entre os líderes da produção global" Joe Burke Diretor de Marketing da Five Star
DANIELLE NOGUEIRA
danielle.nogueira@oglobo.com.br
RIO - Após a descoberta na cidade de Nordestina, no interior da Bahia, de uma reserva de diamante capaz de multiplicar a produção nacional da pedra preciosa numa escala superior a dez vezes, o país voltou a ficar na mira de investidores. Ao menos três empresas estão prospectando a pedra preciosa no país - na Bahia, em Goiás e em Minas Gerais - num movimento que deve colocar o Brasil de volta no mapa mundial dos diamantes. Um mercado seleto, com apenas 21 nações produtoras e que em 2015 movimentou US$ 13 bilhões.
O Brasil já liderou a produção global de diamante no século XVIII e, hoje, representa ínfimo 0,02% desse mercado, ocupando a 19ª posição do ranking, capitaneado pelos russos. Considerando o pico de produção na mina de Nordestina, em 2020, estimado em 400 mil quilates, o Brasil será alçado ao 11o lugar, mantida estável a produção dos demais países. Em 2015, foram produzidos 127,4 milhões de quilates de diamantes no mundo.
Paralelamente à chegada de novos investidores, está em fase final de revisão um levantamento do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão do governo federal, com áreas potenciais para exploração de diamantes.
O projeto Diamante Brasil identificou 1.344 dos chamados corpos kimberlíticos e rochas associadas, reunidos em 23 campos. É nessas áreas de nome esquisito que se encontra o diamante primário, incrustado em rochas e cuja produtividade é bem maior que a do diamante secundário, geralmente encontrado nos rios.
É sobre esse mapa da mina que as empresas estão se debruçando atrás de novas jazidas. Uma atividade cara e de risco. Estima-se que apenas 1% dos corpos kimberlíticos tenha diamantes economicamente viáveis. No mundo, pouco mais de 20 jazidas de kimberlíticos estão em produção. Até ano passado, o Brasil estava fora dessa estatística. Produzia somente diamantes secundários, muito explorados por cooperativas de garimpeiros.
A descoberta de Nordestina mudou o cenário. Em meados de 2016, deu-se início a primeira produção comercial de diamante primário no Brasil. Liderada pela belga Lipari, a produção deve alcançar este ano 220 mil quilates - em 2015, último dado fechado, a produção nacional havia sido de 31 mil quilates.
Segundo o canadense Ken Johnson, presidente da empresa, as terras onde a Lipari prospecta diamantes foram adquiridas da sul-africana De Beers, em 2005. Desde então, foram investidos R$ 214 milhões. A produção será exportada.
- O trabalho na mina é de 24 horas por dia. Temos 270 funcionários e devemos chegar a 290 empregados no fim do ano. E isso é só o começo. Estamos olhando outras áreas em Rondônia e Minas Gerais - diz Johnson.
DESCOMPASSO ENTRE OFERTA E DEMANDA
O diamante é feito de carbono e é formado na base da crosta terrestre, a pelo menos 150 quilômetros de profundidade. Para que se forme, é necessário que esteja em ambiente estável, com elevadíssimas temperaturas e determinadas condições de pressão. Com a movimentação no interior da Terra, há liberação de energia. O magma, então, busca uma válvula de escape e aproveita falhas geológicas para chegar à superfície. O diamante "pega carona" no magma.
- Quando esse percurso é feito em poucas horas ou poucos dias, o que é bastante raro, o diamante é preservado. Caso contrário, desestabiliza-se e vira grafite - explica a geóloga Lys Cunha, uma das chefes do projeto Diamante Brasil.
Ao chegar à superfície, o magma se solidifica e forma as chamadas rochas kimberlíticas. O diamante primário fica incrustado nessas rochas. Com o passar do tempo, as rochas sofrem processo de erosão e o diamante acaba sendo carregado para outras áreas, alojando-se ao longo de rios. Nesse caso, passa a ser chamado de diamante secundário. Segundo empresários e especialistas, não há diferença de qualidade entre eles. O que muda são os meios de extração empregados e a sua produtividade.
- O diamante secundário tem uma produção errática, pois fica mais espalhado. Além disso, não se costuma cavar mais de 15 metros a 20 metros de profundidade para encontrá-lo. Já o diamante primário fica mais concentrado. No processo de extração, pode-se perfurar de 200 metros a 300 metros de profundidade, o que exige uma produção bastante mecanizada e investimento bem maior. O volume de produção também é muito superior - explicou Francisco Ribeiro, sócio da Gar Mineração. - Por isso, temos a oportunidade de voltar a ocupar posição de destaque no ranking global.
A empresa, de capital nacional, atua há 60 anos no Brasil e hoje produz cerca de 3.600 quilates a 4.800 quilates por ano de diamante secundário no Triângulo Mineiro. Agora se prepara para estrear na produção de primário. Segundo Ribeiro, a companhia está em fase de qualificação das reservas, também em Minas Gerais. E a estimativa para iniciar a produção é de um a dois anos.
A história do diamante no Brasil remonta ao século XVIII. Não se sabe ao certo quando houve a primeira descoberta, mas historiadores apontam o ano de 1729 como o que o então governador da capitania de Minas Gerais, Dom Lourenço de Almeida, oficializou a existência das minas à metrópole. Até então, as descobertas da pedra preciosa corriam à boca pequena e enriqueciam quem se aventurava na clandestinidade.
Com a Coroa ciente, a produção no então Arraial do Tijuco (atual Diamantina, Minas Gerais) ganhou novo impulso e o Brasil assumiu a liderança mundial do diamante, desbancando a Índia. Durante quase 150 anos, manteve a dianteira. Em 1867, a descoberta de um diamante nos arredores de Kimberley, na África do Sul, levou a uma corrida pela pedra preciosa no país. O Brasil, então, perdeu a hegemonia e está hoje na lanterna da produção global, à frente apenas de Costa do Marfim e Camarões.
NOS EUA, PEÇA ESSENCIAL DO NOIVADO
Desde 2010, a produção mundial está estacionada na faixa dos 130 milhões de quilates. Recente relatório da consultoria Bain&Company, porém, estima que a demanda vai crescer a um ritmo de 2% a 5% ao ano até 2030, embalada pelo consumo da classe média americana e chinesa. Cobiçado por casais apaixonados, o diamante brilha com frequência em joias que os maridos americanos dão a suas esposas. Pesquisa mostra que 71% dos americanos nascidos entre os anos 1980 e 2000 consideram o diamante um elemento essencial do anel de noivado.
A oferta de diamantes, no entanto, não deve acompanhar a retomada do consumo. A consultoria projeta queda de 1% a 2% por ano na produção da pedra até 2030, devido ao esgotamento das minas. É nesse desequilíbrio que está a oportunidade para o Brasil voltar ao clube.
- O Brasil, de alguma forma, foi ignorado pelos maiores produtores e a oportunidade de identificar e desenvolver novas minas é única. Em uma recente viagem a Antuérpia, houve empolgação quanto à qualidade dos diamantes brasileiros. O país tem chance de voltar a figurar entre os líderes da produção global de novo - diz Joe Burke, diretor de Marketing da Five Star Diamond.
A empresa foi fundada por um geólogo australiano, que se associou a investidores estrangeiros e a um advogado brasileiro. Juntos, compraram áreas em diferentes regiões no Brasil para prospectar diamante. Segundo Burke, em 15 dos cerca de cem corpos kimberlíticos que a companhia tem no portfólio há grande chance de ocorrência de diamante. A Five Star já levantou US$ 7 milhões com investidores e se prepara para listar a empresa no mercado de capitais canadense. A produção no Brasil deve começar em Goiás, onde o projeto está mais avançado, no fim do ano.
BUROCRACIA E FALTA DE SEGURANÇA
A ausência de guerras civis e religiosas no Brasil é apontada por fontes do setor como um atrativo. A exploração da pedra preciosa sempre levantou polêmica porque costumava ser usada para financiar conflitos civis na África. Com o filme "Diamante de sangue", estrelado por Leonardo DiCaprio em 2006, a crueldade das guerras e a associação à produção do diamante se tornaram mundialmente conhecidos.
O diamante produzido legalmente no Brasil e em outros países, no entanto, segue o processo de certificação Kimberley, espécie de atestado de origem criado justamente para inibir o comércio ilegal. A burocracia no país para emitir os certificados, no entanto, é uma trava na expansão do mercado, alertam empresários. Antes de ser exportado, o diamante precisa ser pesado, medido e analisado. Isso é feito por um funcionário do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) em uma unidade regional do órgão.
Como o certificado precisa da assinatura do diretor-geral do DNPM e o sistema não é informatizado, ele é enviado por Sedex até Brasília, sede da instituição, e retorna ao produtor igualmente pelo correio. O processo leva de dez a 15 dias, segundo João da Gomeia Silva, da coordenação de ordenamento e extração mineral do DNPM.
Durante esse período, os diamantes ficam em cofres das próprias empresas produtoras ou de seguradoras, trazendo risco à segurança das companhias e dos funcionários. Mês passado, a Lipari foi invadida e teve parte de sua produção roubada. Se depender da agilidade do poder público, as mineradoras continuarão vulneráveis.
- O DNPM está na era digital. Até 2018, a ideia é eliminar o papel - diz Silva.
Alíquota baixa de royalty é desafio para cidades produtoras de diamantes
Municípios recebem 0,2% da receita líquida sobre a venda da pedra preciosa
Danielle Nogueira
RIO - Raro na natureza, o diamante pode ser negociado a centenas de dólares por quilate, impulsionando as exportações dos países produtores. Pouco dessa riqueza, porém, fica nos municípios. A alíquota da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (Cfem), o royalty da mineração, é de apenas 0,2% para as pedras preciosas, a mais baixa de todos os minerais. Um desafio para as cidades produtoras, que têm de lidar com a enxurrada de pessoas em busca de trabalho ou do próprio diamante, e a pressão por serviços públicos.
Um caso exemplar de como o dinheiro movimentado pela atividade não é garantia de vida melhor para os moradores é o de Juína, no Mato Grosso. Lá, o garimpo teve seu auge entre 1988 e 1993. Os diamantes eram vendidos nas praças. A produção era tal que a cidade ficou conhecida por abrigar a Bolsa de Diamantes do Brasil, numa época em que o mercado ilegal corria solto.
SEVIÇOS PÚBLICOS SOB PRESÃO
Passados mais de 20 anos do boom da atividade em Juína, a cidade ainda exibe baixos indicadores socioeconômicos. Segundo dados do IBGE, o PIB per capita de Juína era de R$ 19.667 em 2014 (último dado disponível), bem abaixo da média nacional, de R$ 28.498,21. E apenas 7,88% das residências tinham fossa ou estavam ligadas ao sistema de coleta de esgoto em 2010, pelos dados do Censo. O índice nacional era de 67% na época.
- A infraestrutura não acompanhou a expansão da cidade. A contribuição para a arrecadação municipal é irrisória. O ganho para as cidades está na geração de emprego, que é temporária, e na movimentação do comércio local - diz o prefeito de Juína, Altir Peruzzo (PT).
A alíquota da Cfem incide sobre a receita líquida com a venda dos diamantes, descontando-se despesas com outros tributos, transporte e seguro. O município fica com 65% do total. O restante é distribuído entre União e estado produtor. Apesar de ter uma fatia maior, o impacto na receita municipal é muito pequeno.
Segundo Peruzzo, a exploração de diamantes chegou a empregar cerca de 3 mil trabalhadores nos tempos áureos. Hoje, são 300 a 400 pessoas, para uma população estimada em 39.734 habitantes em 2016, no cálculo do IBGE.
O descompasso no ritmo da elevação da arrecadação e o aumento da demanda pelos serviços públicos é uma característica da atividade mineradora, lembra Bruno Milanez, um dos coordenadores do Núcleo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas) da Universidade Federal de Juiz de Fora:
- Tem aquele primeiro momento da expansão dos projetos, que cria demandas sociais. Mas o impacto sobre a receita das cidades vem apenas no futuro.
No aspecto ambiental, a exploração de diamantes provoca menos danos que a de outros minerais, como ouro, em que são usados químicos na produção.
- O impacto é físico, especialmente na produção de diamante primário, pois abre-se uma cratera no solo - diz Jurger Schnellrath, do Laboratório de Pesquisas Gemológicas do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem).
A revisão do Código Mineral, proposta no governo Dilma Rousseff, previa o aumento das alíquotas da Cfem, o que daria mais fôlego financeiro às prefeituras. A discussão, porém, está parada. Segundo Bruno Feigelson, do Lima Feigelson Advogados, a tendência é que a proposta original seja fatiada e que a Cfem seja tratada em decreto ou projeto de lei em separado.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia informou estar "em estudo e em fase de efetivação" uma série de ações para revitalizar a atividade mineral, incluindo as regras do Código Mineral, "que poderão ser separadas em temas relacionados".
No Brasil Colônia, o diamante era explorado por contrato
Naquela época, Coroa de Portugal recebia impostos da atividade
Danielle Nogueira
RIO - No Brasil Colônia, a descoberta de diamante na primeira metade do século XVIII levou a uma produção desordenada, que inundou o mercado mundial com a pedra, derrubando os preços. A Coroa Portuguesa tratou de limitar a exploração da riqueza, instituindo a figura do contratador, aquele que detinha direito de explorar o mineral.
Cada contratador podia empregar até 600 escravos na sua área de exploração e pagava à coroa um determinado valor por escravo, além dos impostos sobre a produção.
- Os contratadores tinham a função de fiscalizar e evitar os contrabandos. Mas acabavam desviando esses rendimentos e constituindo verdadeiras fortunas - lembra a historiadora Ana Rosa Cloclet da Silva, da PUC-Campinas.
Hoje, o diamante é explorado por meio de cooperativas de garimpeiros ou por empresas que empregam mão de obra assalariada. Para ter direito a explorar uma jazida, é preciso fazer um requerimento de lavra no Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), que atende aos pedidos por ordem de prioridade. Quem protocola primeiro leva.
Memória
Garimpo ilegal afeta Cinta Larga
Danielle Nogueira
Os novos investimentos na área de diamantes têm certificação, mas o garimpo ilegal continua no Brasil e afeta diretamente o povo Cinta Larga, etnia indígena com quase 2 mil habitantes, cujas terras ficam entre Rondônia e Mato Grosso. Desde o auge do conflito entre garimpeiros e índios em 2004, nada mudou, segundo o procurador Reginaldo Trindade, que fica em Rondônia e é responsável por acompanhar as questões envolvendo a etnia.
O garimpo ilegal em terras dos Cinta Larga começou por volta do ano 2000 e jamais foi contido. Em 2004, o conflito entre garimpeiros e índios provocou dezenas de mortes. No garimpo de Lajes, principal foco, há uma cratera de 11 quilômetros próxima a uma área de igarapé. Somam-se ao dano ambiental os prejuízos à cultura e à saúde dos índios, que, ao entrarem em contato com o homem branco, são contaminados por doenças antes inexistentes na região.
Embora a maioria dos Cinta Larga seja contrária à atividade, Trindade estima que cerca de 20 líderes indígenas estejam envolvidos na mineração clandestina. Para persuadir a aldeia a aceitar o garimpo na reserva, pessoas envolvidas no contrabando agem como um poder paralelo, custeando remédios e outras necessidades dos Cinta Larga.
- É um diamante sujo, diamante de sangue. O governo é omisso e só assiste à degradação da etnia. São poucos os recursos para medidas protetoras - afirma Trindade.
De acordo com a Funai, em 2016, foram destinados à Coordenação Regional de Cacoal (RO) R$ 202 mil para atender uma população de quase 3 mil índios, incluindo os Cinta Larga. Os recursos são para apoio a atividades agropastoris, extração de castanha e piscicultura. A Funai frisa que seu orçamento para atendimento a terras indígenas sofreu corte de 33%.
Para o procurador, a única forma de acabar com o garimpo ilegal em terras indígenas é regulamentar a atividade. Procurado, o Ministério de Minas e Energia informou não ter o assunto em pauta e que a mineração em terras indígenas é "ilegal e coibida por ações da Polícia Federal, sob acompanhamento de Funai, Ibama e Departamento Nacional de Pesquisa Mineral".
O Globo, 19/02/2017, Economia, p. 27-28
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