De Povos Indígenas no Brasil
Notícias
Funai perderá atribuição exclusiva de demarcar terras indígenas
09/05/2013
Fonte: Valor Econômico, Política, p. A8
Funai perderá atribuição exclusiva de demarcar terras indígenas
Por André Borges e Tarso Veloso
De Brasília
O compromisso assumido pelo governo diante da bancada ruralista e dos 2 mil produtores rurais que protestaram durante todo o dia em volta do Congresso Nacional carrega decisões que mexem profundamente com o processo de demarcação de terras indígenas no país. São medidas com consequências ainda pouco claras, mas que já geraram um resultado imediato: a tensão aumentou.
Depois de mais de seis horas de discussão com parlamentares na Câmara, em uma audiência regada a bate-boca e protestos apelativos, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, garantiu que o governo publicará, até o fim deste semestre, uma nova regulamentação sobre a demarcação de terras indígenas. O que Gleisi prometeu muda completamente a lógica de demarcação. Essa atribuição, que até hoje é uma exclusividade da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça (MJ), passa a ter novos filtros. Os dados da Funai não serão mais suficientes para que o MJ dê a homologação de uma terra, bastando então a assinatura da presidência. Agora, eles terão de ser confrontados com informações levantadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e ainda passarão pelo crivo dos ministérios da Agricultura, Cidades e Desenvolvimento Agrário. Para os ruralistas, é um avanço, ainda que não corresponda ao que realmente desejavam. Para os índios, trata-se de um retrocesso total.
Ao ler um texto repleto de frases de efeito, como "o futuro jamais repetirá o passado" e "o tempo é aliado do avanço", Gleisi tentou apaziguar os ânimos dos ruralistas, ressaltando a importância da agricultura e também dos direitos dos indígenas, que até hoje sofrem por conta de indefinições sobre seus territórios. Não colheu muito sucesso. Os ruralistas também afinaram seus discursos em casa. Em meio a protestos de "omissão" do governo e de um linchamento público da Funai, o clima ficou tenso durante todo o debate, com direito a atuações cenográficas como a do deputado Vilson Covatti (PP/RS), que ficou de pé, apontou o dedo para Gleisi e, aos gritos, disse que as demarcações só avançarão "se for por cima do meu cadáver".
Irritada, Gleisi chegou a dizer que não admitia que dissessem o governo ignorava a importância da agricultura para o país, como afirmou o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), um dos responsáveis pela convocação (e não convite) da ministra para prestar esclarecimento à Comissão de Agricultura da Câmara.
Apesar do clima de descontentamento, os ruralistas conseguiram ainda uma segunda vitória. A suspensão do processo de demarcação de terras indígenas no Paraná tomada pela Casa Civil - decisão que se baseou em levantamentos feitos pela Embrapa - tornou-se um precedente para que deputados de vários Estados pleiteassem a paralisação imediata de todos os processos de demarcação em andamento no país. Gleisi afirmou que estudos semelhantes já estão em andamento no Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Outros Estados, como Maranhão, Mato Grosso e Minas Gerais, aproveitaram para fazer o mesmo pedido. Ficou acertado que as solicitações serão enviadas à Comissão de Agricultura.
Os parlamentares pressionaram para que todos os processos de demarcação fossem suspensos, até que se defina claramente os novos critérios para distribuição de terras. A ministra, porém, disse apenas que o governo vai estudar "estudar caso a caso". Uma das principais dúvidas, neste momento, está em como se dará a tomada de decisão. O governo pretende criar o tradicional "grupo de trabalho", que se encarregará de analisar as informações obtidas pelas diferentes fontes de dados que alimentarão o processo de demarcação. Não ficou claro, porém, quem dará a palavra final, e como.
Durante todo o tempo, os ruralistas cobraram o avanço da proposta de emenda constitucional (PEC 215), que retira da Funai a atribuição de demarcar terras indígenas, passando essa missão para as mãos do Congresso. O governo não concorda com a proposta. Eles também insistiram na reedição da portaria 303, da Advocacia-Geral da União que abre as terras já demarcadas para implantação de projetos de infraestrutura e mineração. O governo, no entanto, reiterou que a aprovação da portaria está condicionada à decisão do Súpremo Tribunal Federal sobre as ações condicionantes da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, as quais não tiveram um acórdão decisivo até hoje.
Ontem, durante a audiência, um grupo de aproximadamente 30 índios chegou a acompanhar a audiência na Câmara. Houve protesto durante os discursos. Eles deixaram a sessão aos gritos. Fora do prédio, cerca de 2 mil ruralistas gritavam pela instalação da CPI da Funai. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Homero Pereira (PSD-MT), queria entregar do pedido para instalação da CPI ainda ontem, mas deixou para a próxima semana. Os parlamentares dizem ter mais de 200 assinaturas para instalar a CPI. O número mínimo exigido é de 171 adesões. "A CPI será feita de qualquer forma. Ela é um mecanismo de pressão sobre o governo", disse o deputado Alceu Moreira (PMDB/RS).
A reação dos índios, afirmam os principais movimentos do setor, já está a caminho. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) declarou que o governo "assume publicamente uma posição abertamente preconceituosa e discriminatória contra os povos indígenas". O Conselho Indigenísta Missionário (Cimi) manifestou "perplexidade e profunda contrariedade" com a decisão de mudar o processo de demarcação e que se trata de uma decisão "absurda e de caráter inconcebível e inadmissível".
"Ao não cumprir com suas obrigações constitucionais, o governo brasileiro assume a responsabilidade pelos conflitos decorrentes da sua omissão", alertou o Cimi.
Valor Econômico, 09/05/2013, Política, p. A8
http://www.valor.com.br/politica/3116614/funai-perdera-atribuicao-exclusiva-de-demarcar-terras-indigenas
Por André Borges e Tarso Veloso
De Brasília
O compromisso assumido pelo governo diante da bancada ruralista e dos 2 mil produtores rurais que protestaram durante todo o dia em volta do Congresso Nacional carrega decisões que mexem profundamente com o processo de demarcação de terras indígenas no país. São medidas com consequências ainda pouco claras, mas que já geraram um resultado imediato: a tensão aumentou.
Depois de mais de seis horas de discussão com parlamentares na Câmara, em uma audiência regada a bate-boca e protestos apelativos, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, garantiu que o governo publicará, até o fim deste semestre, uma nova regulamentação sobre a demarcação de terras indígenas. O que Gleisi prometeu muda completamente a lógica de demarcação. Essa atribuição, que até hoje é uma exclusividade da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça (MJ), passa a ter novos filtros. Os dados da Funai não serão mais suficientes para que o MJ dê a homologação de uma terra, bastando então a assinatura da presidência. Agora, eles terão de ser confrontados com informações levantadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e ainda passarão pelo crivo dos ministérios da Agricultura, Cidades e Desenvolvimento Agrário. Para os ruralistas, é um avanço, ainda que não corresponda ao que realmente desejavam. Para os índios, trata-se de um retrocesso total.
Ao ler um texto repleto de frases de efeito, como "o futuro jamais repetirá o passado" e "o tempo é aliado do avanço", Gleisi tentou apaziguar os ânimos dos ruralistas, ressaltando a importância da agricultura e também dos direitos dos indígenas, que até hoje sofrem por conta de indefinições sobre seus territórios. Não colheu muito sucesso. Os ruralistas também afinaram seus discursos em casa. Em meio a protestos de "omissão" do governo e de um linchamento público da Funai, o clima ficou tenso durante todo o debate, com direito a atuações cenográficas como a do deputado Vilson Covatti (PP/RS), que ficou de pé, apontou o dedo para Gleisi e, aos gritos, disse que as demarcações só avançarão "se for por cima do meu cadáver".
Irritada, Gleisi chegou a dizer que não admitia que dissessem o governo ignorava a importância da agricultura para o país, como afirmou o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), um dos responsáveis pela convocação (e não convite) da ministra para prestar esclarecimento à Comissão de Agricultura da Câmara.
Apesar do clima de descontentamento, os ruralistas conseguiram ainda uma segunda vitória. A suspensão do processo de demarcação de terras indígenas no Paraná tomada pela Casa Civil - decisão que se baseou em levantamentos feitos pela Embrapa - tornou-se um precedente para que deputados de vários Estados pleiteassem a paralisação imediata de todos os processos de demarcação em andamento no país. Gleisi afirmou que estudos semelhantes já estão em andamento no Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Outros Estados, como Maranhão, Mato Grosso e Minas Gerais, aproveitaram para fazer o mesmo pedido. Ficou acertado que as solicitações serão enviadas à Comissão de Agricultura.
Os parlamentares pressionaram para que todos os processos de demarcação fossem suspensos, até que se defina claramente os novos critérios para distribuição de terras. A ministra, porém, disse apenas que o governo vai estudar "estudar caso a caso". Uma das principais dúvidas, neste momento, está em como se dará a tomada de decisão. O governo pretende criar o tradicional "grupo de trabalho", que se encarregará de analisar as informações obtidas pelas diferentes fontes de dados que alimentarão o processo de demarcação. Não ficou claro, porém, quem dará a palavra final, e como.
Durante todo o tempo, os ruralistas cobraram o avanço da proposta de emenda constitucional (PEC 215), que retira da Funai a atribuição de demarcar terras indígenas, passando essa missão para as mãos do Congresso. O governo não concorda com a proposta. Eles também insistiram na reedição da portaria 303, da Advocacia-Geral da União que abre as terras já demarcadas para implantação de projetos de infraestrutura e mineração. O governo, no entanto, reiterou que a aprovação da portaria está condicionada à decisão do Súpremo Tribunal Federal sobre as ações condicionantes da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, as quais não tiveram um acórdão decisivo até hoje.
Ontem, durante a audiência, um grupo de aproximadamente 30 índios chegou a acompanhar a audiência na Câmara. Houve protesto durante os discursos. Eles deixaram a sessão aos gritos. Fora do prédio, cerca de 2 mil ruralistas gritavam pela instalação da CPI da Funai. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Homero Pereira (PSD-MT), queria entregar do pedido para instalação da CPI ainda ontem, mas deixou para a próxima semana. Os parlamentares dizem ter mais de 200 assinaturas para instalar a CPI. O número mínimo exigido é de 171 adesões. "A CPI será feita de qualquer forma. Ela é um mecanismo de pressão sobre o governo", disse o deputado Alceu Moreira (PMDB/RS).
A reação dos índios, afirmam os principais movimentos do setor, já está a caminho. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) declarou que o governo "assume publicamente uma posição abertamente preconceituosa e discriminatória contra os povos indígenas". O Conselho Indigenísta Missionário (Cimi) manifestou "perplexidade e profunda contrariedade" com a decisão de mudar o processo de demarcação e que se trata de uma decisão "absurda e de caráter inconcebível e inadmissível".
"Ao não cumprir com suas obrigações constitucionais, o governo brasileiro assume a responsabilidade pelos conflitos decorrentes da sua omissão", alertou o Cimi.
Valor Econômico, 09/05/2013, Política, p. A8
http://www.valor.com.br/politica/3116614/funai-perdera-atribuicao-exclusiva-de-demarcar-terras-indigenas
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