From Indigenous Peoples in Brazil
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News

Governo não controla ONGs

31/01/2007

Fonte: JB, 30/01/2007, País, p. A2-A4



Governo não controla ONGs

Clara Cavour, Fernando Exman e Karla Correia

Absoluto descontrole oficial sobre a atuação das ONGs, ausência do governo nas comunidades mais carentes da Região Norte, legislação pouco adequada, mais conivência do governo e da comunidade acadêmica brasileira com interesses externos têm feito da Amazônia o celeiro de uma riqueza monumental, que beneficia uma massa de estrangeiros que circula com desenvoltura na floresta. A biopirataria na região é a base de um mercado que movimenta US$ 100 milhões por ano nas indústrias química, farmacêutica e cosmética, segundo estimativa do Ministério do Meio Ambiente. E o Brasil não vê nem um centavo desses recursos.
- Existem espaços na Amazônia em que brasileiro não entra, tem o acesso impedido - conta o secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, Rogério Magalhães.
Magalhães cita como exemplo o Instituto Norte-Americano Smithsonian, conveniado ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa): em 2001, o Smithsonian fechou um espaço no terreno do Inpa, impedindo a entrada de qualquer brasileiro.
- Ninguém sabia o que era pesquisado lá. Era como se fosse um território norte-americano fincado em plena Amazônia. Em um espaço desses, qualquer espécie pode ser analisada sem autorização do governo.
Um dos casos mais famosos de pirataria com espécies brasileiras foi o registro da marca "cupuaçu" pela empresa japonesa Asahi Foods, em 2002. A empresa perdeu o direito à patente em 2004, o que não evitou o registro estrangeiro de outros produtos. O cupulate, chocolate feito de cupuaçu, e o açaí são hoje alvos de disputa judicial entre Brasil e Japão.
Consultor ambiental, Eduardo Martins explica que a falta de fiscalização e de legislação apropriada, além da falta de investimento em pesquisa favorecem a biopirataria. Ex-presidente do Ibama, Martins cita o jaborandi como outro alvo. A planta é utilizada por tribos indígenas no preparo de chás diuréticos e expectorantes. Hoje, o laboratório Merck detém a patente sobre o isolamento de substâncias da planta. Desde o início da década de 90, a multinacional farmacêutica é dona de um terreno de 2.250 hectares no Maranhão, voltado para o cultivo de jaborandi, planta cujo princípio ativo, a pilocarpina, é utilizada em tratamentos de calvície e no controle do glaucoma. Existem outros 20 registros de patente no mundo com princípios ativos do jaborandi.
- Quando uma empresa farmacêutica acessa o conhecimento tradicional de comunidades no uso das plantas, ela economiza anos de pesquisa na busca por princípios ativos e sua aplicação. Se o trabalho for feito dentro da lei, os lucros originados das pesquisas são divididos com a comunidade detentora do conhecimento. Como não vemos nenhuma dessas comunidades participando dos enormes lucros da indústria farmacêutica, fica óbvio que os caminhos corretos estão ignorados - explica Martins.
A Merck alega que sua patente sobre o jaborandi não pode ser classificada como fruto de biopirataria, pois o conhecimento na obtenção de seu princípio ativo teria passado a domínio público antes da instituição da legislação brasileira que regulamenta o acesso ao patrimônio genético, que desde 2001 prevê a necessidade de autorizações específicas.


Laboratórios ignoram pedidos de autorização

O acesso ao patrimônio genético brasileiro para pesquisa é regulado pela medida provisória 2.186-16, editada em 2001, e depende de autorização do Ibama. Poucos laboratórios, entretanto, seguem esse caminho legal, que especialistas em biotecnologia consideram lento demais. No ano passado, 39 pedidos de autorização foram encaminhados ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético do Ibama. E apenas cinco foram aprovados.
- O número pequeno de autorizações mostra o grau de burocracia desse processo, mais do que a incorreção dos pedidos - critica o coordenador do grupo de estudos em biotecnologia da Associação de Defesa da Propriedade Intelectual, Gabriel Di Blasi. O pesquisador diz que o processo de autorização para pesquisa dura um ano.
- Diante de uma legislação burocrática e da falta de fiscalização, poucos laboratórios se dão ao trabalho de pedir licença ao governo brasileiro para iniciar as pesquisas.
Desde a Eco 92 o governo debate a redação de um projeto de lei para regular as pesquisas com espécies nativas. O anteprojeto, no entanto, está parado na Casa Civil.


Uma intervenção disfarçada

Clara Cavour, Fernando Exman e Karla Correia

Sob a bandeira do ambientalismo, um número de ONGs que o governo brasileiro não contabiliza atua como instrumento político de governos e empresas na defesa de interesses políticos ou financeiros na Amazônia. Se a intervenção estrangeira não se dá por meio de tropas, as armas são campanhas como a do boicote à soja brasileira ou a chantagem por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.
A propaganda contra a soja brasileira ecoada por ONGs como o Greenpeace propaga que o grão é a semente do desmatamento da Amazônia. Movida por interesses externos ou não, a organização afeta a exportação do grão pelo Brasil, onde a produção rende R$ 9 bilhões anuais.
- Esses são instrumentos para frear o governo brasileiro. Greenpeace, WWF, Amigos da Terra, Survival Internacional, entre outras, fazem parte de uma estrutura hierárquica de interesses econômicos no eixo Estados Unidos-Europa- diz Lorenzo Carrasco, autor de A máfia verde: o ambientalismo a serviço do governo mundial. - Essas ONGs atrasam o desenvolvimento de atividades legítimas do Brasil.
Os produtores de soja se defendem. Argumentam que plantam espaços devastados anteriormente. A ação da organização estrangeira fez com que os exportadores decretassem moratória para evitar o plantio em áreas proibidas e discutissem a criação de um selo verde para os produtos corretos. O secretário de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Gilney Viana, diz que muitas dessas campanhas são úteis para o Brasil:
- Independentemente do método, queremos evitar o desmatamento. No caso da madeira, a ação judicial nos Estados Unidos contra exportadores brasileiros foi boa porque a atividade era ilegal.
Outros grupos empresariais sofrem pressões parecidas. A campanha pela criação de reservas indígenas a que o governo tem pouco acesso, a exploração estrangeira do diamante nacional ou a mobilização de índios contra a construção de hidrelétricas revelam, na opinião de Carrasco, uma dupla moral das ONGs em relação a projetos que países desenvolvidos há muito colocaram em andamento.
- Há áreas na Amazônia onde as ONGs têm mais poder do que o governo. É um novo colonialismo - critica o autor, depoente da CPI das ONGs.
Na diplomacia, a questão ambiental recebe o apelido de chantagem. A ONG britânica Survival Internacional fez a ressalva de que, para ostentar uma cadeira no Conselho de Segurança, o governo brasileiro deve se mostrar ecologicamente correto.


Corrupção financia a impunidade

As organizações não-governamentais são alvo de denúncias constantes de irregularidades, como roubo de material genético e aquisição ilegal de terras públicas para grilagem. Mas, até hoje, poucas investigações resultaram em condenação. A Fundação Amazonas Forever Green foi citada na CPI da Grilagem e teve 172 mil hectares de terras no Sul do Estado de Roraima desapropriados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2001.
- Foi um caso raro - diz o professor Argemiro Procópio Filho, do departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. - A corrupção é desenfreada. Molha-se as mãos das autoridades, e assim as irregularidades continuam.
Procópio estuda a presença estrangeira na região há 20 anos. Diz que os garimpos ilegais estão "efervescendo". O diamante e o ouro são exportados para os países desenvolvidos, via África, por organizações criminosas internacionais. O professor também acusa empresas e ONGs estrangeiras de se aproximarem de índios para fazer biopirataria. E chama a atenção para a responsabilidade que pesa sobre seus próprios colegas de academia pelo crime de biopirataria.
A comunidade acadêmica brasileira tem sua parcela de culpa pela livre exploração de recursos genéticos nativos sem que essa produção se converta em recursos para o país -- acusa o professor.


Funai alega que nada pode fazer

A Fundação Nacional do Índio (Funai) reconhece sua obrigação de impedir a prática de irregularidades em territórios indígenas, mas alega que nada pode fazer para impedir que Organizações Não Governamentais (ONGs) estrangeiras entrem nas reservas. Segundo o órgão do Ministério da Justiça, a Constituição garante aos índios o direito de gerenciar e administrar a entrada de pessoas e instituições nas reservas.
Na tentativa de reforçar seu poder de polícia administrativa nas terras indígenas, em outubro passado a Funai publicou portaria que lhe deu autoridade para interditar reservas, restringir a entrada e retirar pessoas se houver evidências de prejuízos ou riscos para as comunidades indígenas.
O Departamento de Produção Mineral (DNPM), responsável pela fiscalização da exploração mineral no país, calou-se quando interrogado sobre ações realizadas para impedir que estrangeiros se aproveitem de garimpos ilegais em terras indígenas. Sua assessoria de imprensa informou que o governo prepara projeto de lei para regulamentar a exploração mineral nas reservas.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) também não deu muitas informações sobre sua atuação na região. Informou apenas que algumas empresas estrangeiras foram autuadas por exercício ilegal de extrativismo mineral ou vegetal. Não revelou detalhes porque os processos ainda tramitam "dentro do prazo de ampla defesa respeitando os direitos dos autuados".


Governo afirma que monitora estrangeiros

Brasília. O governo brasileiro está monitorando a atuação de duas organizações não-governamentais (ONGs) em terras indígenas, disseram ao Jornal do Brasil fontes oficiais que pediram para não ser identificadas. Uma das ONGs é a Amazon Conservation Team (ACT), suspeita de praticar biopirataria. A outra é a Rainforest Foundation que, segundo o governo, pode estar recuperando partes desmatadas de reservas indígenas para vender créditos de carbono a empresas de países desenvolvidos.
A representação da ACT no Brasil contesta as acusações. A Rainforest Foundation - ONG com bases nos Estados Unidos, Reino Unido, Noruega e Japão - foi procurada, mas não respondeu à reportagem até o início da noite de ontem.
Segundo o governo federal, ainda não há provas que incriminem as entidades. Os dois casos, entretanto, recebem "atenção especial" da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Polícia Federal, do Ministério Público e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
A página da Rainforest Foundation na internet diz que a organização tem como objetivo ajudar comunidades indígenas a proteger suas terras e a viver nelas de forma sustentável. O site não faz nenhuma menção a créditos de carbono. Informa, no entanto, que o interessado em ajudar a Amazônia pode adotar um acre (0,164) por US$ 50 e visitar a área se quiser.
A ACT é investigada desde 2003. A CPI da Biopirataria acusou, mas não obteve provas, a ONG de enviar para o exterior material biológico coletado no Brasil.
- Atribuo as investigações contra a ACT à falta de informação - defende-se o presidente da ONG no Brasil, Vasco van Roosmalen, holandês naturalizado brasileiro.
Vasco afirma que nem todas as ONGs são de fachada.
A ACT, que atua também na Colômbia e no Suriname, trabalha nas reservas do Xingu (MT) e no Parque do Tumucumaque (AP). Gasta R$ 2 milhões - quase 90% vindos do exterior - para "conservar a cultura, a fauna e a flora" dos territórios indígenas. Desenvolve nessas áreas o que chama de "mapeamento biocultural", atividade que levantou as suspeitas do governo.
O "mapeamento biocultural" das terras indígenas do Parque do Tumucumaque foi iniciado em convênio com a estatal Fundação Nacional do Índio. Mas a Funai abandonou o projeto quando se tornaram públicas as acusações à ACT por biopirataria. De qualquer modo, o mapeamento do Tumucumaque foi concluído em 2002. Agora está em curso o "mapeamento biocultural" do Xingu e a ACT é suspeita de aliciar índios da tribo Kamayura para obter informações sobre recursos naturais. Os índios participam do trabalho.
- As suspeitas são infundadas. Não fazemos bioprospecção nem biopirataria - diz o presidente da ACT no Brasil.
Segundo Vasco van Roosmalen, o maior problema na Amazônia é justamente a falta da presença do governo para aplicar a lei. O resultado, diz, é o descontrole generalizado.


Mineração em reservas espera lei complementar

Atividade relacionada entre as muitas ilegalmente praticadas na Amazônia, a mineração em terras indígenas é permitida exclusivamente aos próprios índios, mas não está regulamentada. A regulamentação depende de uma lei que o governo prepara há mais de dois anos e meio.
Pelo artigo 231 da Constituição, "a lavra das riquezas minerais em terras indígenas" só pode ser feita com autorização do Congresso e se as comunidades afetadas forem ouvidas e aprovarem os projetos. Mas falta ao artigo uma lei complementar. O projeto dessa lei está parado no Ministério da Justiça, que ouve as comunidades indígenas antes de finalizá-lo.
Segundo a Funai, os líderes indígenas reconhecem que o projeto lhes dará mais garantias e reduzirá a ocorrência de atividades ilegais e conflitos com garimpeiros. Consideram, entretanto, que a lei tem de dar maiores benefícios financeiros para seus povos. Pelo anteprojeto apresentado, os indígenas terão direito a pagamento pela ocupação de terras, e a uma participação nos resultados da lavra e na venda de subprodutos dos minérios extraídos.

Especial Amazônia em Perigo

JB, 30/01/2007, País, p. A2-A4
 

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