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Depois de Belém: o legado da COP30 para defensores da Amazônia e do Sul Global

11/12/2025

Autor: Por Gabi Coelho

Fonte: InfoAmazonia - https://infoamazonia.org



Conferência amplia participação de povos e movimentos, reconhece direitos em acordos da ONU, mas deixa em aberto o enfrentamento a fósseis, minerais críticos, megaprojetos e à violência nos territórios.

Realizada pela primeira vez na Amazônia, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) colocou no mesmo território as mesas de negociação da Zona Azul e a pressão contínua de povos originários, comunidades tradicionais, organizações da sociedade civil e movimentos sociais do Sul Global. O legado da conferência para defensores ambientais não se resume ao que foi assinado em Belém, mas como as decisões globais, políticas nacionais e lutas territoriais se cruzaram antes, durante e depois do encontro.

De um lado, os textos oficiais da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) passaram a reconhecer, de forma inédita, populações afrodescendentes, direitos territoriais indígenas e consulta prévia como parte da política climática. De outro, os mesmos documentos evitaram enfrentar projetos que hoje mais ameaçam esses povos: combustíveis fósseis, mineração e grandes obras de infraestrutura. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro usou a COP30 para anunciar demarcações de terras indígenas e destravar processos internos, respondendo a pressões acumuladas de organizações indígenas que já vinham se organizando muito antes da chegada das delegações a Belém.

Então, depois da COP30, o que muda na política climática e no cotidiano de quem defende territórios, florestas e direitos na Amazônia e no Sul Global?

Combustíveis fósseis
A COP30 terminou sem mencionar combustíveis fósseis em nenhum dos 29 textos oficiais - um ponto que, para os observadores, destaca tanto o limite político da conferência quanto a urgência do debate que se desloca agora para o pós-Belém. Mesmo após sucessivas intervenções da ministra Marina Silva e do presidente Lula (PT), o mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis não entrou na agenda negociada.

A lacuna não passou despercebida. Durante o evento, a Colômbia anunciou que sediará, em abril de 2026, a primeira reunião internacional dedicada exclusivamente à transição dos combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que declarou toda sua Amazônia como zona livre de petróleo e mineração. A iniciativa, articulada fora dos canais formais da convenção, foi apresentada como resposta direta à omissão da COP.

No encerramento, o presidente da conferência, André Corrêa do Lago, propôs elaborar, igualmente fora da agenda oficial, dois "roadmaps": um para zerar o desmatamento e outro para orientar a transição energética. A medida evidencia que temas centrais ficaram relegados ao período pós-COP, e que parte do desfecho climático dependerá de processos paralelos à própria UNFCCC.

Além disso, o Brasil chegou a Belém sem apresentar o Plano Clima - o documento que deveria detalhar o caminho para cumprir a meta de reduzir entre 59% e 67% das emissões até 2035 - e saiu de lá também sem ele. A entrega esbarrou em um impasse com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa): o Ministério do Meio Ambiente (MMA) ainda nutria a expectativa de concluir a versão final aprovada pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), composto por 23 ministérios, mas o setor agropecuário, que reúne organizações e parlamentares, se posicionou contra a metodologia empregada.

Em diferentes versões de cálculo dentro do plano, a participação do agro variou de 68% para 31% das emissões brasileiras, sem consenso interno no governo. Para organizações indígenas e socioambientais, a divergência escancara um ponto fundamental: se o desmatamento é a maior fonte de emissões do país, o combate a ele deveria estar no centro do plano climático - e isso passa necessariamente pela demarcação de terras indígenas e pelo financiamento direto para comunidades que protegem a floresta.

Assim, a ausência do plano projetou um pós-COP carregado de incertezas: sem diretrizes claras, ficam indefinidos o orçamento climático de 2026, as ações de mitigação e adaptação e o papel que povos indígenas e comunidades tradicionais terão na execução das políticas.

Em entrevista à Repórter Brasil, o ativista nigeriano Kentebe Ebiaridor ressaltou que a prioridade deveria ser garantir segurança alimentar global, não abastecer a indústria. "Deveríamos ser capazes de unir nossos esforços e tentar alimentar o mundo, em vez de alimentar máquinas", declarou Ebiaridor, que coordena a Oilwatch International, organização dedicada a denunciar os impactos da indústria petrolífera sobre comunidades do Sul Global.

Para ele, "desfossilizar a economia é um imperativo", diminuir o consumo de petróleo, gás e carvão não é suficiente: "Precisamos de uma eliminação rápida." O ativista esteve na capital paraense para prestar homenagem a Ken Saro-Wiwa, escritor e ativista nigeriano que comandou uma resistência pacífica contra a atuação da Shell e outras petroleiras multinacionais em terras do povo Ogoni, na Nigéria.

O país africano figura como maior produtor de petróleo do continente e está entre os principais do planeta. Saro-Wiwa foi executado pelo governo nigeriano em 1995, poucos meses depois de ser laureado com o Prêmio Goldman, conhecido como o "Oscar" do ambientalismo.

Para defensores ambientais, especialmente na Amazônia e na América Latina, a ausência do debate sobre fósseis nos textos finais amplifica riscos já conhecidos. Brasil e Colômbia seguem entre os países mais perigosos do mundo para quem protege territórios - e, como mostraram organizações de direitos humanos durante a conferência, a expansão petrolífera e minerária está diretamente associada ao aumento das ameaças. Assim, o legado da COP30 depende do que vier depois: se os compromissos políticos anunciados ganharão forma prática ou se permanecerão apenas como declarações fora dos documentos oficiais.

Antes da COP30, a Funai já havia divulgado que as terras indígenas concentram menos de 3% do desmatamento nacional e funcionam como "barreiras naturais" contra a destruição ambiental. Ao mesmo tempo, dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que apresenta as taxas anuais de desmatamento, mostraram uma queda de 11% na Amazônia. O resultado criou um cenário contraditório: redução expressiva nas derrubadas, mas indefinição sobre como o país pretende consolidar ou ampliar essa tendência.

Em entrevista para a InfoAmazonia, o ativista humanitário brasileiro Thiago Ávila, e coordenador internacional da Coalizão da Flotilha da Liberdade de Gaza, aponta que a COP30 reproduz tensões e contradições estruturais presentes em outros espaços de negociação e poder.

"De um lado, a gente vê portas fechadas, os interesses de um sistema que tem muito dinheiro do petróleo e gás, da megamineração, até do agronegócio destruidor - aqui com muita força. Do outro lado - de fora - a gente vê os povos se mobilizando na cidade, no campo e na floresta, em todos os lugares do mundo, dizendo que o genocídio que a gente vê na Palestina, no Congo, no Sudão e o ecocídio que a gente vê na Amazônia, na Caatinga, na Mata Atlântica, em todos os biomas desse mundo, estão conectados por esse mesmo sistema que explora, oprime e que destrói a natureza".

De um lado, a gente vê portas fechadas, os interesses de um sistema que tem muito dinheiro do petróleo e gás, da megamineração, até do agronegócio destruidor - aqui com muita força. Do outro lado - de fora - a gente vê os povos se mobilizando na cidade, no campo e na floresta, em todos os lugares do mundo.

Thiago Ávila, e coordenador internacional da Coalizão da Flotilha da Liberdade de Gaza
Demarcação: pressão acumulada e anúncios na COP
Antes da chegada das delegações a Belém, lideranças indígenas já pressionavam pela conclusão de 107 processos de demarcação de Terras Indígenas. Em outubro, Kleber Karipuna, diretor executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), resumia a reivindicação: a demarcação de terras como uma das ações mais eficazes contra a crise climática. "A ciência comprova o que já sabemos: terra demarcada é floresta em pé e viva. Só nossos territórios na Amazônia geram 80% das chuvas que regam o agronegócio no Brasil", declarou.

Na segunda-feira, 17 de novembro, o governo brasileiro anunciou a emissão de portarias declaratórias para 10 novas Terras Indígenas, assinadas por Ricardo Lewandowski, em ação conjunta com o Ministério dos Povos Indígenas. Além das 10 declaradas, quatro Terras Indígenas foram homologadas e seis tiveram seus limites estabelecidos também durante a COP.

A medida deu visibilidade internacional à pauta indígena, mas se insere no campo da política nacional, e não como resultado direto da negociação entre as partes da Organização das Nações Unidas (ONU). As decisões respondem a uma mobilização prolongada, a denúncias de violência territorial e a pressões acumuladas antes da COP, que usaram a conferência como vitrine e oportunidade política.

Logo após os anúncios de demarcações feitas em Belém, a disputa política se intensificou no país. No Mato Grosso, por exemplo, o governador Mauro Mendes (União) anunciou que tentará judicializar três terras indígenas declaradas. Além disso, o agronegócio mobilizou uma ofensiva nacional contra as medidas. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão das novas portarias e decretos assinados, alegando "deslealdade" do Executivo e defendendo que nenhuma demarcação avance enquanto não houver definição sobre a lei do marco temporal - aprovada nesta semana pelo Senado, apesar de já a tesa já ter sido derrubada pelo próprio STF. A Frente Parlamentar da Agropecuária também apresentou à Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime contra Lula e o ministro Lewandowski, acusando-os de prevaricação por terem assinado as demarcações sem referência ao marco temporal.

A ofensiva ocorre em meio ao aumento da violência no campo: dias antes, um indígena Guarani Kaiowá foi assassinado durante um ataque de pistoleiros a uma retomada de terra no Mato Grosso do Sul. O pós-COP30, portanto, começa marcado não apenas por promessas de proteção, mas por um ambiente político que pode definir a velocidade - e a integridade - da implementação das decisões anunciadas em Belém.

A percepção de que a COP30 abriu espaço, mas não necessariamente garantias, também aparece no relato de outras lideranças indígenas que acompanharam o processo desde Belém. Para Keice Borari, do território Borari, em Alter do Chão (PA), o pós-COP será determinante para medir se a participação ampliada dos povos originários se traduzirá em proteção real.

"A COP 30, apesar de ser um espaço limitado, restrito, é onde as tomadas de decisão são somente feitas pelos grandes líderes mundiais. Nós, povos indígenas, estamos aqui para que eles possam entender definitivamente que nós, como guardiões do território, da terra, da mãe terra, não podemos ser esquecidos, não podemos ser ignorados. Não há justiça climática sem demarcação de territórios. Não se pode tomar decisões sem ouvir aqueles que estiveram aqui desde sempre, que foram os primeiros e que, por causa destes, nós estamos aqui também. Nós seguimos como guardiões e não vamos deixar que nossos territórios sejam invadidos, sejam loteados, sejam territórios de negociação".

Não há justiça climática sem demarcação de territórios. Não se pode tomar decisões sem ouvir aqueles que estiveram aqui desde sempre, que foram os primeiros e que, por causa destes, nós estamos aqui também. Nós seguimos como guardiões e não vamos deixar que nossos territórios sejam invadidos, sejam loteados, sejam territórios de negociação.

Keice Borari, do território Borari, em Alter do Chão (PA)
Na Marcha Global pelo Clima, no domingo, 15 de novembro, que levou milhares às ruas de Belém, a demanda por titulação também apareceu pela voz quilombola. Josenilson Brito de Carvalho, do Quilombo Lago do Sapateiro, em Guimarães (MA), disse à reportagem que marchava para defender "a titulação dos nossos quilombos já!". E provocou: "[O governo brasileiro] tem dinheiro para tantas outras coisas, por que não tem dinheiro para a demarcação das nossas terras? Sendo que nós quilombolas que defendemos e trabalhamos e conhecemos o meio ambiente?".

Quando questionado sobre o que diria se estivesse em uma reunião com um chefe de Estado global, Josenildo sintetizou: "Escute-nos!".

Transição energética justa
Pela primeira vez, populações afrodescendentes foram reconhecidas em textos aprovados pelas COPs - tanto no Programa de Transição Energética Justa - que também reconheceu o direito à consulta prévia, livre e informada a povos indígenas - quanto no Mutirão, nos indicadores da Meta Global de Adaptação e no Plano de Ação de Gênero de Belém.

Ao mesmo tempo, o texto final sobre transição justa retirou a menção aos impactos da mineração na economia de baixo carbono - preocupação central de indígenas e afrodescendentes cujos territórios concentram minerais estratégicos.

Ciro Brito, analista de políticas climáticas no Instituto Socioambiental (ISA), destaca o caráter inédito do texto. Ele confirma que a consulta prévia, livre e informada aparece claramente referida a povos indígenas no programa de transição energética justa.

"Isso é uma demanda do caucus indígena [grupo de articulação política que reúne lideranças, delegações e organizações indígenas para construir posições comuns dentro das negociações climáticas da ONU] e da Cúpula dos Povos. A consulta livre, prévia e informada é uma grande vitória e, sim, é a primeira vez que aparece num texto de decisão final da Convenção-Quadro sobre Mudanças do Clima".

Brito lembra que a consulta já vinha sendo reiterada em espaços judiciais, nacionais e internacionais, e em outras instâncias da ONU, mas não no âmbito das COPs. "É uma vitória muito grande, porque reconhece a autonomia dos povos indígenas, a soberania dos povos indígenas, que é um dos grandes pleitos da NDC indígena da Apib, por exemplo: autonomia e financiamento direto", afirma.

É uma vitória muito grande, porque reconhece a autonomia dos povos indígenas, a soberania dos povos indígenas, que é um dos grandes pleitos da NDC indígena da Apib, por exemplo: autonomia e financiamento direto.

Ciro Brito, analista de políticas climáticas no ISA
Ele também aponta a contradição de discutir transição energética sem enfrentar a geografia da mineração: "como é que a gente pensa uma transição em que as supostas energias renováveis vão utilizar minerais críticos que estão majoritariamente sobre o território de comunidades tradicionais, como os indígenas, sem fazer essa relação com consulta livre e prévia informada?".

Apesar disso, Brito explica que o fato de o reconhecimento aparecer no documento sobre transição energética é considerado um ponto central. "A transição energética depende de minerais críticos, e grande parte deles está em territórios indígenas e tradicionais. A inclusão da consulta força que esses processos considerem a autonomia e os direitos desses povos", explica.

Já Juliana Tinoco, coordenadora da Alianza Socioambiental Fondos del Sur e responsável pela organização da Casa Sul Global na COP30 - espaço alternativo do Sul Global para debater soluções climáticas sob a perspectiva dos mais impactados- afirma que, mesmo com o reconhecimento formal de povos indígenas, quilombolas e afrodescendentes nos textos oficiais, ainda não está claro como - ou se - isso se traduzirá em recursos efetivos.

"Se o financiamento continuar centralizado em grandes fundos internacionais e condicionado a métricas de mercado, quem vive nos territórios continuará fora da arquitetura financeira. Defensores ambientais precisam de modelos específicos de financiamento, desenhados para garantir segurança e autonomia", avalia Tinoco.

Para ela, um dos efeitos mais visíveis da COP foi o aumento da capacidade de articulação entre atores do Sul Global, como América Latina, África, Sudeste Asiástico: "A conferência abriu espaço para conversas e alianças que não cabem na Zona Azul. A presença ampliada de povos indígenas, quilombolas e organizações de base influenciou debates e reforçou a necessidade de mecanismos próprios do Sul Global."

Gênero e raça
No Plano de Ação de Gênero, o termo "afrodescendente" só entrou após pressão popular e política. O primeiro rascunho, apresentado no dia 18 de novembro, citava apenas "mulheres", sem explicitar raça, classe e território.

Quando o texto preliminar foi publicado, o Geledés - Instituto da Mulher Negra - questionou, em nota: "Fica a pergunta inevitável: por que União Europeia, Reino Unido e Austrália - tão vocais sobre direitos humanos e justiça climática - se recusam justamente a reconhecer aqueles que mais sofrem com o racismo ambiental, a desigualdade de gênero e os impactos diretos da crise climática?".

Em entrevista à InfoAmazonia, Joanita Babirye, cofundadora da Girls for Climate Action, movimento jovem e feminista de Uganda, alertou para a importância das mulheres na luta climática: "A resistência feminista é uma força global que conecta a Amazônia à África e à Uganda". Para ela, "como meninas, jovens mulheres e mulheres, somos nós que buscamos alimento. Somos vítimas dos impactos climáticos, mas também estamos liderando a mudança em nossas comunidades, porque somos portadoras de conhecimento, temos conhecimento indígena necessário para impulsionar a ambição climática, a adaptação e a construção da nossa própria resiliência".

Com a inclusão do termo no texto final, em 22 de novembro, o instituto classificou a mudança como conquista histórica: "Para Geledés, incorporar afrodescendentes na arquitetura decisória do clima corrige silenciamentos de décadas e alinha a política internacional às realidades de populações que, embora sejam as mais afetadas, seguem produzindo saberes, práticas e soluções essenciais de resiliência territorial".

Para Thuane Nascimento, a Thux, diretora da PerifaConnection e integrante da COP das Baixadas e da Cúpula dos Povos, um dos principais avanços da COP30 foi esta conquista do movimento negro ao conseguir pela primeira vez inserir o termo "afrodescendentes" em quatro textos oficiais. "Isso aí foi um grande marco, era uma das nossas grandes expectativas para a COP30", afirma, ressaltando que foi resultado de uma construção feita ao longo de vários eventos internacionais. Ela também destaca avanços no Acordo de Escazú, tratado latino-americano sobre acesso à informação e proteção de defensores ambientais, ainda que considere que não seja o ideal. "Eu acho isso extremamente importante para poder fazer a defesa dos defensores", diz.

Thuane lembra que durante a semana da COP30 foram assassinadas duas quebradeiras de coco babaçu no Maranhão, "mulheres mais velhas que foram assassinadas no exercício da quebra do coco, mulheres também ligadas à questão de proteção da terra". Para ela, "isso é algo que precisa avançar, assim como essa violência de gênero com os defensores" - uma realidade que atinge defensores em toda a região amazônica e em outros países do Sul Global.

Além do simbolismo, organizações negras apontam que o reconhecimento abre espaço para disputas políticas mais concretas nos próximos anos. Isso inclui a possibilidade de reivindicar participação direta em programas de adaptação, maior acesso a recursos climáticos e mecanismos formais de consulta - áreas em que populações afrodescendentes historicamente ficaram à margem, apesar de estarem entre as mais impactadas por eventos extremos, racismo ambiental e perda de território.

Ao mesmo tempo, especialistas lembram que a menção no texto não garante, por si só, mudanças imediatas: sem diretrizes operacionais e recursos dedicados, o avanço corre o risco de permanecer apenas no plano normativo. O desafio do pós-COP será transformar esse reconhecimento em instrumentos aplicáveis e financiados.

Financiamento climático
A COP30 decidiu triplicar o financiamento de adaptação até 2035, mas a medida veio acompanhada de ressalvas que preocupam especialistas. Segundo Cláudio Angelo, do Observatório do Clima, o aumento foi vinculado à Meta Quantificada Global de financiamento climático negociada em Baku, na COP29, o que significa que esses recursos virão de múltiplas fontes - incluindo capital privado e empréstimos de bancos multilaterais - e não apenas de doações públicas, como defendem os países em desenvolvimento.

"Isso não é bom, porque quando você faz essa vinculação, está dizendo que esse dinheiro é empréstimo, não vai ser doação como precisaria ser para o financiamento de adaptação", explica Angelo. Na prática, segundo ele, isso significa que países pobres terão que contrair empréstimos e aumentar suas dívidas para lidar com impactos climáticos que não causaram - "o que é ridículo", critica.

Já sobre a meta mais ampla de mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para financiamento climático, Angelo explica que a conferência se limitou a "tomar nota" de um relatório que havia sido encomendado na COP29. O documento, elaborado ao longo do ano pelas presidências do Brasil e do Azerbaijão, apresenta um roteiro de como os países poderiam atingir esse valor e de onde viriam os recursos. "Foi só isso que aconteceu: um relatório", resume o especialista. Segundo ele, não houve avanços concretos em termos de compromissos financeiros dos países.

Outro ponto importante, segundo Angelo, foi a criação de um programa de trabalho para discutir o Artigo 9.1 do Acordo de Paris - que estabelece que países desenvolvidos "devem prover" recursos de financiamento climático aos países em desenvolvimento. Ele explica que essa expressão tem um sentido específico na linguagem diplomática: significa dinheiro público ou empréstimos altamente concessionais, com juros baixíssimos.

A decisão final, incluída no texto Mutirão de Belém, prevê discutir o 9.1 "no contexto do artigo 9o como um todo" - uma concessão aos países ricos, explica Angelo, que querem ampliar a base de doadores para incluir nações que eram consideradas em desenvolvimento em 1990, mas enriqueceram desde então, como China e Arábia Saudita. "Uma coisa assim, meio deles dizerem: eu não vou pagar o que eu devo e além de tudo tem gente aí que precisa pagar também", resume.

Para Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, a participação de comunidades indígenas, quilombolas e demais grupos tradicionais é decisiva para que o futuro roadmap de financiamento não se torne apenas um relatório sem aplicação prática. "Para evitar isso, as partes, a sociedade civil e os atores interessados precisam se apropriar do processo", defende.

O financiamento saiu da COP30 sem definições que garantam previsibilidade ou acesso direto para povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais - que estão entre os grupos que mais reivindicam esses recursos.

Na prática, o legado imediato para defensores ambientais é um cenário aberto: não há mecanismos específicos que assegurem que o dinheiro chegue a quem atua no território; a Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG), definida na COP29, permite que empréstimos substituam recursos públicos, o que pode aprofundar desigualdades; e o programa de trabalho de financiamento, a ser construído nos próximos dois anos, se torna o principal campo de disputa política.

Para os defensores e comunidades tradicionais, será preciso acompanhar de perto como o Brasil e outros países vão negociar as regras de acesso aos fundos e de que forma os critérios de salvaguarda e participação serão incorporados. Além disso, é importante observar se haverá espaço para modelos próprios de financiamento do Sul Global, como defendem alianças de fundos comunitários.

Para Tinoco, o pós-COP será uma etapa decisiva - especialmente na agenda de financiamento.

"As comunidades já desenvolvem soluções e protegem seus territórios. A questão agora é entender como o financiamento chega, em que condições e por meio de quais mecanismos", explica.

Bruna Balbi, advogada da organização Terra de Direitos, destaca que o pós-COP exigirá atenção tanto às disputas políticas quanto aos instrumentos financeiros associados à agenda climática.

"Vamos acompanhar se as demarcações avançam e como os recursos serão administrados. Atrelar políticas territoriais a mecanismos financeiros, como o TFFF [ Tropical Forest Forever Facility, na sigla em inglês; em português, Fundo Florestas para Sempre], pode criar condicionantes que não necessariamente fortalecem a autonomia das comunidades", diz.

O TFFF é um mecanismo financeiro internacional, anunciado pelo governo brasileiro na COP30, proposto para captar recursos privados e públicos destinados à proteção de florestas tropicais. Ele foi organizado a partir de metas de desempenho e pagamentos vinculados a resultados mensuráveis. Embora seja apresentado como solução para ampliar o fluxo de recursos climáticos, críticos alertam que modelos baseados em performance podem submeter territórios a métricas de mercado, auditorias externas e requisitos que nem sempre dialogam com os modos de vida e governança tradicional.

Balbi ressalta, ainda, que a proteção de defensoras e defensores permanece como ponto crítico e defende o Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe voltado a garantir três pilares: acesso à informação, participação pública em decisões ambientais e proteção de ativistas de direitos humanos e ambientais. No Brasil, o acordo avançou na Câmara dos Deputados, mas ainda precisa ser aprovado no Senado para entrar plenamente em vigor no país.

"A ratificação do Acordo de Escazú seria um passo fundamental para reduzir riscos de violência e ampliar garantias de participação. Sem ele, permanecem lacunas importantes", explica.

Balbi avalia que o contraste entre o ritmo lento das negociações e a mobilização social alterou a percepção sobre onde os principais avanços ocorreram.

"Os governos recuaram em pontos centrais, como combustíveis fósseis e financiamento climático. Mas a sociedade civil conseguiu avançar em articulação política e no diagnóstico comum sobre as causas estruturais da crise socioambiental. O maior legado da COP, neste momento, veio da capacidade de organização dos povos e movimentos", afirma.

Os governos recuaram em pontos centrais, como combustíveis fósseis e financiamento climático. Mas a sociedade civil conseguiu avançar em articulação política e no diagnóstico comum sobre as causas estruturais da crise socioambiental. O maior legado da COP, neste momento, veio da capacidade de organização dos povos e movimentos.

Bruna Balbi, advogada da organização Terra de Direitos
Olhando para o futuro da implementação dos compromissos assumidos na COP30, Cláudio Angelo, do Observatório do Clima, aponta que o papel da sociedade civil e da imprensa será determinante. "Isso tem muito a ver com o papel da sociedade civil e da imprensa de expor os países que não cumprem seus compromissos, que não fazem o que deveriam fazer", afirma.

Segundo Angelo, a pressão precisará vir de dentro de cada país: "A sociedade civil de cada país precisa pressionar para que cada país tenha a meta mais ambiciosa possível, implemente essa meta mais ambiciosa possível". Para ele, essa mobilização doméstica será essencial nos próximos anos porque a implementação do Acordo de Paris é, por excelência, uma responsabilidade nacional - e caberá aos movimentos sociais e à imprensa garantir que os governos cumpram o que prometeram em Belém.

As entrevistas realizadas pela InfoAmazonia indicam que o pós-COP30 será marcado por três eixos de disputa: execução das decisões anunciadas, definição das regras de financiamento climático e proteção dos defensores ambientais em um contexto de pressões políticas crescentes.

A leitura comum entre as fontes é que o peso da conferência não deve ser confundido com proteção concreta no território. O efeito real - positivo ou não - dependerá da implementação. Como resume Bruna Balbi: "A disputa por terra, água, floresta e direitos continua. A COP reorganizou atores e expectativas, mas o que importa agora é o que acontece depois de Belém."

https://infoamazonia.org/2025/12/11/depois-de-belem-o-legado-da-cop30-para-defensores-da-amazonia-e-do-sul-global/
 

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