De Povos Indígenas no Brasil
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“Já me questionaram sobre como era o feminismo indígena, como era o feminismo nas aldeias. Eu respondo que o nosso feminismo é inconsciente, porque elas já tem o empoderamento, elas já têm suas autonomias.”

Luana Kumaruara


Luana Kumaruara à esquerda, segurando a faixa, durante a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas em 2019, em Brasília (DF). Foto: Beatriz Moraes Murer/ISA.Luana Kumaruara à esquerda, segurando a faixa, durante a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas em 2019, em Brasília (DF). Foto: Beatriz Moraes Murer/ISA.


Sou Luana Kumaruara, liderança indígena da região do Tapajós, município de Santarém, Pará.


O que que te trouxe à primeira marcha das mulheres indígenas?

Eu venho desenvolvendo um trabalho com as parentas indígenas desde 2016, e isso era um momento muito esperado nosso, vindo de um longo tempo de construção das mulheres. Precisamos dialogar com as outras mulheres indígenas das outras regiões. Há muitos empecilhos, vindo também da instância jurídica e, de certa forma, é um problema lidar com isso. Temos nos organizado, mas precisamos nos fortalecer ainda mais. Então, a Marcha das Mulheres é uma forma de alinhamento de nossa diversidade cultural, diversidade para poder se fortalecer. Precisamos nos fortalecer. Algo que percebi, na questão judicial, é que quem criou as leis foram os homens, quem julga as leis são homens. Temos que conversar entre as mulheres sobre nosso pensamento diferente e realizar uma desconstrução de muitas coisas. E… construir novas coisas. A questão das mulheres indígenas é inédita em nível brasileiro, de América Latina - e a nível mundial também.

E o que você acha que é particular do movimento das mulheres indígenas em relação ao movimento indígena?

Já me questionaram sobre como era o feminismo indígena, como era o feminismo nas aldeias. Eu respondo que o nosso feminismo é inconsciente, porque elas já tem o empoderamento, elas já têm suas autonomias. Às vezes ela não tem espaço para falar, mas dentro de casa, dentro da aldeia, elas deliberam e dão sugestões. Aquilo que muitas mulheres procuram no feminismo, elas já tem: força, garra, energia (inclusive de trabalhar com o “pesado”). O que muitas vezes move economicamente nossas aldeias é feito por mulheres: pimenta, remédios, artesanato. A comercialização fica geralmente por parte dos homens, pois as mesmas muitas vezes não falam o português. O que se tem de diferente em relação ao feminismo é a busca do diálogo com os homens, pois aprendemos com eles, que estão em espaço de pajé, cacique, espaços fora das aldeias. Precisamos aprender com eles e não atacar. Muitos se sentem ameaçados, achando que vamos tomar os espaços deles. E não é isso: a gente não quer destruir família! Queremos fortalecer, queremos construir, queremos paz em nossas aldeias, paz nas famílias e evitar violência para com as nossas mulheres, menos assassinato das nossas mulheres. Não dá mais para ver que existem leis que não contemplam a nossa realidade. Estamos em um processo de construção. É a primeira vez que muitas estão saindo de seus territórios, elas precisam ver como funciona o mundo aqui fora. E a Marcha é um passo muito grande, ao reunir mais de 2.000 mulheres.

Se você fosse passar uma mensagem às mulheres indígenas que não puderam comparecer a Marcha, o que você diria a elas?

Sei que minhas parentas não puderam estar presentes em corpo, mas em espírito conseguimos nos conectar. Estamos sentindo essa energia. Não foi dessa vez, mas na próxima estaremos juntas. Vamos continuar remetendo aos nossos antepassados para fortalecer nossa luta, tudo vai dar certo e vamos nos juntar alguma hora!


A entrevista acima foi registrada em 2019, durante a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília (DF), por Selma Gomes, Beatriz Murer, Daniele Leal, Mariana Furtado e Silvia Futada.