De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Antônio Carlos Moura, s/d

Tapirapé

Autodenominação
Apyãwa
Onde estão Quantos são
MT, TO 917 (Siasi/Sesai, 2020)
Família linguística
Tupi-Guarani

Os Tapirapé constituem um povo Tupi-Guarani habitante da região da serra do Urubu Branco, no Mato Grosso. Em decorrência do contato com as frentes de expansão, a partir de meados do século XX, sofreram intensa depopulação, período em que estreitaram suas relações com grupos Karajá, até então seus inimigos. Depois de terem seu território tradicional ocupado por fazendas de agropecuária, na década de 1990 conseguiram reconhecimento oficial de duas TIs, sendo uma delas coabitada pelos Karajá. Mas na TI Urubu Branco ainda enfrentam problemas fundiários, em razão de invasões de fazendeiros e garimpeiros.

Localização e população

Os Tapirapé vivem numa região de floresta tropical, com flora e fauna tipicamente amazônicas, entremeada de campos limpos e cerrados. Agricultores, suas aldeias tradicionalmente se localizam nas proximidades de densas florestas em terrenos altos não inundáveis, onde mantém suas roças. Tapi’itawa, a aldeia mais conhecida do grupo, reproduz as condições ideais para a localização de uma aldeia: terreno não-inundável próximo a florestas altas para agricultura, também com proximidade a campos abertos marginais aos afluentes do Araguaia e a um córrego de existência perene mesmo durante a estação seca. Os Tapirapé exploram alternadamente esse ambiente, segundo a época do ano e atividade a que se dedicam: agricultura, caça, coleta e pesca.

Histórico da ocupação

Meninos Tapirapé. Foto: Antônio Carlos Moura, s/d.
Meninos Tapirapé. Foto: Antônio Carlos Moura, s/d.

Os Tapirapé são um grupo indígena originário do baixo curso dos rios Tocantins e Xingu, onde viviam até o século XVII. Chegaram à região marginal ao médio curso do Araguaia por volta da segunda metade do século XVIII. Sua presença é anotada ao norte do rio Tapirapé a partir desse mesmo século (Baldus, 1970).

A antiguidade dos contatos dos Tapirapé com seus vizinhos Karajá e Kayapó remonta a épocas anteriores ao século XVII. Desde então, oscilam de amistosa convivência a hostilidades e enfrentamentos. Os Tapirapé têm uma série de narrativas históricas e mitológicas que assinalam sua presença secular nas matas da margem esquerda do rio Araguaia, especificamente na região de serras conhecidas como Urubu Branco, no norte da Ilha do Bananal, foz do rio Javaé, e médio curso do rio Araguaia.

Grandes deslocamentos de grupos indígenas na região central do Brasil ocorridos até o século XIX os levaram de encontro aos Tapirapé nas matas paraenses, fazendo com que estes últimos se refugiassem nas matas próximas à margem esquerda do baixo Araguaia. Na história do grupo, do séc XVIII até o presente, vemos os Tapirapé entrando em contato com diversos grupos Karajá cujos territórios iam contornando, à medida que se aproximavam da Ilha do Bananal, num vigoroso movimento rumo sul: com os Karajá do Norte no Baixo Araguaia, como os Javaé no interior da ilha e com os Karajá no médio Araguaia e foz do Tapirapé.

No final do século XVIII e início do XIX, os Tapirapé encontravam-se divididos. Uma parte estava na margem esquerda do Araguaia, no estado do Pará, pouco acima de sua divisa atual com o Mato Grosso. Suas aldeias iam do Pará até o norte e arredores do rio Tapirapé já no século XVIII. Outra parte do grupo encontrava-se na Ilha do Bananal (atual estado do Tocantins), em contato com os Javaé. Alcançaram a ponta norte da ilha já em 1775 (Baldus, 1970). Mantinham intensa comunicação com os Javaé, principalmente das aldeias Wariwari e Imotxi, com visitas, comércio regular e intercâmbio de canções e rituais.

O território dos Tapirapé em 1900 e pouco antes dessa data era compreendido pela margem esquerda do rio Araguaia, até pouco acima da atual divisa dos estados de Mato Grosso com o Pará. Eram aproximadamente 1.500 pessoas vivendo em cinco aldeias, todas localizadas próximas aos tributários da margem esquerda do Araguaia. Os nomes dessas aldeias eram (do norte para o sul): Anapatawa, Xexotawa (grafado “Chichutawa”), Moo’ytawa (“Moutawa”), Makotawa (“Mankutawa”), e Tapi’itawa (“Tampiitawa”) (Wagley, 1988: 49).

Os Tapirapé, principalmente os das aldeias setentrionais, eram seguidamente atacados por grupos Kayapó; à leste, procuravam manter-se longe do curso principal do Araguaia, por temor a certas aldeias Karajá. Ainda assim o etnógrafo alemão Krause, em 1908, aponta intenso contato entre grupos Tapirapé e Karajá da aldeia do capitão João e da Barra dos Tapirapé. Informa também que esses contatos intermitentes oscilavam entre a cordialidade e hostilidade (Krause, 1940-44 e Wagley, 1988).

Dentre os grupos Karajá destacam-se os Javaé, com os quais mantiveram relações pacíficas e posteriormente hostis no século XIX. Com os Karajá propriamente ditos mantém relações mais próximas no tempo: desde a metade do século XIX até o presente. Os Karajá setentrionais, principalmente, costumavam visitá-los durante a estação seca quando o grupo se encontrava nos campos ao sul da serra do Urubu Branco. Eram expedições de comércio que não raro degeneravam em choques armados, emboscadas ou surpresas sangrentas. Próximo a um local denominado Tyha, na beira do rio Tapirapé ao sul da serra do Urubu Branco, os Tapirapé assinalam dois cemitérios de guerreiros Karajá mortos aproximadamente em 1905 ou 1910 em dois grandes combates havidos no campo. Os Karajá procuravam, sobretudo, pilhar os bens dos Tapirapé e raptar crianças e mulheres. Com efeito, boa parte do visitantes ocidentais que estiveram entre os Karajá setentrionais, no fim do século XIX e início do presente, registram mulheres, moças e crianças tapirapé que viviam como cativos.

A partir do início do século XX os Tapirapé passaram a sofrer ataques dos Kayapó cada vez mais freqüentes, o que forçou o abandono de suas aldeias setentrionais, no sul do Pará e norte de Mato Grosso, próximas ao interior da atual Conceição do Araguaia e Vila Rica, e a se concentrarem naquelas localizadas nas proximidades de serras, matas e campos do médio curso do rio Tapirapé, já em terras matogrossenses. Os atuais Tapirapé designam o local dessas aldeias habitadas nas primeiras três décadas do século XX como Yrywo’ywawa, “local onde o Urubu Branco bebe”, ou, como é conhecida regionalmente, “serra do Urubu Branco”. Este território compreende matas de terras altas, num relevo composto de serras e terrenos planos. A serra do Urubu Branco localiza-se à direita da “serra dos Tapirapé” e, junto com esta última, compõem um avanço da serra do Roncador em direção ao Araguaia. A partir dessas aldeias, com grandes roças localizadas nos contrafortes de serras, atingiam também uma grande extensão de campos marginais a rios tributários do Araguaia, especialmente durante a época do verão, em longas expedições de caça e coleta.

Ao norte dessa região, nas imediações do rio Beleza, estava a aldeia de Xexotawa, uma das mais setentrionais e única a permanecer habitada até o final do período. A oeste e ao sul o limite de seu território era marcado pela ocupação das aldeias de Tapi’itawa, Tokynookwatawa e Xoatawa.

Na aldeia Tapirapé existem cerca de dez casais “mistos”, isto é, formados por homens tapirapé e mulheres karajá. Estas uniões, iniciadas já na década de 50 e 60, respondiam, inicialmente, a uma necessidade de recomposição populacional do grupo, que sofreu forte depopulação. Havia, sobretudo, uma grande escassez de mulheres, o que fez com que muitos jovens tapirapé se casassem e fossem morar por um período junto aos pais da noiva, uma vez que os Karajá, como os Tapirapé, são matrilocais (ao casar-se o genro deve morar na casa de seu sogro).

Procurando escapar ao alcoolismo e à hegemonia política do grupo familiar dominante na aldeia Karajá de Itxala, se formou em 1990, a apenas 5000 metros da aldeia Tapirapé de Tawyao, uma nova aldeia Karajá, denominada Tytema, formada por duas grandes famílias extensas unidas pelo casamento de seus filhos. Boa parte desses Karajá são evangélicos, parcialmente em resposta ao problema que enfrentam com o alcoolismo.

Histórico do contato

Volta do inspetor Mandacaru à aldeia Tapirapé. Foto: acervo SPI, 1912.
Volta do inspetor Mandacaru à aldeia Tapirapé. Foto: acervo SPI, 1912.

Desde 1910 até 1947 os habitantes de Tapi’itawa, a maior aldeia do grupo, receberam visitas contínuas de funcionários do antigo SPI (Serviço de Proteção aos Índios), prospectores de látex, missionários dominicanos, protestantes, antropólogos e visitantes nacionais e estrangeiros. Essa aldeia, onde a população Tapirapé se refugiou no período de intensa depopulação, é uma das mais antigas e porta de entrada para o território Tapirapé.

O violento aparecimento de malária, gripe e simples resfriados fez sua população despencar para menos de cem pessoas no final da década de 1940 (Baldus, 1970). Com a diminuição da população, os remanescentes passam a se concentrar na aldeia de Tapi’itawa, procurando contato com a população regional e distância dos pontos setentrionais de seu território, permanentemente atacados por grupos Kayapó.

Em 1946, não obstante, a nortista aldeia de Xexotawa é novamente ocupada por um grupo de moradores liderados por Kamaira, importante líder familiar registrado por Wagley (1988). Cerca de duas dezenas de pessoas acompanham Kamaira. Esse grupo optou por viver numa aldeia que não estivesse tão sujeita a contatos com estrangeiros e às doenças trazidas por estes últimos.

Em 1947 Tapi’itawa sofreu um grande ataque, praticado pelos Kayapó Metyktire. A aldeia foi saqueada e a maior parte de suas casas, inclusive a Casa dos Homens, queimadas. Algumas mortes ocorreram, fazendo com que os Tapirapé de Tapi’itawa se dispersassem por núcleos regionais, buscando refúgio em fazendas da região e no Posto Indígena Heloísa Alberto Torres (atual PI Tapirapé/Karajá), do SPI.

A população de Xexotawa, entrementes, também sofreu um grande ataque Kayapó. A data não pode ser precisada porque o grupo se encontrava sem contato com a população nacional. O ataque noturno dos Kayapó fez com que sua população se dispersasse e se dividisse em dois grupos, isolados um do outro, e cujos membros ignoravam o destino dos demais, julgando-os perdidos ou mortos.

Um grupo dirigiu-se para o sul, reocupando o local da aldeia Xoatawa, enquanto os demais permaneceram nas proximidades da aldeia de Xexotawa, localizada nos arredores do alto curso do rio Crisóstomo. Tanto o grupo de Xoatawa quanto o de Xexotawa permaneceram rigorosamente isolados no meio da mata. Perderam contato com os demais Tapirapé, com a população nacional e com outros grupos indígenas por várias décadas até serem reunidos com os demais Tapirapé. Os habitantes dessas duas aldeias permaneceram vivendo nas proximidades da região que atualmente se designa com “serra do Urubu Branco”.

Novas frentes de expansão

Embora a ocupação de não-índios na região date desde os anos 1940, é a partir da década de 50 que ela se intensifica, com as novas frentes de expansão da sociedade nacional, representadas pela pecuária através de grandes empresas agropecuárias e especuladores de terra, beneficiados por uma política de incentivos fiscais originários da Sudam, Banco da Amazônia do programa Polomazônia, se pautando em duas diretrizes básicas: (1) melhoria e ampliação da rede de estradas vicinais de apoio à pecuária e (2) desenvolvimento e consolidação da atividade pecuária.

Em 1954 a Civa (Companhia Imobiliária do Vale do Araguaia) instala-se na nascente povoação de Santa Teresinha. Essa empresa obtivera do governo do Mato Grosso concessão para a compra e venda de títulos de extensas áreas do Araguaia. A Companhia Colonizadora Tapiraguaia, sucessora da Civa que encerrou suas atividades por insolvência no final da década de 50, continuou a negociar os loteamentos incidentes em TI Karajá e Tapirapé.

Todo o território imediatamente ao norte do rio Tapirapé – onde se incluíam o Posto Indígena Heloísa Alberto Torres e as terras habitadas tradicionalmente pelos Tapirapé e Karajá da barra do Tapirapé – fora dividido em “lotes” e vendido a particulares sem maiores delongas. As terras das aldeias da área da serra do Urubu Branco também foram loteadas e tituladas através dessa bizarra concepção original de que seriam terras devolutas e sem ocupação. As terras de Santa Teresinha, atualmente sede do município de mesmo nome, também foram loteadas e vendidas a fazendas que exigiram a retirada imediata de seus moradores tradicionais.

Missão Irmãzinhas de Jesus

Segundo Wagley (1988), em 1950 o responsável pelo Posto, Valentim Gomes, com a ajuda dos missionários Dominicanos, persuadiu as dispersas famílias tapirapé a se reunirem e formarem uma aldeia perto do posto do SPI. A reunião, no entanto, foi parcial, pois permaneceram na área do Urubu Branco os habitantes da aldeia Xoatawa; nas cabeceiras do córrego Gameleira e ao norte da área, o grupo que ficou na região de Xexotawa. Portanto, a instalação da população Tapirapé na nova aldeia, que dista aproximadamente 80 km de Tapi’tawa, e junto à barra do rio que leva o nome do grupo, foi feita por representantes do SPI e não representou uma proposta do próprio grupo indígena.

A partir de 1951, a Missão das Irmãzinhas de Jesus, a pedido do bispo dominicano de Conceição do Araguaia, instala-se junto à aldeia da barra do rio Tapirapé, passando a dar assistência aos Tapirapé na área de saúde. Na década de 70, um casal leigo da equipe da pastoral indigenista da prelazia de São Félix do Araguaia iniciou um projeto de alfabetização na língua nativa.

A chegada da missão, bem como o início de uma assistência regular e de excelente qualidade ao grupo, marcaram também o início da recuperação demográfica dos 51 Tapirapé (Wagley, 1988) reunidos na aldeia nova, Tawyao, próxima ao posto do SPI. Os habitantes de Xoatawa e Xexoatawa, no entanto, permaneceram sem apoio assistencial e tiveram sua população continuamente reduzida pela ação de doenças, ataques de animais selvagens e fome.

Uma vez instalados próximos à aldeia Karajá da barra do Tapirapé, as relações entre os grupos Karajá e Tapirapé ficaram mais amenas e os grupos iniciaram, em 1949-50, um profundo intercâmbio social e econômico.

Em 1964 o primeiro grupo dos remanescentes de Xexotawa fez contato com a população regional de Lago Grande, às margens do Araguaia. Eram três mulheres e duas crianças. Haviam atingido Lago Grande margeando lentamente o rio Crisóstomo e a região entre este e o córrego Antônio Rosa. Pertenciam a um grupo tapirapé que havia permanecido dezoito anos isolado na mata. Nessa ocasião, são trazidos para a nova aldeia. Em 1970 o último grupo remanescente de Xexotawa topou acidentalmente com um caçador regional, conseguindo estabelecer contato pacífico, reencontrando assim seus ex-parentes que moravam na aldeia nova, junto ao posto.

Empresas e posseiros

Nas décadas de 1970 e 80 houve na região da Serra do Urubu Branco e em suas proximidades um violento enfrentamento entre grandes empresas e posseiros pioneiros na ocupação não-indígena da região. Muitas vezes através de pressões, da atuação de milícias armadas e do constrangimento ilegal de modestos posseiros, as grandes empresas agropecuárias forçaram a compra, mudança ou simplesmente expulsaram estes últimos das terras que ocupavam.

Na década de 70, em pleno regime militar, a política do Governo Federal, em especial do Ministério do Interior ao qual se ligava a Funai (Fundação Nacional do Índio), enfatizava a necessidade de ocupação da Amazônia. A oposição às legítimas pretensões territoriais dos Tapirapé foi centralizada pela figura do Coronel Nobre da Veiga, na época o presidente da Funai, e pelo então diretor do Parque Indígena do Araguaia, sargento José Tempone. Os Tapirapé receberam, no clímax das tensas negociações com o Governo Federal e sua agência indigenista em 1981, o apoio da Prelazia de São Félix do Araguaia, da Igreja Católica e de numerosas entidades civis do Brasil e do exterior, que exigiam o cumprimento da Constituição pelo Governo Federal. O “caso Tapirapé”, em que Igreja e sociedade civil aliaram-se na defesa de um caso exemplar, frente a um Estado autoritário e que agia ao arrepio da lei, tornou-se paradigmático das relações índios e Estado nacional nesse período.

As grandes fazendas, com seus sucessores na cadeia dominial, formam a base da ocupação da região com a qual se chocam até os dias de hoje os Tapirapé, os Karajá e outros grupos regionais que foram ilegalmente despojados de suas terras por ato incorreto do estado do Mato Grosso.

Na região em torno do Urubu Branco, principalmente no final da década de 80 até os dias de hoje, registra-se uma série de sangrentos conflitos envolvendo trabalhadores rurais e milícias de fazendeiros locais. Existe nessa região, considerada uma das mais explosivas do país em termos do processo de ocupação fundiária, o costume, por parte de fazendas e grupos econômicos, de contratarem grupos de indivíduos, “pistoleiros”, que formam verdadeiras milícias armadas a assegurarem a integridade do que julgam suas propriedades.

Com o reconhecimento da TI Tapirapé/Karajá em 1983, os Tapirapé passam já no ano seguinte a reivindicar seu território tradicional, o qual nunca deixaram de ocupar: a região do Urubu Branco. Durante o período que vai de 1950 a 80 utilizaram-no como local de moradia até os anos 70 e, posteriormente, como zona de caça, coleta e práticas religiosas.

Em 20 de novembro de 1993, cansados de esperar providências por parte da Funai, 62 Tapirapé ocuparam o retiro de uma fazenda e reocuparam a aldeia Tapi’itawa. Em 1994, a presidência da Funai aprovou o relatório produzido pelo GT (Grupo Técnico) instituído no ano anterior encarregado de definir a área da TI Urubu Branco conforme proposta dos Tapirapé. Em outubro de 1996 o Ministro da Justiça, Nelson Jobim, assinou a portaria 599 declarando essa Terra Indígena como sendo de posse permanente dos Tapirapé, a qual foi homologada no mesmo ano.

Organização social

Rapaz Tapirapé com sua filha. Foto: Arquivo da Prelazia de São Félix, 1970.
Rapaz Tapirapé com sua filha. Foto: Arquivo da Prelazia de São Félix, 1970.

Uma aldeia Tapirapé é composta por casas dispostas em círculo ao redor da Casa dos Homens, a takara. Até a década de 1950 as casas eram habitadas por famílias extensas. Uma família Tapirapé, idealmente, se compõe de um grupo de mulheres aparentadas (mãe, filhas e netas), representando duas a três gerações. Atualmente, no entanto, a família extensa perde importância e a família nuclear (o casal e seus filhos) é o grupo doméstico mais comum. A família nuclear, como se deduz através das mudanças ocorridas em sua terminologia de parentesco, é também a mais estável unidade de parentesco atual.

Além do parentesco, outro importante princípio organizativo da sociedade Tapirapé são as chamadas “sociedades de pássaros” ou, simplesmente wyra. Exclusivamente masculinas, tais sociedades são divididas em duas grandes “metades”, que por sua vez são compostas por grupos de idade: de homens mais velhos, homens maduros e jovens. Um homem liga-se à “sociedade de pássaro” de seu pai e à medida que cresce vai passando ao outro grupo de sua própria metade. As wyra atuam competitivamente como grupos de caça, de trabalhos cerimoniais, de canto, em tarefas agrícolas, construção de casas etc.

Assim, as wyra dividem a população masculina em duas metades, sendo cada metade dividida em três classes de idade. Wagley (1988) se refere a essas metades como sendo formadas por “pássaros brancos” e “papagaios”, organizadas da seguinte maneira:

Pássaros Brancos Faixa Etária Papagaios
wrachinga Jovens:10 – 16 anos wrankura
wranchingió Homens maduros: 16 – 35 anos anancha
wranchingó Homens mais velhos: 35-55 anos tanawe

Extraído de Wagley, 1988: 117

Outro princípio organizativo da sociedade Tapirapé são os “grupos de comer”, tataopawa. Como seu próprio nome indica, reúnem-se para o consumo de alimentos e atualmente têm função basicamente cerimonial. Até o final da década de 1940, no entanto, atuavam como reguladores, reunindo-se para a distribuição e consumo de alimentos (Wagley, 1977: 15). São grupos de consumo de alimentos (da roça, caça, coleta, pesca etc.) intermediários entre a aldeia e o grupo doméstico. Os “grupos de comer” constituem laços que unem pessoas de casas diferentes, formando uma única unidade social. A transmissão ao “grupo de comer” específico se faz de modo que os filhos pertencem ao grupo do pai e as filhas ao da mãe. Wagley cita oito grupos de tataopawa (aqui registrados segundo sua grafia original):

Tataopawa - “Grupos de Comer”
  • Amirapé (os primeiros)
  • Maniutawera (os da mandioca)
  • Awaiku (os da mandioca doce)
  • Tawaupera (os da aldeia)
  • Chakanepera (os do jacaré)
  • Chanetawa (os da nossa aldeia)
  • Pananiwana (os do rio)
  • Kawano (os da vespa)

Extraído de Wagley, 1988: 128

A importância econômica das “sociedades de pássaros” e dos “grupos de comer” por seu papel na produção e consumo de alimentos é fundamental. A ela se soma sua importância na vida cerimonial do grupo. Através de uma alegre e antiga rivalidade, as “sociedades de pássaros” atuam competitivamente.

Uma aldeia Tapirapé, idealmente, deveria ter uma população suficiente para prover de membros as “sociedades de pássaros” e os “grupos de comer”. Sem essas unidades presentes, a atividade econômica e a vida cerimonial não poderiam operar (Wagley, 1988: 135). Apesar da sobrevivência de formas de produção comunais, basicamente através das wyra, pode-se dizer que estas têm assumido cada vez mais funções rituais e religiosas.

Chefia

Politicamente, a sociedade Tapirapé é extremamente igualitária. Os líderes das diversas casas da aldeia mantém contato diário, através de reuniões noturnas dos homens no pátio da takara. Lá são discutidas todas as questões que digam respeito à comunidade. As principais funções do “cacique”, atualmente, dizem respeito à administração de alguns bens da comunidade, como a caderneta de poupança, a lancha voadeira e o gado. Estabelece também, em nome da comunidade, contato com terceiros, sejam índios ou não. O detentor da chefia formal não faz mais do que referendar decisões discutidas à exaustão pelo coletivo dos homens. Não existe, entre os Tapirapé, a figura de uma liderança forte, o “cacique” ou “capitão”, que se impõe aos demais apoiados em seu segmento residencial.

As atuais lideranças são indivíduos jovens, entre 30 e 40 anos, que falam bem o português, sabem ler e escrever, além de serem surpreendentemente bem informados a respeito do noticiário nacional que acompanham através do rádio. Conquistaram papel de destaque durante o processo de enfrentamento com a Funai e fazendas durante as décadas de 70 e 80. São lideranças testadas e aprovadas pela comunidade no desgastante processo de negociação que lhes garantiu uma terra mínima para viverem em solo matogrossense, evitando seu despejo para a ilha do Bananal. Constituem um perfil de liderança que contrasta com os antigos “caciques”: senhores na terceira idade, com domínio muito limitado do português e que não sabem ler nem escrever mas que tem sólido prestígio ritual e excelente domínio da cultura tradicional e história, e que apoiavam-se, politicamente, na força de seus respectivos segmentos residenciais.

Atividades produtivas

Mulher limpando girinos que comem no início das chuvas. A variedade do sapo é Ami'a. Foto: Antônio Carlos Moura, s/d.
Mulher limpando girinos que comem no início das chuvas. A variedade do sapo é Ami'a. Foto: Antônio Carlos Moura, s/d.

Os Tapirapé vivem em comunidades fortemente apoiadas na atividade agrícola. Suas roças lhes fornecem não só sua base de subsistência, como estruturam, juntamente com a caça, sua vida espiritual.

A base econômica e religiosa se realiza sobre um terreno propício a essa atividade: matas altas não-inundáveis. Somente esse ecossistema permite a existência e a operacionalidade dos princípios que organizam uma aldeia: (1) os grupos de parentesco, (2) as sociedades de pássaros - wyra e (3) os grupos de comer - Tataopawa.

Pelo menos desde o século XIX os Tapirapé exploraram territórios que combinavam florestas de matas altas, propícias ao estabelecimento de roças e caça, com a proximidade de áreas marginais aos afluentes do Araguaia, ricas em lagos para a pesca, e próximas aos campos onde se dedicam, sazonalmente, à intensa coleta de grande variedade de espécies silvestres: cocos, mel e ovos de quelônios.

Uma aldeia, segundo a concepção Tapirapé, deve-se localizar próxima às roças, com os conceitos de aldeia e roça se confundindo. Em certos períodos, como na colheita no início do ano, os Tapirapé chegam a morar em abrigos construídos em meio às suas plantações e todo o calendário religioso do grupo está ligado à maturação dos produtos agrícolas.

A agricultura intinerante utilizada pelos Tapirapé até a década de 1940, quando tinham um imenso território à sua disposição, deu lugar, atualmente, a um aproveitamento mais intensivo dos terrenos propícios à agricultura. Hoje em dia é comum o estabelecimento de roças em capoeiras (roças velhas) e de plantios nos mesmos locais que já aproveitam há muitos anos. Suas atividades agrícolas incluem derrubadas anuais para o estabelecimento de novas roças, fazendo com que desde a década de 1970 suas roças ficassem longe da aldeia.

O abandono do sistema tradicional e o esgotamento dos terrenos próximos à área de refúgio para onde foram transferidos no início da década de 50 fez com que o rendimento da agricultura fosse muito reduzido. Atualmente as espécies mais cultivadas são: mandioca para o fabrico de farinha; milho arroz, banana, mamão, mandioca mansa, aipim, cará, batata doce, abóbora, amendoim, andu (tipo de feijão), algodão e outras espécies menos importantes. Próximo às casas mantêm pés de urucum, mangueiras e cuité, utilizada para fazer kari (uma bolsinha muito vendida como artesanato).

Tradicionalmente, à medida que as roças ficavam muito longe da aldeia, os Tapirapé mudavam essa última para suas proximidades. Wagley (1977) calcula que eram precisos cerca de vinte anos para que a floresta pudesse se recompor e o local ser novamente ocupado. Atualmente, as novas condições de vida a que estão sujeitos os Tapirapé fê-los abandonar esse rodízio de aldeia dentro de um território ciclicamente ocupado. As roças, hoje em dia, localizam-se comumente a 15 ou 20 km longe da aldeia. Essa distância é excessiva aos Tapirapé, que a percorrem diariamente a pé, e carregados de gêneros agrícolas na volta.

Sob o ponto de vista da agricultura, o potencial da TI Tapirapé/Karajá é muito limitado e o perfil de aproveitamento econômico da área é incompatível com um povo eminentemente agricultor como os Tapirapé. Mais de 60% de suas terras são baixas e anualmente submergidas pelas águas. Outra parte importante são os pastos e terrenos arenosos ou impróprios para a agricultura. As partes aproveitáveis, ao norte e noroeste da aldeia Tawyao, encontram-se bastante bem exploradas.

Mulher tecendo tornozeleira em seu filho. Foto: Antônio Carlos Moura, s/d.
Mulher tecendo tornozeleira em seu filho. Foto: Antônio Carlos Moura, s/d.

Os Tapirapé enfatizam cada vez mais as atividades “não tradicionais”, como a produção de artesanato, pesca e criação de gado, como complementos à sua subsistência. A chegada, em 1949, à foz do Tapirapé, uma região rica em lagos piscosos, fez com que a pesca aumentasse consideravelmente sua importância na subsistência Tapirapé. A caça sem dúvida teve sua importância diminuída em relação à pesca em tempos recentes. Através da caça, no entanto, os Tapirapé conseguem uma importante fonte de proteína animal alternativa ao peixe. Caçadas coletivas ou individuais são feitas regularmente, principalmente durante o auge da estação das chuvas (fevereiro e março) nas proximidades da aldeia Tawyao e na região do Urubu Branco. O produto da caça é praticamente a única proteína animal de que o grupo dispõe durante a estação das chuvas.

Caça

A caça possui, além de sua importância na nutrição do grupo, uma função simbólica fundamental. É através da caça que os Tapirapé ativam boa parte da série sociológica através da qual o grupo se estrutura. Somente as caçadas coletivas permitem a atuação conjunta dos wyra, as sociedades de pássaro, e dos “grupos de comer”, os tataopawa. As caçadas rituais são o início e condição para a realização da festa de iniciação dos jovens, seu mais importante conjunto cerimonial religioso, através dos quais são “produzidos” os novos membros da sociedade Tapirapé.

É pela importância simbólica e religiosa dada à caça que os Tapirapé se deslocam regular e anualmente para a serra do Urubu Branco. Para tanto, enfrentam grandes dificuldades: a má-vontade e arrogância dos neo-ocupantes da área que se julgam no direito de proibi-los de freqüentarem o território que percorrem secularmente. Pulando cercas, evitando estradas e sedes de fazendas, disfarçando seus rastros, os Tapirapé enfrentam todo o tipo de dificuldades para praticarem os ritos que constituem sua religião.

As espécies mais procuradas pelos Tapirapé devido seu valor na alimentação são: o porco queixada (Dicotyles albirostris), porco caetetu (Dicotyles tayassu), paca (Coelogenys paca), cotia (Dasyprocata, sp.), tamanduá bandeira (Myrmecophaga jubata), Jabuti (Testudo tabulata), quati(Nasua narica), macaco-prego (Cebus, sp), tartaruga(Podocnemis expansa) e seus ovos, tracajá (Podecnemis unifilio) e seus ovos, veado-campeiro (Dorcephalus bezoarticus), veado-mateiro (Mazama americana), tatu (Euphrarctus sexintus), guariba (Alouatta, sp), anta(Tapirus americanus) e pato-do-mato(Alopochen discolor) dentre outros.

A relação é basicamente a mesma anotada por Wagley (1988), e a única ressalva a se fazer é que, devido à escassez da carne verificada nos dias de hoje, a maioria das espécies interditadas devido a tabus alimentares, como espécies de veado e tatu, tiveram seu consumo atualmente permitido a sexos e grupos etários aos quais, até a década de 40 e 50, eram interditos.

Essa atividade tem para eles outra importância além da econômica e religiosa. Povo de floresta, o Tapirapé tem pela caça uma atração quase lúdica. Ao contrário da pesca, a caça empolga-os. Em dezembro de 1993, bastava alguém gritar que foram vistos porcos do mato nas proximidades que homens armados de rifles, arcos e flechas e bordunas saiam em louca correria na sua perseguição. Os Tapirapé têm necessidade social, alimentar e religiosa de caça.

Coleta e Pesca

A coleta é feita individualmente pelas famílias, que excursionam, durante o verão, pelos campos cerrados abertos, também chamados de “savana” que quando inundados durante o inverno se transformam no “varjão”, típico da região do Araguaia. Segundo um levantamento feito pelos alunos da escola Tapirapé em 1988, o grupo coleta 47 espécies de frutas silvestres. Dentre elas destaca-se o pequi. O conjunto das espécies coletadas pelos Tapirapé é uma importante fonte de alimentos. Possuem um profundo conhecimento botânico da região e aproveitam as espécies vegetais úteis e vitais à sua subsistência. Além de excursões familiares para a coleta em regiões mais distantes, é muito comum mulheres e crianças excursionarem para este fim pelos cerrados próximos à aldeia.

A coleta é feita de forma combinada com a pesca, quando os habitantes da aldeia vão para o cerrado, acampando na beira de lagos e dedicando seu tempo à pesca, procura de ovos de tartarugas nas praias, frutas silvestres, mel, cocos e explorando as matas galerias das proximidades. A coleta do mel para festas rituais é feita pelas sociedades wyra.

A pesca é feita sempre durante o verão em lagoas, pequenos córregos e desaguadouros, através da utilização de armadilhas, do flechamento de peixes em locais pouco profundos, de envenenamento da água com o cipó timbó ou então com rede e arpão. Estes dois últimos métodos são empregados principalmente na pesca ao pirarucu. A pesca é também feita durante o inverno, apesar de mais difícil e menos rentável. Há também a pescaria de “espera”, onde homens fazem jiraus em árvores ou paus próximos à beira do rio e lá ficam esperando a passagem do peixe para flechá-lo.

Artesanato e pecuária

O artesanato é atualmente sua mais importante e praticamente única atividade comercial, através da qual conseguem o dinheiro para aquisição de gêneros hoje indispensáveis, como artigos de ferro, roupas, armas e munição para caça, sal etc. Seu artesanato consiste basicamente na elaboração de artigos de cestaria, arcos e flechas, remos, lanças, cuias decoradas, bordunas, plumária e a famosa tawa, “cara grande”. São em geral artigos de excelente qualidade em termos do material empregado, confecção e acabamento. O comércio é feito através de “regatões” (comerciantes que passam de barco) e turistas que visitam a aldeia no verão. A “Artíndia”, loja de artesanato da Funai, e diversos compradores, representantes de lojas especializadas em artesanato indígena do sul do país, compram sua produção regularmente. Esta é revendida em cidades como S.Félix do Araguaia, Goiânia, Brasília, São Paulo. Outros compradores revendem as peças, especialmente plumárias, no exterior, com boa margem de lucro. Os Tapirapé também empreendem, por conta própria, viagens ao sul do país para venda de seu artesanato.

A criação de gado parece responder à necessidade de procurar novas formas de subsistência dentro de um espaço limitado. Os Tapirapé são, dentre os grupos ligados à administração do Parque Indígena do Araguaia, os únicos cujo rebanho bovino apresenta crescimento contínuo, evitando-se vendas ou abates descontrolados. Seu rebanho bovino, cerca de 200 cabeças de gado, está atualmente aos cuidados de vaqueiros Tapirapé, assalariados pela comunidade. Apesar de desconhecerem boa parte dos fundamentos da pecuária, esta foi a forma encontrada para se livrarem dos constantes desfalques promovidos pelos vaqueiros regionais que contratavam e que vendiam parte do rebanho para criadores de Santa Teresinha.

Xamanismo e ritual

A segurança física e emocional dos Tapirapé depende do poder de seus xamãs. Segundo os Tapirapé, para que uma mulher tenha uma criança é necessário que o xamã, o paxe, entregue a alma da criança à mãe. Isso porque, no mundo sobrenatural dos espíritos anchunga, existe um número finito de almas. O espírito, ou alma, da criança entra na mulher, invocado pelo paxe (Wagley, 1988:141). Dessa forma, a esterilidade ou a fertilidade das mulheres são explicadas pela intervenção de seus xamãs.

Segundo os Tapirapé, a principal “reserva” de almas de crianças, fundamental para a continuidade do grupo, localiza-se precisamente na serra do Urubu Branco. Mais especificamente num grande paredão de pedra, que na estação das chuvas dá origem a uma majestosa queda d’água, que se chama Yrywo’ywawa, “local onde o urubu branco (ou urubu-rei) bebe água”, e que deu origem ao nome regional da serra, por ser o habitat dessa espécie de pássaro. Esse local, considerado como sagrado pelos Tapirapé, é morada de Tarepiri, um personagem mitológico que só aparece para os paxe que os procuram. Tarepiri é considerado como guardião de Yrywo’ywawa e de Towajaawa (também conhecida como serra de S. João, outro local sagrado, também citado como morada do Urubu Branco). Tareperi é considerado o “pai das crianças do lugar onde o urubu branco bebe”, Yrywo’ywawa hakawa. Tareperi defende a integridade do local ante a presença de estranhos, franqueando seu acesso aos paxe.

Para garantir a continuidade dos nascimentos no grupo os paxe precisam dirigir-se, em suas viagens de sonho, até yrywo’ywawa e capturar as almas das crianças para introduzi-las no ventre das mulheres. Outro importante guardião de yrywo’ywawa e de Towajaawa é Karowara, o trovão, que também detém um grande número de almas de crianças.

Os ciclos cerimoniais anuais Tapirapé compõem-se dos seguintes rituais: iniciam-se com os xepaanogawa (final de setembro, início de outubro), segue-se à construção da takara (dezembro), depois o ka’o, depois o Marakayja (final de fevereiro, início de março) e termina com o ritual Tawa (final de junho).

No Marakayja, maior e mais extenso ritual Tapirapé, se dá o ponto culminante dos seus ciclos cerimoniais: a iniciação dos meninos e sua passagem à categoria de homens. Para a realização do cerimonial os Tapirapé dirigem-se à região do Urubu Branco e, guiados por seu paxe, que segundo eles controlam a caça, permanecem na região o tempo suficiente para a obtenção do alimento que será consumido no Marakayja. As equipes formadas pelas metades dos wyra perseguem particularmente os bandos de porcos queixadas, considerados excelente alimento, competindo para ver qual das metades obterá maior quantidade de caça. Os paxe, em seus sonhos, dirigem-se à “casa dos queixadas”, localizada precisamente na serra “Towaiyawá” (na grafia de Wagley) ou Towajaawa (na grafia dos atuais Tapirapé) onde mantém relações sexuais com as queixadas fêmeas, provocando aumento dos bandos. A realização do ritual Marakayja é adiada até que se obtenha a quantidade de carne necessária.

Nota sobre as fontes

Esse texto sobre os Tapirapé foi elaborado a partir do "Relatório de Identificação e delimitação da área indígena Urubu Branco", organizado pelo antropólogo André Amaral de Toral e finalizado em 1994. Tal relatório teve como objetivo servir de base no processo demarcatório da terra indígena Urubu Branco, dada como posse permanente aos Tapirapé no ano de 1996.

Dois trabalhos de peso já haviam sido publicados sobre os Tapirapé. Herbert Baldus, em 1970, publicara: Tapirapé- Tribo tupi no Brasil Central. Baldus visitou os Tapirapé entre os anos 30 e 40, sendo esse uma etnografia de fôlego com inúmeras referências documentais e históricas, fundamentais para o entendimento a respeito dessa cultura. Outra referência fundamental no estudo dos Tapirapé é o norte-americano Charles Wagley, que publicou o livro Lágrimas de Boas-Vindas: Os índios Tapirapé do Brasil Central, publicado em 1988. O antropólogo acompanhou os Tapirapé durante 35 anos, passando um período intenso entre o grupo: 15 meses entre os anos de 1939-40.

Fontes de informação

  • ALHO, Getúlio Geraldo R. Três Casas Indígenas : pesquisa arquitetônica sobre a casa em três grupos - Tukano, Tapirapé e Ramkokamekra. São Carlos : USP, 1985. 91 p. (Dissertação de Mestrado)
  • BALDUS, Herbert. Os grupos de comer e os grupos de trabalho dos Tapirapé. In: --------. Ensaios de etnologia brasileira. São Paulo : Ed. Nacional ; Brasília : INL, 1979. p. 44-59. (Brasiliana, 101)
  • --------. Tapirapé : tribo tupí no Brasil Central. São Paulo : Edusp ; Companhia Editôra Nacional, 1970. 512 p.
  • HECK, Egon Dionísio; PREZIA, Benedito Antônio Genofre. Povos indígenas : terra e vida. São Paulo : Atual, 1999. 80 p. (Espaço e Debate)
  • LEITE, Yonne. De homens, árvores e sapos : forma, espaço e tempo em Tapirapé. Mana, Rio de Janeiro : Museu Nacional, v. 4, n. 2, p. 85-104, out. 1998.
  • PAULA, Eunice Dias de. Escola Tapirapé : processo de apropriação de educação escolar por uma sociedade tupi. Luciara : UEMT, 1997. 90 p. (Monografia de Graduação)
  • --------. Fazendo as regras : a relação dos Tapirapé com a escrita. Rev. do Museu Antropológico, Goiânia : UFGO, v. 3/4, n. 1, p. 43-52, jan./dez.99/00.
  • --------. Os Tapirapé e a escrita : indícios de uma relação singular. Goiânia : UFGO, 2001. 176 p. (Dissertação de Mestrado)
  • --------; PAULA, Luiz Gouvêa de. Xema’eãwa, os jogos de barbante, e a escola Tapirapé. IN: SILVA, Aracy Lopes da; FERREIRA, Mariana Kawall Leal (Orgs.). Práticas pedagógicas na escola indígena. São Paulo : Global, 2001. p. 123-35. (Antropologia e Educação)
  • PAULA, Luiz Gouvêa de. Mudanças de código em eventos de fala na língua Tapirapé durante interações entre crianças. Goiânia : UFGO, 2001. 205 p. (Dissertação de Mestrado)
  • PRACA, Walkiria Neiva. Nomes como predicados na língua Tapirapé. Brasília : UnB, 1999. (Dissertação de Mestrado)
  • O RENASCER do povo Tapirapé. São Paulo : Salesiana, 2002. 254 p.
  • TORAL, André Amaral de. Laudo pericial antropológico relativo à Ação Ordinária de nº 91.0004263-3 (I-1.363/91) de desapropriação indireta na 4ª Vara da Justiça Federal do Mato Grosso. s.l. : s.ed., 1992. 120 p.
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  • --------et al (Coords.). Xanetawa Parageta : histórias das nossas aldeias. São Paulo : Mari ; Brasília : Mec/Pnud, 1996. 112 p.
  • WAGLEY, Charles. Cultural influences on population : a comparison of two tupí tribes. In: GROSS, Daniel R. (Ed.). Peoples and cultures of native South America : an anthropological reader. New York : The American Museum of Natural Story, 1973. p. 145-58.
  • --------. Lágrimas de boas-vindas : os índios Tapirapé do Brasil Central. São Paulo : Edusp, 1988. 304 p. (Reconquista do Brasil, 2 série, 137)
  • --------. Xamanismo Tapirapé. In: SCHADEN, Egon. Leituras de etnologia brasileira. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1976. p. 236-67.