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Amazônia tem milhares de espécies de cacau selvagem

10/09/2015

Fonte: OESP, Paladar, p. D1, D4



Amazônia tem milhares de espécies de cacau selvagem

Por Ana Paula Boni

Até conseguir carregar o barquinho com um lote de cacau selvagem da amazônia foram 24 horas de viagem desde Belém, pegando avião, van, barco e carro e mais cinco dias conhecendo cacaueiros praticamente intocados. Nativo da Amazônia e explorador voraz da região, o chocolateiro De Mendes tem feito expedições frequentes em busca de cacau amazônico. Volta e meia encontra um "novo" cacau. Foi o que aconteceu há um ano numa viagem pelo rio Jari, na fronteira entre Pará e Amapá - lugar de difícil acesso e com quase pouquíssimos recursos.
O chocolateiro ficou surpreso com o que havia encontrado: aqueles frutos não se pareciam com as variedades que havia nos arredores de Belém, das comunidades extrativistas que fornecem amêndoas para sua fábrica. "Encontramos esse cacau no pé das montanhas. Quando chegamos lá havia uma nuvem de araras. Me senti o próprio Indiana Jones, o explorador da floresta", brinca.
Para se certificar de que estava diante de algo novo, De Mendes levou o cacau a geneticistas que ao longo de um ano fizeram análises de fenótipo (tamanho do fruto, cor da casca, peso) e de fertilidade, apontando para um fruto diferente do grupo predominante na região. O exame de DNA, que define se a variedade é nova ou não, deve ficar pronto nesta semana.
Descobrir uma variedade nova de cacau, porém, não é tão relevante no Brasil. Só o banco de germoplasma da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), órgão federal, tem material genético de cerca de 25 mil variedades. "Mas na floresta deve haver mais de 1 milhão. Achar uma nova não quer dizer nada", relativiza o engenheiro agrônomo Paulo Albuquerque, fiscal agropecuário da Ceplac no Pará.
Mais importante é achar uma boa mancha de árvores da mesma variedade para garantir a fabricação do chocolate, como explica o ambientalista e colunista do Paladar Roberto Smeraldi, que dará palestra sobre o tema ao lado de De Mendes no Paladar Cozinha do Brasil.
De Mendes se entusiasma com o resultado das pesquisas dos botânicos do Museu Emílio Goeldi, do Pará, que fazem a taxonomia vegetal da região. Eles estimam que só na área visitada haja cerca de 30 mil cacaueiros apenas numa das margens do rio, ao longo de 30 km.
Ao longo de 50 anos, o Serviço de Pesquisas da Ceplac do Pará realizou 17 expedições botânicas na região, segundo o chefe de pesquisas, Fernando Antonio Teixeira Mendes. "Nesse período, cobrimos 20% das bacias e chegamos a 25 mil genótipos de cacau. Imagine o que ainda tem. Imagine o que o meu bisneto vai ter a dizer."
Para De Mendes, além da variedade, a grande vantagem desse cacau selvagem é a qualidade sensorial. Depois de torrar as amêndoas em sua fábrica e fazer o chocolate, o produtor ficou ainda mais surpreso. "Ele é bem incomum, tende a ser mais frutado que o normal", diz. Fez o chocolate com 63% de cacau e diz, sem falsa modéstia: "Ficou um negócio divino".


O ciclo do cacau amazônico

Por Ana Paula Boni

Na década de 1980, quando o Brasil era o segundo maior produtor mundial de cacau, a vassoura-de-bruxa ainda não havia assolado as plantações no sul da Bahia e os fazendeiros de lá viviam como barões, dominando mais de 90% da produção nacional - não se ouvia falar de chocolate vindo da Amazônia.
Apesar de o bioma ser considerado o berço do fruto, com estudos que remontam sua origem há cerca de 7.000 anos, a floresta é tão pouco explorada que mesmo hoje, com o Norte representando 44% da produção do País, volta e meia surge um "novo" cacau. Mas não é fácil conseguir tirá-lo de lá.
Depois de achar os cacaueiros, a parte mais difícil é a logística: encontrar quem colha o cacau e o beneficie ainda no meio da selva, para depois transportar as amêndoas. O beneficiamento envolve quebrar os frutos, extrair as amêndoas envoltas na polpa branca, fermentá-las por cerca de sete dias e secá-las por mais cinco.
Esse processo é determinante para definir o sabor e a qualidade do chocolate. É na fermentação - feita em dornas de madeira, com os caroços revolvidos a cada 24 horas - que a amêndoa vai ganhar complexidade. Depois de chegar à cidade, é hora de torrar a semente seca e esmagá-la para fazer o chocolate.
E não é fácil fazer o beneficiamento em plena floresta primária, em comunidades ribeirinhas que vivem sem água encanada ou luz elétrica. "Os extrativistas têm mais interesse em colher castanhas. Esses homens não conhecem o mercado do cacau, não querem carregar peso por um preço baixo", conta De Mendes.
Para conseguir suas amêndoas da nova área descoberta, ele se dispôs a pagar o triplo do valor - e passou cinco dias na mata ensinando os extrativistas a fermentar e a secar as amêndoas. Não há muita tecnologia envolvida, diz ele. As dornas são feitas com madeira do próprio local, e a secagem pode ser realizada com uma lona plástica por cima, principalmente porque chove muito na região.
"A grande questão é achar uma cooperativa que possa explorar a mata por você" diz quem compra amêndoas de cacau amazônico, como Luisa Abram, que faz chocolate num apartamento em São Paulo com cacau do Acre.
É que, pela legislação brasileira, há regiões da Amazônia declaradas como reserva extrativista, de uso sustentável e concedidas a comunidades que sobrevivem disso. Ou seja, ninguém pode chegar lá e pegar o cacau.
Para trazer o fruto das bordas do rio Jari, De Mendes conta com a Cooperflora, que tem o direito de extrair castanha, açaí e camu-camu, além de cacau. O chocolateiro acabou de receber um lote de 60 kg de amêndoas, que podem originar até 100 kg de chocolate, conforme o ter de açúcar.
Hoje, De Mendes produz em sua fábrica 300 kg de chocolate por mês, que são vendidos em Belém, Nova York, Rio e São Paulo (aqui, apenas na Combu Produtos da Amazônia; combu.com.br).


Indiana Jones do chocolate

Por Ana Paula Boni

Cesar de Mendes, 52 anos, é 50% judeu, 25% índio e 25% negro ribeirinho. Por isso rejeita o nome Cesar, que acha romano demais. Prefere apenas De Mendes.
Engenheiro químico, ele fazia mestrado em engenharia de alimentos na Unicamp, nos anos 1990, quando um piripaque o fez desmaiar e ficar sete dias em coma. Era estafa mental, os médicos disseram.
Àquela época, então professor da Universidade Federal do Pará, tinha o sonho de ir para Cambridge. Mas, se mantivesse aquele ritmo de estudos, o corpo poderia pifar de novo. Decidiu pegar mais leve e abriu em Belém uma consultoria na área de engenharia de alimentos. Manteve a empresa por nove anos.
Em 2005, depois que conheceu uma cooperativa que fazia seu próprio chocolate em Medicilândia (PA), resolveu abrir a sua empresa, a Amazônia Cacau. Instalou a fábrica em Belém, na turística Estação das Docas, fazia e vendia barras e bombons. "Mas fazíamos igual a todo mundo, e os turistas queriam algo exótico."
Em 2013, ele vendeu a empresa, voltou-se para a cidade de Santa Bárbara do Pará e abriu a Chocolate De Mendes. "Eu só pensava no exótico, não saía da cabeça. Se o vinho pode ser Merlot, Cabernet, Malbec, por que não posso fazer isso com chocolate?"
Foi assim que o Indiana Jones do cacau retomou os contatos com comunidades extrativistas que conheceu na época em que dava consultoria e percorria a Amazônia. A partir desses contatos, chegou a seis chocolates "varietais", cada um feito com uma única variedade de cacau - em geral, os chocolates podem misturar algumas ou inúmeras variedades dos três grandes grupos (forasteiro, criolo e trinitário). Não são varietais.
"Cada chocolate é diferente do outro. Há vários biomas dentro da Amazônia: cerrado, floresta densa, várzea alta e baixa, solos diferentes. O homem ainda não a conhece totalmente."
Prove o novo cacau selvagem e ajude a dar um nome para ele
Quer provar os chocolates que De Mendes produz com o cacau da Amazônia? Não perca a aula que o chocolateiro vai dar no Paladar Cozinha do Brasil junto com o ambientalista e colunista do Paladar, Roberto Smeraldi. Na aula marcada para o sábado, dia 26, às 10h, eles vão apresentar também a nova variedade de cacau e destacar as particularidades de aroma e sabor do fruto. Os participantes serão convidados também a ajudar a batizar o novo cacau: as sugestões de nomes serão votadas e o cacau será nomeado ali mesmo.
SERVIÇO
26/9, às 10h
Ingressos no Foodpass - CLIQUE AQUI

OESP, 10/09/2015, Paladar, p. D1, D4

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http://blogs.estadao.com.br/paladar/o-ciclo-do-cacau-amazonico/

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