De Pueblos Indígenas en Brasil

Noticias

Alter-do-Chão perde Museu do Índio

16/03/2004

Autor: Ormano Sousa

Fonte: Diário do Pará-Belém-PA



Em Santarém, briga judicial coloca em risco acervo cultural de várias nações da Amazônia

Portas fechadas há três anos, peças extraviadas ou se perdendo por causa das intempéries, o Centro de Valorização da Sabedoria Indígena, o Museu do Índio, na vila de Alter-do-Chão, distrito turístico de Santarém, no oeste do Pará, relega ao abandono documentos que registram a história e a cultura de pelo menos 70 nações indígenas, boa parte delas da Amazônia. O museu foi lacrado por determinação da Justiça por conta de um litígio conjugal entre os antigos proprietários, o norte-americano David Richardson, tido como morto há cerca de dois anos, em Manaus, fulminado por câncer, e a ex-mulher dele, uma indígena da região.

O museu mantinha um acervo de 1.500 peças manufaturadas por índios e serviu, por muitos anos, de referência a pesquisas escolares e de atrativo turístico para levas de visitantes estrangeiros que aportavam em Santarém em caravanas trazidas por navios turísticos. O que resta das peças, hoje, está sendo carcomido por traças e cupins ou se estragando por falta de conservação. Peças ricas em detalhes trabalhadas por indígenas, perdem, a cada dia, o seu valor, e se tornam vestígios da variedade cultural brasileira perdida num recôndito, mas majestoso ponto do interior da Amazônia.

Até o dia 17 de março de 2001, o Museu do Índio, de Alter-do-Chão, era administrado por Richardson, mas, em virtude das dificuldades financeiras que enfrentava nos últimos anos, entregou a administração para a associação indígena Pamiriwi. O índio Álvaro Sampaio Tucano, hoje com 50 anos, assumiu a casa. Há dois anos, ninguém conhece o paradeiro de Álvaro. Hoje, ninguém sabe quem é o responsável pelo museu, o que tem facilitado o extravio e a deterioração de peças artesanais do acervo.

Prejuízos - A vila de Alter-do-Chão, a 32 quilômetros de Santarém, é o maior referencial turístico do Pólo Tapajós, constando no mapeamento do Estado e do governo federal. O Centro de Valorização da Sabedoria Indígena era considerado o ponto principal da visita dos turistas em qualquer época do ano. Com o fechamento da casa, os moradores reclamam dos prejuízos. "Não sabemos quem hoje é o responsável pelo museu. Para nós, isso é lamentável porque perdemos uma referência turística e uma forma de trazer mais movimento para a vila durante todo o ano e não apenas no período do Çairé", lastima-se Nivaldo Frota Freitas, uma das lideranças do distrito e membro da coordenação da festa folclórica da vila. "É um problema judicial. Nós nada podemos fazer, mas é lamentável. E isso afeta a infra-estrutura turística e econômica de Alter-do-Chão", opina o coordenador da Agência Municipal de Turismo de Santarém (Santur), Emanoel Júlio Leite. Ele reconhece que a infra-estrutura turística da vila fica mais limitada com a manutenção do lacre do Museu do Índio. Nivaldo Freitas diz que o espaço deveria ser reaberto e redefinida a administração da casa para que se pudesse assegurar a conservação das peças e manter o referencial cultural indígena e turístico. "A comunidade poderia gerenciar o museu. Essa é uma alternativa viável", aponta.

Norte-americano tentou fuga com metade das peças

O abandono que se constata no Centro de Valorização da Sabedoria Indígena, da vila de Alter-do-Chão, já se verifica há anos. Em julho de 2001, quatro meses após passar para a administração indígena, quase cinqüenta por cento de suas peças eram perdidas por causa do "arrastão" feito pelo próprio David Richardson. Ele havia levado as peças para Manaus, onde foi detido pela polícia do Amazonas e o acervo interceptado e recuperado. A polícia, naquela ocasião, informou que David teria levado mais de 500 peças indígenas. A interceptação foi feita a partir de uma ação da polícia de Santarém, que repassou todas as informações à polícia de Manaus, a partir de denúncia da mulher de Richardson, com quem estava em litígio por causa da separação judicial. Richardson era acusado de querer abandonar a mulher e vender as peças que seguiram em uma balsa. A intenção seria negociar as peças em Manaus e enviar parte para o exterior. O fato se configurou como crime porque as peças eram tituladas como de "utilidade pública".

Acervo considerado de utilidade pública

O museu foi iniciado por Richardson, aventureiro egresso da marinha norte-americana, que morou vários anos em Santarém e reuniu peças dos comunitários e das mais variadas tribos indígenas da Amazônia. Com o tempo, o norte-americano foi sentindo a dificuldade de manter a estrutura da casa e a conservação das peças. A partir daí tomou a iniciativa de buscar apoio. David tentou fazer negociações nas esferas públicas para tombar para o patrimônio histórico do Estado e do município. A oferta anunciada há cinco anos era de R$ 200 mil. Não conseguindo no Pará, tentou o Amazonas. Em 1996, o governo do Amazonas cogitou de comprar o museu. A secretaria de Cultura do Pará começou a se movimentar. O município também chegou a anunciar que esperava por uma decisão do Estado para definir sua participação. Tudo ficou no banho-maria. "O Estado ainda chegou a fazer um inventário do museu, mas não houve interesse porque concluiu que as peças não tinham valor arqueológico. Havia, sim, valor cultural e histórico, mas a importância era menor, porque eram peças manufaturadas na atualidade", lembra o ex-secretário municipal de Cultura, Hélcio Amaral de Souza. Por isso, explica Hélcio, o Estado não se interessou em fazer o tombamento para o patrimônio histórico. Mas reconheceu o valor das peças, por isso chegou a fazer a titulação de 'utilidade pública'. "Faltou boa-vontade política para que o museu fosse comprado. Pior será se, considerando que aquilo é um patrimônio particular, mas de quase domínio público, alguém mandar derrubar".

Administrador desapareceu

A iniciativa pelo caráter de "utilidade pública" das peças mudou os planos da administração, mas as dificuldades continuaram, porque o museu não recebeu nenhum recurso. Diante do impasse, somado à crise conjugal, Richardson decidiu repassar o acervo à administração indígena em meio a um seminário na Semana do Índio. Álvaro Sampaio Tucano assumiu a direção em nome da associação indígena Pamiriwi, mantendo o caráter não-lucrativo do museu. O Estado deveria apoiar o espaço como patrimônio cultural, mas isso não se efetivou. Considerado um autodidata, Álvaro Tucano chegou a inscrever-se num curso superior especial na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, mas como a definição demorou muito desistiu. Dizia que "na rua se aprende muita coisa" e que a sabedoria indígena continuaria viva e se perpetuaria. A sabedoria indígena, sim, mas ele, cerca de um ano depois, sumiu de Santarém, deixando o museu sem ninguém de referência. Nada se ouve falar sobre a associação indígena.

A frustração dos turistas

Caravanas de turistas de várias nacionalidades, que integram comitivas programadas, visitam Santarém durante todo o ano. Houve navio que aportou com 1.600 turistas e muitos destes seguiram até Alter-do-Chão para conhecer as referências amazônidas e naturais da região. Um dos pontos visitados era o museu. O coordenador da Agência de Turismo de Santarém, Emanoel Júlio Leite, lembra que houve caso de decepção de turistas. "O museu já constou no roteiro de visita dos turistas e, numa dessas caravanas, o grupo foi ao local e o encontrou fechado. Foi frustrante para eles e um grande prejuízo para nós". No museu do índio havia a referência de muitas nações indígenas do Brasil. Mas o município ainda mantém peças arqueológicas de indígenas da região, notadamente tapajoara, que podem ser vistas no museu municipal João Fona, abrigado no antigo prédio da Prefeitura, na frente da cidade. Nesse ponto, as relíquias dos povos indígenas da região continuam sendo atrativos.
 

Las noticias publicadas en el sitio Povos Indígenas do Brasil (Pueblos Indígenas del Brasil) son investigadas en forma diaria a partir de fuentes diferentes y transcriptas tal cual se presentan en su canal de origen. El Instituto Socioambiental no se responsabiliza por las opiniones o errores publicados en esos textos. En el caso en el que Usted encuentre alguna inconsistencia en las noticias, por favor, póngase en contacto en forma directa con la fuente mencionada.