From Indigenous Peoples in Brazil

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"A medalha para os povos indígenas nos jogos será o direito de viver com qualidade"

06/02/2015

Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD/ONU - www.pnud.org.br



Entrevista com Marcos Terena, articulador dos I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.



Entre os dias 23 de outubro e 1o de novembro deste ano, o Brasil sediará os primeiros Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI). Idealizado por índios brasileiros e com o apoio do Ministério do Esporte, dos governos estadual do Tocantins e municipal de Palmas e do PNUD, os jogos pretendem aproximar a comunidade global da realidade indígena com demonstrações culturais e modalidades desportivas. Para entender o processo de idealização e concretização dos Jogos, o PNUD conversou com o articulador dos I JMPI, Marcos Terena, que ressalta a importância da promoção da paz e do respeito à diversidade nessa celebração indígena.


I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas: Marcos Terena



O que significa os JMPI para a comunidade indígena brasileira?

Os JMPI é uma idealização, um sonho do índio brasileiro, que nasceu inicialmente com uma equipe de estudantes indígenas de Brasília, no final dos anos 70 e início dos anos 80. E, depois, com o lançamento dos Jogos Indígenas, que são brasileiros, com o apoio do Rei Pelé. No decorrer desse tempo, a gente convidou vários países que souberam do evento para assistir, para conhecer, e aí foi nascendo a ideia de a gente fazer um grande congraçamento dos povos, que se consolida através do esporte, da identidade cultural, do conceito holístico de cada povo, cada região, cada ecossistema. Isso fez com que a gente também explicasse para as comunidades indígenas do Brasil a existência de índios na África, na Finlândia, na Sibéria, e, com isso, o Brasil como um todo, não só o Brasil indígena, passa a ter uma oportunidade de realizar um grande evento histórico, único no mundo, para promover a diversidade e ao mesmo tempo o respeito à igualdade que todos têm o direito de ter.


O Brasil tem várias comunidades indígenas diferentes. Como vocês se organizaram para formar uma única seleção brasileira?

Primeiramente, a gente tem que entender que os JMPI não são um campeonato de índios. Todos os indígenas querem participar, mas tem um critério, tem que ser um sistema educativo, tanto para o índio quanto para as instituições do governo, seja local ou federal, como com o engajamento do sistema ONU através do PNUD. Isso faz com que a gente tenha uma responsabilidade maior com quem venha participar dos jogos. Não podemos trazer todas as etnias do Brasil, que tem mais de 300 etnias, mas também não podemos deixar que aquela comunidade que sempre participou dos jogos brasileiros não tenha oportunidade de participar. É uma conta muito difícil de se fazer, mas é necessária, porque a gente precisa mostrar para os outros irmãos indígenas, que vão participar do mundial, que isso é um critério de responsabilidade e também de engajamento no processo. Não é qualquer índio que pode participar. Todos podem participar, mas nesse evento a gente precisa de índios que falem suas línguas, e isso é uma dificuldade, porque há muitos índios que já perderam seu idioma, mas eles estão recuperando nos jogos brasileiros. Também tem a questão da identidade cultural, sua vestimenta, sua característica, ela precisa estar também dentro dos jogos. E tem o mundo espiritual de cada povo. Nenhum povo indígena consegue sobreviver sem a demarcação da terra, por exemplo.


Os índios brasileiros então não têm uma língua em comum entre eles para formarem uma seleção? Como eles se comunicam entre si?

Com o Comitê Intertribal, que é a comunidade que organiza os povos para os jogos e para os grandes debates internacionais, como a Rio+20 e a Rio 92 também, fez com que nós adquiríssemos experiência em relação intertribal. Você não pode ter o mesmo tipo de conversa com o índio do Nordeste e com o índio da Amazônia, por exemplo. Um tem 500 anos de contato, outro tem 20, 30, 100 anos de contato. Isso foi aprendizado para a gente também, de como dialogar com as diversidades, com as diferenças. Um ponto em comum: nunca mentir para os líderes indígenas. Estou me referindo ao comandante, ao chefe, a autoridade indígena que mora na aldeia. Não se trata do líder indígena de uma organização indígena. A relação é outra. Os JMPI estão sendo formados com as aldeias e as comunidades indígenas. A gente tem uma ligação direta com as comunidades, visitar nas aldeias conforme o caso, conversar, comer com eles, vivenciar, explicar para eles como é o mundo moderno, o que significam os jogos, o que significa o Brasil receber as Olimpíadas de 2016. Então tudo isso a gente tem que traduzir para a comunidade indígena, muitas vezes o líder fala português, então você tem um coordenador daquele grupo que vai explicar para o cacique se ele vai aprovar ou não vai aprovar a ideia de participação. Esse também é um trabalho que nós acreditamos que deveria ter sido feito pelo poder público, pelas políticas públicas de assistência aos povos indígenas, não como imposição, mas como um diálogo sempre crescente para atingir os objetivos.


Mas existe uma língua oficial dos jogos ou cada um se comunica por intermédio de tradutores?

Língua oficial são as línguas dos índios participantes. No caso brasileiro, vamos ter em torno de 20 a 30 línguas circulando no evento. Na parte internacional, temos as línguas básicas das Nações Unidas, onde se inclui inclusive o russo. Então, claro, que aqui, no caso brasileiro, o ponto de equilíbrio é a língua portuguesa, mas sempre com um tradutor junto. Nós não queremos que o indígena se sinta obrigado a falar o português, aliás, muito pelo contrário, ele tem que afirmar sua identidade através da sua comunicação étnica.


O senhor mencionou que terão participantes da Rússia, da Finlândia, que são países muito diferentes do Brasil em clima, nas modalidades praticadas. Como foi feito para conciliar tudo isso e formar os jogos mundiais?

As nossas relações internacionais não vêm de hoje. Elas nasceram em 1991, com os encontros preparatórios para a Rio 92. Eu participei desse início de conversação, seja com os países, com as etnias ou com as organizações internacionais. Isso então deu uma credibilidade para o Comitê Intertribal. Posteriormente, com a criação do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas, que está em Nova York, isso facilitou muito esse diálogo, essa respeitabilidade. Nós, índios do Brasil, temos uma identidade cultural muito forte, e buscamos esses valores em relação aos povos das Américas, do continente Africano, Asiático, da região do Pacífico, e também da Europa, com os casos da Finlândia e Noruega.


E quem selecionou as modalidades que estarão presentes nos jogos?

Não podemos nos esquecer de que este é o primeiro evento mundial. A gente tem uma regra que vamos lançar, que está baseada em três modalidades. Os jogos, que chamamos de jogos regionais de modalidades, eles vão ser um evento de demonstração, porque só aquele povo sabe fazer aquele tipo de jogo, como os maias, os astecas no México, os índios brasileiros com o futebol de cabeça, a luta corporal. Ao mesmo tempo, vamos também criar um sistema de competição entre os povos. Por exemplo, o arco e flecha, é o clássico, porque todos os indígenas, aparentemente, sabem usar o arco e flecha, sabem remar, sabem nadar, então isso vai ser uma disputa entre os povos. O grande problema nesse caso da competição é saber que tipo de flecha vamos usar. Não queremos criar um monopólio de flechas, vamos respeitar as flechas de cada região, de cada povo. Há também o tipo de canoa. A canoa do canadense é muito mais leve, já a do brasileiro é feita da casca de árvores, que tem muito na Amazônia. Essa é outra linguagem que será usada nos jogos para mostrar esse mundo que nos cerca, que os jogos tradicionais ocidentais não levam em conta. A gente quer fugir um pouco desse conceito de comercialização dos jogos, mas mostrar que os jogos podem ser um exercício para a promoção da paz, da diversidade e não apenas buscar ganhar uma medalha. Por isso, o slogan dos JMPI é "O Importante é Celebrar".


E quem escolheu esse slogan?

Foi o Brasil. 80% do que vai acontecer nos JMPI são criações dos índios brasileiros. A logo, por exemplo, foi escrita e criada pelo Carlos Terena, o mascote foi também criado por ele. As frases onde houve a forma de manifestação de vários líderes indígenas que criam frases mais poéticas. Não copiamos nada de especialistas em índios. Essa é uma oportunidade que o índio brasileiro tem de se impor com dignidade, respeito. Isso faz com que aumente a nossa responsabilidade, no sentido de mostrar que nós não menosprezamos especialistas em assuntos indígenas, mas, nesse caso, vamos correr o risco de errar, mas de maneira coletiva. Por isso que, além dos jogos, estamos criando os fóruns sociais indígenas, para os grandes debates, não só no Brasil, mas principalmente que ocorrem no mundo.


No lançamento oficial dos jogos, no Mané Garrincha, o senhor comentou que havia a possibilidade de se criar um Comitê Olímpico Internacional. Então, ainda não há esse comitê para os jogos? Como foi possível articular os jogos mundiais sem esse comitê?

A gente pretende, sim, criar uma comissão internacional dos Jogos Indígenas. A gente está conversando com outros líderes para formatarmos, também de maneira diferenciada de como é formatada o COI ou a FIFA. São modelos que podemos copiar alguns itens, mas temos que criar uma forma, por exemplo, para participar dessa comissão. Será que é preciso que o índio tenha uma federação nacional? Não! Federação é um critério ocidental. Então, é o cacique que vai participar ou é algum outro representante? Tudo isso vamos discutir no Fórum Social Indígena, para a gente sair do Brasil. O Brasil vai lançar essa semente, vai lançar essa matriz, e depois os próprios indígenas, onde nós também vamos participar, vamos desenvolver isso. Por exemplo, para saber quando vai ser os II JMPI, onde vai ser... Então, são trabalhos que a gente lança a semente e ela vai nascer durante os jogos, em outubro. O importante é que esse critério se torna necessário para que as entidades, os apoiadores, os governos, compreendam que isso é uma iniciativa dos índios, os indígenas não só do Brasil, mas de todos os países que vão participar.


E o senhor já tem uma ideia de qual será a periodicidade dos jogos? Quando serão os segundos jogos indígenas?

Não temos ideia. Nós temos a experiência no Brasil dos jogos indígenas que ocorrem de 2 em 2 anos. Neste ano, não vão ser feitos porque vamos fazer o primeiro mundial. Mas disso certamente teremos uma ideia concreta quando discutirmos com os outros conselheiros de outros países, com a experiência que eles têm.


E os jogos nacionais vão continuar a ser realizados?

Os jogos nacionais são uma agenda para a qual a gente já tem o apoio do Ministério do Esporte. Agora, os JMPI estão promovendo uma aliança nova com o Governo Brasileiro, a Presidência da República, com gabinetes que envolvem a presidência e os ministérios. Isso se torna importante porque é um diálogo novo, baseado na construção de um processo, que não é leve, que envolve a questão cultural, territorial, porque os índios, para terem a alegria de viver, precisam ter a demarcação do seu território. Isso é um debate constante, que já passa não só para a parte do poder Executivo, mas para o Legislativo e, principalmente, o Judiciário.


E a participação das mulheres nos jogos? Haverá modalidades femininas, mulheres atletas poderão jogar?

As mulheres são parte essencial para a família indígena. Independentemente do debate sobre gênero ou do movimento feminista, é uma tradição indígena própria. Cada etnia tem a sua forma de relacionamento entre homem, mulher e família. Então, isso também vai ser respeitado nos jogos a partir da participação da mulher indígena, principalmente das jovens, de forma também em igualdade de condições com os atletas homens. Claro, considerando todo o campo físico que a mulher tem. Às vezes, a mulher indígena se casa muito nova, então, às vezes, com 16, 17 anos, ela já é uma mãe. É uma forma familiar de cada tradição indígena, mas ela terá oportunidade, sim, de participar, por exemplo, da corrida da tora, um clássico dos jogos indígenas, que é uma corrida da tora para mulheres. Não é uma invenção do comitê intertribal, é uma tradição que vêm da comunidade e que vai ser demonstrada como é a força indígena da mulher e os valores que ela adquire.


Qual é a importância do apoio do PNUD para os jogos?

O PNUD se torna importante a partir do Brasil e de Nova York porque a declaração universal dos direitos indígenas, de 2007, coloca os jogos indígenas como um dos critérios de afirmação dos povos, de seus direitos. Isso é um trabalho que conseguimos fazer baseados na experiência brasileira e na experiência canadense de jogos olímpicos indígenas também, e os articuladores indígenas, os articuladores governamentais, que escreveram a declaração, contemplaram isso. O PNUD talvez seja parte desse processo de criação dessa comissão internacional. Nós não podemos caminhar sozinhos, não somos só o Brasil, estamos juntos com indígenas da África e de outros continentes. O PNUD pode ser um elo muito importante para o fortalecimento dessa entidade, acima de tudo, da entidade indígena, intercultural. Mas, ao mesmo tempo, tem os critérios de relacionamentos internacionais, que muitas vezes a gente não domina.


Há algo mais que o senhor acha importante destacar?

Eu queria dizer que os JMPI são uma promoção do comitê intertribal que nasce no Brasil, mas que tem o apoio da ONU, do Governo Brasileiro, e isso vai ser muito importante para que a sociedade brasileira compreenda e se aproxime da realidade indígena de forma alegre, de forma afirmativa, e nós também, os índios, vamos aprender muita coisa com o não-índio na construção desse processo. Temos o apoio do Cafu, atleta da seleção brasileira, apoio de artistas como Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Paulo Betti, que são geradores de opinião da grande mídia. Então é uma aliança muito grande, onde também o estudante, o professor, é parte essencial desse processo, para que, no futuro, a gente olhe para trás, assim como a Grécia olha para trás e vê que nasceu dessa informalidade os Jogos Olímpicos. Nós queremos também, claro, contribuir com a qualidade de vida com os jogos olímpicos, não somente para ganhar medalha. A medalha para os povos indígenas nos jogos será a medalha da vida, o direito de viver com qualidade, na sua diversidade, mas compartilhado para o que a gente chama de mundo melhor.

http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=4129
 

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